Livro ‘O poder dos quietos’ por Susan Cain

Livro 'O poder dos quietos' por Susan Cain
COMO OS TÍMIDOS E INTROVERTIDOS PODEM MUDAR UM MUNDO QUE NÃO PARA DE FALAR. O poder dos quietos já vendeu mais de 3 milhões de exemplares no mundo todo, foi traduzido para 41 idiomas e passou quatro anos na lista de mais vendidos do The New York Times. “Este livro é uma delícia de ler e vai levar tanto os introvertidos quanto os extrovertidos a pensar sobre as melhores maneiras de ser quem são.” – Library Journal. Um dos mais premiados livros dos últimos anos, O poder dos quietos mudou a forma como os introvertidos são vistos e, sobretudo, como veem a si mesmos. Pelo menos um terço das pessoas que conhecemos é de introvertidos. Eles preferem ouvir a falar...
Editora: Editora Sextante; 1ª edição (8 outubro 2019)  Capa comum: 336 páginas  ISBN-10: 8543108705  ISBN-13: 978-8543108704  Dimensões: 16 x 1.8 x 23 cm

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Leia trecho do livro

Para a família da minha infância

Uma espécie em que todos fossem o general Patton, herói norte americano da Segunda Guerra, não seria bem-sucedida, assim como uma raça em que todos fossem Vincent van Gogh. Prefiro pensar que o planeta precisa de atletas, filósofos, símbolos sexuais, pintores, cientistas. Precisa de pessoas com coração mole, coração de pedra, sangue-frio e fraquezas. Precisa daqueles que possam devotar a vida a estudar quantas gotículas de água são secretadas pelas glândulas salivares dos cachorros em determinada circunstância e precisa daqueles que podem capturar a impressão passageira de flores de cerejeira em um poema de 14 sílabas ou dedicar 25 páginas à descrição dos sentimentos de um garotinho deitado na cama no escuro esperando o beijo de boa-noite da mãe…

Com certeza, a presença de habilidades surpreendentes pressupõe que a energia necessária em outras áreas foi canalizada para longe.

– ALLEN SHAWN

INTRODUÇÃO

O norte e o sul do temperamento

Montgomery, Alabama, Estados Unidos. Primeiro de dezembro de 1955. Começo da noite. Um ônibus para no ponto e uma mulher em seus 40 anos, cuidadosamente vestida, sobe nele. Ela anda de coluna ereta, apesar de ter passado o dia inclinada sobre uma tábua de passar em um sombrio porão da alfaiataria da loja de departamentos da cidade. Seus pés estão inchados, seus ombros doem. Ela se senta na primeira fileira de bancos reservada aos negros e assiste em silêncio ao ônibus encher-se de passageiros. Até que o motorista ordena que ela ceda o lugar a um branco.

A mulher balbucia uma única palavra que desencadeia um dos mais importantes protestos pelos direitos civis do século XX, uma palavra que ajuda os Estados Unidos a se tornarem um lugar melhor.

A palavra é “não”.

O motorista ameaça mandar prendê-la.

– Você pode fazer isso – diz Rosa Parks.

Um policial chega. Ele pergunta a Rosa por que ela não se levanta.

– Por que vocês nos humilham? – responde ela, simplesmente.

– Não sei – diz ele. – Mas a lei é a lei e você está presa.

Na tarde do julgamento e da condenação de Rosa por atentado à ordem pública, a Associação para o Desenvolvimento de Montgomery (Montgomery Improvement Association) promoveu um protesto a seu favor na Igreja Batista de Holt Street, na parte mais pobre da cidade. Cinco mil pessoas se reuniram para apoiar o solitário ato de coragem daquela mulher. Elas se espremeram dentro da igreja até que não coubesse mais ninguém. O resto esperou pacientemente do lado de fora, ouvindo através de alto-falantes. O reverendo Martin Luther King Jr. dirigiu-se à multidão: “Chega uma hora em que as pessoas ficam cansadas de serem pisoteadas pelos pés de ferro da opressão. Chega uma hora em que as pessoas ficam cansadas de serem empurradas para fora do brilho do sol de verão e de serem abandonadas em meio ao penetrante frio de uma montanha no inverno.”

Ele elogiou a coragem de Rosa e a abraçou. Ela ficou de pé em silêncio; apenas sua presença era o bastante para animar a multidão. A associação lançou na cidade um boicote aos ônibus que durou 381 dias. As pessoas enfrentaram quilômetros para chegar ao trabalho. Elas pegaram carona com estranhos. Elas mudaram o curso da história dos Estados Unidos.

Sempre imaginei Rosa Parks como uma mulher imponente, com um temperamento ousado, alguém que pudesse se impor ante um ônibus cheio de passageiros mal-encarados. Mas quando ela morreu, em 2005, aos 92 anos, a enxurrada de obituários apresentou-a como alguém doce, de fala mansa e de baixa estatura. Eles diziam que ela era “tímida e reservada”, mas tinha a “coragem de uma leoa”. Estavam cheios de frases como “humildade radical” e “bravura quieta”. O que significa ser quieto e ter bravura?, estas descrições questionavam implicitamente. Como você pode ser tímido e corajoso?

A própria Rosa parecia ciente desse paradoxo, chamando sua autobiografia de Quiet Strenght (Força silenciosa) – um título que nos desafia a questionar nossas ideias preestabelecidas. Por que o quieto não deveria ser forte? O que mais imaginamos que os quietos não possam fazer?

Nossas vidas são moldadas de forma profunda tanto pela personalidade quanto pelo gênero ou código genético. E o aspecto mais importante da personalidade – “o norte e o sul do temperamento”, como diz um cientista – é onde nos localizamos no espectro introversão-extroversão. Nosso lugar nesse contínuo influencia o modo como escolhemos amigos e colegas, como conduzimos uma conversa, resolvemos diferenças e demonstramos amor. Afeta a carreira que escolhemos e determina se seremos ou não bem-sucedidos nela. Indica a tendência que temos a nos a exercitar, a cometer adultério, a funcionar bem sem dormir, aprender com nossos erros, a fazer grandes apostas no mercado de ações, a adiar gratificações, a ser bons líderes e a perguntar: “E se?”* Isso se reflete nos caminhos do nosso cérebro, nos neurotransmissores e nos cantos mais remotos do nosso sistema nervoso. Atualmente, introversão e extroversão são dois dos aspectos mais pesquisados na psicologia da personalidade, despertando a curiosidade de centenas de cientistas.

*Correlação: exercitar-se: extrovertidos; cometer adultério: extrovertidos; funcionar bem sem dormir: introvertidos; aprender com os próprios erros: introvertidos; fazer grandes apostas: extrovertidos; adiar gratificações: introvertidos; ser um bom líder: em alguns casos, introvertidos, em outros, extrovertidos, dependendo do tipo de liderança em jogo; perguntar “E se?”: introvertidos.

Esses pesquisadores têm feito descobertas animadoras auxiliados pela tecnologia mais avançada, mas fazem parte de uma longa e histórica tradição. Poetas e filósofos têm pensado sobre introvertidos e extrovertidos desde o início dos tempos. Os dois tipos de personalidade aparecem na Bíblia e nos escritos de médicos gregos e romanos, e alguns psicólogos evolucionistas dizem que a história desses comportamentos vai muito além: o reino animal também apresenta “introvertidos” e “extrovertidos”, de moscas-das-frutas a peixes e macacos. Sem os dois estilos de personalidade, assim como sem outros pares complementares – masculinidade e feminilidade, Ocidente e Oriente, liberais e conservadores –, a humanidade seria irreconhecível e imensamente diminuída.

Veja a parceria de Rosa Parks e Martin Luther King Jr.: um formidável orador recusando-se a ceder seu lugar em um ônibus segregado não causaria o mesmo efeito que uma mulher modesta que claramente preferiria manter-se em silêncio, não fosse o que a situação exigia. E Parks não teria o necessário para eletrizar uma multidão se tivesse tentado se levantar e anunciar que tinha um sonho. Mas com a ajuda de Martin Luther King, ela não precisou fazê-lo.

No entanto, hoje abrimos espaço para um número bastante limitado de estilos de personalidade. Dizem que para sermos bem sucedidos temos que ser ousados, que para sermos felizes temos que ser sociáveis. Os Estados Unidos são definidos como uma nação de extrovertidos – o que significa que perdemos de vista quem realmente somos. Dependendo do estudo que você consultar, de um terço a metade dos norte-americanos é de introvertidos – em outras palavras, uma em cada duas ou três pessoas. (Considerando que os Estados Unidos estão entre as nações mais extrovertidas, o número deve ser pelo menos tão alto quanto em outras partes do mundo.) Se você não for um introvertido, com certeza está criando, gerenciando, namorando ou casado com um.

Se essas estatísticas o surpreendem, provavelmente é porque muitas pessoas fingem ser extrovertidas. Introvertidos disfarçados passam despercebidos em parquinhos, vestiários de escolas e corredores de empresas. Alguns enganam inclusive a si mesmos, até que algum fato da vida – uma demissão, a saída dos filhos de casa, uma herança que permite que passem o tempo como quiserem – os leva a avaliar a própria natureza. Você só precisa abordar o tema deste livro com seus amigos e conhecidos para descobrir que mesmo as pessoas mais improváveis consideram-se introvertidas.

Faz sentido que tantos introvertidos escondam-se até de si mesmos. Vivemos em um sistema de valores que chamo de Ideal da Extroversão – a crença onipresente de que o ser ideal é gregário, alfa, e sente-se confortável sob a luz dos holofotes. O típico extrovertido prefere a ação à contemplação, a tomada de riscos à cautela, a certeza à dúvida. Ele prefere as decisões rápidas, mesmo correndo o risco de estar errado. Ele trabalha bem em equipe e socializa em grupos. Gostamos de acreditar que prezamos a individualidade, mas muitas vezes admiramos um determinado tipo de indivíduo: o que se sente bem sendo o centro das atenções. É claro que permitimos que solitários com talento para a tecnologia que criam empresas em garagens tenham a personalidade que quiserem, mas esses são exceções, não a regra, e nossa tolerância estende-se principalmente àqueles que ficaram milionários ou que têm potencial para sê-lo.

A introversão – com suas companheiras sensibilidade, seriedade e timidez – é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe, classificado em algum lugar entre uma decepção e uma patologia. Introvertidos vivendo sob o Ideal da Extroversão são como mulheres vivendo em um mundo de homens, desprezadas por um traço que define o que são. A extroversão é um estilo de personalidade atraente ao extremo, mas a transformamos em um padrão opressivo que a maioria de nós acha que deve seguir.

O Ideal da Extroversão tem sido bem-documentado em vários estudos, apesar de essas pesquisas nunca terem sido agrupadas sob um único nome. Pessoas que falam com eloquência, por exemplo, são avaliadas como mais espertas, mais bonitas, mais interessantes e mais desejáveis como amigas. A velocidade do discurso conta tanto quanto o volume: colocamos aqueles que falam rápido como mais competentes e simpáticos que aqueles que falam devagar. A mesma dinâmica aplica-se a grupos: pesquisas mostram que os eloquentes são considerados mais inteligentes que os reticentes – apesar de não haver nenhuma correlação entre o dom da tagarelice e boas ideias. Até a palavra “introvertido” ficou estigmatizada – um estudo informal feito pela psicóloga Laurie Helgoe mostrou que os introvertidos descrevem a própria aparência física com uma linguagem vívida (“olhos verde-azulados”, “exótico”, “maçãs do rosto salientes”), mas quando se pede para descreverem introvertidos genéricos eles delineiam uma imagem insossa e desagradável (“desajeitado”, “cores neutras”, “problemas de pele”).

Mas cometemos um erro grave ao abraçar o Ideal da Extroversão de modo tão inconsequente. Algumas de nossas maiores ideias, obras de arte e invenções – desde a teoria da evolução até os girassóis de Van Gogh e os computadores pessoais – vieram de pessoas quietas e cerebrais que sabiam se comunicar com seu mundo interior e os tesouros que lá havia. Sem introvertidos, o mundo não teria:

A teoria da gravidade
A teoria da relatividade
“O segundo advento”
Os noturnos de Chopin
Em busca do tempo perdido
Peter Pan
1984 e A revolução dos bichos
O Gatola da Cartola Charlie Brown
A lista de Schindler, E.T. e Contatos imediatos de terceiro grau
O Google 28 Harry Potter*

Como escreveu o jornalista científico Winifred Gallagher: “A glória da disposição que faz com que se pare para considerar estímulos em vez de render-se a eles é sua longa associação com conquistas intelectuais e artísticas. Nem o E=mc² de Einstein nem Paraíso perdido, de John Milton, foram produzidos por festeiros.” Mesmo em ocupações menos óbvias para os introvertidos, como finanças, política e ativismo, alguns dos grandes saltos foram dados por eles. Neste livro veremos figuras como Eleanor Roosevelt, Al Gore, Warren Buffett, Gandhi – e Rosa Parks –, que conquistaram o que conquistaram não “apesar de”, mas por causa de sua introversão.

Mesmo assim, como O poder dos quietos vai explorar, muitas das mais importantes instituições da vida contemporânea são criadas para aqueles que gostam de projetos em grupo e altos níveis de estímulo. Nas escolas infantis, cada vez mais as mesas das salas de aula são dispostas em forma de “U”, a melhor para encorajar o aprendizado em grupo. Além disso, pesquisas indicam que a grande maioria dos professores acha que o aluno ideal é extrovertido. As crianças assistem a programas de TV em que os protagonistas não são crianças comuns, mas estrelas do rock como, por exemplo, Hannah Montana.

Quando adultos, muitos de nós atuam em empresas que insistem que trabalhemos em grupo, em escritórios sem paredes, para supervisores que valorizam “um bom relacionamento interpessoal” acima de tudo. Para avançarmos em nossa carreira, espera-se que nos promovamos de forma descarada. Os cientistas cujas pesquisas conseguem financiamento muitas vezes possuem uma personalidade que transmite confiança, talvez até demais. Os artistas cujos trabalhos adornam as paredes de museus de arte contemporânea posam de forma a impressionar nos vernissages. Os autores que têm seus livros publicados – tidos no passado como uma raça reclusa – hoje são avaliados pelos editores para assegurar que possam participar de programas de entrevistas. (Você não estaria lendo este livro se eu não tivesse convencido meu editor de que sou suficientemente pseudoextrovertida para promovê-lo.)

Se você é um introvertido, também sabe que o preconceito contra os quietos pode provocar uma profunda dor psicológica. Quando criança, talvez tenha ouvido seus pais se desculparem pela sua timidez. (“Por que você não pode ser mais parecido com os meninos Queiroz?”, repetiam sempre os pais de um homem que entrevistei.) Ou na escola você pode ter sido estimulado a “sair da sua concha” – expressão nociva que não valoriza o fato de que alguns animais naturalmente carregam seu abrigo aonde quer que vão, assim como alguns humanos. “Ainda ouço todos os comentários da minha infância na cabeça, dizendo que eu era preguiçoso, burro, lento, chato”, escreveu um membro de uma comunidade on-line chamada Refúgio dos Introvertidos (Introvert Retreat). “Quando tive idade suficiente para entender que eu era apenas introvertido, a suposição de que algo estava errado comigo já era parte do meu ser. Eu queria encontrar esse vestígio de dúvida e tirá-lo de mim.”

Agora que você é um adulto, talvez ainda sinta uma ponta de culpa quando recusa um convite para jantar a fim de ler um bom livro. Ou talvez goste de comer sozinho em restaurantes, sem se importar com os olhares de pena dos outros clientes. Ou lhe dizem que você “fica muito na sua cabeça”, uma frase muitas vezes utilizada contra os quietos e cerebrais.

É claro que há outro nome para pessoas assim: pensadores.

Eu vi em primeira mão quanto é difícil para os introvertidos avaliarem os próprios talentos e quanto é magnífico quando eles enfim conseguem. Durante anos treinei pessoas de todos os tipos – de advogados de empresas a estudantes universitários, de gerentes financeiros a casais – em habilidades de negociação. Nós cobríamos o básico, é claro: como se preparar para uma negociação, quando fazer a primeira oferta e como agir quando alguém diz “é pegar ou largar”. Mas também ajudei clientes a entender sua personalidade natural e como tirar o máximo de proveito dela.

Minha primeira cliente foi uma jovem que chamarei de Laura. Ela era uma advogada de Wall Street, mas era quieta e sonhadora, tinha pavor dos holofotes e não gostava de agressividade. De alguma forma ela conseguira passar pelo calvário da faculdade de direito de Harvard – um lugar onde as aulas acontecem em enormes anfiteatros. Certa vez ela ficou tão nervosa que vomitou no caminho para a aula. Agora que estava no mundo real, não tinha certeza de poder representar seus clientes com a força que eles esperavam dela.

Em seus primeiros três anos no emprego, Laura era tão inexperiente que nunca precisou testar essa capacidade. Mas um dia o advogado com quem ela trabalhava tirou férias, deixando-a encarregada de uma importante negociação. O cliente era uma fábrica sul-americana que estava a ponto de dar o calote em um empréstimo bancário e buscava renegociar seus termos; um sindicato de banqueiros que assegurara o empréstimo de risco sentava-se do outro lado da mesa de negociação.

Laura teria preferido se esconder embaixo da tal mesa, mas estava acostumada a lutar contra esses impulsos. Corajosa, mas tensa, ela tomou seu lugar na cadeira principal, ladeada por seus clientes: o consultor jurídico de um lado e a diretora financeira do outro. Eram os clientes favoritos de Laura: corteses e de fala mansa, muito diferentes dos tipos que sua firma normalmente representava, indivíduos que se achavam os donos do mundo. No passado, Laura levara o consultor jurídico a um jogo de beisebol e a diretora financeira para comprar uma bolsa para sua irmã. Mas agora essas saídas confortáveis – o tipo de programa de que Laura gostava – pareciam estar em outro mundo. Em volta da mesa estavam sentados nove banqueiros insatisfeitos, com seus ternos feitos sob medida e sapatos caros, acompanhados de uma advogada, uma mulher enérgica e com um rosto quadrado. Claramente uma pessoa que não pertencia ao grupo dos inseguros, essa mulher lançou um discurso impressionante sobre como os clientes de Laura teriam sorte em simplesmente aceitar os termos dos banqueiros. Era uma oferta magnânima, segundo ela.

Todos esperaram que Laura respondesse, mas ela não conseguia pensar em nada para dizer. Então ela só ficou sentada ali. Piscando. Todos os olhares sobre ela. Seus clientes mexendo-se desconfortáveis em suas cadeiras. Seus pensamentos rondando em um círculo familiar: Eu sou tímida demais para esse tipo de coisa, modesta demais, cerebral demais. Ela imaginou a pessoa que seria mais adequada para salvar a situação: alguém ousado, eloquente, pronto para bater na mesa. No colégio, diferentemente de Laura, essa pessoa teria sido chamada de “sociável”, o maior elogio que seus colegas de oitavo ano podiam fazer, maior até que “bonita” para uma menina ou “atlético” para um garoto. Laura prometeu a si mesma que só teria que vencer aquele dia. Amanhã ela procuraria outra carreira.

Então ela se lembrou do que eu dissera várias vezes: ela era introvertida e, assim, tinha poderes de negociação únicos – talvez menos óbvios, mas não menos formidáveis. Provavelmente se preparara mais do que qualquer um ali. Ela tinha uma fala mansa, mas firme. Quase nunca falava sem pensar. Com seus modos suaves, poderia tomar posições firmes, até mesmo agressivas, soando perfeitamente razoável. E tendia a fazer perguntas – muitas – e a ouvir as respostas, o que, não importa qual seja o tipo de personalidade, é crucial para grandes negociações.

Então Laura começou a falar o que lhe vinha de forma natural:

“Vamos dar um passo atrás. Em que se baseiam seus números?”

“E se nós estruturarmos o empréstimo dessa maneira, você acha que pode funcionar?”

“E dessa maneira?”

“Há alguma outra maneira?”

Em um primeiro momento, ela ficou hesitante para fazer suas perguntas. Ganhou gás enquanto continuava, colocando-as de forma mais firme e deixando claro que havia feito seu dever de casa e não baixaria a cabeça. Mas também permaneceu leal ao seu estilo, nunca levantando a voz ou perdendo o decoro. Todas as vezes que os banqueiros faziam uma afirmativa que parecia inflexível, Laura tentava ser construtiva. “Você está querendo dizer que esse é o único jeito? E se tentarmos uma outra abordagem?”

No fim das contas, aquelas perguntas simples mudaram a atmosfera da sala, como os livros sobre negociações dizem que acontece. Os banqueiros pararam de discursar, desceram de sua posição dominante – algo que, antes, Laura sentia não ter nenhuma capacidade de provocar – e começaram a ter uma conversa normal.

Mais discussão. Nenhum acordo ainda. Um dos banqueiros voltou a ficar acelerado, jogando seus papéis e saindo de forma brusca da sala. Laura ignorou aquela atitude, principalmente porque não sabia mais o que fazer. Mais tarde, alguém contou a ela que naquele momento crítico ela se saíra bem num processo chamado “jiu-jítsu da negociação”; mas ela sabia que só estava fazendo o que você aprende naturalmente se é uma pessoa quieta em um mundo de vozes altas.

Enfim os dois lados firmaram um acordo. Os banqueiros deixaram o prédio, os clientes favoritos de Laura foram para o aeroporto e Laura foi para casa, deitou-se na cama com um livro e tentou esquecer as tensões do dia.

No dia seguinte, a advogada dos banqueiros – a mulher vigorosa e de traços fortes – ligou para oferecer-lhe um emprego. “Nunca vi alguém tão cordial e tão durona ao mesmo tempo”, disse ela. E no dia após aquele, o principal banqueiro do grupo ligou para ela perguntando se o escritório de advocacia dela representaria a empresa dele no futuro. “Precisamos de alguém que possa nos ajudar a firmar acordos sem que o ego atrapalhe”, falou ele.

Mantendo sua forma suave de fazer as coisas, Laura conquistara um novo negócio para seu escritório e uma oferta de emprego para si. Levantar a voz e bater na mesa era desnecessário.

Hoje Laura entende que a introversão é uma parte essencial de quem ela é e aceita sua personalidade reflexiva. As constantes vozes em sua cabeça que a acusavam de ser tímida e modesta demais surgem com muito menos frequência. Laura sabe que pode confiar em si quando necessário.

fim da amostra…


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