Vencedor do XII Prêmio Galileo de escrita literária de divulgação científica de 2018. Para Stefano Mancuso, o verdadeiro potencial para a solução dos problemas que nos afligem está nas plantas. Sua autonomia energética, ligada a uma arquitetura cooperativa, distribuída, sem centros de comando, faz delas seres vivos capazes de resistir a repetidos eventos catastróficos e se adaptar com rapidez a enormes mudanças ambientais. Ao revelar a capacidade das plantas de aprender, memorizar e se comunicar, o cientista propõe um novo modelo para pensar o futuro da tecnologia, da ecologia e dos sistemas políticos.
Páginas: 192 páginas; Editora: Ubu Editora; Edição: 1 (19 de agosto de 2019); ISBN-10: 8571260346; ISBN-13: 978-8571260344; ASIN: B07W8WQP3H
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Leia trecho do livro
Ao final do século XIX , físicos e matemáticos haviam descoberto tanto sobre o Universo que chegaram a considerar ter entendido tudo o que havia para entender. Quebraram a cara feio: na primeira metade do século XX , Max Planck, Albert Einstein e Kurt Gödel bagunçaram com força o coreto das ciências exatas. O livro que você tem em mãos, do cientista e escritor Stefano Mancuso, promete revolução semelhante no domínio da biologia ao incluir as plantas – meramente ornamentais ou até mesmo entediantes para tanta gente – no rol das formas de vida que apresentam comportamentos interessantes, ainda que sem cérebro.
O argumento se apoia em evidências datadas de vários séculos, mas foi apenas recentemente que o assunto se firmou como ciência merecedora de legítima atenção e intensa curiosidade. Os resultados experimentais apresentados por Stefano Mancuso são surpreendentes e convergem para uma mudança paradigmática que situa as plantas bem mais perto da cognição animal do que supunha nossa vã biologia.
O livro descreve saborosamente a origem e o desenvolvimento desse campo de pesquisa, desde os estudos pioneiros da Mimosa pudica realizados por Lamarck e Desfontaines no século XVIII , até os experimentos mais recentes realizados por Mancuso e sua equipe no Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal da Universidade de Florença.
As perguntas abordadas são fascinantes: como as plantas sabem o momento exato em que devem florescer? Elas são capazes de lembrar? Em caso afirmativo, qual a duração dessa memória? Como funciona o mimetismo vegetal capaz de simular o tamanho, a cor e a forma de múltiplas espécies diferentes?
As maravilhosas respostas já obtidas, bem como as persistentes dúvidas ainda não elucidadas, demarcam com nitidez uma fronteira nova, verdadeira agenda verde da pesquisa de ponta no século XXI . A sinalização bioquímica das plantas, que lhes permite cooperar de forma descentralizada e adaptativa, rompe hierarquias e nega o senso comum sobre a passividade das plantas, em suposto contraste com a atividade típica dos animais.
Os experimentos indicam, entretanto, que tais conceitos estão ultrapassados e já não nos bastam mais. Através de mecanismos epigenéticos, as plantas exprimem a cognição lenta mas profunda dos Ents de J.R.R. Tolkien: seres imóveis que se espalham por onde podem, que habitam o tempo sem pressa nenhuma, e que devem ser protegidas dos agrotóxicos. Mancuso postula que estamos prestes a adentrar uma contundente revolução tecnológica, com robôs e colonizadores planetários de inspiração vegetal. É planta na cabeça!
SIDARTA RIBEIRO
Prefácio
1 Memórias sem cérebro
2 Das plantas aos plantoides
3 A sublime arte da mimese
4 Mover-se sem músculos
5 Capsicófagos e outros escravos vegetais
6 Democracias verdes
7 Arquiplantas
8 Cosmoplantas
9 Vivendo sem água doce
Bibliografia
Sobre o autor
Para Annina
prefácio
Tenho a impressão de que a maioria das pessoas não percebe a real importância das plantas para a vida humana. É claro que todos sabem – ou pelo menos espero que saibam – que respiramos graças ao oxigênio produzido pelos vegetais e que toda a cadeia alimentar, e, portanto, a comida que alimenta todos os animais da Terra, baseia-se nas plantas. Mas quantos têm clareza de que petróleo, carvão, gás e todos os chamados recursos energéticos não renováveis são nada mais do que formas diferentes da energia solar fixada pelas plantas há milhões de anos? Quantos sabem que os princípios ativos dos remédios são, em grande parte, de origem vegetal? Ou que a madeira, graças às suas características surpreendentes, ainda é o material de construção mais utilizado em muitas áreas do mundo? Nossa vida, assim como a de qualquer outra forma animal neste planeta, depende do mundo das plantas.
Pode-se pensar que já sabemos tudo sobre organismos tão importantes para a sobrevivência da humanidade – e dos quais grande parte da economia depende. De maneira nenhuma: apenas em 2015 foram descobertas 2 034 novas espécies de plantas. E não pense que são plantinhas microscópicas que escaparam à atenção dos botânicos; uma delas, a Gilbertiodendron maximum, é uma árvore endêmica da floresta tropical do Gabão, com cerca de 45 metros, tronco que pode atingir um metro e meio de diâmetro e massa total de mais de cem toneladas. E 2015 não foi um caso excepcional. Na última década, o número de novas espécies descritas ultrapassou 2 mil por ano.
É sempre um bom negócio pesquisar novas plantas. Nunca se sabe o que é possível descobrir. Mais de 31 mil espécies diferentes têm uso documentado; entre elas, quase 18 mil são utilizadas para fins medicinais, 6 mil para alimentação, 11 mil como fibras têxteis e materiais de construção, 1 300 para usos sociais (como em rituais religiosos e como drogas), 1 600 como fonte de energia, 4 mil como alimento para animais, 8 mil para propósitos ambientais, 2 500 como venenos etc. A conta pode ser feita rapidamente: cerca de um décimo das espécies tem uso imediato para a humanidade. Como disse, trata-se de um bom negócio. Poderia se tornar ótimo negócio se começássemos a usar plantas não só pelo que elas produzem, mas também pelo que podem nos ensinar.
De fato, elas são um modelo de modernidade; e o propósito deste livro é deixar isso claro. Dos materiais à autonomia energética, da resistência às estratégias adaptativas, as plantas encontraram desde tempos imemoriais as melhores soluções para a maioria dos problemas que afligem a humanidade. Basta saber como e onde procurar.
Entre 400 milhões e 1 bilhão de anos atrás, diferentemente dos animais, que escolheram se mexer para encontrar alimento, algo indispensável, as plantas tomaram uma decisão oposta no aspecto evolutivo. Elas preferiram não se mover, obtendo do Sol toda a energia necessária para sobreviver e adaptando o próprio corpo à predação e a inúmeras outras restrições decorrentes do fato de estarem enraizadas no solo. Isso não é nada fácil. Tentem pensar como é complicado permanecer vivo em um ambiente hostil, incapaz de se mover. Imaginem que vocês sejam uma planta, cercada por insetos, animais herbívoros e predadores de todas as espécies, e não podem fugir. A única maneira de sobreviver é ser indestrutível; ser constituída de forma inteiramente diferente de um animal. Ser, com efeito, uma planta.
Para evitar os problemas relacionados à predação, as plantas evoluíram em uma direção única e insólita, desenvolvendo soluções tão distantes das dos animais que são, para nós, o próprio exemplo da diversidade. Organismos tão diferentes de nós que poderíamos muito bem considerá-las alienígenas. Muitas das soluções desenvolvidas pelas plantas são exatamente o oposto daquelas criadas pelo mundo animal. Os animais se movem, as plantas ficam paradas; os animais são rápidos, as plantas, lentas; animais consomem, plantas produzem; os animais geram CO2, as plantas fixam CO2… E assim por diante, até a oposição decisiva, a mais importante e a mais desconhecida: a que se estabelece entre difusão e concentração. Qualquer função que nos animais é confiada a órgãos específicos, nas plantas é espalhada por todo o corpo. É uma diferença fundamental, cujas consequências são difíceis de entender por completo. Uma estrutura tão diferente é exatamente uma das razões pelas quais as plantas nos parecem tão diferentes.
Os humanos sempre buscaram substituir, expandir ou melhorar algumas funções humanas. Na prática, o homem sempre tentou reproduzir os fundamentos da organização animal na fabricação de seus instrumentos. Tomemos o computador. Ele é projetado conforme esquemas ancestrais: um processador, representando o cérebro, cuja função é governar o hardware, e depois discos rígidos, memória ram, placas de vídeo e de áudio… Essa é a mera transposição de nossos órgãos em um modelo sintético. Tudo o que o homem projeta tende a ter, de maneira mais ou menos óbvia, esta arquitetura: um cérebro central que governa e órgãos que executam seus comandos. Até as sociedades são organizadas de acordo com essa configuração arcaica, hierárquica e centralizada. Um modelo cuja única vantagem é fornecer respostas rápidas – por isso nem sempre corretas –, mas muito frágil e nada inovador.
Mesmo sem ter qualquer órgão semelhante a um cérebro central, as plantas podem perceber o ambiente que as rodeia com uma sensibilidade mais elevada que a dos animais; competem ativamente pelos limitados recursos disponíveis no solo e na atmosfera; avaliam com precisão as circunstâncias; realizam análises sofisticadas de custo-benefício; e, finalmente, definem e realizam ações apropriadas em resposta aos estímulos ambientais. O caminho tomado por elas, portanto, é uma alternativa a ser levada em conta, especialmente em tempos em que a percepção das mudanças e a elaboração de soluções inovadoras tornam-se atitudes fundamentais.
Qualquer organização centralizada é inerentemente fraca. Em 22 de abril de 1519, Hernán Cortés desembarcou no México, na atual Veracruz, com cem marinheiros, cerca de quinhentos soldados e alguns cavalos. Dois anos depois, em 13 de agosto de 1521, a queda da capital Tenochtitlán marcou o fim da civilização asteca. O mesmo destino teriam os Incas pelas mãos de Francisco Pizarro, alguns anos depois, em 1533. Em ambos os casos, exércitos menores conseguiram derrubar impérios grandes, seculares e frágeis, graças à captura de seus governantes: Montezuma e Atahualpa. Isso ocorreu porque os sistemas centralizados são delicados. Algumas centenas de quilômetros ao norte de Tenochtitlán, os Apache – muito menos avançados que os Asteca, mas que, ao contrário deles, não tinham nenhum tipo de poder centralizado – resistiram a Cortés, mesmo depois de uma longa guerra.
As plantas incorporam um modelo muito mais resistente e moderno que o dos animais; elas são a representação viva de como a solidez e a flexibilidade podem ser combinadas. Sua composição modular é a quintessência da modernidade: uma arquitetura cooperativa, distribuída, sem centros de comando, capaz de resistir perfeitamente a repetidos eventos catastróficos sem perder a funcionalidade e de se adaptar com rapidez a enormes mudanças ambientais.
A organização anatômica complexa e as principais funcionalidades da planta requerem um sistema sensorial bem desenvolvido, que permite ao organismo explorar o ambiente de forma eficiente e reagir de imediato a eventos potencialmente prejudiciais. Assim, para utilizar os recursos do meio ambiente, as plantas se valem, entre outras coisas, de uma rede de raízes refinada, constituída por ápices que se desenvolvem de forma contínua e exploram ativamente o solo. Não é por acaso que a internet, o próprio símbolo da modernidade, é construída na forma de uma rede de raízes.
Quando se trata de força e inovação, nada se iguala às plantas. Graças à evolução – que as levou a desenvolver soluções muito diferentes daquelas encontradas pelos animais –, elas são, desse ponto de vista, organismos muito mais modernos.
Seria bom levarmos isso em conta ao projetar nosso futuro.
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MEMÓRIAS SEM CÉREBRO
Memória: em geral, a capacidade, comum a muitos
organismos, de preservar um traço mais ou menos
completo e duradouro dos estímulos externos
experimentados e das respectivas respostas .
Enciclopédia Treccani
Inteligência é a esposa, a imaginação é
a amante, a memória é a serva .
VICTOR HUGO, Post-scriptum de ma vie
Possuímos uma memória imensa, presente
em nós sem que o saibamos.
DENIS DIDEROT
Animais ou plantas: a experiência ensina
Sempre me interessei pela inteligência das plantas e, portanto, não pude evitar me dedicar à memória delas. Talvez essa afirmação possa lhes parecer estranha, mas tentem refletir sobre isso por um momento. É fácil conceber que a inteligência não é fruto do trabalho de um único órgão; ela é inerente à vida, seja cerebral ou não. As plantas, desse ponto de vista, são a demonstração mais evidente de como o cérebro é um “acidente” que evoluiu apenas em um pequeno número de seres vivos, os animais, enquanto na maior parte dos seres vivos – representada por organismos vegetais – a inteligência se desenvolveu mesmo sem um órgão dedicado a ela. Por outro lado, não consigo imaginar nenhum tipo de inteligência que não tenha uma forma de memória própria, mesmo peculiar.
De fato, memória é algo diferente da inteligência em si. Sem a primeira, não é possível aprender, e a aprendizagem é um dos requisitos da própria inteligência. Como seria possível imaginar um indivíduo talentoso que não muda de reação quando submetido repetidamente ao mesmo tipo de problema? Eu sei, cada um de nós muitas vezes tem a sensação de responder aos mesmos problemas sempre da mesma forma, mesmo sabendo que está errado; também sei que cada um de nós poderia dar inúmeros exemplos de amigos e de parentes que não melhoram seu desempenho diante de questões específicas. Mas isso é apenas uma impressão. Em que pesem as muitas exceções ou casos particulares, muitas vezes ligados a patologias mais ou menos sutis, em geral os organismos são capazes de aprender com a experiência. As plantas não escapam a essa regra de ouro e respondem, de maneira cada vez mais apropriada, quando problemas conhecidos se repetem ao longo de sua existência. Tudo isso não poderia acontecer sem a capacidade de armazenar informações relevantes em algum lugar para superar obstáculos específicos. Isto é, sem memória.
Mas não esperem que alguém fale claramente de memória para se referir às inúmeras atividades vegetais análogas àquelas que nos animais requerem o uso do cérebro. Quando se fala de plantas, que não têm cérebro, geralmente termos específicos são inventados: aclimatação, endurecimento, estado de alerta [priming], condicionamento… Todas essas acrobacias linguísticas foram criadas ao longo dos anos por cientistas, a fim de evitar o uso do velho, conveniente e simples termo “memória”.
No entanto, todas as plantas são capazes de aprender com a experiência e, portanto, possuem mecanismos de memorização.
Exemplificando: se uma planta qualquer, digamos uma oliveira, for sujeita a um estresse como seca, salinidade ou algo parecido, ela responderá implementando as modificações necessárias na anatomia e no metabolismo para garantir a sobrevivência. Até agora nada de estranho, certo? E se, depois de certo período, propusermos o mesmo estímulo à mesma planta, talvez com intensidade até maior, notaremos um dado aparentemente surpreendente. Ela responderá melhor ao estresse. Portanto, aprendeu a lição! Ela registrou em algum lugar as soluções usadas e, quando necessário, rapidamente as recuperou para reagir com mais eficiência e precisão. Enfim, aprendeu e conservou na memória as melhores respostas, aumentando as chances de sobrevivência.
Planta não tem memória curta
Ao contrário de muitos aspectos da vida vegetal que apresentam semelhanças significativas com o mundo animal e têm uma história de estudos, que, embora não seja longa, já está bastante consolidada (penso em inteligência, habilidades de comunicação, capacidade de desenvolver estratégias de defesa, comportamento etc.), no caso da memória, os testes comparativos são bem mais recentes. No entanto, o primeiro notável a abordar esse tema é tão importante que justifica a longa espera: trata-se de Lamarck. Ou melhor, Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, cavaleiro de Lamarck [1744–1829], porque apenas o nome completo traduz à altura a relevância de sua atividade como cientista. O pai da biologia – no sentido literal da palavra, tendo criado o próprio termo – interessou-se, como outros naturalistas de sua época, pela vida das plantas, sobretudo pelos fenômenos relacionados aos movimentos rápidos, típicos das chamadas sensitivas (plantas que respondem de maneira imediata e visível a determinados estímulos). Em particular, durante um longo período de sua carreira, ele mostrou um grande interesse pelo funcionamento exato do mecanismo de fechamento das folhinhas da Mimosa pudica, procurando entender por que ele teria sido ativado. É preciso dizer que, sobre isso, até hoje não temos uma ideia clara.
Suponho que todos vocês conheçam a Mimosa pudica. Hoje ela é vendida até em supermercados; no entanto, para aqueles poucos que nunca a viram, trata-se de uma insólita e graciosa planta que, como o próprio nome diz, fecha delicadamente as folhinhas, em um movimento de extremo pudor, quando elas são submetidas a algum estímulo externo (por exemplo, se forem tocadas). Graças a essa resposta imediata, tão rara no mundo vegetal, essa planta nativa das regiões tropicais do continente americano despertou grande interesse quando chegou à Europa. Cientistas do calibre de Robert Hooke [1635–1703], o famoso microscopista inglês que foi o primeiro a visualizar e a descrever uma célula, ou do médico francês Henri Dutrochet [1776–1847], considerado o pai da biologia celular, dedicaram-se a ela. Em suma, durante alguns anos a Mimosa pudica foi uma verdadeira estrela da botânica.
Nem mesmo nosso cavaleiro Lamarck escapou ao seu fascínio, aprofundando seu conhecimento com inúmeros experimentos e estudando seu comportamento em situações bastante originais. Mas foi acima de tudo uma peculiaridade que chamou a atenção de Lamarck: o fato de que, a certa altura, as folhas já não respondiam e ignoravam qualquer estímulo posterior se sujeitas a repetidos estímulos da mesma natureza. Lamarck acertou quando atribuiu essa interrupção ao “cansaço”; em essência, após repetidos fechamentos das folhinhas, a planta não tinha mais energia disponível para outros movimentos. Algo semelhante ao que acontece com o trabalho muscular em animais, que não pode continuar indefinidamente e é limitado pela quantidade de energia disponível, também caracterizava a Mimosa pudica. Mas nem sempre.
Lamarck observou que, às vezes, ainda que com os mesmos estímulos, o “sujeito” parava de fechar as folhas bem antes de esgotar sua energia. Isso o intrigou; ele não conseguia entender a razão para esse comportamento aparentemente imprevisível. Até que um dia ele se deparou com um experimento original, realizado por René Desfontaines [1750–1833], que parecia responder às suas perguntas. O botânico francês elaborou um experimento inédito. Pediu a um de seus alunos que transportasse um grande número de plantas em uma carruagem para um agradável passeio por Paris e escrupulosamente verificasse o comportamento delas. Ele deveria, sobretudo, observar com atenção quando elas fechassem as folhas. O estudante, cujo nome não sabemos, evidentemente acostumado aos pedidos extravagantes de seu mestre, não titubeou. Colocou nos assentos de um cupê vários vasos de Mimosa pudica e ordenou ao condutor que desse uma volta pelos lugares mais interessantes da cidade, com um trote moderado e, se possível, ininterrupto.
Não desfrutou muito do passeio. Estava ocupado demais registrando as observações minuciosas sobre o comportamento das plantas em seu caderno de campo, enquanto as folhas se fechavam no começo das primeiras vibrações da carruagem sobre o pavimento das ruas de Paris. No final das contas, para o jovem estudante não deve ter sido uma experiência muito interessante; Desfontaines não ficou satisfeito. Como era de esperar, as plantas fecharam as folhinhas às primeiras vibrações da carruagem… Então? O que seu mestre esperava desse experimento? Independentemente de qualquer coisa, não parecia um bom dia para obter um resultado satisfatório. No entanto, enquanto continuavam passeando, algo inesperado aconteceu. Primeiro uma, depois duas, depois outras cinco, finalmente todas as mudas começaram a abrir as folhas, apesar de as vibrações da carruagem terem continuado com igual intensidade. Foi um fato interessante. O que estava acontecendo? O aluno desconhecido teve um estalo e anotou no caderno: as plantas estavam se acostumando.
Os resultados do experimento realizado nas ruas de Paris compuseram uma interessante memória da Sociedade de Botânica e um pequeno texto em Flore française [Flora francesa], escrito por Lamarck e Augustin-Pyramus de Candolle [1778–1841], mas foram logo esquecidos, como acontece com muito mais frequência do que se pode imaginar com várias intuições geniais. Ainda assim, os apontamentos do teste de Desfontaines eram claros demais e decididamente visavam identificar um comportamento adaptativo derivado do armazenamento de informações. Como as folhas recatadas de Mimosa poderiam ter se acostumado aos solavancos contínuos da carruagem se não tivessem alguma forma de memória? Uma dúvida certamente fascinante, à qual, no entanto, foram negadas confirmações científicas durante muito tempo.
Então, em maio de 2013, Monica Gagliano, pesquisadora da University of Western Australia, em Perth, transferiu-se por seis meses para o laboratório que dirijo. Quando chegou ao linv (Laboratório Internacional de Neurobiologia Vegetal da Universidade de Florença), Monica era uma pesquisadora de biologia marinha com interesses muito variados, que iam de filosofia a evolução das espécies e botânica, e tinha justamente o propósito de aprofundar seus conhecimentos sobre o mundo vegetal durante sua estadia. Ou melhor, sobre um aspecto particular do mundo das plantas: o comportamento. Assim, como é natural acontecer durante as longas discussões sobre os respectivos campos de estudo, começamos a planejar alguns experimentos que poderiam, por um lado, justificar sua permanência no linv perante sua universidade e, por outro, que fossem capazes de fornecer respostas a algumas das muitas curiosidades suscitadas por nossas conversas sobre o comportamento das plantas. Entre elas, pareceu-me de fundamental importância demonstrar experimentalmente algo que, havia muito tempo, muitos acreditavam ser verdade, mas sem qualquer base científica real, ou seja, que as plantas eram dotadas de uma memória eficaz. Uma vez que entramos em acordo sobre o tema da nossa pesquisa, faltava a parte mais difícil: como mostrar que as plantas melhoram a eficiência de sua resposta pelo fato de terem uma forma particular de memória?
Alguns meses antes, durante uma visita ao escritório japonês do linv em Kitakyushu, meu querido amigo e colega e diretor do setor Tomonori Kawano havia me mostrado com legítimo orgulho alguns dos milhares de volumes que a Sorbonne, em Paris, havia descartado e que, graças a uma inteligente negociação, ele conseguira salvar da destruição e trazer para o Japão. Em meio às muitas maravilhas, havia também uma cópia original de Flore française, de Lamarck e De Candolle, que contava a experiência de Desfontaines sobre os efeitos de carregar mudas de Mimosa pudica pelas ruas da capital francesa.
Aquela história de passeios de carruagem improváveis que nos divertira muito – com ironia, Tomonori definiu o pupilo de Desfontaines como um exemplo do perfeito estudante japonês – me veio à mente. Conversei então com Monica a respeito. Seria possível imaginar uma reedição desse clássico, elaborando-o de modo a ser cientificamente plausível? Depois de alguns dias, o novo protocolo do que imediatamente concordamos em chamar de “experimento Lamarck e Desfontaines” estava pronto.
Em 2013, era impensável repetir o passeio de carruagem com as plantas, mas a ideia de estimulação repetida, sim, gostaríamos de retomá-la. O escopo do experimento era duplo: por um lado, demonstrar que as mudas de Mimosa pudica eram capazes, após certo número de repetições, de identificar um estímulo como não perigoso e, portanto, deixar suas folhinhas abertas; por outro, verificar se, após um período adequado de preparação, elas seriam capazes de distinguir entre dois estímulos, um dos quais, conhecido, e de responder adequadamente. Em outras palavras, estávamos curiosos para saber se as plantas eram capazes de se lembrar de um estímulo não perigoso a que estavam sujeitas e de distingui-lo de um novo potencialmente arriscado.
Preparamos rapidamente um aparato experimental simples, mas eficaz. O “Lamarck e Desfontaines” previa que as plantas, colocadas em vasos, fossem submetidas a quedas repetidas de uma altura de cerca de dez centímetros. O salto, quantificável com precisão, representava o estímulo. Os resultados se mostraram imediatamente estimulantes, confirmando-nos a exatidão das observações de Desfontaines. Após uma série de repetições (cerca de sete ou oito), as plantas pararam de fechar as folhinhas, ignorando solenemente todas as quedas posteriores. Agora era necessário entender se se tratava de um simples cansaço ou se as plantas de fato entendiam que não havia o que temer. A única maneira de fazer isso era submetê-las a um estímulo diferente do primeiro. Em seguida, montamos uma engenhoca com a qual podíamos agitar os vasos na direção horizontal e submetemos as plantas a esse novo impulso, que também era perfeitamente quantificável; elas responderam fechando as folhas imediatamente. Um bom resultado. Graças ao “Lamarck e Desfontaines” conseguimos mostrar que as plantas podiam aprender a não periculosidade de um evento e distingui-lo de outros potencialmente arriscados. Elas eram, portanto, capazes de se lembrar de uma experiência passada.
Mas qual é a duração dessa lembrança? Para responder a essa questão, deixamos que algumas centenas de plantas treinadas para distinguir entre os dois estímulos repousassem tranquilamente, verificando, mais tarde, se elas conservavam a memória do que haviam aprendido. O resultado superou todas as nossas expectativas. A Mimosa pudica lembrava por mais de quarenta dias. Muito tempo, se comparado aos padrões de duração da memória em muitos insetos, mas semelhante ao de vários animais superiores.
Como um mecanismo como esse funciona em seres sem cérebro, como plantas, ainda é um mistério. Inúmeras pesquisas, realizadas sobretudo no campo da memória do estresse, parecem demonstrar a importância fundamental da epigenética na formação desse tipo de memória. Esse ramo da biologia descreve a hereditariedade de variações que não são atribuíveis a mudanças na sequência de dna; em outras palavras, são mudanças – como a modificação das histonas, proteínas cujo papel principal é organizar o dna, ou a metilação, a ligação de um grupo metil-ch3 a uma base nitrogenada do próprio dna – que alteram a expressão de genes, mas não sua sequência.
Recentemente, boa parte do dna não codificante presente na célula, antes conhecido como “dna lixo”, começou a revelar funções inesperadas de extrema importância para a biologia celular. Por exemplo, é responsável pela produção de moléculas de rna que desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do embrião, nas funções cerebrais e em outras etapas cruciais na vida dos indivíduos. Como é frequente na história da biologia, muitos avanços nesse campo foram possíveis graças à pesquisa com plantas; sobretudo, nos últimos tempos, a partir de estudos voltados para esclarecer o mistério da memória das plantas. Apenas para mencionar um caso concreto, como as plantas lembram o momento exato em que devem florescer? Seu sucesso reprodutivo e a capacidade de gerar descendentes são baseados, antes de mais nada, na capacidade de florescer no momento certo. Muitas plantas esperam certo número de dias para florescer, a partir da exposição ao frio do inverno. Portanto, são capazes de lembrar quanto tempo se passou.
Essa é obviamente uma memória epigenética, mas nada se sabia sobre seu funcionamento até recentemente. Na edição de setembro de 2016 da revista Cell Reports, o grupo de trabalho coordenado por Karissa Sanbonmatsu, do Laboratório Nacional de Los Alamos, publicou os resultados obtidos trabalhando em uma sequência específica de rna, chamada coolair, que controla o tempo de florescimento das plantas na primavera, detectando quanto tempo se passou desde a exposição ao frio. Quando essa sequência é desativada ou removida, as plantas são incapazes de florescer. Sem entrar na complicada dinâmica do funcionamento do coolair (que seria essencialmente o repressor de um repressor de floração), o que nos interessa é que esses mecanismos podem ser muito mais comuns do que pensávamos e representam a base do funcionamento da memória vegetal. Além disso, nas plantas, as modificações epigenéticas parecem desempenhar um papel mais relevante do que nos animais. Assim, é provável que alterações na expressão dos genes após estresse sejam lembradas pelas células por meio de modificações epigenéticas.
Recentemente, uma pesquisa do grupo liderado por Susan Lindquist [1949–2016], do departamento de biologia do mit (Massachusetts Institute of Technology), em Cambridge, nos Estados Unidos, apresentou uma hipótese: as plantas, pelo menos em casos como o da memória de floração, podem usar proteínas priônicas. Príones são proteínas nas quais a cadeia de aminoácidos é enrolada de maneira incorreta ( misfolding , em inglês) e que propagam essa malformação em uma espécie de efeito dominó para todas as proteínas vizinhas. Nos animais, os príones não carregam nada de bom; apenas, como exemplo, a doença de Creutzfeldt-Jakob, mais conhecida como doença da vaca louca, deve-se justamente a eles. Nas plantas, no entanto, eles podem fornecer uma maneira original de memória bioquímica.
Ao contrário do que se poderia pensar, a importância desses estudos vai além do interesse botânico puro, embora elevado: entender o funcionamento da memória em seres sem mente, além de resolver o mistério de como as plantas lembram, também serve para entender melhor a memória humana; quais mecanismos levam a suas alterações ou patologias e como formas particulares da memória podem ser localizadas mesmo fora do sistema nervoso. Além disso, qualquer descoberta sobre o funcionamento biológico da memória é valiosa para as aplicações tecnológicas. Em outras palavras, qualquer avanço na pesquisa sobre essas questões é de interesse geral e tem um potencial que atualmente não podemos imaginar.
fim da amostra…