Livro ‘Factfulness’ por Hans Rosling

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Um livro que destrói mitos apresentando fatos e estatísticas de forma clara e divertida. Que porcentagem da população mundial vive na pobreza? Qual é o número de crianças vacinadas no mundo hoje? Quantas meninas terminam a escola? Quando confrontadas com perguntas simples a respeito das tendências globais, as pessoas sistematicamente dão respostas incorretas. Isso acontece quando nos preocupamos com tudo o tempo todo em vez de compreendermos as coisas como realmente são, e perdemos a capacidade de nos concentrar nas verdadeiras ameaças. Tomando emprestado o conceito de mindfulness (o ato de ter atenção plena nas experiências, atividades e sensações do presente), os autores propõem a ideia de factfulness: o hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos. Inspirador, bem-humorado e cheio de histórias emocionantes, Factfulness é um livro urgente e essencial que mudará a maneira como você vê o mundo e o capacitará a responder melhor às crises e oportunidades do futuro.

Páginas: 360 páginas; Editora: Record; Edição: 1 (29 de julho de 2019); ISBN-10: 8501116521; ISBN-13: 978-8501116529; ASIN: B07VDVQ5FX

Livro 'Factfulness' por Hans Rosling
Livro 'Factfulness' por Hans Rosling

À brava mulher descalça, cujo nome não conheço, mas cujos argumentos racionais me salvaram de ser trucidado por uma multidão de homens furiosos com facões

NOTA DO AUTOR

Factfulness foi escrito na minha voz, como se fosse eu sozinho, e conta muitas histórias da minha vida. Mas, por favor, não se engane. Assim como as palestras TED e outras que venho dando no mundo inteiro nos últimos dez anos, este livro é obra de três pessoas, não uma.

Geralmente, sou eu que apareço. Subo no palco e dou as palestras. Recebo os aplausos. Mas tudo o que você ouve nas minhas apresentações, e tudo o que você ler neste livro, é fruto de dezoito anos de intensa colaboração entre mim, meu filho Ola Rosling e minha nora Anna Rosling Rönnlund.

Em 2005, fundamos a Fundação Gapminder, com a missão de combater a ignorância devastadora com uma visão de mundo baseada em fatos. Contribuí com energia, curiosidade e uma vida inteira de experiências como médico, pesquisador e palestrante sobre saúde global. Ola e Anna ficaram responsáveis pela análise de informações, explicações visuais inventivas, histórias envolvendo dados e um design de apresentação simples. Foi ideia deles medir sistematicamente a ignorância, e eles projetaram e programaram nossos incríveis gráficos de bolhas desenhadas. A Dollar Street, uma maneira de usar fotografias como dados para explicar o mundo, foi criação de Anna. Enquanto eu me irritava cada vez mais com a ignorância das pessoas sobre o mundo, Ola e Anna excederam a análise para além da raiva, cristalizando a humilde e relaxante ideia de Factfulness. Juntos, definimos as ferramentas práticas de pensamento que apresentamos neste livro.

O que você está prestes a ler não foi inventado de acordo com o estereótipo do “gênio solitário”. Em vez disso, é o resultado de constantes discussões, argumentações e colaboração entre três pessoas com diferentes talentos, conhecimentos e perspectivas. Esse modo incomum, frequentemente exasperante, mas profundamente produtivo de trabalhar, resultou em uma maneira de apresentar o mundo e de pensar a seu respeito que eu jamais poderia ter criado sozinho.

INTRODUÇÃO

Por que eu adoro o circo

Eu adoro o circo. Adoro assistir a um malabarista arremessar ensurdecedoras serras elétricas no ar, ou um equilibrista dar dez piruetas seguidas na corda bamba. Adoro o espetáculo e a sensação de deslumbramento e prazer em testemunhar o aparentemente impossível.

Quando criança, meu sonho era me tornar um artista de circo. Por outro lado, o sonho dos meus pais era que eu tivesse a boa educação que eles nunca tiveram. Assim, acabei estudando medicina.

Uma tarde, na faculdade, durante uma aula entediante sobre o funcionamento da garganta, o professor explicou que “se alguma coisa está entalada, a passagem pode ser corrigida movimentando-se a mandíbula para a frente”. Para ilustrar, ele mostrou uma radiografia de uma engolidora de espadas em ação.

Tive um lampejo de inspiração. O meu sonho não estava perdido! Algumas semanas antes, enquanto estudava reflexos, eu havia descoberto que, entre todos os meus colegas de classe, eu era o que conseguia enfiar os dedos mais fundo na garganta sem vomitar. Na hora, não senti tanto orgulho: não achava que fosse uma habilidade importante. Mas agora compreendia o valor e, instantaneamente, meu sonho de criança retornava à vida. Decidi me tornar um engolidor de espadas.

Livro 'Factfulness' por Hans Rosling
Imagem – livro ‘Factfulness: O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos’ por Hans Rosling

As tentativas iniciais não foram animadoras. Como não tinha uma espada, usei uma vara de pescar. Mas, por mais que ficasse na frente do espelho no banheiro e tentasse, eu só avançava uns três centímetros e a vara entalava. Por fim, pela segunda vez, desisti do meu sonho.

Três anos depois, eu era um médico residente num hospital. Uma das minhas primeiras pacientes foi uma idosa com uma tosse persistente. Eu sempre perguntava a profissão das pessoas, para o caso de ser relevante, e fiquei sabendo que ela costumava engolir espadas. Imagine a minha surpresa quando descobri que essa paciente era exatamente a mesma engolidora de espadas daquela radiografia! E imagine o que ela falou quando contei sobre as tentativas com a vara de pescar.

— Meu jovem médico — disse ela —, você não sabe que a garganta é plana? Só dá para enfiar coisas planas. É por isso que usamos uma espada.

Naquela noite, depois do expediente, achei uma concha de sopa com um cabo plano e reto e imediatamente retomei minhas tentativas. Em pouco tempo, consegui enfiar todo o cabo dentro da garganta. Fiquei animado, mas meu sonho não era ser um engolidor de concha de sopa. No dia seguinte, coloquei um anúncio no jornal e logo pude comprar o que eu precisava: uma baioneta do exército sueco de 1809. Ao conseguir deslizá-la para dentro da minha garganta, senti ao mesmo tempo profundo orgulho pelo feito e grande satisfação por ter encontrado uma ótima maneira de reciclar armas.

Engolir espadas sempre foi uma forma de mostrar que o aparentemente impossível pode ser possível, o que inspirou os humanos a pensar além do óbvio. De vez em quando, eu demonstro essa antiga arte hindu no final de uma palestra sobre desenvolvimento global. Subo numa mesa e rasgo minha professoral camisa listrada para revelar uniforme preto decorado com um reluzente raio dourado. Peço silêncio total e, acompanhado pelo rufar de um tambor, lentamente enfio a baioneta militar garganta abaixo. Então estico os braços, e a plateia vai ao delírio.

Submeta-se a um teste

Este livro é sobre o mundo e sobre como compreendê-lo. Então, por que iniciá-lo falando sobre circo? E por que eu terminaria uma palestra me exibindo num uniforme faiscante? Vou explicar em breve. Mas, antes, gostaria que você testasse seus conhecimentos sobre o mundo. Por favor, pegue uma folha de papel e um lápis e responda às treze perguntas factuais abaixo.

1. Em todos os países de baixa renda do mundo, hoje, quantas meninas terminam o ensino fundamental?
A: 20%
B: 40%
C: 60%

2. Onde vive a maioria da população mundial?
A: Países de baixa renda
B: Países de renda média
C: Países de alta renda

3. Nos últimos vinte anos, a proporção da população mundial vivendo em extrema pobreza…?
A: quase dobrou
B: ficou mais ou menos igual
C: caiu quase pela metade

4. Qual é a expectativa de vida no mundo hoje?
A: 50 anos
B: 60 anos
C: 70 anos

5. Existem hoje no mundo 2 bilhões de crianças de 0 a 15 anos de idade. Quantas crianças haverá no ano 2100, de acordo com a ONU?
A: 4 bilhões
B: 3 bilhões
C: 2 bilhões

6. A ONU prevê que em 2100 a população mundial terá crescido em mais 4 bilhões. Qual o principal motivo?
A: Haverá mais crianças (com idade abaixo de 15)
B: Haverá mais adultos (com idade de 15 a 74)
C: Haverá mais pessoas muito idosas (de 75 ou mais)

7. Ao longo dos últimos cem anos, o que ocorreu com o número de mortes anuais decorrentes de desastres naturais?
A: Mais do que dobrou
B: Permaneceu mais ou menos igual
C: Diminuiu para menos da metade

8. Há aproximadamente 7 bilhões de pessoas no mundo hoje. Qual mapa melhor reproduz onde elas vivem? (Cada figura representa 1 bilhão de pessoas.)

Livro 'Factfulness' por Hans Rosling
Factfulness O hábito libertador de só ter opiniões baseadas em fatos

9. Qual porcentagem de crianças de 1 ano no mundo hoje já foram vacinadas contra alguma doença?
A: 20%
B: 50%
C: 80%

10. Em média, no mundo todo, homens de 30 anos passaram dez anos na escola. Quantos anos passaram na escola mulheres da mesma idade?
A: Nove anos
B: Seis anos
C: Três anos

11. Em 1996, tigres, pandas-gigantes e rinocerontes-negros foram listados como ameaçados. Desde então, quantas dessas espécies ficaram ameaçadas com maior gravidade?
A: Duas
B: Uma
C: Nenhuma

12. Quantas pessoas no mundo têm algum acesso a eletricidade?
A: 20%
B: 50%
C: 80%

13. Especialistas em clima global acreditam que, nos próximos cem anos, a temperatura média irá…
A: Esquentar
B: Permanecer a mesma
C: Esfriar

Aqui estão as respostas corretas:

1: C, 2: B, 3: C, 4: C, 5: C, 6: B, 7: C, 8: A, 9: C, 10: A, 11: C, 12: C, 13: A

Marque um ponto para cada resposta correta e escreva o seu total na folha de papel.

Cientistas, chimpanzés e você

Como você se saiu? Errou muitas? Achou que estava chutando muito? Caso sim, devo dizer duas coisas para confortar você.

Primeira, após terminar este livro, você se sairá muito melhor. Não porque eu vou ter feito você se sentar e memorizar uma série de estatísticas globais. (Sou um professor de saúde global, mas não sou doido.) Você vai se sair melhor porque eu terei compartilhado com você um conjunto de ferramentas simples para pensar. Elas irão ajudá-lo a compreender bem o quadro geral, e a melhorar seu senso de como o mundo funciona, sem precisar aprender todos os detalhes.

E segunda: se você foi mal nesse teste, está em boa companhia.

Durante as últimas décadas, apresentei centenas de perguntas factuais como essas, a respeito de miséria e riqueza, crescimento populacional, nascimentos, mortes, educação, saúde, gênero, violência, energia e meio ambiente — padrões e tendências globais básicos — a milhares de pessoas ao redor do planeta. Os testes não são complicados e não há pegadinhas. Tenho o cuidado de usar apenas fatos que são bem-documentados e inquestionáveis. No entanto, a maioria das pessoas vai muito mal.

A terceira pergunta, por exemplo, é sobre a tendência da pobreza extrema. Ao longo dos últimos vinte anos, a proporção da população global vivendo em pobreza extrema caiu pela metade. Isso é totalmente revolucionário. Considero como a mudança mais importante que aconteceu no mundo no período da minha vida. Também é um fato bastante básico para se saber sobre a vida na Terra. Mas as pessoas não sabem. Na média, somente 7% — menos de uma pessoa em dez! — respondem certo.

RESULTADOS DA QUESTÃO FACTUAL 3: porcentagem que respondeu corretamente.
Nos últimos vinte anos, a proporção da população mundial vivendo em extrema pobreza…?
(Resposta certa: caiu quase pela metade.)

Fontes: Ipsos-MORI[1] e Novus

(Sim, eu tenho falado muito sobre o declínio da pobreza global na mídia sueca.)

Nos Estados Unidos, democratas e republicanos frequentemente afirmam que seus oponentes não conhecem os fatos. Se eles medissem o próprio conhecimento, em vez de ficarem apontando o dedo uns para os outros, talvez todos pudessem se tornar um pouco mais humildes. Quando fizemos a pesquisa nos Estados Unidos, apenas 5% escolheram a resposta certa. Os demais 95%, independentemente de suas preferências eleitorais, acreditavam que a taxa de pobreza extrema não tinha mudado nos últimos vinte anos ou que, pior, na verdade tinha dobrado — o que literalmente é o oposto do que realmente aconteceu.

Vamos considerar outro exemplo: a nona pergunta, sobre vacinação. Quase todas as crianças no mundo hoje estão vacinadas. Isso é incrível. Significa que quase todos os seres humanos vivos hoje têm algum tipo de acesso aos modernos cuidados básicos de saúde. Mas a maioria das pessoas não sabe disso. Em média, somente 13% das pessoas acertam a resposta.

RESULTADOS DA QUESTÃO FACTUAL 9: porcentagem que respondeu corretamente.
Quantas das crianças de 1 ano do mundo hoje foram vacinadas contra alguma doença?
(Resposta certa: 80%.)

Fontes: Ipsos-MORI[1] e Novus

Com relação à pergunta final, sobre as mudanças climáticas, 86% das pessoas respondem corretamente. Em todos os países ricos em que testamos o conhecimento público a partir de pesquisas on-line, a maioria sabia que os especialistas climáticos estão prevendo temperaturas mais altas. Em apenas poucas décadas, as descobertas científicas saíram dos laboratórios e chegaram ao público. É um grande caso de sucesso sobre a população se conscientizando a respeito de algo.

Mas, mudanças climáticas à parte, trata-se da mesma história de ignorância maciça (com isso não quero dizer estupidez, ou qualquer coisa intencional, mas simplesmente a falta de conhecimento correto) em todas as outras doze perguntas. Em 2017, pedimos a quase 12 mil pessoas em catorze países que respondessem às nossas questões. Em média, elas acertaram apenas duas respostas nas doze primeiras perguntas. Ninguém acertou todas, e somente uma pessoa (na Suécia) respondeu certo a onze das doze. Impressionantes 15% erraram todas.

Talvez você imagine que gente com mais educação se saia melhor? Ou pessoas que têm maior interesse pelos temas? Eu certamente já pensei isso, mas estava enganado. Testei plateias do mundo inteiro e de todas as classes: estudantes de medicina, professores, acadêmicos, cientistas eminentes, banqueiros, executivos de multinacionais, jornalistas, ativistas e até mesmo autoridades públicas graduadas. São pessoas altamente educadas que se interessam pelo mundo. Mas a maior parte delas — uma impressionante maioria — errou a maior parte das respostas. Alguns desses grupos tiveram até mesmo desempenho pior do que o público geral; alguns dos resultados mais deploráveis vieram de um grupo de vencedores do prêmio Nobel e pesquisadores médicos. Não é uma questão de inteligência. Todos parecem compreender o mundo de uma maneira devastadoramente equivocada.

Não apenas devastadoramente equivocada, mas sistematicamente equivocada. Quero dizer com isso que os resultados dos testes não são aleatórios. São piores do que aleatórios: são piores do que os resultados que eu obteria se as pessoas respondendo a minhas perguntas não tivessem qualquer conhecimento.

Imagine que eu decida ir até o zoológico fazer minhas perguntas aos chimpanzés. Imagine que eu leve comigo enormes quantidades de bananas, cada uma delas marcada com A, B ou C, e jogue-as nas jaulas. Imagine, então, que eu fique do lado de fora, lendo as perguntas em alto e bom som, anotando como resposta de cada chimpanzé a letra marcada na banana que o animal comer em seguida.

Se eu fizesse isso (o que jamais seria o caso, mas apenas imagine), os chimpanzés, ao pegarem randomicamente as frutas, se sairiam consistentemente melhores do que os bem-educados, porém enganados, seres humanos que fizeram meus testes. Por meio de pura sorte, a tropa de chimpanzés iria acertar 33% de cada pergunta com três alternativas, ou quatro das primeiras doze questões de todo o teste. Lembre-se de que os humanos que eu testei, em média, acertaram somente duas das doze perguntas do questionário.

Além disso, os erros dos chimpanzés estariam igualmente divididos entre as duas respostas erradas, enquanto os erros humanos tendem a ir em uma só direção. Todo grupo de pessoas que eu questiono pensa que o mundo é mais assustador, mais violento e menos esperançoso — em suma, mais dramático — do que realmente é.

Por que não ganhamos dos chimpanzés?

Como tantas pessoas podem estar tão enganadas a respeito de tanta coisa? Como é possível que a maioria das pessoas acerte menos do que chimpanzés? Pior do que aleatório!

Quando tive o primeiro pequeno vislumbre dessa ignorância maciça, em meados da década de 1990, fiquei contente. Havia começado a dar um curso sobre saúde global no Instituto Karolinska, na Suécia, e estava um pouco nervoso. Os estudantes eram incrivelmente inteligentes; quem sabe até mesmo já soubessem tudo o que eu tinha para ensinar-lhes? Que alívio quando descobri que meus estudantes sabiam menos a respeito do mundo do que os chimpanzés.

Porém, quanto mais eu aplicava meus testes, mais ignorância encontrava, não apenas entre meus estudantes, mas em toda parte. Achava frustrante e preocupante que as pessoas estivessem tão enganadas a respeito do mundo. Quando se usa o GPS no carro, é importante que ele contenha a informação certa.

Ninguém confiaria em um aparelho que parecesse estar utilizando um caminho diferente, porque ele acabaria chegando a um lugar errado. Assim, como as autoridades e os políticos poderiam resolver os problemas globais se estavam trabalhando com fatos errados? Como os empresários poderiam tomar decisões corretas para suas organizações se suas visões de mundo estavam de ponta cabeça? E como cada pessoa tocando sua vida poderia saber com quais questões deveria se estressar e preocupar?

Resolvi começar a fazer mais do que apenas testar o conhecimento e expor a ignorância. Decidi tentar entender o porquê. Por que essa ignorância a respeito do mundo era tão disseminada e recorrente? Todos nós estamos errados às vezes — eu também, não hesito em admitir isso —, mas como tantas pessoas poderiam estar enganadas sobre tanta coisa? Por que tanta gente estava se saindo pior do que os chimpanzés nos testes?

Uma noite, trabalhando até tarde na universidade, tive um momento de eureca. Percebi que o problema não poderia simplesmente ser o fato de as pessoas não terem o conhecimento, porque isso resultaria em respostas aleatoriamente incorretas — respostas de chimpanzés —, e não em respostas piores do que o randômico, piores do que chimpanzés, respostas sistematicamente erradas. Um desempenho tão ruim poderia vir apenas de um “conhecimento” diligentemente errado.

Aha! Era isso! Aquilo com que eu estava lidando — ou pelo menos foi o que pensei, por muitos anos — era um problema de atualização: meus estudantes de saúde global, e todas as outras pessoas que fizeram os testes ao longo dos anos, tinham conhecimento, mas ele estava desatualizado, frequentemente em várias décadas. As pessoas preservavam uma visão de mundo da época em que seus professores haviam saído da escola.

Desse modo, para erradicar a ignorância — pelo menos dentro da minha conclusão —, eu precisava atualizar o conhecimento das pessoas. E, para tanto, era necessário desenvolver materiais didáticos que apresentassem os dados de forma mais clara. Após contar a Ola e Anna durante um jantar de família sobre minhas dificuldades, os dois se envolveram e começaram a desenvolver gráficos desenhados. Viajei pelo mundo com essas elegantes ferramentas didáticas. Elas me levaram a palestras TED em Monterey, Berlim e Cannes, às salas de reuniões dos conselhos de multinacionais como Coca Cola e IKEA, a bancos e fundos de cobertura globais, ao Departamento de Estado dos Estados Unidos. Fiquei entusiasmado ao utilizar nossos gráficos desenhados para demonstrar a todos como o mundo havia mudado. Tive grande prazer em contar às pessoas que elas eram membros da nobreza sem roupas, que nada sabiam sobre o mundo. Nós queríamos instalar a atualização da visão de mundo em todas as pessoas.

Aos poucos, porém, percebemos que havia algo mais acontecendo. A ignorância que não parávamos de encontrar não era apenas um problema de atualização. Não podia ser resolvida simplesmente com o fornecimento de animações mais claras sobre dados ou melhores ferramentas didáticas. Com tristeza, percebi que até mesmo as pessoas que adoravam minhas palestras não estavam realmente ouvindo o que eu estava dizendo. Elas de fato podiam ficar inspiradas momentaneamente, mas, depois das minhas apresentações, continuavam atoladas em sua antiga visão e negativa de mundo. As novas ideias simplesmente não pegavam. Até mesmo logo após minhas palestras, ouvia gente expressando crenças sobre pobreza ou crescimento populacional que eu acabara de desmentir com fatos. Fiquei muito perto de desistir.

Por que a dramática visão de mundo era tão persistente? A culpada seria a mídia? Naturalmente, pensei sobre isso. Mas essa não era a resposta. Sim, a mídia tem um papel, e irei discutir isso mais tarde, mas não devemos transformá-la na vilã da história. Não podemos nos resumir a apenas vaiar a mídia.

Tive um momento marcante em janeiro de 2015, no Fórum Econômico Mundial, na pequena e sofisticada cidade suíça de Davos. Mil dos mais poderosos e influentes líderes políticos e econômicos, empresários, pesquisadores e ativistas de todo o mundo, e até mesmo muitos funcionários do alto escalão da ONU, fizeram fila para conseguir um lugar na principal sessão do fórum sobre desenvolvimento socioeconômico e sustentável, que teria Bill Gates, Melinda Gates e eu. Examinando o salão ao subir ao palco, notei vários chefes de Estado e um ex-secretário-geral da ONU. Vi diretores de agências da ONU, líderes de grandes multinacionais e jornalistas que reconheci da TV.

Em alguns instantes, eu iria perguntar à plateia três questões factuais — sobre pobreza, crescimento populacional e índices de vacinação — e estava bastante nervoso. Se a plateia soubesse as respostas, então nenhum dos meus elaborados slides, que revelavam o quanto estavam errados e o que deveriam ter respondido, funcionaria.

Minha preocupação foi em vão. Aquela plateia internacional de elite, que passaria os dias seguintes explicando o mundo uns aos outros, realmente sabia mais sobre pobreza do que o público geral. Impressionantes 61% responderam corretamente. Mas nas duas outras perguntas, sobre o futuro do crescimento populacional e a oferta de assistência de saúde básica, eles também se saíram pior do que os chimpanzés. Eram pessoas que tinham acesso a todos os dados mais recentes e a conselheiros que poderiam atualizá-los continuamente. Não era possível que a ignorância deles se devesse a uma visão de mundo ultrapassada. Contudo, até mesmo aquelas pessoas estavam compreendendo de forma equivocada os fatos básicos sobre o mundo.

Após Davos, as coisas se cristalizaram.

fim da amostra…


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