Livro ‘Os Prazeres da Solidão’ por Stephanie Rosenbloom

Um relato sábio e apaixonado sobre os prazeres de viajar sozinho. Em nossa vida agitada e hiperconectada, muitos se sentem desconfortáveis com a perspectiva de ficar sozinhos. Mas um tempinho para si próprio pode ser uma oportunidade de diminuir o ritmo, saborear e experimentar coisas novas, em especial quando viajamos. Combinando registros pessoais feitos in loco com insights de ciência social e relatos sobre experiências de artistas, escritores e inovadores que amavam a solidão, Stephanie Rosenbloom demonstra o quanto viajar sozinho aprofunda a apreciação da beleza do dia a dia, realçando visões, sons e aromas que não percebemos quando estamos acompanhados. Passeando por quatro cidades – Paris, Florença, Istambul e Nova York – e pelas quatro estações do ano, Os prazeres da solidão nos convida a fazer uma pausa para degustar os detalhes sensuais do mundo em vez de enfrentar multidões em museus e postar fotos no Instagram…

Páginas: 308 páginas; Editora: Anfiteatro; Edição: 1 (5 de agosto de 2019); ISBN-10: 8569474474; ISBN-13: 978-8569474470; ASIN: B07VLCRJ6Y

Leia trecho do livro

Introdução: Bruxos e xamãs

Paris; junho. O táxi deslizou até parar em frente ao n° 22 da rue de la Parcheminerie. Era sábado de manhã, antes de as cadeiras serem postas para fora, antes de os visitantes começarem a Achegar à velha igreja, antes do horário de check-in no hotelzinho com suas jardineiras de gerânios vermelhos nas janelas.

Tocos de cigarro e pétalas vermelhas estavam espalhados pela calçada.

Eu estava sozinha com uma mala e uma reserva. E dias para viver seja lá o que eu escolhesse.

O adulto médio passa sozinho um terço do tempo em que está acordado.¹

— Mihaly Csikszentmihabi, A descoberta do fluxo

Como você está passando o seu tempo? Olhando o Facebook? Enviando mensagens? Tuitando? Fazendo compras na internet? A lista de afazeres é interminável.

Mas não o tempo.

O tempo sozinho é um convite, uma chance de fazer coisas das quais você sente falta. Você pode ler, criar um programa de computador, pintar, meditar, aprender um idioma ou sair para um passeio. Sozinho, você pode vasculhar engradados de livros usados na calçada sem se preocupar por estar tomando a tarde de seu acompanhante ou de ser julgado por sua péssima ideia de um tempo bom. Você não precisa manter uma conversa educada. Você pode ir a um parque. Pode ir a Paris.

Dificilmente você estaria só. Da América do Norte à Coreia do Sul, mais pessoas estão vivendo sozinhas agora do que nunca antes. Estima-se que as moradias de uma só pessoa serão o perfil de moradia de crescimento mais rápido globalmente de hoje até 2030. Mais pessoas estão comendo sozinhas. Mais pessoas estão viajando sozinhas — muito mais. De empresas que alugam acomodações para férias a operadoras de turismo de luxo, grupos de indústrias têm relatado aumentos de dois dígitos em viagens solo. O Airbnb está vendo mais viajantes sozinhos do que nunca. A Intrepid Travel relata que metade de seus hóspedes — cerca de 75 mil pessoas por ano — está agora viajando sozinha, levando a empresa a criar seus primeiros roteiros apenas para sozinhos. E essa explosão não está sendo motivada apenas por pessoas solteiras: o mercado do viajante sozinho “casado com filhos” está crescendo também. Quase 10 por cento dos viajantes americanos com parceiros e filhos estão tirando férias sozinhos durante o ano, de acordo com uma das maiores organizações de marketing de viagem do mundo, a MMGY Global. Em outras palavras, viajar sozinho não é apenas para jovens de vinte e poucos anos e aposentados, mas para qualquer um que queira, de qualquer idade, em qualquer situação: parceiros, pais e solteiros em busca de romance — ou não.

Poucos de nós querem ser reclusos. O crescimento dos espaços de coworking [compartilhamento de áreas de trabalho] e coliving [compartilhamento de áreas de convivência] no mundo é a mais recente prova disso. Mas ter um pouco de tempo para nós mesmos, sejam cinco dias na Europa ou cinco minutos em nosso quintal, pode ser absolutamente invejável.

Cerca de 85 por cento de adultos — homens e mulheres de todas as faixas etárias — disse ao Pew Research Center que para eles é importante estar completamente sozinho às vezes. Uma pesquisa do Euromonitor International constatou que as pessoas querem mais tempo não apenas com suas famílias, mas também sozinhas. E ainda assim muitos de nós, mesmo aqueles que prezam o tempo sozinho, com frequência relutam em fazer certas coisas desacompanhados — o que pode nos levar a perder experiências divertidas, enriquecedoras e que até mudam a vida, bem como a perder novas relações.

Uma série de estudos publicados na Journal of Consumer Research verificou que homens e mulheres tendiam a evitar atividades públicas agradáveis, como ir ao cinema ou a um restaurante, se não tivessem alguém para acompanhá-los. Qualquer potencial prazer e inspiração que pudesse resultar de ver um bom filme ou uma mostra de arte era superado pela crença de que ir sozinho não seria tão divertido, sem mencionar as preocupações sobre como eles seriam encarados pelos outros.

De fato, para muitos de nós, estar sozinho é algo a ser evitado, algo associado a problemas como solidão e depressão. Freud observou que “as primeiras fobias de situação das crianças são escuridão e estar sozinho”. Em muitas culturas pré-letradas, estar sozinho era tido como praticamente intolerável, como escreveu o psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi em A descoberta do fluxo, seu livro sobre a ciência da felicidade: “Apenas bruxos e xamãs se sentem confortáveis passando um tempo sozinhos.

Talvez não seja surpreendente que uma série de estudos publicados na revista Science em 2014 tenha constatado que muitos participantes preferiam administrar um choque elétrico em si mesmos do que serem deixados sozinhos com seus pensamentos durante quinze minutos. O homem, como têm observado cientistas e filósofos desde Aristóteles, é um animal social. E com bons motivos. Relações positivas são cruciais para a nossa sobrevivência; para o conhecimento, o progresso e a alegria coletivos da humanidade. Um dos mais longos estudos da história sobre a vida adulta, o Harvard Study of Adult Development [Estudo de Harvard sobre o Desenvolvimento do Adulto] acompanhou centenas de homens durante quase oitenta anos, e a lição que se tirou repetidamente foi a de que boas relações — com a família, amigos e pessoas de nossas comunidades — tendem a resultar em vidas felizes, saudáveis.

Pessoas socialmente isoladas, por outro lado, têm um risco maior de doenças e declínio cognitivo. Como explicou de maneira não muito sutil Robert Waldinger, o diretor do estudo de Harvard, “Solidão mata”. Eremitas cristãos rompiam seus períodos solitários com trabalho e devoção comunitários. Thoreau tinha três cadeiras em sua casa no bosque: “uma para a solidão, duas para a amizade, três para a sociedade”. Até mesmo o Cavaleiro Solitário tinha Tonto. A solidão e seus perigos são uma história antiga e instrutiva.

Mas não são toda a história. A companhia de outros, embora fundamental, não é a única maneira de encontrar satisfação em nossas vidas.

Há séculos as pessoas vêm se retirando em solidão — para a espiritualidade, criatividade, reflexão, renovação e significado. Budistas e cristãos ingressaram em mosteiros. Indígenas americanos subiram montanhas e penetraram vales. Audrey Hepburn se refugiava em seu apartamento. “Eu preciso estar sozinha com frequência”, disse ela à revista Life em 1953. “Eu estaria bem feliz se ficasse sozinha em meu apartamento da noite de sábado até a manhã de segunda-feira. É como me reabasteço.”

Outros foram a grandes distâncias. Milhas foram navegadas, voadas e percorridas de carro por aventureiros solitários como o capitão Joshua Slocum e Anne-France Dautheville, uma das primeiras mulheres a viajar de motocicleta sozinha pelo mundo. “De agora em diante, minha vida seria minha, meu caminho”, disse ela sobre viajar 20 mil quilômetros sozinha em 1973.

Estudiosos vêm insistindo há décadas que os aspectos positivos da solidão merecem um olhar mais aproximado, do pediatra e psicanalista Donald Winnicott, nos anos 1950, ao psiquiatra britânico Anthony Storr, nos anos 1980, e psicólogos que conduzem estudos hoje. Um pouco de solidão, sugerem suas pesquisas, pode ser bom para nós.

Em primeiro lugar, o tempo passado longe da influência dos outros nos permite explorar e definir quem somos. Em privado, podemos pensar profunda e independentemente, como explicou o estudioso de direito e especialista em privacidade Alan Westin. Há espaço para a resolução de problemas, a experimentação e a imaginação. A mente pode rachar com um foco intenso ou sair vasculhando uma praia, colhendo uma ideia como uma concha, examinando-a e guardando-a no bolso, ou largando-a para apanhar outra.

Pensadores, artistas e inovadores, de Tchaikovsky a Barack Obama, de Delacroix e Marcel Marceau a Chrissie Hynde e Alice Walker, expressaram a necessidade de solidão. ‘É o que Rodin tem em comum com Amy Schumer; o que Michelangelo compartilha com Grace Jones. Filósofos e cientistas passaram grande parte de suas vidas em solidão, incluindo Descartes, Nietzsche e Barbara McClintock, a geneticista ganhadora do Prêmio Nobel que resistiu a ter um telefone até os 84 anos.

Incontáveis escritores, incluindo Shakespeare, Dickinson, Wharton, Hugo e Huxley, exploraram a solidão como tema. Sinfonias e canções, poemas e peças de teatro, e pinturas e fotos foram criados em solidão.

Para a pessoa criativa, “seus momentos mais significativos são aqueles em que alcança algum novo insight, ou faz alguma nova descoberta; e esses momentos são principalmente, se não invariavelmente, aqueles em que ela está sozinha”, escreveu Storr em seu livro fundamental Solidão A conexão com o eu. Embora as outras pessoas possam ser uma de nossas maiores fontes de felicidade, às vezes elas podem ser uma distração. Sua presença pode também inibir o processo criativo, “uma vez que a criação é embaraçosa”, como disse o escritor Isaac Asimov. “Para cada boa ideia nova que você tem, há cem, dez mil [ideias] tolas, que você naturalmente não se interessa em exibir.” Monet criticou duramente suas pinturas antes da abertura de uma exposição em Paris, declarando as telas sem valor para passar para a posteridade. Robert Rauschenberg atirou suas obras iniciais no rio Arno.

Mas, assim como pode ser importante para a criação (e a possível destruição subsequente), o tempo sozinho também pode ser necessário para a restauração. Algumas das mais recentes pesquisas verificaram que até mesmo quinze minutos passados sozinho, sem aparelhos eletrônicos ou interação social, podem diminuir a intensidade de nossos sentimentos (sejam eles bons ou ruins), deixando-nos mais tranquilos, menos zangados e menos preocupados. Estudos liderados por Thuy-vy Nguyen, publicados na Personality and Social Psychology Bulletin, sugerem que podemos usar a solidão ou o tempo sozinho como uma ferramenta, um modo de regular nossos estados emocionais, “tornando-nos quietos depois de uma excitação, calmos depois de um episódio de raiva, ou centrados e serenos quando desejado”.

Sozinhos, podemos desligar a tomada. Estamos “fora de cena”, como explicou o sociólogo Erving Goffman, onde podemos tirar a máscara que usamos em público e ser nós mesmos. Podemos ser reflexivos. Temos a oportunidade de uma autoavaliação, uma chance para considerar nossas ações e fazer o que Westin chamou de “inventário morar.

Podemos também inventariar todas as informações acumuladas durante o dia. Podemos organizar nossos “pensamentos, refletir sobre ações passadas e planos futuros e nos preparar para encontros futuros”, como escreveu o psicólogo Jerry M. Burger no Journal of Research in Personality. Até Bill Clinton, um modelo de extroversão, reconheceu que, quando presidente, programava “algumas horas do dia sozinho para pensar, refletir, planejar ou não fazer nada”. “Com frequência”, disse ele, “eu dormia menos só para ter o tempo sozinho.” Essa noção de reflexão remete a um antigo princípio grego conhecido como epimelesthai sautou. O filósofo Michel Foucault traduziu isso como “cuidar de si mesmo” e, embora esta já tenha sido “uma das principais regras para a conduta social e pessoal para a arte da vida”, Foucault observou que há uma tendência, particularmente na sociedade ocidental moderna, de considerar o cuidar de si mesmo como quase imoral.

E ainda assim o tempo sozinho tem o potencial de nos deixar mais abertos e compassivos com os outros. John D. Barbour, professor de religião do St. Olaf College, em Northfield, Minnesota, escreveu que, embora envolva o si mesmo, a solidão não é necessariamente narcisista. Ele sugeriu que a solidão buscada por profetas bíblicos ajudou a moldar a perspectiva deles e pode tê-los tornado mais sensíveis ao sofrimento de pessoas menos poderosas ou pessoas de fora. “A solidão, em sua melhor forma”, escreveu ele, não é “escapar do mundo, mas [escapar] para um tipo diferente de participação neste.”

Infelizmente, há uma tendência em nossa era de escassa nuança a conceber a solidão e a sociedade como proposições de ou uma coisa ou outra: ou você está sozinho em seu sofá ou está organizando jantares festivos. Essa é uma distinção inútil (e com frequência errada). O psicólogo Abraham H. Maslow constatou que as pessoas autorrealizadas — aquelas que atingiram a camada mais elevada da hierarquia de necessidades humanas — são capazes de ser mais de uma coisa ao mesmo tempo, mesmo que essas coisas sejam contraditórias. Elas podem ser simultaneamente individuais e sociais; egoístas e desprendidas.Burger escreveu que as pessoas com elevada preferência pela solidão não necessariamente não gostam de interações sociais, e não necessariamente são introvertidas. Provavelmente elas passam a maior parte do tempo com outros, e gostam disso; ele disse que simplesmente, em relação às outras, elas escolhem com mais frequência estar sozinhas porque apreciam a reflexão, a criatividade e a renovação que a solidão pode oferecer.

Durante anos, a crença convencional foi de que se você passasse muito tempo sozinho, provavelmente havia algo de errado com você. E certamente, como psicólogos observaram, muitas pessoas se retiram porque são socialmente ansiosas ou deprimidas. Mas muitas outras escolhem passar um tempo sozinhas porque acham isso prazeroso. Maslow, por exemplo, disse que pessoas maduras, autorrealizadas, são particularmente atraídas para a privacidade, o afastamento e o estado meditativo.

De fato, uma das chaves para apreciar o tempo sozinho parece ser se isso é voluntário ou não. Fatores adicionais, como o que as pessoas pensam quando estão sozinhas, a idade delas e se o tempo sozinho é temporário, podem também exercer um papel, mas a escolha — tirar algum tempo para si mesmo porque é isso o que você deseja, e não porque você foi abandonado por sua rede social ou não tem outra opção — parece ser crucial. Isso pode ser a diferença entre uma experiência positiva de solidão e a solidão excessiva.

A quantidade de tempo sozinho que parece certa é, porém, uma questão de gosto e circunstância. Para alguns, o tempo sozinho é um privilégio raro; algo desejado mas difícil de obter entre longas horas de trabalho e uma casa cheia. Outros podem sentir que passam tempo demais sozinhos. Encontrar um equilíbrio que pareça bom é pessoal, e não necessariamente fácil.

Nos meses anteriores a seu noivado, Charles Darwin — que ficou conhecido por escrever sobre a aversão do homem à solidão mas também prezava suas próprias horas solitárias — criou duas colunas em seu diário intituladas “Casar” e “Não Casar”. Como motivos para “Não Casar” ele incluiu “liberdade de ir aonde quiser”, “perda de tempo” e “não poder ler à noite”. Ele continuou na página seguinte: “Eu nunca iria saber francês — ou ver o Continente — ou ir à América, ou subir num Balão ou fazer uma viagem solitária em Gales.”

Mas o casamento, com sua promessa de companhia e filhos, prevaleceu. Em uma carta a sua futura esposa, Emma, antes do dia do casamento, Darwin lhe disse que até então ele apoiara suas “noções de felicidade em sossego e um bocado de solidão”. Porém, acreditava que com Emma poderia encontrar felicidade para além de “acumular fatos em silêncio e solidão”. E durante 43 anos parece que ele fez isso.

Em Down House, sua casa no condado de Kent rural, fora de Londres, Darwin descansava na grama com seus filhos sob limoeiros, escutava cartas da família lidas em voz alta na sala de estar e jogava gamão com Emma. Ainda assim, cavava algum tempo sozinho, retirando-se em seu gabinete por até seis horas por dia. Ao ar livre, entre o que sua neta Gwen Raverat descreveu como “duas grandes campinas solitárias”, ele construiu o “Sandwalk”, um caminho de quatrocentos metros num bosque por onde ele caminhava quase diariamente, chegando a circulá-lo várias vezes quando tentava resolver um problema. Foi em seu gabinete e em seu “caminho de pensar”, como Darwin o chamava, em meio a velhas árvores retorcidas, abelhões e ninhos de pássaros, que ele realizou experimentos e escreveu A origem das espécies.

Enquanto Charles Darwin estava na Inglaterra passeando sob galhos de árvores, outro Charles — Baudelaire — estava em Paris, escrevendo sobre viagens solitárias de um tipo diferente.

O tema de Baudelaire era Constantin Guys, o ilustrador e jornalista cujo grande prazer era vagar pelas calçadas da cidade. Seu “caminho de pensar”, diferentemente daquele de Darwin, era pavimentado e público, embora não menos uma fonte de inspiração. Foi a descrição de Baudelaire das caminhadas de Guys que estabeleceu o arquétipo e a fantasia do fiâneur: o passeador solitário, seguindo sua curiosidade sem nenhum destino particular em mente, nenhum lugar para estar além de aqui e agora.

Mais de 1,50 anos depois, fui em busca dessa fantasia.

Meses antes de chegar ao hotelzinho com seus gerânios vermelhos, estive em Paris a trabalho para a seção Viagem do New York Times. Eu tinha cinco dias e um título: “Sozinha em Paris.” A história dependia de mim.

Para encontrá-la, eu saía caminhando. Toda manhã, deixava meu hotel no 9° arrondissement, um pouco a leste do apartamento onde Proust escreveu grande parte de Em busca do tempo perdido, e não voltava até percorrer cerca de 32 quilômetros em qualquer que fosse a direção que a veneta e os croissants (e a fougasse de azeitona e os financiers de pistache) me levassem.

Era abril e, como qualquer turista, eu via monumentos e estátuas, ninfas nuas e deuses entre rosas. Mas, sozinha, sem ninguém ao meu lado, pude também ver le merveilleux quotidien, “o cotidiano maravilhoso”: um golden retriever olhando para um quadro-negro em um café em Montmartre, como se estivesse lendo os pratos especiais do dia; caixas de patês de fruits arrumados em grades como diagramas de cores de Gerhard Richter. A cidade tinha toda a minha atenção; eu estava sintonizada no zunido leve de rodas de bicicleta e no aroma de pêssegos no mercado de rua.

Embora eu estivesse viajando sem amigos ou família, cada dia trazia companhias passageiras: padeiros, rates, recepcionistas de museus, vendedores de lojas, companheiros viajantes. As horas eram sem pressa e inteiramente minhas, como a “solidão ilimitada” que o poeta Rilke descreveu em carta a um amigo; “esse tomar cada dia como uma vida inteira, esse estar com tudo”.

Só que não era uma vida inteira — eram cinco dias. Na última manhã, passei por um portão na rue de Rivoli e entrei nas Tuileries. Aspersores lançavam água no ar. Um homem com um carrinho de mão se inclinava sobre um canteiro de tulipas de caule longo. John Russell, o crítico de arte britânico, escreveu certa vez que a rue de Rivoli parecia dizer à espécie humana: “Isso é o que a vida pode ser… e agora cabe a você vivê-la.” Foi isso que aqueles dias em Paris me disseram. Eu me perguntei quando, ou se, veria as tulipas de novo.

Cumprindo a pauta, eu bancava o detetive; participar de tudo, acordar cedo, registrar os detalhes, fazer as coisas que pareciam estranhas e desconfortáveis. Mas a reportagem terminou. Meses se passaram e, de volta a Nova York, os dias se tomavam cada vez mais curtos. Mas minha cabeça ainda estava em Paris. Não era uma questão de sentir falta dos confeitos de creme flertando nas vitrines das boulangeries. Eu sentia falta de quem eu era em Paris — o outro eu, a Stéphanie com acento no “e”: curiosa, capaz de improvisar, aberta à serendipidade.

Por fim, tirei um fim de semana prolongado para pensar por que eu não conseguia tirar da cabeça aquela viagem específica, por que sozinha em Paris o tempo parecia estar do meu lado; por que meus sentidos se aguçavam; por que eu era capaz de sentir prazer nas menores coisas mas em casa não conseguia ver e sentir com a mesma intensidade. Amigos me emprestaram uma casa vazia perto de uma baía em Long Island, onde, em uma tarde de outono, saltei de um ônibus com o equivalente a uma semana de leitura e de comida chinesa para viagem. Sem carro nem televisão, passei dias orbitando entre um banco na varanda da frente e uma poltrona cor-de-rosa enorme na cabeceira da mesa da sala de jantar, como aquela do chá do Chapeleiro Maluco do filme da Disney de 1951, comendo legumes lo mein e lendo sobre diferentes experiências de solidão. Debrucei-me sobre arquivos de jornais e Gutenberg.org. Encomendei livros usados e esgotados. Queria saber o que cientistas, escritores, artistas, músicos e estudiosos pensavam sobre o tempo sozinho, como o usavam, por que ele importava. Às vezes eu caminhava por uma rua sem saída até a baía. Outras vezes, deitava sobre o chão de madeira em uma faixa de sol, olhando para o teto, tentando desconstruir aquelas horas solitárias em Paris. Havia algo ali; alguma maneira de viver que eu não conseguia entender completamente, que dirá levar comigo para minha cidade.

Mas a melhor maneira de entender a solidão encantada que experimentei em Paris não era me deitar pensando nela. Era voltar. Sozinha, é claro.

Se a reportagem para o Times tivesse sido minha apresentação à cidade, eu teria considerado meu tempo lá apenas mais um feitiço lançado sobre uma americana sentimental. Mas eu estivera em Paris antes. Na casa junto à baía, eu passaria a suspeitar de que foi a maneira como usei o tempo sozinha no trabalho, e não a beleza e o esplendor da cidade, que tomou meus dias ricos e significativos. Se eu pudesse descobrir o que fizera de maneira diferente naquela viagem, e por que isso parecia tão bom tantos meses depois, talvez eu pudesse adotar práticas semelhantes — e evocar sentimentos semelhantes — em meu quintal.

De volta a Nova York, entrei na internet e reservei um quarto — uma foto de um hotelzinho com jardineiras de gerânios vermelhos na janela atraiu meu olhar — e planejei meu retorno a Paris.

Estar em um lugar desconhecido pode levar a uma mudança pessoal, a uma renovação e a descobertas. Anthony Storr disse que é por isso que muita gente acha mais fácil parar de fumar quando está de férias. As férias rompem a rotina e sinais ambientais cotidianos que podem ser limitadores ou totalmente doentios. De fato, meu objetivo não era dominar Paris. Era dominar a mim mesma: aprender como um tempinho sozinha pode mudar a sua vida — em qualquer cidade.

Este livro é a história do que aprendi em Paris e em outros lugares onde decidi passar um tempo sozinha. Escolhi explorar cidades, e não o interior, porque vivo em uma cidade; porque em cidades podemos aproveitar tanto a privacidade quanto a sociedade; porque, como escreveu Baudelaire, “para o perfeito flâneur, para o espectador apaixonado, é uma imensa alegria montar a casa no coração de uma multidão”.

Na casa da baía, selecionei quatro cidades no mundo — Paris, Istambul, Florença, Nova York —, uma para cada semana de férias que eu tinha em um ano. (Mais tarde eu revisitaria certas cidades, e esses momentos aparecem nestas páginas também.) Incluí Nova York porque é minha casa; porque quis descobrir como recapturar o assombro de alguém de fora num lugar tão familiar a mim que se tomara invisível.

Os outros destinos acenaram para mim por diferentes motivos. Fui arrebatada pela arquitetura de Istambul. Gostei de pensar em passear em Florença quando as árvores se tornam tão amarelas quanto as casas de fazenda nas encostas. Mas todas as cidades compartilham certas qualidades que falaram a mim como viajante solitária. Todas elas são banhadas por águas, e nenhuma exige carro. A ideia do flâneur pode ter origem em Paris, mas foi em Florença que Henry James declarou-se um “encantado flâneur“, em Horas italianas. Sozinhos nas ruelas de Istambul é que os personagens de Orhan Pamuk buscam consolo e intriga. É nas calçadas de Nova York que Walt Whitman canta a América. Parecia impossível omitir várias cidades, como Tóquio e Seul, mas havia a questão prática do meu trabalho, e com apenas uma semana no máximo reservada para cada lugar, excluí locais que exigiam um tempo de voo longo demais.

O que se segue são impressões de quatro viagens; uma carta de amor aos solitários, aos bruxos e xamãs, àqueles que prezam seus amigos, cônjuges e parceiros mas também querem tempo sozinhos para pensar, criar, ter uma aventura, aprender uma habilidade ou resolver um problema. Espero que algo nestas páginas ajude você a encontrar seu “caminho de pensar”; a descobrir o que você quer de seus momentos solitários.

“Quando você faz uma pausa?”, escreveu o marido de Julia Child, Paul, quando os Child estavam morando em Paris. “Quando você pinta ou palpita? Quando escreve para a família, recosta-se no musgo, ouve Mozart e observa o brilho do mar?”

Quando está sozinho.

Fim da amostra…


Tags: ,