Contrariando a tendência de textos curtos e superficiais comuns nas redes sociais, o coletivo literário Textos Cruéis Demais Para Serem Lidos Rapidamente (TCD) começou a compartilhar conteúdos extensos, profundos e altamente poéticos em suas páginas no Facebook e Instagram. Com suas palavras intensas e ilustrações, conquistaram um público muito maior do que imaginavam, provando que, apesar da rapidez exigida pela nossa comunicação moderna, ainda há uma necessidade de tempo para refletir sobre nossas complexas relações humanas. Para este livro, foram criados textos inéditos, acompanhados pelas delicadas ilustrações de Anália Moraes.
Páginas: 304 páginas; Editora: Globo Alt; Edição: 1 (10 de novembro de 2017); ISBN-10: 8525065366; ISBN-13: 978-8525065360; ASIN: B077DYG8V1
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Biografia do autor: Igor Pires é publicitário formado pelo Mackenzie e estudante de jornalismo na UFRJ. Criador do projeto Textos Cruéis Demais Para Serem Lidos Rapidamente e autor de seis livros, incluindo o best-seller que vendeu mais de 100 mil cópias, ele se destaca por suas reflexões sobre as relações humanas. Com quase três milhões de seguidores nas redes sociais, Igor promove uma comunicação inclusiva e empática, usando a escrita como forma de conexão e expressão. Instagram @igorpires__
Leia trecho do livro
SUMÁRIO
pra quando você se esquecer de mim
a memória é uma pele
pra você não se esquecer de sentir
sobre o auto
créditos
este livro é pra todos aqueles que não têm medo ou vergonha de presenciarem o sentimento tomando conta de cada centímetro da pele, das tripas, coração. àqueles que se jogam com a cara e a coragem, mas também com o peito miúdo e os olhos cerrados, quase que chorando. porque às vezes a entrega dói e é impossível voltar atrás. dos escombros mais honestos de mim a vocês: obrigado por se permitirem o toque de tal modo que não se sabe onde começa e onde termina a transformação. escrever, afinal, é isto: abrir um espaço dentro de si mesmo pra que o outro deite a cabeça cansada. aqui, eu me abro pra que vocês possam descansar. descansem, então.
à minha família, por ter me ensinado como
transformar a dor em metáfora sobre seguir.
às meninas que iniciaram o projeto da TCD junto
comigo: Giovanna Freire, Jessica Ferreira, Júlia
Rabêlo e Yasmin Vieira — nada disso seria possível
sem vocês.
pra quando você se esquecer de mim
a gente precisa enfrentar
a dor de dar errado
muito antes da tentativa.
Yasmin Vieira
um
eu não vou me desculpar por sentir tudo à flor da pele, quando relações
pedem conexão e não o contrário.
que se desculpe você, que passou por mim e não se lembra o gosto do meu
nome.
dois
não quero pedir perdão pelo que sou ou pelo que carrego.
se é muito duro ou profundo.
se é demasiado ou oceânico.
se é extremo ou infinito.
é que eu nasci de olho aberto.
e precisava estar atento
a qualquer mínima coisa que pudesse me tirar de órbita.
talvez eu não tivesse entendido que já estava fora dela.
três
o que me dói e me faz chorar neste espaço público de mim mesmo é perceber
que fiquei livre da minha mãe assim que cortaram meu cordão umbilical
que em todas as relações românticas
que eu entro
eu saio ferido
que tudo que toco quebra,
desmancha ou vai embora.
quatro
vou te levar comigo numa bagagem que ninguém rouba.
que aeroporto nenhum extravia.
que mundo nenhum me toma:
minha lembrança mais humana e completa
de você
cinco
poderiam nos transportar pra um território em conflito no mesmo instante dos seus braços tocando minha costela e abraçando a minha desesperança que mesmo assim eu continuaria estagnado na sua clavícula na parte sua que ninguém mais tem.
seis
como se você tivesse estudado matemática e soubesse calcular meticulosamente o perímetro do meu peito, amoroso por sua existência.
sete
quero saber sem eu gosto ainda resiste
em viver na sua língua
enquanto você tenta
me esquecer beijando outros.
oito
a dor surgia de assimilar que você era igual aos outros caras que encontrei
por aí.
de que você poderia ser diferente de todos eles
mas que, mesmo assim,
preferiu ser igual.
nove
então, num lapso de resignação,
aquieto o peito e cedo à minha própria dormência.
tem sol lá fora. tem gente correndo. há vida.
mas aqui dentro, dentro de mim, uma calmaria e um desconforto de tentar qualquer passo.
qualquer passo,
o que senti hoje, depois de almoçar às três da tarde enquanto ouvia uma
música qualquer no celular, foi algo próximo a paralisar por completo;
a me entender como incapaz de me movimentar.
era como se eu soubesse, por antecipação, o que me aguardava:
a vida queimaria de maneira tão bruta que esforço algum seria possível.
viver é uma ferida incurável.
dez
uns pensamentos aleatórios como quando me senti amado e foi bom.
quando percebi que era meu próprio amor que era bom
quando o seu amor
tentou ser bom.
mas eu já tinha experimentado do meu próprio e todos os outros amores
pareceram e pareceriam
e parecem pouco.
quase nada.
não porque eu não aceite ou não queira recebê-lo.
é só que nenhum amor conseguiu, até hoje, me olhar com calma, serenidade,
paciência, afeto.
porque afeto é coisa quase que sagrada,
longe de qualquer mínima sensação que eu tive
ao esbarrar no seu amor.
que continua sendo amor,
não menos que isso.
mas que não preenche, não faz vazar pelo corpo.
não me dá garantia de seguir no mundo.
mesmo se o meu,
o meu próprio amor,
um dia me faltasse.
onze
eu só consigo pensar que um pedaço de mim ainda está contigo.
não sei onde,
com quem,
em quais bocas.
como tenho entrado em outros corpos através de você, visto outros filmes,
bebido outros sons, provado do ácido que é existir.
não sei o que você tem feito comigo aí dentro.
eu pergunto:
o que você tem feito comigo aí dentro da sua
cabeça
pele
presença?
pra onde vou quando você fecha os olhos e pede a deus que me retire da sua vida?
quem te alivia?
quem te cura de mim?
como você me enxerga quando passa pelos mesmos locais onde
costumávamos existir, sobretudo juntos?
juntos sim,
carregando um ao outro como se estivéssemos criando um momento
perpétuo.
não sei do seu paladar, como você tem feito pra me apartar de todos os seus
novos momentos com outra pessoa.
eu ainda me debato na membrana da sua memória enquanto você faz amor
com alguém? eu ainda grito desesperadamente dentro da sua aorta enquanto você caminha de mãos dadas por espaços em que me jurou eternidade e todos esses discursos de quem esteve, invioladamente, apaixonado?
a pessoa a qual você se entrega tem sentido seu gosto
ou o meu gosto misturado ao seu? meu filme favorito tem se tornado seu
filme favorito com ela?
que gosto tem o sabor de mim existindo em todas as
lembranças
contratempo
coração?
quando você corre e o tempo vai corroendo nós dois, qual braço te alcança?
em quem você se enrola pra tentar fugir de mim, que resisto pela cidade e portudo que toquei com minhas mãos energizadas pelo afeto que construímos?
pra qual deus você reza,
pedindo pra me esquecer?
doze
não consigo ser essa pessoa razoável que esquece o nome do outro já no dia
seguinte,
ou mesmo nem pergunta qual gosto tem viver se entregando às mais variadas
formas de amor.
não posso ser essa pessoa que esquece a cicatriz, o gosto do beijo, a fala ácida e os centímetros da mão quando ela circula no rosto uma vontade de
permanecer.
não quero ser como você.
que veio na minha casa,
me viu nu,
transformou meus medos em paráfrases sobre resistir.
e mesmo assim — tendo compartilhado o peso da intimidade — foi capaz de
esquecer ou tornar a experiência uma ode à lembrança mais honesta sobre nós.
treze
tá me doendo agora não saber o que virá depois. você me penetrou, alma e corpo. amanhã não sei qual será o teor das nossas conversas. medo de você atravessar a rua e me negar afeto. você me disse pra não esperar nada, eu fechei o coração e engoli a seco toda a minha certeza sobre nós. facilmente desconstruí qualquer prece pra que o universo fosse generoso e nos fizesse juntos. o que vem após uma noite em que todas as possibilidades de relação foram instauradas? não sei. a cabeça pesa, cansada de tentar adivinhar os jogos por trás de duas pessoas tentando se salvar de tantos traumas presos na garganta. me tratar como amigo? esfriar o diálogo, conversa, a intuição? colocar a conexão à margem do desejo e se atirar em outros, esquecendo do que fomos? você vai virar a esquina sem se lembrar do gosto que eu tinha quando estava com você. tá me doendo agora não saber como pausar todas as inseguranças que, como animais selvagens, correm atrás de mim. desde o dia em que você me habitou não sei se fui salvo ou arruinado.
catorze
pronto, outra pessoa foi embora. desta vez não me sinto triste ou empalidecido. não sinto nada. quis escrever imediatamente depois da fuga, depois da última mensagem visualizada e não respondida. quis gritar também. escrever um cartaz e pendurar na sacada do prédio. quis grunhir de dor. quis pular, bater o pé e deixar que toda a culpa fosse dissipada. mas não o fiz. agora não tem nada. evaporou. como pode uma pessoa sair da sua vida do nada? do nada. numa quinta-feira vocês conversam sobre cinema peruano e na sexta-feira nada. a semana inteira planos, qual melhor lugar para ver o pôr do sol, quanto está o quilo do pão aí no seu bairro, o sexo de domingo foi muito bom, né? e na sexta-feira nada. em menos de 24 horas as coisas se tornam cruas, pesadas e superficiais. a intimidade dá espaço a um vazio e você se sente culpado, o que eu deixei de fazer? meu deus do céu eu não posso ser tão desinteressante assim, onde foi que errei. de repente nada. e de repente tudo. desta vez não sei. foi tudo tão rápido. ainda dói. a quem estou tentando enganar? é claro que dói, porra. dói muito. mas amanhã quem sabe isso passe. vou torcer pra que sim.
quinze
colocar seu nome no letreiro mais perto de casa.
anunciar a rejeição.
dizer que você não me quis
mesmo eu podendo preencher todos os vazios da sua cidade.
estender bandeira.
homenagear o seu desprezo.
erguer um altar ao seu ego inflado.
enrijecer a garganta.
orar pra que deus nunca mais me permita sentir algo similar à paixão,
porque ela dissolve e resseca,
apaga e induz à queda.
e eu nunca fui bom em propagandas e outdoors.
dezesseis
não precisava que você dissesse que gostaria de ficar.
mas queria saber da sua boca
se eu era o suficiente
pra fazer
seu peito deitar no meu
sem querer ir embora.
dezessete
o que dói não é a saudade de me sentir acolhido no seu desejo de estar
comigo.
é a ausência contínua de não saber se você volta
dezoito
enquanto o ácido da sua partida ainda preenche minha memória,
pergunto a deus se você se atreve a pensar que eu fui o mais próximo que
chegou de ser
total
honesto e
completamente amado por alguém.
dezenove
não quero que fique porque é conveniente
porque a cama está arrumada todos os dias
e tem a luz do sol mais linda que você já viu
não porque meu corpo é grande
e o caminho entre meu peito e o púbis é o mais confortável por onde sua
língua já passou
não porque fico de quatro, cinco e seis pra que você entre em mim da
maneira mais fácil e prazerosa possível
não quero que fique porque meu prazer foi a melhor coisa que você recebeu tanto que poderia facilmente confundir com afeto
eu quero que você fique porque,
embora eu seja bom em todos esses movimentos,
eu sou ainda melhor em amar.
vinte
o espaço entre nós
é similar à vez que quebrei o braço e fiquei imaginando que nunca mais seria a mesma pessoa
o braço continuaria ali, porém não intacto
quando descobri que você poderia ir embora
eu soube, pela segunda vez:
se voltasse
meus braços não segurariam novamente nossa queda
fim da amostra…