Livro ‘Pequenas grandes mentiras’ por Liane Moriarty

Livro 'Pequenas grandes mentiras' por Liane Moriarty
Todos sabem, mas ainda não se elegeram os culpados. Enquanto o misterioso incidente se desdobra nas páginas de Pequenas grandes mentiras, acompanhamos a história de três mulheres, cada uma diante de sua encruzilhada particular. Madeline é forte e passional. Separada, precisa lidar com o fato de que o ex e a nova mulher, além de terem matriculado a filhinha no mesmo jardim de infância da caçula de Madeline, parecem estar conquistando sua filha mais velha. Celeste é dona de uma beleza estonteante. Com os filhos gêmeos entrando para a escola, ela e o marido bem-sucedido têm tudo para reinar entre os pais... 
Editora : Intrínseca; 1ª edição (6 fevereiro 2017)
Idioma : Português
Capa comum : 400 páginas
ISBN-10 : 8551001574
ISBN-13 : 978-8551001578
Dimensões : 22.8 x 15.4 x 2.4 cm

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Sumário

Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Epígrafe
Início

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Com amor, para Margaret

Bateu, bateu, agora vai beijar.

— CANTIGA DE PÁTIO DE ESCOLA

Escola Pública de Pirriwee
…onde vivemos e aprendemos junto ao mar!
A Pirriwee é uma ZONA LIVRE DE BULLYING!
Não praticamos bullying.
Não aceitamos sofrer bullying.
Nunca escondemos o bullying.
Temos coragem de falar se virmos nossos amigos sofrendo bullying.
Dizemos NÃO aos praticantes de bullying!

1

— Pelo barulho, isso não é uma noite do concurso de perguntas na escola — disse a Sra. Patty Ponder a Maria Antonieta. — É um motim.

A gata não respondeu. Estava cochilando no sofá e não fazia questão de saber sobre concursos de perguntas.

— Não está interessada, hein? Que comam bolo! É isso que você está pensando? Eles realmente comem muito bolo, não é? Aquele monte de barraquinhas vendendo bolo. Minha nossa. Embora eu ache que nenhuma das mães coma aqueles bolos. Todas são muito magras e elegantes, não são? Que nem você.

Maria Antonieta recebeu o elogio com um sorrisinho de desdém. A piada do “que comam bolo” já era velha havia muito tempo, e ela ouvira recentemente um dos netos da Sra. Ponder dizer que era para ser “que comam brioche” e também que Maria Antonieta nunca dissera aquilo, para início de conversa.

A Sra. Ponder pegou o controle da TV e abaixou o volume de Dancing with the Stars. Ela havia aumentado mais cedo por causa do barulho da chuva forte, mas o aguaceiro acalmara.

Ela ouvia gritos. Berros furiosos retumbavam na noite calma e fria. A gritaria deixava a Sra. Ponder aflita, como se toda aquela fúria fosse dirigida a ela. (A Sra. Ponder fora criada por uma mãe furiosa.)

— Minha nossa. Será que estão discutindo por causa da capital da Guatemala? Sabe qual é a capital da Guatemala? Não? Nem eu. A gente devia procurar no Google. Não me dê esse sorrisinho.

Maria Antonieta fungou com desdém.

— Vamos ver o que está acontecendo — continuou a Sra. Ponder, agitada.

Ela estava nervosa e portanto agindo de modo inquieto diante da gata, como fazia com os filhos quando o marido não estava em casa à noite e ela ouvia algum barulho estranho do lado de fora.

A Sra. Ponder levantou-se com a ajuda do andador. Maria Antonieta deslizou o corpo ágil por entre as pernas da dona de modo reconfortante (a gata não estava acreditando na suposta agitação) enquanto a senhora empurrava o andador pelo corredor até os fundos da casa.

Seu quarto de costura dava para o pátio da Escola Pública de Pirriwee.

“Mamãe, está maluca? Você não pode morar tão perto de uma escola primária”, dissera-lhe a filha quando a mulher tinha começado a pensar em comprar a casa.

Mas a Sra. Ponder adorava ouvir a algazarra das vozes das crianças ao longo do dia, e, como já não dirigia, não ligava a mínima se a rua ficava engarrafada com aqueles carros gigantescos que todos tinham nos dias atuais, com mulheres de óculos escuros enormes se inclinando por cima do volante para, aos gritos, dar informações urgentíssimas sobre o balé de Harriett e a fono de Charlie.

As mães dos dias atuais levavam o papel de mãe muito a sério. Aqueles rostinhos frenéticos. Aquelas figuras ocupadas pavoneando-se com roupas justas de ginástica ao entrar na escola. Rabos de cavalo balançando. Olhos grudados nos celulares que seguravam na palma da mão como bússolas. Era uma visão que fazia a Sra. Ponder rir. Mas de modo carinhoso. Suas três filhas, embora mais velhas, eram iguaizinhas. E eram todas muito bonitas.

“Como vai você?”, ela sempre perguntava se estava na varanda com uma xícara de chá ou regando o jardim da frente quando elas passavam.

“Ocupada, Sra. Ponder! Na correria!”, elas sempre respondiam, sem interromper o passo apressado, arrastando os filhos pelo braço. Elas eram agradáveis e simpáticas e só um pouquinho condescendentes porque não conseguiam evitar. Ela era tão velhinha! Aquelas mães eram tão ocupadas!

Os pais, e atualmente havia cada vez mais deles levando e buscando os filhos na escola, eram diferentes. Quase nunca tinham pressa, e passavam por ali num passo tranquilo e ritmado, com uma naturalidade calculada. Nada demais. Tudo sob controle, era a mensagem que tentavam transmitir. A Sra. Ponder ria carinhosamente para eles também.

Mas daquela vez parecia que os pais da Escola Pública de Pirriwee estavam se comportando mal. Ela foi até a janela e abriu a cortina de renda. A escola recentemente pagara a instalação de uma grade de proteção na janela depois que uma bola de críquete quebrara o vidro e quase nocauteara Maria Antonieta. (Um grupo de meninos do terceiro ano dera a Sra. Ponder um cartão de desculpas pintado à mão, e ela o prendera na porta da geladeira.)

Havia um prédio de arenito de dois andares do outro lado do parquinho com um salão de festas no segundo andar e uma grande varanda com vista para o mar. A Sra. Ponder comparecera a alguns eventos ali: uma palestra de uma historiadora local, um almoço oferecido pelos Amigos da Biblioteca. Era um belíssimo salão. As vezes, ex-alunos faziam as recepções de seus casamentos ali. Era onde ocorria o concurso de perguntas naquela noite. Estavam angariando fundos para comprar quadros interativos, o que quer que fosse isso. Naturalmente, a Sra. Ponder fora convidada. Sua proximidade da escola lhe dava um curioso status honorário, embora nenhuma de suas filhas ou netos tivesse estudado lá. Ela dissera “não, obrigada” ao convite. Não via sentido em eventos escolares sem os alunos.

As crianças se reuniam semanalmente no mesmo salão. Toda sexta-feira de manhã, a Sra. Ponder se instalava no quarto de costura com uma xícara de English Breakfast e um biscoito de gengibre. O som do canto das crianças no segundo andar do prédio sempre a fazia chorar. Ela nunca acreditara em Deus, salvo quando ouvia crianças cantando.

No momento não havia ninguém cantando.

A Sra. Ponder estava escutando muitas palavras de baixo calão. Ela não era pudica em relação a palavras de baixo calão — sua filha mais velha era bem boca suja —, mas era perturbador e desconcertante ouvir alguém gritando histericamente aquela palavra específica num lugar em que só se costumava ouvir risadas e gritos infantis.

— Vocês estão todos bêbados? — perguntou ela.

Sua janela com o vidro cheio de gotículas de chuva ficava no mesmo nível das portas de entrada do prédio, e, de repente, as pessoas começaram a sair em tropel. Holofotes iluminavam a calçada em volta da entrada como um palco preparado para uma peça. Nuvens de névoa intensificavam o efeito.

Era um espetáculo estranho.

Os pais da Escola Pública de Pirriwee tinham uma predileção esquisita por festas à fantasia. Não bastava terem uma noite normal de concurso de perguntas. Ela sabia pelo convite que algum gênio decidira torná-la uma noite de concurso de perguntas ao estilo “Audrey e Elvis”, o que significava que todas as mulheres tinham que se vestir de Audrey Hepburn e os homens, de Elvis Presley. (Este foi outro motivo que levou a Sra. Ponder a recusar o convite. Ela sempre detestara festas à fantasia.) Parecia que a interpretação mais popular de Audrey Hepburn era a de Bonequinha de Luxo. Todas as mulheres estavam usando vestidos pretos longos, luvas pretas e gargantilhas de pérolas. Enquanto isso, os homens haviam escolhido o visual dos últimos anos de Elvis. Usavam macacões brancos brilhantes com decotes vertiginosos. As mulheres ficaram lindas. Os coitados dos homens estavam ridículos.

Enquanto a Sra. Ponder assistia, um Elvis deu um murro no queixo de outro, que cambaleou para trás para cima de uma Audrey. Dois Elvis o agarraram por trás e o puxaram. Uma Audrey tapou a cara e virou para o lado, como se não conseguisse olhar. Alguém gritou:

— Parem com isso!

De fato. O que as suas lindas crianças pensariam?

— Será que devo chamar a polícia? — perguntou-se a Sra. Ponder em voz alta, mas então ouviu o gemido de uma sirene ao longe, ao mesmo tempo em que uma mulher na varanda começou a gritar sem parar.


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