Livro ‘O último suspiro de César’ por Sean Kean

Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
A história épica do ar à nossa volta
O ar é invisível. É onipresente. Sem ele, morreríamos em minutos. E tem uma história épica para contar. Em O último suspiro de César, o superpremiado autor de divulgação científica Sam Kean nos leva a uma viagem através da tabela periódica, ao redor do globo e ao longo do tempo para contar a história do ar que respiramos − que vem a ser também a história da Terra e de nossa existência nela. A cada respiração, inalamos a história do mundo. Nos idos de 44 a.C., o imperador romano Júlio César morreu a punhaladas no Senado, mas seu último suspiro ainda continua por aí, e nós estamos inalando parte dele agora. Dos sextilhões de moléculas que entram e saem de nossos pulmões neste exato momento...
isbn: 9788537818435
idioma: Português
encadernação: Brochura
formato: 16 x 23
páginas: 360
ano de edição: 2019
edição: 1ª

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Leia trecho do livro

“Ver o mundo num grão de areia
E o céu numa flor do campo,
Conter o infinito na palma da mão
E a eternidade em uma hora.”

William Blake, “Auguries of innocence”

Introdução

O último suspiro

Permita-me submetê-lo a um modesto experimento. Durante os próximos segundos, tente prestar muita atenção ao ar que sai do seu corpo, como se ele fosse seu último suspiro de vida na Terra. Quanto você sabe realmente sobre esse ar? Sinta seus pulmões se esvaziarem e afrouxarem dentro do peito. O que de fato está acontecendo lá dentro? Ponha a mão diante de seus lábios e sinta como o gás que escapa deles se transformou dentro de você, ficando mais quente e mais úmido, talvez adquirindo um odor. Que espécie de alquimia causou isso? E embora seu sentido do tato esteja longe de ter capacidade de discriminação suficiente, imagine que consegue sentir cada molécula de gás batendo nas pontas de seus dedos, minúsculos halteres colidindo e ricocheteando no ar à sua volta. Quantas são essas moléculas e para onde elas vão?

Algumas não vão longe. Assim que você respira de novo, elas voltam correndo para seus pulmões como ondas que se lançam na praia antes de serem recolhidas pelo mar. Outras se afastam um pouco mais e correm para a liberdade no quarto ao lado antes de retornar também, filhos pródigos em miniatura. A maioria simplesmente se junta às massas anônimas da atmosfera e começa a se espalhar em volta do globo. Mas mesmo nesse caso, talvez meses mais tarde, alguns cansados peregrinos voltarão cambaleando para você. É possível que você seja uma pessoa muito diferente entre o primeiro e o segundo encontro com essas moléculas, mas os fantasmas de respirações passadas continuam a esvoaçar à sua volta cada segundo de cada hora, confrontando-o com cada ontem.

Claro que você não é o único a experimentar isso; a mesma coisa acontece com todas as outras pessoas na Terra. Além do mais, seus fantasmas estão quase certamente emaranhados com os delas, pois elas decerto inalaram e expeliram e voltaram a inspirar algumas dessas mesmas moléculas depois de você – ou mesmo antes. De fato, se você está lendo isso em público, está inalando a exalação de cada pessoa à sua volta nesse instante – ar de segunda mão. Sua reação a isso provavelmente dependerá da companhia em que estiver. Às vezes gostamos dessa mistura de ares, igual a quando amantes se inclinam sobre nós e sentimos seu hálito em nosso pescoço; às vezes o abominamos, como quando o tagarela ao nosso lado no avião comeu alho no almoço. Mas, a menos que respiremos num tanque, não escapamos do ar daqueles que nos cercam. Reciclamos o hálito de nossos vizinhos o tempo todo, mesmo vizinhos distantes. Assim como a luz de estrelas pode se refletir em nossa íris, o que perdura da respiração de um estranho de Tombuctu pode chegar flutuando na próxima brisa.

No que é ainda mais assombroso, nosso hálito pode nos enredar com o passado histórico. É possível que algumas das moléculas em sua próxima respiração sejam emissárias do  de Setembro, da queda do Muro de Berlim ou testemunhas da Primeira Guerra Mundial. E se expandirmos nossa imaginação o suficiente no espaço e no tempo, evocamos algumas perspectivas fascinantes. Por exemplo, será possível que sua próxima respiração – esta, agora mesmo – inclua um pouco do mesmo ar que Júlio César exalou quando morreu?

Você conhece a história. Os idos de março, Roma, 44 a.C. Júlio César – pontifex maximus, dictator perpetuo, o xará de julho e o primeiro romano vivo a ter sua imagem numa moeda – entra na sala de reunião do Senado, parecendo surpreendentemente lépido após uma noite conturbada. Num jantar a que comparecera, a conversa derivara para o assunto um tanto mórbido da melhor maneira de morrer. (César havia declarado sua preferência por uma morte repentina, inesperada.) Epiléptico, ele havia também dormido mal aquela noite, e sua mulher tivera sonhos agourentos sobre a casa deles desmoronando enquanto ela segurava um César ensanguentado nos braços.

Em consequência de tudo isso, ele quase ficou em casa naquela manhã. Mas no último minuto mandou seus criados prepararem a liteira, e enquanto seu séquito dirigia-se para o Fórum, finalmente relaxou, seu fôlego tornou-se mais livre e natural. Até caçoou de um adivinho pelo caminho, um homem que um mês antes profetizara ruína para César em algum momento antes de meados de março. César encheu os pulmões e gritou: “Os idos de março chegaram!” O vidente respondeu sem sorrir: “Sim, César, mas não passaram.”

Quando César entrou na sala de reunião, centenas de senadores se levantaram. Estava provavelmente abafado ali dentro, pois a respiração misturada e o calor corporal de todos aqueciam o ar havia algum tempo. Antes que César pudesse se acomodar em sua cadeira dourada, porém, um senador chamado Címber aproximou-se dele com um pedido de perdão para o irmão. Címber sabia que César jamais o concederia, mas esse era o objetivo. Címber continuou suplicando e César continuou negando, e sessenta senadores tiveram nesse momento uma oportunidade para avançar furtivamente, como se oferecessem apoio. César continuava sentado entre eles, imperial e cada vez mais irritado. Tentou interromper a discussão, mas Címber pôs as mãos em concha sobre os ombros de César como para lhe fazer um rogo – em seguida puxou para baixo sua toga púrpura, expondo o peito de César.

– Ora, isso é uma violência – disse César. Ele não fazia ideia do quanto estava certo. Um senador chamado Casca deu-lhe uma estocada com seu punhal um instante depois, fazendo um talho no pescoço de César. – Casca, seu canalha, o que está fazendo? – bradou César, mais atônito que furioso. Contudo, quando a multidão dos “suplicantes” avançou sobre ele, cada um dos homens puxou a própria toga para um lado, expondo um pouco de pele, e abriu a bolsa de couro no cinto, onde normalmente se guardava um estilo. Em vez de sessenta penas, sessenta punhais de ferro emergiram. César finalmente entendeu. Sic semper tyrannis.*

* “Assim sempre aos tiranos.” A frase latina é uma versão abreviada de Sic semper evello mortem tyrannis: “Assim sempre eu levo a morte aos tiranos.” (N.T.)

César defendeu-se no princípio, mas após as primeiras punhaladas o piso de mármore sob suas sandálias ficou escorregadio de sangue. Ele logo se enredou em seus trajes e caiu. Diante disso os assassinos precipitaram-se, apunhalando César 23 vezes ao todo. Ao examinar o corpo mais tarde, o médico determinou que 22 dos talhos eram superficiais. Sem dúvida o corpo de César foi tomado de pânico um pouco mais a cada ferimento, e o choque teria retirado sangue da periferia para o centro, a fim de manter o oxigênio fluindo para os órgãos vitais. Mas ele ainda teria sobrevivido, disse o médico, não fosse por uma das perfurações: uma única punhalada no coração.

Segundo a maior parte das narrativas, César enrolou-se na toga antes de cair e morreu sem um gemido. Mas, de acordo com um relato – e é fácil ver por que esse relato, mais que todos os outros, cativou as pessoas por 2 mil anos –, César sentiu uma punhalada na virilha pouco antes de cair e limpar os olhos lambuzados de sangue. Ao fazê-lo, avistou seu protegido Brutus no meio do bando, um brilho vermelho no punhal. César compreendeu e murmurou: “Até tu, meu filho?”, entre perguntando e afirmando. Em seguida cobriu-se para preservar um pouco de dignidade e desabou no chão com um último e doloroso suspiro. O que “aconteceu” então com essa exalação? A princípio a resposta parece óbvia: desapareceu. César morreu tanto tempo atrás que pouco resta do prédio onde ele tombou, muito menos de seu corpo, queimado até se reduzir a cinzas. Os punhais de ferro provavelmente já se desintegraram, transformados em crosta de poeira pela ferrugem. Como poderia então algo tão efêmero quanto uma exalação ainda perdurar? Na melhor das hipóteses, a atmosfera se expande tão amplamente que o último suspiro de César decerto dissolveu-se no nada, a essa altura eliminado no éter. Você pode cortar uma veia no oceano, mas não espera que meio litro de sangue seja lançado à praia 2 mil anos depois.

Quero dizer, considere os números. Seus pulmões expelem meio litro de ar a cada respiração normal; um César arquejante provavelmente exalou um litro inteiro, volume equivalente a um balão com treze centímetros de largura. Agora compare esse balão com o simples tamanho da atmosfera. Dependendo do lugar onde você a corta, a massa da atmosfera forma uma concha em volta da Terra de cerca de dezesseis quilômetros de altura. Dadas essas dimensões, essa concha tem um volume de 8,3 bilhões de quilômetros cúbicos. Comparada com a totalidade da atmosfera, portanto, uma exalação de um litro representa 0,0000000000000000000% do ar na Terra. Veja que pequenez: imagine reunir todas as 00 bilhões de pessoas que já viveram – você, eu, o último imperador romano, o papa e o Dr. Who. Se deixarmos esses bilhões de pessoas representarem a atmosfera, e reduzirmos nossa população por essa porcentagem, teríamos exatamente 0,0000000000 “pessoa” sobrando, um pontinho de algumas centenas de células, realmente um último suspiro. Comparado com a atmosfera, o arquejo de César parece um erro de arredondamento, uma insignificância, e a probabilidade de encontrar alguma coisa dele em sua próxima respiração parece zero.

Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
A morte de César, de Vincenzo Camuccini.

Antes de fecharmos a porta à possibilidade, contudo, considere a rapidez com que os gases se espalham em torno do planeta. Dentro de duas semanas, ventos dominantes terão alastrado o último suspiro de César pelo mundo todo, numa faixa aproximadamente na mesma latitude que Roma – através do mar Cáspio, através da Mongólia meridional, através de Chicago e de Cape Cod. Em dois meses, a exalação cobriria todo o hemisfério Norte. E dentro de um ou dois anos, o globo inteiro. (O mesmo continua a ser verdade hoje, naturalmente – qualquer exalação, arroto ou gás de escapamento em qualquer lugar da Terra levará aproximadamente duas semanas, dois meses ou um ou dois anos para chegar a você, dependendo de sua localização relativa.)

Certamente, contudo, esses ventos teriam espalhado a exalação de tal modo que nada restaria dela, não? A amplitude da exalação não a teria apagado? Talvez não. Até aqui tratamos a exalação de César como uma única massa, uma única coisa. Mas, se esquadrinharmos bem, essa massa singular de ar se divide nos pixels de moléculas discretas. Assim, enquanto em um nível (o nível humano) o último suspiro de César parece de fato ter desaparecido na atmosfera, num nível microscópico essa exalação não desapareceu em absoluto, pois as moléculas individuais que o constituem ainda existem. (Por mais “mole” que o ar pareça, a maioria de suas moléculas é bastante dura: as ligações que vinculam seus átomos são algumas das mais fortes na natureza.) Assim, ao perguntar se você acaba de inalar um pouco do último suspiro de César, estou realmente perguntando se você inalou quaisquer moléculas que ele por acaso tenha expelido naquele momento.

A resposta, claro, depende do número de moléculas de que estamos falando. E, com um pouco de química para iniciantes, você pode calcular que um litro de ar em qualquer tipo de temperatura e pressão razoável corresponde a aproximadamente 25 sextilhões (25.000.000.000.000.000.000.000) de moléculas. Este é um número assombroso, incompreensivelmente grande. Imagine Bill Gates convertendo em dinheiro toda a sua fortuna de US$80 bilhões, transformando-a em notas de US$1 e depois enfiando-as debaixo do colchão. Imagine em seguida que ele retira cada dólar, um a um, e usa cada um deles como capital inicial para fundar mais uma empresa de software. Agora imagine que cada uma dessas 80 bilhões de companhias seja um tremendo sucesso e produza por si só um lucro de US$80 bilhões. Some todo esse dinheiro – 80 bilhões vezes 80 bilhões –, e você ainda terá um número quatro vezes menor que o das moléculas que inala a cada respiração. Todas as estradas e todos os canais do mundo e todos os aeroportos na história da humanidade lidaram com muito menos tráfego do que nossos pulmões a cada segundo. Dessa perspectiva, o último suspiro de César parece incontável, e parece inevitável que você inale pelo menos algumas moléculas dele em sua próxima respiração.

Sendo assim, que número leva a melhor? O número gigantesco de moléculas que César expeliu ou a insignificância de cada respiração singular comparada à atmosfera? Para responder, talvez ajude considerar uma situação análoga, uma fuga em massa da prisão e a perseguição a alguém.

Digamos que todos os trezentos prisioneiros de Alcatraz em seu apogeu – Al Capone, Robert “Birdman” Stroud, George “Machine Gun” Kelly e 297 amigos do peito – dominaram os guardas, arranjaram alguns barcos e fugiram para o continente. Digamos também que, sendo espertos, os fugitivos evitam São Francisco e (mais ou menos como um gás) espalhamse por todo o país para reduzir as chances de serem capturados. Digamos finalmente que você está um pouco paranoico em relação a tudo isso, e quer saber se há probabilidade de que algum fugitivo vá parar na sua cidade natal. Seus temores se justificam?

Bom, os Estados Unidos cobrem 9 milhões e 800 mil quilômetros quadrados. Considerando-se trezentos prisioneiros, isso dá cerca de um fugitivo por 32 mil quilômetros quadrados. Minha cidade natal, em Dakota do Sul, se espalha por cerca de 194 quilômetros quadrados de pradaria, portanto, o número de fugitivos de Alcatraz que poderíamos esperar por lá – divida 194 por 32 mil – é 0,006. Em outras palavras, zero. Não podemos ter certeza de que seja zero porque um deles poderia aparecer aleatoriamente. Mas com toda a probabilidade Alcatraz simplesmente não teria inundado o país com um número suficiente de bandidos para transformar minha cidade natal num provável refúgio.

Há, no entanto, prisões maiores que Alcatraz. Imagine a mesma situação hipotética acontecendo na Cook County Jail, em Chicago, que abriga 10 mil detentos. Como mais prisioneiros estariam inundando o país, a probabilidade de que um fosse parar em minha cidade natal aumentaria para cerca de 20%. Ainda não é uma certeza, mas de repente estou suando. Evidentemente a probabilidade aumentaria ainda mais se toda a população carcerária dos Estados Unidos (incríveis 2,2 milhões de pessoas) escapasse ao mesmo tempo. Desta vez o número de presidiários fugindo da polícia em minha cidade natal saltaria para 43 – não por cento, mas 43 fugitivos reais. Em outras palavras, com Alcatraz, o tamanho pequenino de minha cidade natal a manteria a salvo dentro dos vastos Estados Unidos. Mas numa evasão apocalíptica, de âmbito nacional, o simples número de fugitivos superaria essa pequenez e quase asseguraria que alguns dos bandidos ali se refugiassem.

Com isso em mente, considere mais uma vez o último suspiro de César. As moléculas de ar que saem de seus pulmões são os prisioneiros fugindo de suas celas. Sua difusão através do país é a difusão das moléculas de gás na atmosfera. E a probabilidade de um prisioneiro acabar numa dada cidade (relativamente pequenina) é a probabilidade de qualquer uma das moléculas ser inalada em sua (relativamente pequenina) próxima respiração. Assim, a questão torna-se: está o último suspiro de César, como Alcatraz, derramando muito poucas moléculas no ar para fazer diferença? Ou ele se assemelha à fuga de toda a população carcerária dos Estados Unidos, o que o torna uma certeza estatística?

Algum lugar entre uma coisa e outra. Mais ou menos como matéria encontrando antimatéria, as 25.000.000.000.000.000.000.000 moléculas e o 0,0000000000000000000% se cancelam mutuamente de maneira quase exata. Quando você fizer os cálculos, descobrirá que aproximadamente uma partícula do “ar de César” vai aparecer em sua próxima respiração. Esse número pode cair um pouco dependendo das suposições que você faz, mas é muitíssimo provável que você tenha acabado de inalar um dos mesmíssimos átomos que César usou para proferir seu grito consternado contra Brutus. E é uma certeza que, no curso de um dia, você inala milhares deles.

Pense nisso. Através de toda essa distância de tempo e espaço, algumas das moléculas que dançavam dentro dos pulmões de César estão dançando dentro dos seus agora mesmo. E, dada a frequência com que respiramos (uma vez a cada quatro segundos), isso acontece 20 mil vezes por dia. Ao longo dos anos você poderia até incorporar algumas delas em seu corpo. Nada líquido ou sólido de Júlio César perdura. Mas você e César são quase parentes. Para citar de maneira equivocada um poeta, os átomos que pertencem à respiração dele praticamente pertencem a você.

Veja bem, não há nada de especial em relação a César, tampouco. Ouvi variantes do problema do “suspiro de César” que usavam Jesus na cruz como protagonista (frequentei uma escola católica), e você realmente poderia escolher qualquer pessoa que tenha padecido um último suspiro atroz: as massas em Pompeia, as vítimas de Jack o Estripador, os soldados que morreram durante ataques com gás na Primeira Guerra Mundial. Ou eu poderia ter escolhido qualquer pessoa que morreu na cama, cujo último suspiro foi sereno – a física é idêntica. Droga, eu poderia ter escolhido Rin-Tin-Tin ou Jumbo, o enorme elefante de circo. Pense em qualquer coisa que já tenha respirado, de bactérias a baleias-azuis, e um pouco de sua respiração estará circulando dentro de você agora, ou estará em breve.

Não deveríamos nos limitar tampouco a histórias sobre respiração. O exercício “Quantas moléculas no último suspiro de X” tornou-se um experimento mental clássico em cursos de física e química. Mas sempre que ouvi alguém discorrer sobre o último suspiro de fulano de tal fiquei impaciente. Por que não ir mais longe e buscar a origem dessas moléculas de ar em fenômenos ainda maiores e mais extraordinários? Por que não contar a história completa de todos os gases que inalamos?

Veja, cada marco na história da Terra – das primeiras erupções vulcânicas hadeanas ao surgimento de vida complexa – dependeu muito do comportamento e da evolução dos gases. Eles não somente nos deram o ar, eles remodelaram os continentes sólidos e transfiguraram os oceanos líquidos. A história da Terra é a história de seus gases. Quase o mesmo pode ser dito sobre os seres humanos, sobretudo nos últimos séculos. Quando finalmente aprendemos a aproveitar a força física bruta dos gases, de súbito conseguimos fabricar máquinas a vapor e perfurar em segundos montanhas de  bilhão de anos com explosivos. De maneira semelhante, quando aprendemos a tirar proveito da química dos gases, pudemos finalmente produzir aço para a contrução de arranha-céus, abolir a dor em cirurgias e cultivar comida suficiente para alimentar o mundo. Como o último suspiro de César, essa história nos envolve a cada segundo: toda vez que o vento passa ruidosamente pelas árvores, ou um balão de ar quente se eleva no céu, ou um inexplicável cheiro de lavanda, menta ou mesmo de flatulência franze o seu nariz, você está repleto de química do ar. Ponha a mão em frente à boca mais uma vez e cheire-a: podemos captar o mundo numa única inspiração.

Esse é o objetivo de O último suspiro de César: tornar visíveis essas histórias invisíveis de gases, de modo que você possa vê-las tão claramente quanto seu hálito numa fria manhã de inverno. Em vários pontos do livro vamos nadar com porcos radioativos no oceano e caçar insetos do tamanho de bassês. Veremos Albert Einstein se esforçar para inventar uma geladeira melhor e viajaremos ao lado de pilotos que desencadeiam uma ultrassecreta “guerra meteorológica” no Vietnã. Marcharemos com multidões furiosas e seremos enterrados numa avalanche de vapores tão quente que o cérebro das pessoas cozinha dentro do crânio. Todas essas histórias giram em torno do surpreendente comportamento dos gases, gases de poços de lava e das tripas de micróbios, de tubos de ensaio e motores de carro, de cada canto da tabela periódica. Ainda respiramos a maior parte deles hoje, e cada capítulo deste livro escolhe um deles como lente para examinar o papel por vezes trágico, por vezes cômico, que os gases desempenharam na saga humana.

A primeira parte do livro, “A fabricação do ar: nossas quatro primeiras atmosferas”, abrange gases na natureza. Isso inclui a formação de nosso planeta a partir de uma nuvem de gás espacial 4,5 bilhões de anos atrás. Mais tarde uma atmosfera apropriada emergiu, quando vulcões começaram a expelir gases das profundezas da Terra. Em seguida o surgimento de vida revolveu e remisturou essa atmosfera, levando à chamada “catástrofe do oxigênio” (que na realidade funcionou bastante bem para nós, animais). De forma geral, a primeira parte explica de onde vem o ar e como os gases se comportam em diferentes situações.

A segunda parte, “O aproveitamento do ar: a relação humana com o ar”, examina como os seres humanos aproveitaram o talento especial de diferentes gases ao longo dos últimos séculos. Normalmente não pensamos no ar como algo com muita massa e peso, mas ele tem: se você traçasse um cilindro imaginário em volta da Torre Eiffel, o ar dentro dele pesaria mais que todo o metal. E porque têm peso, o ar e outros gases podem erguer, empurrar e até matar. Gases impulsionaram a Revolução Industrial e realizaram o antigo sonho da humanidade de voar.

A terceira parte do livro – “Fronteiras: os novos céus” – pesquisa como nossa relação com o ar evoluiu nas últimas décadas. Primeiramente, mudamos a composição do que respiramos: o ar que você inala agora não é o mesmo ar que seus avós inalavam em sua juventude, e é totalmente diferente do ar que as pessoas respiravam três centenas de anos atrás. Começamos também a explorar as atmosferas dos planetas para além de nosso sistema solar, abrindo a possibilidade de que nossos descendentes abandonem a Terra por completo e comecem tudo de novo num planeta cheio de gases que ainda não podemos nem imaginar.

Além dessas grandes histórias, o livro também contém uma série de vinhetas, coletivamente chamadas “Interlúdios”. Elas aprofundam os temas e ideias propostos nos capítulos principais e explicam o papel que os gases desempenham em fenômenos como refrigeração, iluminação doméstica e disfunção intestinal. (Só por diversão, algumas delas também se desviam para alguns tópicos não tão triviais, como a combustão espontânea e a “invasão” extraterrestre de Roswell.) Muitos dos gases apresentados nessas seções são componentes-traço do ar – compostos que constituem apenas algumas partes por milhão ou algumas partes por bilhão do que respiramos. Mas nesse contexto traço não quer dizer insignificante. Pense num copo de vinho. O vinho é 99% água e álcool, mas água e álcool apenas não fazem um vinho. Vinhos têm um grande número de outros sabores – toques de couro, chocolate, almíscar, ameixas e assim por diante. Precisamente dessa maneira, gases-traço no ar acrescentam nuances e conotações ao ar que respiramos e às histórias que contamos.

Se você pergunta às pessoas na rua o que é ar, obtém explicações muito diferentes, dependendo dos gases em que se concentram ou se estão falando sobre o ar no nível micro ou macroscópico. Isso é ótimo: o ar é grande o bastante para justificar todos esses pontos de vista. De fato, espero que este livro o obrigue a rever sua imagem mental do ar, e acho que sua noção de ar irá se transformar de capítulo para capítulo, deixando-o com uma visão mais holística sobre ele. Vale a pena perguntar a si mesmo o que você pensa do ar, também, porque ele é a coisa mais importante em seu ambiente neste momento. Você pode sobreviver sem comida, sem sólidos, por semanas. Pode sobreviver sem água, sem líquidos, por dias. Sem ar, sem gases, você duraria no máximo alguns minutos. Aposto, porém, que você passa o mínimo de tempo pensando sobre o que está respirando. O último suspiro de César pretende mudar isso. O ar puro é incolor e (idealmente) inodoro, e por si só parece nada. Isso não significa que seja mudo, que não tenha voz. Ele está aflito para contar sua história. Aqui está ela.

PARTE I

A fabricação do ar

Nossas quatro primeiras atmosferas

Em “A fabricação do ar” vamos examinar duas importantes questões: de onde vem nossa atmosfera e quais são seus principais ingredientes. Em toda a sua história, a Terra teve várias atmosferas distintas, cada qual com uma mistura singular de gases. Muitos desses gases vieram basicamente de vulcões e alguns deles remontam aos primeiríssimos dias de nosso planeta, muito antes de a vida existir. Mas a vida refez e retrabalhou a atmosfera de muitas formas desde então, especialmente pela adição de oxigênio.

1.0 ar primitivo da Terra

Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
Dióxido de enxofre (S02 — atualmente 0.00001 parte por milhão no ar; você inala 120 bilhões de moléculas cada vez que respira.
Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
Sulfeto de hidrogênio H2S — atualmente 0,000002 parte por milhão; você inala 60 bilhões de moléculas cada vez que respira.

Outras imagens do livro ‘O último suspiro de César: A história épica do ar à nossa volta’ por Sean Kean

Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
O falastrão Harry Randall Truman tomando um copo de “xixi de pantera” em sua amada cabana à sombra do monte Santa Helena.
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A erupção do monte Santa Helena em 18 de maio de 1988, um domingo.
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Caixas de correio quase enterradas em cinzas quentes da erupçào do monte Santa Helena.
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Vista aérea do primeiro ataque com gás bem-sucedido durante a Primeira Guerra Mundial, perto de Vpres. 22 de abril de 1915.
Livro 'O último suspiro de César' por Sean Kean
O químico Joseph Priestley, codescobridor do oxigênio e epônimo do Distúrbio de Priestley.

FIM DA AMOSTRA


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