Livro ‘O Feminismo é Para Todo Mundo’ por Bell Hooks

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O feminismo sob a visão de uma das mais importantes feministas negras da atualidade. Eleita uma das principais intelectuais norte-americanas, pela revista Atlantic Monthly, e uma das 100 Pessoas Visionárias que Podem Mudar Sua Vida, pela revista Utne Reader, a aclamada feminista negra bell hooks nos apresenta, nesta acessível cartilha, a natureza do feminismo e seu compromisso contra sexismo, exploração sexista e qualquer forma de opressão. Com peculiar clareza e franqueza, hooks incentiva leitores a descobrir como o feminismo pode tocar e mudar, para melhor, a vida de todo mundo. Homens, mulheres, crianças, pessoas de todos os gêneros, jovens e adultos: todos podem educar e ser educados para o feminismo. Apenas assim poderemos construir uma sociedade com mais amor e justiça. O livro apresenta uma visão original sobre políticas feministas, direitos reprodutivos, beleza, luta de classes feminista…

Editora: Rosa dos Tempos; Edição: 7 (3 de outubro de 2018); Páginas: 175 páginas; ISBN-10: 8501115592; ISBN-13: 978-8501115591; ASIN: B07J161JF6

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Biografia do autor: Bell Hooks nasceu em 1952 em Hopkinsville, uma cidade rural do estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos. Batizada como Gloria Jean Watkins, adotou o nome pelo qual é conhecida em homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks. Formou-se em literatura inglesa na Universidade de Stanford, fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia. Seus principais estudos estão dirigidos à discussão sobre raça, gênero e classe e às relações sociais opressivas, com ênfase em temas como arte, história, feminismo, educação e mídia de massas. É autora de mais de trinta livros de vários gêneros, como crítica cultural, teoria, memórias, poesia e infantil.

Leia trecho do livro

Introdução:

Aproxime-se do Feminismo

Em todos os lugares aonde vou, com orgulho digo ao pessoal interessado em saber quem sou e o que faço: sou escritora, teórica feminista, crítica cultural. Digo às pessoas que escrevo sobre filmes e cultura popular, analisando a mensagem de cada meio. A maioria das pessoas acha isso emocionante e quer saber mais. Todo mundo vai ao cinema, assiste à televisão, folheia revistas, e todo mundo tem pensamentos sobre as mensagens que recebe, sobre as imagens que vê. É fácil para o público diverso que encontro entender o que faço como crítica cultural e compreender minha paixão por escrever (muita gente quer escrever e escreve). Mas teoria feminista – é nesse ponto que as perguntas param. A tendência é eu ouvir tudo sobre a maldade do feminismo e as feministas más: “elas” odeiam homens; “elas” querem ir contra a natureza (e deus);* todas “elas” são lésbicas; “elas” estão roubando empregos e tornando difícil a vida de homens brancos, que não têm a menor chance.


* É opção da autora escrever com letra minúscula. (N. da T.)

Quando pergunto a esse mesmo pessoal sobre os livros e as revistas feministas que leem, quando pergunto a quais palestras feministas assistiram, respondem contando que tudo o que sabem sobre feminismo entrou na vida deles por terceiros, que realmente nunca se aproximaram o suficiente do movimento feminista para saber o que de fato acontece e sobre o que é de verdade. Na maioria das vezes, pensam que feminismo se trata de um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens. Essas pessoas nem pensam que feminismo tem a ver com direitos – é sobre mulheres adquirirem direitos iguais. Quando falo do feminismo que conheço – bem de perto e com intimidade –, escutam com vontade, mas, quando nossa conversa termina, logo dizem que sou diferente, não como as feministas “de verdade”, que odeiam homens, que são bravas. Eu asseguro a essas pessoas que sou tão de verdade e tão radical quanto uma feminista pode ser, e que, se ousarem se aproximar do feminismo, verão que não é como haviam imaginado.

Todas as vezes que saio de um desses encontros, tenho vontade de ter em mãos um livreto, para que eu possa dizer “leia este livro e ele te dirá o que é feminismo, sobre o que é o movimento”. Quero ter nas mãos um livro conciso, fácil de ler e de entender, não um livro longo, não um livro grosso com jargão e linguagem acadêmica difíceis de compreender, mas um livro direto e claro – fácil de ler, sem ser simplista. Desde o momento em que pensamento, políticas e práticas feministas mudaram minha vida, quis ter esse livro. Tive vontade de entregá-lo ao pessoal que amo, para que entendam melhor essa causa, essas políticas feministas nas quais acredito profundamente, e que é a base da minha vida política.

Eu queria que tivessem uma resposta para a pergunta “o que é feminismo?” que não fosse ligada nem a medo nem a fantasia. Queria que tivessem esta simples definição para ler repetidas vezes e saber que: “Feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão.” Adoro essa definição, que apresentei pela primeira vez há mais de dez anos em meu livro Feminist Theory: From Margin to Center.* Adoro porque afirma de maneira muito clara que o movimento não tem a ver com ser anti-homem. Deixa claro que o problema é o sexismo. E essa clareza nos ajuda a lembrar que todos nós, mulheres e homens, temos sido socializados desde o nascimento para aceitar pensamentos e ações sexistas. Como consequência, mulheres podem ser tão sexistas quanto homens. Isso não desculpa ou justifica a dominação masculina; isso significa que seria inocência e equívoco de pensadoras feministas simplificar o feminismo e enxergá-lo como se fosse um movimento de mulher contra homem. Para acabar com o patriarcado (outra maneira de nomear o sexismo institucionalizado), precisamos deixar claro que todos nós participamos da disseminação do sexismo, até mudarmos a consciência e o coração; até desapegarmos de pensamentos e ações sexistas e substituí-los por pensamentos e ações feministas.


* Feminist Theory: From Margin to Center [Teoria feminista: da margem ao centro] foi originalmente publicado pela South End Press, em 1984. Em 2018, durante a produção deste livro, ainda era inédito no Brasil. (N. da T.)

Homens, como um grupo, são quem mais se beneficiaram e se beneficiam do patriarcado, do pressuposto de que são superiores às mulheres e deveriam nos controlar. Mas esses benefícios tinham um preço. Em troca de todas as delícias que os homens recebem do patriarcado, é exigido que dominem as mulheres, que nos explorem e oprimam, fazendo uso de violência, se precisarem, para manter o patriarcado intacto. A maioria dos homens acha difícil ser patriarca. A maioria dos homens fica perturbada pelo ódio e pelo medo de mulher e pela violência de homens contra mulheres, até mesmo os homens que disseminam essa violência se sentem assim. Mas eles têm medo de abrir mão dos benefícios. Eles não têm certeza sobre o que vai acontecer com o mundo que eles já conhecem tão bem, se o patriarcado mudar. Então acham mais fácil apoiar passivamente a dominação masculina, mesmo quando sabem, no fundo, que estão errados. Repetidas vezes, homens me falam que não têm a menor ideia de o que feministas querem. Acredito neles. Acredito na capacidade que eles têm de mudar e crescer. E acredito que, se soubessem mais sobre feminismo, não teriam mais medo dele, porque encontrariam no movimento feminista esperança para sua própria libertação das amarras do patriarcado.

É para esses homens, jovens e idosos, e para todas e todos nós que escrevi este rápido guia, o livro que por mais de vinte anos desejei. Precisei escrevê-lo, porque fiquei esperando que ele aparecesse, e ele não apareceu. E, sem ele, não havia forma de abordar as multidões nesta nação, que todos os dias são bombardeadas por reações antifeministas violentas e que são orientadas a odiar e a resistir a um movimento sobre o qual conhecem muito pouco. Deveria haver tantas pequenas cartilhas feministas, folhetos fáceis de ler e livros nos contando tudo sobre feminismo, que este livro seria apenas mais uma voz impetuosa falando em nome das políticas feministas. Deveria haver outdoors, anúncios em revistas, propagandas em ônibus, metrôs, trens, comerciais na TV espalhando a notícia e ensinando o mundo sobre feminismo. Ainda não chegamos lá. Mas isso é o que precisamos fazer para compartilhar o feminismo, para fazer o movimento chegar à mente e ao coração de todo mundo. Mudanças feministas já tocaram a vida de todas as pessoas de forma positiva. E, ainda assim, perdemos de vista o positivo, quando tudo o que ouvimos sobre feminismo é negativo.

No início de minha resistência à dominação masculina, de minha rebeldia contra o pensamento patriarcal (e de minha oposição à mais forte voz patriarcal em minha vida: a voz de minha mãe), eu ainda era adolescente, suicida, deprimida, sem saber como encontraria um significado para minha vida e um lugar para mim. Precisei que o feminismo me desse uma base de igualdade e justiça em que eu pudesse me erguer. Mamãe mudou de opinião sobre o pensamento feminista. Ela vê a mim e a todas suas filhas (somos seis) vivendo uma vida melhor por causa de políticas feministas. Ela enxerga promessa e esperança no movimento feminista. É essa promessa e essa esperança que quero compartilhar neste livro com você, com todo mundo.

Imagine viver em um mundo onde não há dominação, em que mulheres e homens não são parecidos nem mesmo sempre iguais, mas em que a noção de mutualidade é o ethos que determina nossa interação. Imagine viver em um mundo onde todos nós podemos ser quem somos, um mundo de paz e possibilidades. Uma revolução feminista sozinha não criará esse mundo; precisamos acabar com o racismo, o elitismo, o imperialismo. Mas ela tornará possível que sejamos pessoas – mulheres e homens – autorrealizadas, capazes de criar uma comunidade amorosa, de viver juntas, realizando nossos sonhos de liberdade e justiça, vivendo a verdade de que somos todas e todos “iguais na criação”. Aproxime-se. Veja como o feminismo pode tocar e mudar sua vida e a de todos nós. Aproxime-se e aprenda, na fonte, o que é o movimento feminista. Aproxime-se e verá: o feminismo é para todo mundo.

1. Políticas feministas: em que ponto estamos

Dito de maneira simples, feminismo é um movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão. Essa foi uma definição para feminismo que apresentei há mais de dez anos no livro Feminist Theory: From Margin to Center. Naquele momento, minha esperança era de que essa se tornaria uma definição comum, que todo mundo usaria. Eu gostava dessa definição porque não deixava implícito que homens eram inimigos. Ao indicar o sexismo como o problema, ela foi bem no xis da questão. Na verdade, essa definição deixa implícito que todos os pensamentos e todas as ações sexistas são problemas, independentemente de quem os perpetua ser mulher ou homem, criança ou adulto. Também é ampla o suficiente para incluir a compreensão de sexismo institucionalizado sistêmico. Como definição, não é conclusiva. Sugere que, para compreender o feminismo, uma pessoa precisa necessariamente compreender o sexismo.

Como todas e todos defensores das políticas feministas sabem, a maioria das pessoas não entende o sexismo ou, se entende, pensa que ele não é um problema. Uma multidão pensa que o feminismo é sempre e apenas uma questão de mulheres em busca de serem iguais aos homens. E a grande maioria desse pessoal pensa que feminismo é anti-homem. A incompreensão dessas pessoas sobre políticas feministas reflete a realidade de que a maioria aprende sobre feminismo na mídia de massa patriarcal. O feminismo sobre o qual mais ouvem falar é ilustrado por mulheres que são primordialmente engajadas em igualdade de gênero – salários iguais para funções iguais e, algumas vezes, mulheres e homens dividindo as responsabilidades do trabalho doméstico e de maternagem e paternagem. As pessoas notam que essas mulheres são, em geral, brancas e economicamente privilegiadas. Sabem, através da mídia de massa, que a libertação das mulheres tem foco em liberdade para abortar, para ser lésbica e para desafiar situações de estupro e de violência doméstica. Entre essas questões, há uma multidão que concorda com a ideia de igualdade de gênero no local de trabalho – salários iguais para funções iguais.

Uma vez que nossa sociedade continua sendo primordialmente uma cultura “cristã”, multidões de pessoas continuam acreditando que deus ordenou que mulheres fossem subordinadas aos homens no ambiente doméstico. Ainda que multidões de mulheres tenham entrado no mercado de trabalho, ainda que várias mulheres sejam chefes e arrimo de família, a noção de vida doméstica que ainda domina o imaginário da nação é a de que a lógica da dominação masculina está intacta, seja o homem presente em casa ou não. A equivocada noção de movimento feminista como anti- -homem carregava o equivocado pressuposto de que todos os espaços femininos seriam necessariamente ambientes em que o patriarcado e o pensamento sexista estariam ausentes. Várias mulheres, inclusive aquelas envolvidas com políticas feministas, escolheram acreditar nisso também.

De fato, o sentimento anti-homem estava muito presente entre as ativistas do início do feminismo, que reagiam com ira à dominação masculina. Essa raiva da injustiça foi o impulso para a criação do movimento de libertação da mulher. Ainda no início, grande parte das ativistas feministas (a maioria, branca) tomou consciência da natureza da dominação masculina quando trabalhava em contextos anticlassista e antirracista, com homens que falavam para o mundo sobre a importância da liberdade enquanto subordinavam as mulheres de sua classe. Quer fossem mulheres brancas trabalhando em nome do socialismo, quer fossem mulheres negras trabalhando em nome dos direitos civis e da libertação negra, ou mulheres indígenas trabalhando pelos direitos dos povos indígenas, estava claro que os homens queriam comandar e queriam que as mulheres os seguissem. Participar dessas lutas radicais por liberdade acordou o espírito de rebeldia e resistência em mulheres progressistas e as direcionou à libertação da mulher contemporânea.

Enquanto o feminismo contemporâneo progredia, enquanto as mulheres se davam conta de que o grupo dos homens não era o único na sociedade que apoiava o pensamento e o comportamento sexistas – mulheres também poderiam ser sexistas –, atitudes anti-homem já não definiam a consciência do movimento. O foco passou a ser um grande esforço para criar justiça de gênero. Mas as mulheres não poderiam se juntar para promover o feminismo sem confrontar nosso pensamento sexista. A sororidade não seria poderosa enquanto mulheres estivessem em guerra, competindo umas com as outras. Visões utópicas de sororidade baseadas apenas na consciência da realidade de que mulheres eram de alguma maneira vitimizadas pela dominação masculina foram quebradas por discussões de classe e raça. Discussões sobre desigualdade de classe aconteciam no início do feminismo contemporâneo e precederam as discussões sobre raça. A editora Diana Press publicou ideias revolucionárias acerca da divisão de classe entre mulheres na metade da década de 1970 na coletânea de ensaios Class and Feminism.* Essas discussões não banalizaram a insistência feminista de que “a sororidade é poderosa”; apenas enfatizaram que podemos nos tornar irmãs na luta somente confrontando as maneiras pelas quais mulheres – por meio de sexo, classe e raça – dominaram e exploraram outras mulheres, e criaram uma plataforma política que abordaria essas diferenças.

Mesmo que mulheres negras individuais fossem ativas no movimento feminista contemporâneo desde seu início, elas não foram os indivíduos que se tornaram “estrelas” do movimento, que atraíam a atenção da mídia de massa. Muitas vezes, essas mulheres negras ativistas do movimento feminista eram feministas revolucionárias (como várias lésbicas brancas). Elas já discordavam de feministas reformistas que estavam decididas a projetar a noção do movimento como se ele fosse, exclusivamente, pela igualdade entre mulheres e homens no sistema existente. Mesmo antes de raça se tornar uma questão debatida nos círculos feministas, estava claro para as mulheres negras (e para as revolucionárias aliadas da luta) que jamais alcançariam igualdade dentro do patriarcado capitalista de supremacia branca existente.


* Bunch, Charlotte (org.). Class and Feminism: A Collection of Essays from the Furies [Classe e feminismo: uma coletânea de ensaios das Fúrias]. Baltimore: Diana Press, 1974. Em 2018, durante a produção deste livro, ainda era inédito no Brasil. (N. da T.)

Desde seu início, o movimento feminista foi polarizado. Pensadoras reformistas escolheram enfatizar a igualdade de gênero. Pensadoras revolucionárias não queriam apenas alterar o sistema existente para que mulheres tivessem mais direitos. Queríamos transformar aquele sistema para acabar com o patriarcado. Como a mídia de massa patriarcal não estava interessada na visão mais revolucionária, nunca recebeu atenção da imprensa dominante. A noção de “libertação da mulher” que pegou – e ainda está no imaginário do público – era aquela que representava mulheres querendo o que os homens tinham. E essa era a ideia mais fácil de realizar. Mudanças na economia do país, depressão econômica, desemprego etc. criaram um clima favorável para que cidadãos de nossa nação aceitassem a noção de igualdade de gênero no mercado de trabalho.

Diante da realidade do racismo, fazia sentido que homens brancos estivessem mais dispostos a levar em consideração os direitos das mulheres, quando a garantia desses direitos pudesse servir à manutenção da supremacia branca. Jamais poderemos esquecer que as mulheres brancas começaram a afirmar a necessidade de liberdade depois dos direitos civis, bem no momento em que a discriminação racial estava acabando, e pessoas negras, sobretudo, homens negros, teriam alcançado igualdade em relação aos homens brancos, no mercado de trabalho. O pensamento feminista reformista, focado primordialmente na igualdade em relação aos homens no mercado de trabalho, ofuscou as origens radicais do feminismo contemporâneo que pedia reforma e reestruturação geral da sociedade, para que nossa nação fosse fundamentalmente antissexista.

A maioria das mulheres, em especial as mulheres brancas privilegiadas, deixou até mesmo de considerar noções do feminismo revolucionário, quando começou a alcançar poder econômico dentro da estrutura social existente. Ironicamente, o pensamento feminista revolucionário era mais aceito e adotado nos círculos acadêmicos. Nesses círculos, a produção de teoria feminista revolucionária progrediu, mas com muita frequência não estava disponível para o público. Tornou-se, e permanece assim, um discurso privilegiado, disponível para aqueles entre nós que são altamente letrados, educados e economicamente privilegiados. Trabalhos como Feminist Theory: From Margin to Center, que oferece uma visão libertadora de transformação feminista, jamais recebe atenção da grande imprensa. A grande multidão não ouviu falar desse livro. Ela não rejeitou a mensagem; ela não conhece a mensagem.

Enquanto era interesse do patriarcado capitalista de supremacia branca suprimir o pensamento feminista visionário, que não era anti-homem, ou que fosse preocupado em alcançar para as mulheres o direito de ser igual aos homens, feministas reformistas queriam silenciar essas forças. O feminismo reformista se tornou o caminho para a mobilidade de classe. Elas poderiam se libertar da dominação masculina no mercado de trabalho e escolher mais livremente o próprio estilo de vida. Mesmo que o sexismo não tenha acabado, elas poderiam maximizar a liberdade dentro do sistema existente. E poderiam contar com o fato de existir uma classe mais baixa de mulheres exploradas e subordinadas para fazer o trabalho sujo que se recusavam a fazer. Ao aceitar, e de fato conspirar a favor da subordinação de mulheres trabalhadoras e pobres, elas não somente se aliaram ao patriarcado existente e ao concomitante sexismo como se permitiram o direito de levar uma vida dupla, em que são iguais aos homens no mercado de trabalho e em casa, quando querem ser. Se escolhem a lesbianidade, elas têm o privilégio de se tornar iguais aos homens no mercado de trabalho, enquanto utilizam o poder de classe para criar um estilo de vida doméstica em que elas podem escolher ter pouco ou nenhum contato com homens.

O feminismo como estilo de vida introduziu a ideia de que poderia haver tantas versões de feminismo quantas fossem as mulheres existentes. De repente, a política começou a ser aos poucos removida do feminismo. E prevaleceu a hipótese de que não importa o posicionamento político de uma mulher, seja ela conservadora ou liberal, ela também pode encaixar o feminismo em seu estilo de vida. Obviamente, essa maneira de pensar fez o feminismo ser mais aceitável, porque seu pressuposto subjacente é que mulheres podem ser feministas sem fundamentalmente desafiar e mudar a si mesmas ou à cultura. Por exemplo, vejamos a questão do aborto. Se feminismo é um movimento para acabar com a opressão sexista, e se privar mulheres de seus direitos reprodutivos é uma forma de opressão sexista, então uma pessoa não pode ser contra o direito de escolha e ser feminista. Uma mulher pode afirmar que jamais escolheria fazer aborto enquanto afirma seu apoio ao direito de as mulheres escolherem, e ainda assim ser uma defensora de políticas feministas. Ela não pode ser antiaborto e defensora do feminismo. Ao mesmo tempo, não pode haver algo como “feminismo como poder”, se a noção de poder suscitada for poder adquirido através de exploração e opressão de outras pessoas.

As políticas feministas estão perdendo o momentum porque o movimento feminista perdeu suas definições claras. Temos essas definições. Vamos recuperá-las. Vamos compartilhá-las. Vamos recomeçar. Vamos fazer camisetas e adesivos para o carro e cartões-postais e música hip-hop, comerciais de TV e rádio, anúncios em todos os lugares e outdoors e todas as formas de material impresso que fale para o mundo sobre feminismo. Podemos compartilhar a simples, porém poderosa, mensagem de que o feminismo é um movimento para acabar com a opressão sexista. Vamos começar por aí. Que o movimento comece novamente.


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