Amor, tristeza e compaixão. Nesse livro, Peter Wohlleben segue o bem-sucedido modelo de A vida secreta das árvores e compartilha conosco fascinantes histórias sobre as emoções, os sentimentos e a inteligência dos animais que nos cercam. Através de casos impressionantes de porcos leais, pássaros que traem as companheiras e galos conspiradores, ele mescla recentes descobertas científicas à própria experiência como engenheiro florestal para mostrar como os animais interagem com o mundo. Cavalos sentem vergonha, cervos guardam luto por membros do grupo e cabras educam seus filhos. Corvos chamam os amigos pelo nome, ratos se arrependem das más decisões e borboletas escolhem os melhores lugares para seus filhos crescerem. Você vai ver que embora sejam diferentes de nós de muitas formas impressionantes, eles são, ao mesmo tempo, mais parecidos conosco do que poderíamos imaginar.
Editora: Editora Sextante; 1ª edição (10 junho 2019); Páginas :256 páginas; ISBN–13 :978-8543107646; ASIN: B07S7G4S2N
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Sobre o Autor: Nascido na Alemanha, Peter Wohlleben estudou engenharia florestal e trabalhou na comissão nacional de gestão florestal do país. Depois de algum tempo pediu demissão porque queria pôr em prática suas ideias sobre ecologia. Atualmente gerencia uma floresta explorada com práticas ecologicamente corretas em Hümmel, dá palestras e seminários e escreve livros sobre a natureza. A vida secreta das árvores foi sua estreia no Brasil.
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Introdução
Galos que enganam galinhas? Mães cervas que ficam de luto pelos filhos mortos? Cavalos que sentem vergonha? Até alguns anos atrás, essas ideias me pareceriam absurdas, um desejo inalcançável dos amantes de animais que querem se sentir mais próximos de seus bichos de estimação. Eu mesmo passei a vida inteira em contato com animais e já fui um desses sonhadores. Não importava se era o pintinho que me adotou como mãe, as cabras que moravam perto da nossa cabana no centro florestal e animavam nossos dias com seus balidos alegres ou os animais silvestres que eu encontrava nas rondas pela floresta que gerencio: sempre me perguntei o que se passava na cabeça deles. Será que nós, seres humanos, somos mesmo os únicos animais que têm todos os sentimentos, como a ciência há muito tempo afirma? Será que a Criação de fato desenvolveu um caminho biológico único especialmente para nós? Será que só nós temos a garantia de viver uma vida plena e consciente?
Se a resposta a essas perguntas fosse sim, este livro acabaria aqui. Se o homem fosse o resultado de um modelo biológico especial, não conseguiríamos compará-lo a outras espécies. Não faríamos a menor ideia do que se passa com os outros animais, por isso não teríamos empatia por eles. Felizmente, porém, a natureza escolheu ser econômica. A evolução “apenas” reformula e altera algo que já existe, da mesma forma que fazemos com um sistema operacional de computador. E, assim como o sistema operacional mais recente tem códigos das versões anteriores, os programas genéticos dos nossos antepassados continuam em nós e em todas as outras espécies que, no decorrer dos últimos milhões de anos, se ramificaram a partir do mesmo tronco ancestral.
Portanto, a meu ver, só existe um tipo de tristeza, dor ou amor. Talvez soe descabido dizer que um porco sente as mesmas coisas que o ser humano, mas é pouco provável que ele sinta menos dor do que nós ao se ferir. “Opa, isso nunca foi comprovado!”, talvez exclamem os cientistas. É verdade, e o fato é que nunca haverá provas cabais. Para ser mais preciso, não consigo provar nem sequer que você tem sensações iguais às minhas. Ninguém é capaz de olhar dentro de outra pessoa e provar, por exemplo, que uma picada de agulha provoca a mesma sensação em todos os 7 bilhões de seres humanos do planeta, mas todos sabemos expressar o que sentimos, e, considerando as informações compartilhadas, são grandes as chances de termos sensações iguais.
Portanto, quando nossa cadela Maxi comeu um prato inteiro de bolinhos na cozinha e depois fez cara de inocente, não estava se comportando como uma máquina devoradora de alimentos, mas como a esperta e adorável arteira que ela era. Quanto mais atenção eu prestava a nossos animais de estimação e seus parentes selvagens na floresta, mais descobria neles sentimentos considerados exclusivamente humanos. E não estou sozinho nessa: cada vez mais pesquisadores vêm concluindo que os humanos têm características em comum com diversos outros animais. Amor verdadeiro entre corvos? Existe. Esquilos que sabem o nome dos parentes próximos? Já é algo documentado há muito tempo. Para onde quer que se olhe, os animais estão lá, amando, se compadecendo e gostando da companhia uns dos outros.
Atualmente muitas pesquisas científicas estudam a vida secreta dos animais, mas seu foco é tão restrito e sua linguagem é tão árida e acadêmica que a leitura acaba sendo pesada e não conduz a um melhor entendimento do assunto. Foi por isso que eu quis traduzir esses estudos fascinantes para uma linguagem corriqueira, juntar algumas peças do quebra-cabeça para montar o quadro geral e temperar tudo com algumas observações pessoais.
Espero que tudo isso ajude você a ver os animais ao seu redor e as espécies que cito neste livro não como robôs que agem de acordo com um código genético inflexível, mas como almas corajosas e seres peraltas e encantadores. Porque é exatamente isso que eles são, como você mesmo poderá comprovar num passeio pela minha floresta, observando minhas cabras, minhas éguas e meus coelhos, e também pelos parques e florestas na cidade onde mora. Venha, vou mostrar o que estou querendo dizer.
1. Amor materno abnegado
Era um dia quente de verão, em 1996. Eu estava na minha cabana, na floresta próxima ao município de Hümmel, um vilarejo na região montanhosa de Eifel, localizada no oeste da Alemanha. Para nos refrescarmos, minha mulher e eu enchemos uma piscina inflável à sombra de uma árvore no quintal. Ali estava eu, dentro d’água com meus dois filhos, comendo fatias suculentas de melancia, quando, de repente, de canto de olho, percebi um movimento. Algo marrom avançava em nossa direção, parando de vez em quando. “Um esquilo!”, gritaram as crianças, empolgadas, mas logo minha alegria deu lugar a uma grande preocupação, porque o animalzinho deu alguns passos e tombou de lado. Estava claramente mal de saúde. Mesmo assim, conseguiu se levantar e dar mais alguns passos na nossa direção. Foi quanto notei um grande calombo no pescoço dele. Tudo indicava que ele estava doente, talvez até com algo contagioso.
De forma lenta e determinada, ele continuou sua marcha em direção à piscina. Quando eu estava afastando as crianças, a situação teve um desfecho comovente: o calombo era, na verdade, um filhote agarrado ao pescoço da mãe como se fosse uma gola peluda. Sob um calor escaldante e sendo estrangulada pelo filho, a mãe quase não conseguia respirar, e só teve fôlego para dar mais alguns passos antes de tombar outra vez, exausta e arquejante.
As mães esquilos cuidam da prole com uma devoção abnegada. Em caso de perigo, carregam a cria no dorso até colocá-la em segurança. Isso as deixa exauridas, pois elas precisam transportar até seis filhotes no pescoço, um após outro. Apesar de todo esse cuidado, a taxa de sobrevivência da espécie não é alta – cerca de 80% dos filhotes não completam um ano de vida. Embora escapem da maioria dos inimigos durante o dia, a morte ataca à noite, durante o sono. É quando as martas – mamíferos carnívoros comuns no hemisfério Norte – sobem os galhos sorrateiramente e interrompem o sono do esquilo, de surpresa.
À luz do dia, o perigo são os falcões, que se lançam num voo intrépido entre as árvores à procura de uma refeição saborosa. Quando avistam um esquilo, tem início uma espiral de medo – espiral no sentido literal, pois o esquilo tenta escapar dando voltas no tronco para se esconder da ave. O falcão persegue a presa fazendo curvas fechadas em torno do tronco. Num piscar de olhos, o esquilo se protege do outro lado. O pássaro vai atrás. O esquilo se esconde outra vez, e esse movimento rápido e contínuo cria uma espiral ao redor da árvore. Vence o mais ágil – na maioria das vezes, o pequeno mamífero.
Muito mais do que qualquer predador, porém, o pior inimigo do esquilo é o inverno. Para chegar bem preparado à estação mais fria do ano, ele constrói um ninho esférico num galho alto, e, para fugir de visitas indesejadas, cava duas saídas com as patas. Os ninhos são feitos basicamente de gravetos, mas por dentro são revestidos por um musgo macio que funciona como isolante térmico e que faz com que o lugar fique confortável para o animal dormir. É isso mesmo: os animais também valorizam o conforto, e, assim como os humanos, os esquilos não gostam de sentir um graveto espetando suas costas. Assim, o revestimento macio de musgos garante um sono reparador.
Da janela do meu escritório, a todo momento vejo esquilos arrancarem musgo do chão e subirem as árvores, e no outono, quando os frutos do carvalho e da faia caem das árvores, os animaizinhos recolhem seu alimento altamente nutritivo, carregam no por alguns metros e o escondem no solo, reunindo provisões para o inverno. O esquilo não hiberna, apenas passa a maior parte do inverno cochilando. Nesse estado de letargia, seu corpo consome menos energia, mas seu metabolismo não para completamente, como acontece com o porco-espinho. Portanto, de tempos em tempos, o esquilo acorda com fome, desce da árvore e procura um dos inúmeros esconderijos que construiu no outono. E procura. E procura mais. No começo, é divertido assistir enquanto ele tenta lembrar onde guardou a comida. Ele cava um pouco aqui, remexe a terra ali e de vez em quando se senta no chão com as costas eretas, como se estivesse fazendo uma pausa para pensar.
Mas não adianta. O problema é que a paisagem já mudou bastante desde o outono. As árvores e os arbustos perderam as folhas, a grama está ressecada e, como se não bastasse, a neve pode estar cobrindo o solo como uma camada de algodão. Fico com o coração na mão quando vejo o esquilo desesperado procurando a comida, pois neste momento a natureza está peneirando quem vai viver e quem vai morrer. Grande parte dos esquilos desmemoriados, sobretudo os que têm menos de um ano de vida, morrerá de fome antes da primavera seguinte. Às vezes, encontro mudas de faia na reserva de faias antigas. Elas lembram borboletas verdes apoiadas sobre caules finos e geralmente estão isoladas. Só crescem juntas nos lugares onde o esquilo as guardou para o inverno e esqueceu, o que costuma ter consequências fatais para ele.
Considero o esquilo um excelente exemplo de como categorizamos os animais. Ele tem olhinhos escuros cativantes, um lindo e macio pelo castanho e não representa ameaça para o ser humano. Também pode-se dizer que o esquilo ajuda a estabelecer novas florestas, pois na primavera nascem brotos de árvores das provisões de alimento que ele esqueceu espalhadas pelo solo no outono. Resumindo, esse roedor merece nossa simpatia.
Por outro lado, evitamos pensar em seu alimento favorito: passarinhos. Durante a primavera, vejo esses mesmos esquilos escalarem o tronco dos pinheiros antigos que margeiam a estrada para a reserva florestal. Logo em seguida tem início um grande alvoroço nos ninhos de tordos. A ave, que é parente do sabiá, começa a voar desesperada entre as árvores, chilreando para expulsar o invasor. Os esquilos são seus inimigos mortais – devoram os filhotes de ave recém-nascidos, com pouca ou nenhuma plumagem. Nem os ninhos no oco das árvores oferecem muita proteção aos bebês, pois os esquilos usam suas patinhas finas e com garras longas e pontiagudas para fisgá-los no esconderijo supostamente bem protegido.
Afinal, os esquilos são bons ou maus? Nem um nem outro. Por um capricho da natureza, eles despertam nosso instinto protetor, pois temos sentimentos positivos ao vê-los. Isso não tem relação alguma com ser bom ou útil. Por outro lado, o hábito de matar os passarinhos, que também adoramos, não significa que sejam maus. Os esquilos sentem fome e precisam alimentar os filhotes, que dependem do nutritivo leite materno. Caso saciassem a necessidade de proteínas comendo lagartas, ficaríamos felizes e não teríamos nada contra eles, pois as largartas são pragas que prejudicam a lavoura. Só que as lagartas são filhotes de borboletas. E, apesar de elas gostarem de comer os mesmos vegetais que nós, matar filhotes de borboletas não é bom para a natureza. A questão é que os esquilos não querem nem saber da nossa opinião. Estão ocupados demais tentando sobreviver e aproveitar a vida ao máximo.
Mas voltando ao caso da mamãe esquilo no meu quintal: será que ela sente um amor tão forte que a faz pôr a vida dos filhotes acima da sua? Será que essa atitude não é apenas o resultado de um pico hormonal que aciona o comportamento protetor pré-programado em seus genes? A ciência costuma reduzir os processos biológicos a mecanismos involuntários, então, antes de pintarmos um retrato tão frio dos esquilos e de outros animais, vamos analisar o amor materno da espécie humana. O que acontece no corpo da mãe quando ela segura o filho recém-nascido nos braços? Será que o amor materno é um sentimento inato? A resposta da ciência é “sim” e “não”: o amor em si não é inato, mas as condições para desenvolvê-lo são.
Pouco antes do parto, o corpo da mulher libera na corrente sanguínea a oxitocina, hormônio que a estimula a desenvolver um forte elo com o filho. O corpo também libera grande quantidade de endorfina, que reduz a ansiedade da mãe e a dor do parto. Esse coquetel hormonal permanece no sangue após o parto, garantindo que o bebê seja recebido por uma mãe totalmente relaxada e satisfeita. A amamentação estimula ainda mais a produção de oxitocina, o que fortalece o vínculo entre mãe e filho. Algo semelhante ocorre com muitas outras espécies – inclusive as cabras de que eu e minha família cuidamos (aliás, as cabras também produzem oxitocina). A mãe começa a conhecer o cabrito quando o lambe para retirar a membrana fetal que envolve o corpo dele. Esse processo de limpeza intensifica o vínculo. A mãe solta alguns balidos carinhosos, e o filhote responde baixinho em um tom agudo. Nesse momento, eles assimilam as assinaturas vocais um do outro.
O problema é quando o processo de limpeza não dá certo. Na hora de parir, as cabras de nosso pequeno rebanho são levadas para uma baia separada, onde podem dar à luz em paz. A parte de baixo do portão tem um pequeno vão, e certa vez um cabrito especialmente pequeno passou por baixo dele. Quando percebemos, um tempo precioso já havia se passado, e o muco que revestia o corpo do filhote ressecara. Resultado: apesar de todas as tentativas, a mãe não aceitou o cabrito. O momento de ativar o amor materno se passara.
Com a espécie humana muitas vezes acontece algo semelhante: se o recém-nascido for mantido longe da mãe por muito tempo logo após o parto, aumenta a chance de o amor materno não se estabelecer. A situação não é tão dramática quanto no caso das cabras, pois a espécie humana é capaz de aprender a sentir o amor materno sem depender de hormônios. Ou seja, se as pessoas fossem como as cabras, jamais conseguiriam amar filhos adotivos como se fossem de sangue. A adoção, portanto, é o melhor caminho para investigar se o amor materno é um sentimento que pode ser aprendido, e não apenas um reflexo instintivo. Mas, antes de me aprofundar nessa questão, quero falar um pouco mais sobre os instintos.
2. Os instintos são um tipo inferior de sentimento?
Sempre me dizem que comparar os sentimentos dos animais aos dos seres humanos não leva a nada, afinal os primeiros agem e sentem de forma instintiva, enquanto nós agimos com consciência. Antes de averiguar se o instinto é uma forma inferior de sentimento, vamos dar uma definição a ele. Segundo a ciência, o comportamento instintivo é aquele que ocorre de forma inconsciente, portanto não resulta de nenhum processo de raciocínio. Os instintos podem ser determinados pela genética ou aprendidos; o que todos têm em comum é o fato de surgirem muito rápido, pois não passam pelos processos cognitivos do cérebro. Muitas vezes, são o resultado da liberação de hormônios em determinadas ocasiões (quando temos raiva, por exemplo), desencadeando reações físicas. Assim sendo, os animais são apenas máquinas vivas funcionando no piloto automático?
Antes de tirar conclusões precipitadas, vamos ver como funciona a espécie humana. Nós não estamos livres dos instintos – muito pelo contrário. Imagine, por exemplo, que sem querer você coloque a mão no fogo. Sua reação imediata é tirá-la num piscar de olhos.
Para isso, você não para e reflete conscientemente algo como: “Que esquisito. Estou sentindo um cheiro de churrasco, e de uma hora para a outra minha mão começou a arder muito. Melhor eu tirá-la do fogo.” Você simplesmente reage de forma automática e tira a mão, sem precisar tomar uma decisão consciente. Portanto, a espécie humana também age por instinto; a questão é saber em que medida ele determina o que fazemos no dia a dia. Para lançar luz sobre essa questão, vejamos algumas pesquisas recentes sobre o cérebro humano. Um artigo publicado em 2008 pelo Instituto Max Planck, em Leipzig, apresentou conclusões impressionantes. Por meio de uma ressonância magnética – técnica de imagem médica usada na radiologia para formar imagens da anatomia e dos processos fisiológicos do corpo –, os pesquisadores observaram os participantes de um experimento durante um momento de tomada de decisão (apertar um botão com a mão direita ou com a esquerda). A atividade cerebral indicava com clareza quais seriam as escolhas de cada participante até 7 segundos antes de eles tomarem a decisão consciente. Isso significa que o comportamento dos voluntários já havia sido iniciado enquanto eles ainda refletiam sobre que decisão tomar. Logo, conclui-se que foi a parte inconsciente do cérebro que desencadeou a ação. Ao que parece, a única participação do consciente foi fornecer, segundos depois, a explicação para a escolha.
Como as pesquisas sobre esses processos ainda estão engatinhando, não é possível dizer qual é o percentual de decisões tomadas dessa forma, que tipos de decisão são tomadas assim e se somos capazes de bloquear processos que nascem no subconsciente. De qualquer modo, é espantoso saber que aquilo que chamamos de livre-arbítrio muitas vezes é apenas o reflexo de algo que já tinha sido decidido. Tudo o que a parte consciente do cérebro faz nesse caso é inventar uma desculpa para que o nosso frágil ego se sinta no comando da situação. Mas a verdade é que o subconsciente está no controle.
No fim das contas, porém, não importa até que ponto nosso intelecto está no comando da situação, pois muitas das nossas reações provavelmente são instintivas, e isso mostra que sentimentos como medo, tristeza, alegria e felicidade não são menos importantes por serem desencadeados pelo instinto, em vez de resultarem de um processo consciente. A origem do sentimento não determina sua intensidade. Os sentimentos são a linguagem do subconsciente e, no dia a dia, nos impedem de nos afogar numa enxurrada de informações. A dor que sentimos ao pôr a mão no fogo nos permite reagir de imediato. A sensação de felicidade reforça as ações positivas. O medo evita que você tome uma decisão potencialmente perigosa. Os únicos problemas que chegam à nossa consciência são os que podemos analisar com tranquilidade e resolver através da reflexão.
Portanto, os sentimentos estão ligados ao subconsciente, não ao consciente. Se os animais não tivessem consciência, apenas não seriam capazes de pensar. Mas acontece que, como todas as espécies têm atividade cerebral subconsciente, que influencia a forma como interagem com o mundo, pode-se concluir que todo animal deve ter sentimentos. Logo, o amor materno instintivo não pode ser considerado algo inferior, pois não existe outro tipo de amor materno. A única diferença entre animais e seres humanos é que podemos ativar o amor materno (e outros sentimentos) conscientemente – como no caso da adoção, em que o vínculo é criado após o nascimento e o sentimento é desenvolvido ao longo do tempo. Seja como for, os hormônios que fluem pelo corpo da mãe adotiva são os mesmos da mãe biológica.
Será, então, que finalmente descobrimos um sentimento exclusivamente humano? Voltemos ao esquilo. Há mais de 20 anos pesquisadores do Canadá têm estudado os parentes do roedor na região do Yukon, oeste do país. Fizeram parte do estudo cerca de 7 mil animais, e, embora os esquilos sejam animais solitários, houve cinco casos de adoção. Contudo, em todos a mãe adotiva era parente próxima da mãe biológica – adotaram apenas sobrinhos e netos, o que mostra os limites do altruísmo dos esquilos. Do ponto de vista evolutivo, esse comportamento é vantajoso para o animal que adota, pois assim ele ajuda a preservar e reproduzir um material genético muito semelhante ao seu. Portanto, esses cinco casos em 20 anos não são uma prova de que os esquilos têm uma postura favorável à adoção.
Vejamos então como os cães lidam com a adoção. Em 2012, a buldogue francesa Baby ocupou as manchetes dos jornais. Ela morava num abrigo para animais em Brandemburgo, Alemanha. Certo dia, seis filhotes de javali foram levados para lá. A mãe devia ter sido abatida por caçadores, e os filhotes não teriam a menor chance de sobrevivência na natureza.
No abrigo, os animaizinhos receberam leite rico em gordura, amor e carinho. O leite vinha das mamadeiras dos cuidadores, e o amor e o carinho vinham de Baby. A buldogue simplesmente adotou todos os filhotes e permitiu que dormissem junto dela. Além disso, de dia Baby ficava de olho no grupo. Podemos considerar esse exemplo um autêntico caso de adoção? Afinal, Baby não amamentou os filhotes, o que, via de regra, também não acontece na adoção humana. Além disso, há relatos sobre cães, como a cubana Yeti, que chegaram a amamentar. Ela havia acabado de parir, mas todos os seus filhotes, menos um, foram doados, portanto havia leite de sobra. Na mesma época, algumas leitoas deram cria, e Yeti não perdeu tempo: adotou 14 leitõezinhos, embora as mães estivessem vivas. Eles seguiam a nova mãe para todos os lados, e o mais importante nesse caso: foram amamentados por ela.
Essa é uma forma consciente de adoção ou será que Yeti apenas tinha sentimentos maternos de sobra? Também é possível fazer essa pergunta com relação às adoções humanas, em que as pessoas têm um forte desejo e encontram uma válvula de escape para ele. Podemos pensar até na adoção e na criação de cães e outros animais domésticos como uma adoção interespécies – afinal, muitos animais são acolhidos quase como membros da família.
Há casos, porém, em que o excesso de hormônios ou de leite materno não influenciou a adoção. A gralha Moses é um comovente exemplo disso. Quando um pássaro perde a ninhada, a natureza lhe oferece uma segunda chance de dar vazão a seus instintos: ele pode simplesmente recomeçar do zero e chocar uma nova. Assim, em tese não há motivos para uma gralha solitária como Moses exercitar seus instintos maternais com filhos adotivos, mas foi exatamente isso que aconteceu, ressaltando que sua “cria” era um inimigo em potencial – um filhotinho de gato abandonado. O animalzinho havia perdido a mãe e não se alimentava havia muito tempo quando apareceu no quintal de Ann e Wally Collito, moradores de North Attleboro, Massachusetts. E foi com incredulidade que o casal assistiu ao desenrolar da história: a gralha passou a proteger o gato órfão de forma ostensiva e a alimentá-lo com minhocas e besouros. Ao mesmo tempo, os Collito não se omitiram e passaram a dar ração ao gato. A amizade entre o pássaro e o felino se manteve até a idade adulta, até que, após cinco anos, o pássaro simplesmente sumiu.
Voltando aos instintos, acho que não importa se o amor materno é desencadeado por comandos do inconsciente ou reflexões conscientes, afinal o sentimento resultante é igual nos dois casos. O que está claro é que a espécie humana é capaz de amar das duas formas, embora o amor instintivo, provocado pelos hormônios, seja a mais comum. Mesmo que os animais não possam desenvolver de forma consciente o amor materno (caso fosse possível, a adoção interespécies ficaria sem explicação), eles ainda têm a forma inconsciente, igualmente intensa e bela. O esquilo que carregava o filhote no pescoço pelo gramado escaldante do meu quintal fez esse sacrifício movido por um amor profundo, e saber disso torna a experiência ainda mais bela.