Livro ‘Os olhos da escuridão’ por Dean Koontz

Livro 'Os olhos da escuridão' por Dean Koontz
"Tão profético que realmente não consigo acreditar." ― G o o d r e a d s ― “Um thriller de Dean Koontz de 1981 previu o surto de coronavírus?” ― D a i l y M a i l ― “Dean Koontz não é apenas um mestre dos nossos sonhos mais sombrios, mas também um malabarista literário” ― T h e T i m e s ― Uma busca por um filho desaparecido... E um mistério tóxico que ameaça o mundo! Um ano se passou desde a morte do pequeno Danny. Um ano desde que sua mãe iniciou o doloroso processo de aceitação. Mas Tina Evans poderia jurar que acabou de vê-lo dentro do carro de um estranho. Na última perturbadora noite sonhou com seu filho. Ao acordar, foi até o quarto de Danny e para sua surpresa lá estava uma mensagem...
Capa comum: 272 páginas
Editora: Citadel Editora; Edição: 1 (11 de maio de 2020)
Idioma: Português
ISBN-10: 6550470382
ISBN-13: 978-6550470388
Dimensões do produto: 22,8 x 15,4 x 1,4 cm
Peso de envio: 381 g

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Leia trecho do livro

Esta obra é para Gerda, com amor. Depois de cinco anos de trabalho, agora que estou quase terminando de dar os retoques finais nos meus primeiros romances publicados sob pseudônimos, pretendo começar a refinar a mim mesmo.

Considerando tudo que precisa ser feito, esse meu novo projeto será chamado de agora em diante como o “plano dos cem anos”.

TERÇA-FEIRA, 30 DE DEZEMBRO

1

SEIS MINUTOS depois da meia-noite, madrugada de uma terça-feira, a caminho de casa depois do ensaio noturno de seu novo show, Tina Evans viu o filho, Danny, no carro de um desconhecido. Mas Danny havia morrido mais de um ano antes.

A dois quarteirões de casa, Tina parou em um mercadinho vinte e quatro horas, com a intenção de comprar leite e pão integral. Estacionou embaixo da garoa seca e amarelada por um poste de iluminação pública, bem ao lado de uma perua Chevrolet de um bege brilhante. O menino estava no banco da frente do carro, esperando alguém que estava dentro loja. Tina só conseguia vê-lo de perfil, mas ofegou em um reconhecimento doloroso.

Danny.

O garoto devia ter uns doze anos, a mesma idade que teria Danny. Tinha cabelo escuro e abundante como o de Danny, a boca parecida com a de Danny e o queixo delicado, também como o de Danny.

Ela murmurou o nome do filho, como se falar mais alto pudesse afugentar aquela aparição.

Sem saber que era observado, o menino levou a mão à boca e mordeu de leve a articulação do polegar flexionado, uma mania que Danny tinha começado a desenvolver um ano antes de morrer. E Tina havia tentado, sem sucesso, interromper esse mau hábito.

A semelhança daquele menino com Danny parecia ser mais que uma coincidência. De repente, Tina sentiu a boca seca, com um gosto amargo, e seu coração disparou. Ainda não havia se adaptado ao fato de ter perdido o filho único, simplesmente porque nunca quisera – ou tentara – se adaptar a essa nova realidade. Diante da semelhança daquele menino com seu Danny, era muito fácil considerar a possibilidade de o filho nunca ter morrido.

Talvez… talvez aquele garoto realmente fosse Danny. Por que não? Quanto mais considerava essa ideia, menos maluca ela parecia. Afinal, Tina nunca tinha visto o corpo do filho. A polícia e os agentes funerários a haviam prevenido de que Danny havia sido terrivelmente dilacerado, horrivelmente mutilado, e que era melhor que ela não o visse daquela maneira. Nauseada, destroçada pela dor, ela acabou por seguir esses conselhos, e o funeral de Danny aconteceu com o caixão fechado.

Mas talvez eles tivessem se enganado quando identificaram o corpo. Talvez Danny não tivesse morrido no acidente, no final das contas. Talvez tivesse sofrido apenas um ferimento moderado na cabeça, grave o suficiente apenas para provocar uma sequela como… amnésia. Isso. Amnésia. Talvez ele tivesse se afastado do ônibus acidentado e sido encontrado a quilômetros do local do acidente, sem identificação e incapaz de dizer quem era ou de onde vinha. Era possível, não era? Tina já tinha visto histórias semelhantes em filmes. É claro. Amnésia. E se esse fosse o caso, ele poderia ter ido parar em um lar provisório e teria agora uma nova vida. E então estava ali, sentado na perua Chevrolet bege, trazido até ela pelo destino e por…

Num dado momento, o garoto parece que sentiu que estava sendo intensamente observado e se virou. Ela prendeu a respiração enquanto o rosto se movia lentamente. Os dois se olharam através das duas janelas e da estranha luz opaca, e ela teve a sensação de que faziam contato através de um abismo de espaço, tempo e destino. Mas, inevitavelmente, a fantasia chegou ao fim. Aquele não era Danny.

Ela desviou o olhar do dele e encarou as próprias mãos, que agarravam o volante com tanta força que chegava a doer.

— Droga.

Estava brava com ela mesma. Pensava ser uma mulher forte, equilibrada, preparada para lidar com qualquer coisa que a vida pusesse em seu caminho. Mas a sua completa incapacidade de aceitar a morte de Danny a incomodava.

Depois do choque inicial e do funeral, ela começou a lidar com o trauma. Gradualmente, dia a dia, semana a semana, ia deixando Danny para trás, com tristeza, culpa, lágrimas e muita amargura, mas também com firmeza e determinação. Tinha dado vários passos adiante na carreira no último ano, fazendo uso de sua intensa rotina de trabalho como uma espécie de morfina, com intuito de amortecer a dor até a ferida cicatrizar por completo.

No entanto, algumas semanas antes, ela tinha começado a regredir para a terrível condição em que tinha mergulhado imediatamente depois de receber a notícia do acidente. Sua negação era tão resoluta quanto irracional. Mais uma vez, era possuída pelo sentimento persistente de que o filho ainda estava vivo. O tempo deveria ter criado uma distância cada vez maior entre ela e essa aflição, mas, em vez disso, o passar dos dias a estava levando de volta para o início de todo aquele ciclo de profunda tristeza. Aquele menino na perua bege não era o primeiro que ela imaginava ser Danny; nas últimas semanas, tinha visto o filho perdido em outros carros, em pátios de escola pelas quais passava, nas ruas e em uma poltrona de cinema.

Além disso, era atormentada recentemente por um sonho recorrente em que Danny estava vivo. Todas as vezes que isso acontecia, por algumas horas depois de abrir os olhos ela não conseguia enfrentar a realidade. De alguma maneira, estava convencida de que seu sonho era uma premonição de um eventual retorno de Danny, de que de alguma forma ele havia sobrevivido e voltaria, em breve, para seus braços.

Essa era uma fantasia maravilhosa, mas que Tina sabia que não poderia sustentar por muito tempo. Embora sempre resistisse à verdade tão dolorida, a cada crise ela ia gradualmente se recompondo e era sempre trazida de volta à realidade, forçada a aceitar que o sonho não era a sua desejada premonição. Mesmo assim, sabia que, quando sonhasse de novo, encontraria esperança renovada no sonho, como já havia acontecido tantas outras vezes.

E isso não era bom.

Doente, ela se censurou.

Olhou para a perua ao lado e viu que o menino ainda a encarava. Ela devolveu o olhar para as mãos tensas e finalmente encontrou forças para soltar o volante.

A dor do luto podia enlouquecer uma pessoa. Tinha ouvido alguém dizer isso e concordava que sim. Mas não permitiria que isso acontecesse com ela. Seria suficientemente rigorosa consigo mesma para manter os pés na realidade – por mais que ela fosse terrivelmente desagradável. Tina não poderia se permitir ter esperança. Amava Danny com toda a força de seu coração, mas ele havia partido. Tinha sido dilacerado e esmagado em um acidente de ônibus com outros quatorze meninos. Apenas mais uma vítima de uma grande tragédia. Destroçado além da possibilidade de reconhecimento. Morto.

Frio.
Apodrecendo.
Em um caixão.
Embaixo da terra.
Para sempre.

Seu lábio inferior estremeceu. Queria chorar, precisava chorar, mas segurou as lágrimas.

O menino no Chevrolet já tinha perdido o interesse nela. Olhava novamente para a porta do mercadinho, esperando quem quer que fosse.

Tina desceu do Honda. A noite estava fresca, mas agradável, e seca como no deserto. Ela respirou fundo e entrou na loja, onde o ar era tão frio que penetrava nos ossos e onde as lâmpadas fluorescentes eram fortes e impessoais demais para incentivar fantasias.

Ela comprou o leite e o pão integral em fatias finas − desses que só come quem está de dieta. Cada porção tem apenas metade das calorias de uma fatia normal. Tina não era mais dançarina; agora trabalhava nos bastidores, na produção final do espetáculo, mas ainda se sentia melhor, física e psicologicamente, quando não deixava seu peso ultrapassar o que mantinha quando subia ao palco.

Cinco minutos depois, ela estava em casa. Tina morava em uma espécie de chácara simples, em um bairro tranquilo. As oliveiras e melaleucas rendadas se mexiam preguiçosas, embaladas pela suave brisa do deserto de Mojave, no sudoeste da Califórnia.

Na cozinha, ela torrou duas fatias de pão. Espalhou sobre elas uma fina cama de manteiga de amendoim, encheu um copo com leite desnatado e se sentou à mesa.

Torrada com manteiga de amendoim era uma das coisas favoritas de Danny, mesmo quando ele era pequeno e muito seletivo em relação ao que comia. Quando era pouco mais que um bebê, ele chamava de “toiada e miduim”.

De olhos fechados, mastigando um pedaço de torrada, Tina quase podia vê-lo aos três anos, com a boca e o queixo sujos de manteiga de amendoim, sorrindo antes de pedir “mais toiada e miduim”.

Ela abriu os olhos assustada, porque a imagem mental era muito nítida, menos uma lembrança e mais parecida com uma visão. E nesse momento, ela não queria mergulhar naquelas recordações tão vívidas.

Mas já era tarde demais. O coração deu um nó no peito, o lábio inferior começou a tremer de novo, ela apoiou a cabeça na mesa e desabou em um choro.

* * *

Naquela noite, Tina sonhou novamente que Danny estava vivo. De alguma maneira. Em algum lugar. Vivo. E precisava dela.

No sonho, Danny estava em pé à beira de um precipício e Tina estava do outro lado, de frente para ele, enxergando-o através daquele imenso abismo vazio. Danny a chamava pelo nome. Estava sozinho e com medo. E ela estava aflita porque não conseguia encontrar um jeito de alcançá-lo. Enquanto isso, o céu ia escurecendo mais e mais a cada segundo; imensas nuvens de tempestade, como punhos fechados de gigantes celestiais, expulsavam do cenário a última luz do dia. Os gritos de Danny e as respostas dela foram se tornando incrivelmente estridentes e desesperados, porque ambos sabiam que precisavam se encontrar antes de a noite cair, ou se perderiam para sempre. Na escuridão, alguma coisa esperava por Danny, algo pavoroso e que o dominaria se ele continuasse sozinho. De repente, o céu foi rasgado por um raio e logo depois tudo tremeu com o estouro de um trovão. Com isso, a noite implodiu em uma escuridão profunda e infinita.

Tina Evans se sentou na cama com as costas eretas, certa de ter ouvido um barulho na casa. Não era só o trovão do sonho. Ela havia escutado o ruído quando já estava acordando. Era um som real, não um barulho imaginado.

Tentou ouvir com atenção, pronta para jogar as cobertas longe e pular da cama, mas o silêncio reinava.

A dúvida a invadiu pouco a pouco. Ultimamente, vivia em sobressaltos. Essa não era a primeira noite em que se convencia, erroneamente, de que alguém havia invadido a casa. Em quatro ou cinco ocasiões durante as duas últimas semanas, tinha tirado a pistola da gaveta da mesa de cabeceira e revistado a casa, cômodo por cômodo, sem encontrar ninguém. Tinha consciência de que estava sob enorme pressão, recentemente, tanto pessoal quanto profissional. E talvez o barulho dessa noite fosse, de fato, só barulho do trovão no sonho.

Ela permaneceu alerta por alguns minutos, mas a noite estava tão tranquila que, finalmente, teve que reconhecer que estava sozinha. O coração desacelerou e ela finalmente conseguiu deitar a cabeça no travesseiro.

Em momentos como esse, lamentava não estar mais junto de Michael. De olhos fechados, imaginou-se deitada ao lado dele, estendendo a mão para ele no escuro, tocando-o e se aconchegando, buscando abrigo em seus braços. Ele a confortaria e tranquilizaria, e, depois de um tempo, ela voltaria a dormir.

Bem, se ela e Michael estivessem na cama nesse exato minuto, talvez as coisas não acontecessem bem assim. Eles fariam amor, depois discutiriam, ele resistiria ao afeto, a rejeitaria e então provocaria uma briga. Uma grande discussão seria desencadeada por causa de uma bobagem qualquer até se transformar em uma verdadeira guerra conjugal. Os últimos meses de vida em comum dos dois foram assim. Ele vibrando de hostilidade, sempre procurando uma desculpa para descarregar a raiva nela.

Tina amou Michael até o fim, por isso ficou triste e magoada quando a relação acabou. Mas não podia negar que também ficou aliviada quando, finalmente, ele foi embora de casa.

Perdeu o filho e o marido no mesmo ano, primeiro o homem, depois o menino, o filho para a morte, o marido, para os ventos da mudança. Durante os doze anos de casamento, Tina se tornara uma pessoa diferente e mais complexa do que era no dia em que se casou, mas Michael não mudara absolutamente nada – e deixou de gostar da mulher que ela se tornara. Começaram o namoro completamente apaixonados, compartilhando cada detalhe da vida diária, triunfos e fracassos, alegrias e frustrações, mas, quando o divórcio aconteceu, era como se fossem dois estranhos. Michael ainda morava na mesma cidade, a menos de um quilômetro e meio dela, mas era, em alguns aspectos, tão distante e inacessível quanto Danny.

Ela suspirou resignada e abriu os olhos.

Não tinha mais sono, mas sabia que precisava descansar. Teria que estar inteira na manhã seguinte.

Esse seria um dos dias mais importantes de sua vida: 30 de dezembro. Em outros anos, a data nunca havia tido um significado especial. Mas, para o bem ou para o mal, esse 30 de dezembro era como o fio do qual pendia todo o seu futuro.

Durante quinze anos, desde que completara dezoito, dois anos antes de se casar com Michael, Tina viveu e trabalhou em Las Vegas. Começou a carreira como dançarina – não em boates baratas, era uma profissional reconhecida – no Lido de Paris, apresentando-se em gigantesco palco no Stardust Hotel. O Lido era uma dessas produções incrivelmente luxuosas que não eram vistas em nenhum lugar do mundo além de Vegas, porque só ali um show de muitos milhões de dólares poderia ser apresentado, ano após ano, sem muita preocupação com lucro. Os valores gastos com cenários e figurinos, elenco e equipe eram tão altos que o hotel ficava satisfeito quando a produção apenas cobria as despesas com a venda de ingressos e bebidas. Afinal, por mais fantástico que fosse, o show era apenas um chamariz, uma isca, que tinha o único propósito de levar alguns milhares de pessoas ao hotel todas as noites. Nas idas e vindas da sala de espetáculo, as pessoas tinham que passar pelas mesas de jogos, pelas roletas e pelas fileiras cintilantes dos caça-níqueis, e era ali que o lucro acontecia. Tina gostava de dançar no Lido, e trabalhou lá por dois anos e meio, até descobrir que estava grávida, quando decidiu se afastar do trabalho para esperar e dar à luz Danny e depois para passar os dias com ele nos primeiros meses de vida. Foi só quando Danny tinha seis meses que Tina voltou a treinar para recuperar a forma, e em três meses de trabalho duro ela conseguiu uma vaga de corista em um espetáculo de Las Vegas. Ela conseguia administrar o trabalho e a maternidade, embora nem sempre fosse fácil; amava Danny, adorava dançar, e se sentia realizada com a dupla jornada.

Cinco anos antes, porém, em seu vigésimo oitavo aniversário, ela havia começado a perceber que, com alguma sorte, teria apenas mais uns dez anos como dançarina, e então decidira se estabelecer no ramo abraçando outras funções, na tentativa de evitar ser posta de lado quando estivesse perto dos quarenta.

Tina conseguiu um emprego como coreógrafa em uma casa de show s de quinta categoria, uma imitação barata do multimilionário Lido, e, com o tempo, também se tornou responsável pelo figurino. A partir daí, foi mudando de emprego e progredindo em funções semelhantes e em casas um pouco melhores. Depois de um tempo, atuou em pequenas casas de espetáculo − para quatrocentas ou quinhentas pessoas − em hotéis um pouco mais sofisticados, mas ainda com orçamentos limitados para espetáculos. Com o passar dos anos, tornou-se diretora de uma dessas casas, depois diretora e produtora de outra. Aos poucos ia se tornando um nome respeitado no fechado mundo de entretenimento em Vegas, e acreditava estar bem perto de alcançar o que poderia chamar de uma carreira de sucesso.

Quase um ano antes, pouco depois da morte de Danny, Tina foi convidada a dirigir e coproduzir uma enorme extravagância de espetáculo, com orçamento de dez milhões de dólares e que seria apresentado na principal sala − com dois mil assentos − do Golden Pyramide, um dos maiores e mais luxuosos hotéis da Las Vegas Strip. De início, ela sentiu que o universo estava de brincadeira com ela, fazendo com que essa oportunidade maravilhosa aparecesse antes de ela ter tempo de viver o luto pela morte de seu menino. Era como se o destino fosse superficial e insensível o bastante para achar que seria possível compensar a morte de Danny com o emprego dos sonhos de Tina. Embora estivesse amargurada e deprimida, embora se sentisse completamente vazia e inútil – ou, talvez, exatamente por isso −, ela acabou aceitando o emprego.

O novo show já tinha um nome, Magyck! , isso porque os vários números de grandes apresentações de dança eram todos de mágicos, e também porque a produção contava com efeitos especiais elaborados e temas sobrenaturais.

A grafia do nome do espetáculo não era criação de Tina, mas quase todo o resto era, e ela estava satisfeita com o que tinha construído − e exausta também. No último ano, havia mergulhado em uma rotina maluca de doze ou quatorze horas diárias, sem férias e com raras folgas de fim de semana.

Mesmo assim, mesmo preocupada como estava com Magyck! , ajustar-se à morte de Danny continuou sendo muito difícil. Há um mês, pela primeira vez, ela havia pensado que estava começando a superar o luto. Conseguia pensar no filho sem chorar, visitar seu túmulo sem ser esmagada por uma profunda tristeza. De modo geral, sentia-se razoavelmente bem, até mesmo um pouco feliz. Nunca esqueceria a criança doce que foi uma parte tão grande dela, mas não se via mais vivendo em torno do enorme buraco que ele deixara. A ferida ainda doía, mas estava cicatrizando.

Isso foi o que ela pensou um mês antes. Por uma ou duas semanas, continuou progredindo em direção à aceitação, mas então foi acometida por novos sonhos, que eram ainda piores que os que havia tido imediatamente após a morte de Danny.

Talvez a ansiedade em relação à reação do público ao espetáculo a fizesse lembrar a enorme ansiedade que sentira quando esperava pelo nascimento de Danny. Em menos de dezessete horas – às oito da noite do dia 30 de dezembro –, o Golden Pyramid Hotel apresentaria uma première especial, apenas com convidados VIP, para promover o Magyck! . E na noite seguinte, véspera de Ano-Novo, aconteceria a estreia oficial para o público em geral. Se a reação da plateia fosse tão forte e positiva quanto Tina esperava, sua vida financeira estaria de certa forma resolvida, porque o contrato garantia a ela 2,5% da receita bruta dos ingressos, depois de atingidos os primeiros cinco milhões. Se o Magyck! fosse um sucesso e lotasse a sala por quatro ou cinco anos, como às vezes acontecia com os show s bem-sucedidos em Vegas, no final da temporada ela seria multimilionária. Se a produção fosse um fracasso e não agradasse ao público, entretanto, ela poderia voltar a trabalhar em pequenas casas noturnas. A indústria de espetáculos em Las Vegas, de qualquer forma, era uma empreitada impiedosa.

Tina tinha bons motivos para estar sofrendo crises de ansiedade. O medo obsessivo de a casa ser invadida, os sonhos inquietantes com Danny, o luto renovado – todas essas coisas podiam derivar da preocupação com o Magyck! . E se assim fosse, os sintomas desapareceriam no momento em que o destino do espetáculo ficasse evidente. Ela só precisava enfrentar os próximos dias, e, na calma relativa que viria a seguir, talvez conseguisse retomar os cuidados consigo mesma.

Enquanto isso, só precisava voltar a dormir. Tinha uma reunião marcada para as dez da manhã com dois agentes que consideravam reservar oito mil ingressos para o Magyck! durante os três primeiros meses da temporada. Depois, à uma hora da tarde, todo o elenco e a equipe se reuniriam para o último ensaio com figurino. Ela ajeitou os travesseiros, esticou as cobertas e puxou a camisola curta que usava para dormir. Tentou relaxar, fechando os olhos e imaginando a maré banhando uma praia prateada em uma noite tranquila.

Tum!

Ela sentou na cama.

Alguma coisa tinha caído em outra parte da casa. Devia ter sido um objeto grande, porque, apesar de as paredes terem abafado o baque, o barulho fora alto o bastante para despertá-la.

O que quer que tenha sido… não havia simplesmente caído. Havia sido derrubado. Objetos pesados não simplesmente caem sozinhos em cômodos vazios.

Ela inclinou a cabeça, ouviu com atenção. Outro barulho mais baixo seguiu o primeiro. Não durou o suficiente para Tina conseguir identificar a fonte, mas havia uma furtividade nele. Dessa vez, não estava imaginando uma ameaça. Havia, de fato, alguém na casa.

Sentada na cama, ela acendeu o abajur e abriu a gaveta da mesa de cabeceira. A pistola estava carregada. Ela soltou as duas travas de segurança.

Por um tempo, ficou ouvindo.

No silêncio ressecado da noite do deserto, imaginou que podia sentir um invasor também atento, ouvindo cada ruído que ela fazia.

Ela se levantou da cama e calçou os chinelos. Segurando a arma com a mão direita, aproximou-se da porta do quarto sem fazer nenhum barulho.

Pensou em chamar a polícia, mas temia fazer papel de idiota. E se eles viessem, chegassem com as luzes piscando e as sirenes ligadas e não encontrassem ninguém? Se chamasse a polícia cada vez que imaginava ter ouvido alguém invadindo a casa nas últimas duas semanas, eles certamente achariam que ela era uma maluca. E Tina era orgulhosa, não suportava a ideia de parecer histérica aos olhos de policiais – muito provavelmente homens − que ofereceriam um sorrido amarelo para ela e, mais tarde, enquanto tomavam café e comiam donuts, fariam piadas a seu respeito. Nada disso. Verificaria a casa ela mesma, sozinha.

Com a pistola apontada para o teto, encaixou uma bala na câmara.

Respirando fundo, ela destrancou a porta do quarto e saiu.


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