Livro ‘Por que ter filhos?’ por Jessica Valenti

Livro 'Por que ter filhos?: Uma mãe explora a verdade sobre a criação de filhos e a felicidade' de Jessica Valenti
Uma mãe explora a verdade sobre a criação de filhos e a felicidade
Se a maternidade está fazendo as pessoas infelizes, se é impossível ter tudo nessa vida, se as pessoas não possuem estruturas econômica, social e política necessárias para endossar a maternidade, então por que ter filhos? Por que existe uma horda de pais e mães de primeira viagem que estão correndo para as “mães-tigre” e “mães francesas” atrás de conselhos sobre como criar seus filhos? Em "Por que ter filhos?", a escritora Jessica Valenti explora essas controversas questões através de uma pesquisa profunda, além da sua própria experiência catártica como mãe. Ela vai muito além dos conceitos enraizados da atualidade como a falta de sororidade entre as mães...
Capa comum: 204 páginas
Editora: Memória Visual; Edição: 1 (29 de junho de 2018)
Idioma: Português
ISBN-10: 8589617629
ISBN-13: 978-8589617628
Dimensões do produto: 22,8 x 15,8 x 1,4 cm
Peso de envio: 322 g

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Leia trecho do livro

Para Hilda e Camila
Nunca serei capaz de articular plenamente
a profundidade de minha gratidão pelo amor
e cuidado que vocês têm para com Layla.
Sei que ela vai levar isso consigo para sempre.

INTRODUÇÃO

A maioria das pessoas ganha flores quando dá à luz — eu ganhei um bebê de um quilo e insuficiência hepática. Por conta de um caso crítico de pré-eclâmpsia, minha incursão na vida materna foi marcada pela urgência médica no lugar dos parabéns. Não houve balões ou distribuição de charutos, apenas olhares preocupados e o zumbido das máquinas de controle dos sinais vitais.

Quando fui fazer um exame de rotina, na 28ª semana de gravidez, eu me sentia bem. Entretanto, a expressão no rosto de meu médico ao aferir minha pressão arterial pela terceira vez deixou claro que eu estava longe de ser a grávida saudável e resplandecente que imaginava ser. Em dez minutos já estava internada no hospital, mas meu marido e eu achávamos que era mera formalidade. Afinal, eu não me sentia mal, e ainda havia meses até a data prevista do parto.

Mas, dois dias mais tarde, meu fígado corria o risco de entrar em colapso devido a uma segunda complicação da gravidez chamada síndrome HELLP, e fui submetida a uma cesárea de emergência. Passou-se 24 horas até eu estar bem o suficiente para ver minha filha, Layla, e quase uma semana até poder tocá-la ou segurá-la. Ela ficou oito semanas no hospital, e nesse período sofreu mais procedimentos invasivos do que a maioria dos adultos poderia aguentar. Durante esse tempo, permanecemos unidos — principalmente porque não havia alternativa.

Uma vez que o perigo imediato passou — quando meu marido e eu sabíamos que Layla ficaria bem —, começou meu verdadeiro problema. Eu estava imensamente grata por ter minha filha e minha saúde, mas não conseguia parar de lamentar pela gravidez e o parto que pensei que teria. Queria desesperadamente entrar na vida materna do modo que havia esperado e planejado tão cuidadosamente.

Dois dias antes de ser internada, havia feito uma visita cuidadosa pelo St. Luke’s-Roosevelt Hospital, imaginando que tipo de parto deveria fazer. Estava dividida entre o centro de partos — com banheiras para relaxamento e as vantagens de parir naturalmente — ou um quarto de hospital, onde haveria a sempre bem-vinda peridural. Nunca me ocorreu que eu não poderia escolher em que circunstâncias minha filha nasceria, e certamente nunca me passou pela cabeça que eu poderia ter um bebê doente.

Mais tarde, tive outra desagradável surpresa quando não senti toda aquele amor e alegria por Layla que os amigos e família diziam que sentiria (Uma amiga me contou que o amor que sentia por seu filho era quase como um orgasmo emocional). Quando uma colega me perguntou, enquanto almoçávamos, que nova emoção eu achava mais surpreendente, tive que admitir que era a ambivalência. Os eventos assustadores que cercaram o nascimento de Layla certamente influenciaram o modo como me sentia em relação a minha filha — eu tinha muito medo de sentir o incrível amor que eu tinha por Layla porque ainda temia perdê-la —, mas, com o passar dos meses, fui conseguindo compartimentar o estresse pós-traumático e a tristeza que sentia pelo modo como minha filha veio ao mundo.

Esse sentimento era algo diferente. Algo que nenhum livro de bebês ou palavras de sabedoria haviam me preparado. Não era infelicidade, mas uma sensação inquietante de insatisfação, uma sensação de vazio acompanhada da imensa vergonha de não me sentir “completa” por ser mãe. Não era o que eu esperava.

SEM EXPECTATIVAS

Criar filhos exige pura e simplesmente uma mudança de paradigma. O sonho americano de ser pai e mãe — o ideal que somos ensinados a buscar e viver — não chega nem perto da realidade, e essa desconexão está nos tornando infelizes.

Menos de 5% das famílias americanas têm babá. [1] A maioria dos pais não gasta mais de quinhentos dólares em um carrinho de bebê, ou usa fraldas de pano. Ora, a maioria das mães sequer amamenta por mais de alguns meses, [2] apesar de todo o alarde sobre o peito ser melhor. O que nos apresentam como padrão na criação dos filhos — por meio de livros, revistas e mídia online — na realidade é a exceção. A verdade é muito mais espinhosa, e não tão glamourosa.

Os americanos estão desesperados para descobrir por que exatamente encontram-se tão insatisfeitos e angustiados em relação a ser pais. Procuram todo tipo de conselhos para ajudá-los com seus problemas na criação dos filhos. Mas, observando outras culturas — ou, mais precisamente, generalizações sobre outras culturas — é infrutífero buscar soluções rápidas.

Criar filhos nos Estados Unidos é complexo demais para acreditar que uma agenda lotada de aulas de piano ou um mimo resolverão num passe de mágica todas as minúcias e problemas que fazem parte da educação das crianças. As políticas de licença maternidade e paternidade são totalmente inadequadas — se não inexistentes — na maioria das empresas americanas, e muitas mães se preocupam com perder o emprego ou serem forçadas a abrir mão do sucesso profissional quando a criança nascer. Pais pagam quantias exorbitantes para que outros cuidem dos filhos, e se sentem culpados por abandoná-los. Expectativas sociais sobre o que constitui uma mãe boa ou ruim assombram cada decisão, e a ascensão da indústria de aconselhamento parental garante que mães e pais se sintam inadequados a cada esquina. Nossos filhos nos trazem alegria (na maior parte do tempo), mas os obstáculos em sua criação — sejam sistêmicos ou pessoais — ainda permanecem lá, imutáveis.

Pais e mães não podem continuar sorrindo, fingindo que a culpa, as expectativas, a pressão e as dificuldades cotidianas da criação dos filhos não existem, ou que as questões que afligem tantas famílias americanas podem ser explicadas em um guia de “como fazer”.

Há cinquenta anos, Betty Friedan escreveu o inovador livro A mística feminina, sobre “o problema que não tem nome” — o penoso trabalho doméstico diário que fez infeliz toda uma geração de mulheres. Hoje, esse problema tem um nome (e muitas vezes, fraldas sujas). O problema não são filhos, mas a expectativa da perfeição, ou, no mínimo, da felicidade arrebatadora. Uma mentira sedutora de que ter filhos vai preencher nossas vidas deixa os americanos cegos para a realidade de criá-los.


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