Livro ‘Crônicas espaciais’ por Neil deGrasse Tyson

Livro 'Crônicas espaciais' por Neil deGrasse Tyson
Rumo à última fronteira
"Uma viagem no espaço com o cientista mais popular do século. Por que o homem se maravilha com o espaço? E por que devemos explorá-lo? Conseguimos chegar tão longe – aonde seremos capazes de ir no futuro? Quais são os desafios que impedem entusiastas de realizar o sonho de explorar os confins do universo? E o que ou quem encontraremos lá? Neil deGrasse Tyson é um tipo raro de cientista, capaz de explicar de maneira clara e brilhante os mistérios do cosmos para o grande público. Agora, suas reflexões se viram para a relevância e o futuro da exploração espacial...
ISBN-10 : 8542216601
ISBN-13 : 978-8542216608
Capa comum : 384 páginas
Dimensões do produto : 22.61 x 15.49 x 2.29 cm
Editora : Planeta; 1ª Edição (30 junho 2019)
Idioma: : Português

Melhor preço cotado ⬇️

Leia trecho do livro

NOTA DO EDITOR

Em meados dos anos 1990, Neil deGrasse Tyson começou a escrever sua muito apreciada coluna “Universo” na revista Natural History, a qual, àquela época, estava sediada financeira e fisicamente no Museu Americano de História Natural, que também abriga o Planetário Hayden. No verão de 2002, quando Tyson já era o diretor do Hayden, o encolhimento do orçamento e uma mudança de visão fizeram com que o periódico passasse para mãos privadas. Foi então que me tomei editora sênior na Natural History e, mais especificamente, editora de Tyson —uma relação ainda em vigor, embora nós dois, em separado, tenhamos deixado a revista para seguir outros caminhos.

Ninguém imaginaria que uma antiga historiadora e curadora de artes seria a editora ideal para Tyson. Mas esses são os fatos: ele dá valor à comunicação, faz questão de promover a compreensão cientifica, e se, juntos, conseguimos produzir algo que eu compreenda e que soe bem para ele, então nós dois somos bem-sucedidos.

Faz mais de meio século que a União Soviética colocou uma pequena esfera metálica a bipar na órbita da Terra, e pouco menos de meio século que os Estados Unidos enviaram seus primeiros astronautas para dar um passeio na Lua. Um indivíduo rico pode agora agendar uma viagem pessoal para o espaço por 20 ou 30 milhões de dólares. As companhias aeroespaciais privadas dos Estados Unidos estão testando veículos adequados para transportar tripulações e carga em viagens de ida e volta até a Estação Espacial Internacional. Os satélites estão se tomando tão numerosos que a órbita geossíncrona está quase toda lotada. Os números de entulhos orbitais erráticos maiores que um centímetro já chegam a centenas de milhares. Fala-se em minerar asteroides, e há a preocupação com a militarização do espaço.

Durante a década de abertura do presente século nos Estados Unidos, as comissões e os relatórios independentes alimentaram inicialmente muitos sonhos, como o de um rápido retorno americano tripulado à Lua e também de viagens espaciais humanas mais distantes. Mas os orçamentos da Nasa não têm correspondido a seus programas, e, assim, suas realizações recentes além da atmosfera da Terra envolveram atividades humanas somente dentro da órbita terrestre baixa e atividades robóticas em distâncias maiores. No início de 2011, a Nasa avisou ao Congresso que nem os projetos de sistemas de lançamento prevalentes, nem os níveis de financiamento costumeiros seriam capazes de colocar os Estados Unidos de volta ao espaço até 2016.

Enquanto isso, outras nações não dormiram no ponto. A China enviou seu primeiro astronauta ao espaço em 2003; a Índia planejava fazer o mesmo em 2015. A União Europeia enviou sua primeira sonda à Lua em 2004; o Japão mandou a sua primeira em 2007; a índia enviou a sua primeira em 2008. Em 1° de outubro de 2010, O 61° Dia Nacional da República do Povo, a China realizou um lançamento impecável de sua segunda sonda não tripulada à Lua, cuja tarefa é fazer um levantamento dos possíveis sítios de pouso para a terceira sonda lunar da China. A Rússia também está planejando uma nova visita. Brasil, Israel, Irã, Coreia do Sul e Ucrânia, bem como Canadá, França, Alemanha, Itália e Reino Unido, todos têm estabelecido com solidez agências espaciais ativas. Umas quatro dúzias de países operam satélites. A África do Sul formou em 2009 uma agência espacial nacional; algum dia, no futuro, haverá uma agência espacial pan-arábica. A colaboração multinacional está se tornando imprescindível. A maioria dos cientistas do mundo reconhece que o espaço é um campo em comum — um domínio apropriado apenas para a coletividade — e espera que o progresso coletivo continue, apesar das limitações de crises e reveses.

Neil deGrasse Tyson tem pensado, escrito e falado sobre todos esses assuntos. Neste livro, reunimos quinze anos de seus comentários sobre a exploração do espaço, organizando-os dentro do que nos pareceu uma estrutura orgânica: Parte I — “Por quê?”, Parte II — “Como?” e Parte III — “Por que não?”. Por que o animal humano se pergunta sobre o espaço e por que devemos explorá-lo? Como conseguimos chegar ao espaço até agora e como poderíamos alcançá-lo no futuro? Quais obstáculos impedem a realização dos sonhos ousados dos entusiastas do espaço? Uma dissecação da política do espaço abre a antologia; uma deliberação sobre o significado do espaço a completa. Bem no final aparecem os apêndices indispensáveis: o texto da Lei do Espaço e da Aeronáutica Nacional de 1958; trechos de legislação relacionada; diagramas mostrando os orçamentos espaciais de múltiplas agências governamentais dos Estados Unidos e de múltiplos países, bem como a trajetória dos gastos da Nasa ao longo de meio século em relação aos gastos federais totais e à economia americana global.

Por fim, se não como astronautas, pelo menos como átomos, seremos todos apanhados na tempestade de poeira gelada, na radiação eletromagnética, na ausência de som e no perigo que constituem o espaço. No momento, Tyson está no palco, disposto a nos guiar em meio a catástrofes num minuto e a nos enlouquecer no próximo. Escutem, porque viver fora do planeta talvez faça parte do futuro à nossa frente.

AVIS LANG

PRÓLOGO

A POLÍTICA DO ESPAÇO

Você adquire uma consciência global instantânea, um foco concentrado nas pessoas, uma insatisfação intensa com o estado do mundo e uma compulsão para fazer alguma coisa a respeito. Lá de longe, sobre a superfície da Lua, a política internacional parece tão mesquinha. Você quer agarrar um político pelo cangote e arrastá-lo por quase 400 mil quilômetros para lhe dizer: olhe para isto!”.

— Edgar Mitchell, astronauta da Apollo 14, 1974

Algumas pessoas pensam em termos emocionais com muito mais frequência do que em termos políticos. Outras, mais em termos políticos do que racionais. Há aquelas, porém, que jamais pensam racionalmente sobre qualquer coisa.

Nenhum julgamento está subentendido. Apenas uma observação. Alguns dos saltos mais criativos já dados pela mente humana são definitivamente irracionais, até primais. As forças emotivas impulsionam as maiores expressões artísticas e inventivas de nossa espécie. De que outro modo se poderia compreender a frase “Ele é ou louco ou gênio”?

Tudo bem ser inteiramente racional, desde que todos os demais também o sejam. Mas, ao que parece, esse estado de existência tem sido realizado apenas na ficção, como no caso dos Houyhnhnms, a comunidade de cavalos inteligentes com que Lemuel Gulliver se depara durante suas viagens no início do século XVIII (o nome Houyhnhnm significa, na linguagem local, “perfeição da natureza”). Encontramos igualmente uma sociedade racional entre a raça dos vulcanos na série de ficção cientifica Star Trek, que se mantém popular por anos a fio. Nos dois mundos, as decisões sociais são tomadas com eficiência e presteza, sem pompa, paixão e presunção.

Para governar uma sociedade compartilhada por pessoas de emoção, pessoas de razão e todas as demais possibilidades entre esses dois tipos — bem como por aqueles que pensam realizar ações moldadas pela lógica, quando são na verdade moldadas por sentimentos ou filosofias não empíricas —, você precisa de política. Em sua melhor forma, a política navega todos esses estados de espírito pelo bem maior, atenta às restingas rochosas da comunidade, identidade e economia. Em sua pior forma, a política prospera na exposição incompleta e na representação errônea de dados exigidos pelo eleitorado para que possa tomar decisões bem informadas, quer sejam alcançadas pela lógica ou pela emoção.

Nessa paisagem encontramos visões políticas refratariamente diversas, sem nenhuma esperança óbvia de consenso ou até de convergência. Algumas das questões polêmicas mais quentes incluem o aborto, a pena capital, os gastos com a defesa, a regulamentação financeira, o controle de armas e as leis tributárias. A posição de alguém a respeito dessas polêmicas tem uma forte correlação com o conjunto de crenças de seu partido político. Em alguns casos é mais que correlação, é o fundamento de uma identidade política.

Tudo isso pode levá-lo a conjeturar como algo produtivo chega a acontecer sob um governo politicamente recalcitrante. Que se dê ao comediante Gallagher, em seu filme de 1985, The Bookkeeper, o crédito de observar que se con [contra] é o oposto de pro [a favor], então o Congresso deve ser o oposto de progresso.

Até pouco tempo, a exploração do espaço pairava acima da política partidária. A Nasa era mais que bipartidária; era apartidária. Especificamente, o apoio de um indivíduo à agência espacial não tinha correlação com o fato de ele ser progressista ou conservador, democrata ou republicano, urbano ou rural, pobre ou rico.

A posição da Nasa na cultura americana confirma ainda mais essa característica. Os 10 centros da agência espacial estão distribuídos geograficamente por 8 estados. Depois da eleição federal de 2008, eles eram representados na Câmara dos Deputados por 6 democratas e 4 republicanos; na eleição de 2010, essa distribuição foi invertida. Os senadores desses estados apresentam um equilíbrio semelhante, com 8 republicanos e 8 democratas. Essa representação “esquerda-direita” tem sido um traço persistente do apoio à Nasa ao longo dos anos. A Lei do Espaço e da Aeronáutica Nacional de 1958 se tomou lei sob o presidente republicano Dwight D. Eisenhower. O presidente democrata John F. Kennedy lançou o programa Apollo em 1961. A assinatura do presidente republicano Richard M. Nixon está na placa deixada na Lua em 1969 pelos astronautas da Apoio 11.

Talvez seja apenas coincidência, mas 24 astronautas são do estado-pêndulo de Ohio — mais que de qualquer outro estado —, inclusive John Glenn (o primeiro americano a orbitar a Terra) e Neil Armstrong (o primeiro humano a caminhar na Lua).

Se a política partidária chegou a se infiltrar alguma vez nas atividades da Nasa, sua tendência foi aparecer nas franjas das operações. Por exemplo, o presidente Nixon poderia, em princípio, ter enviado o recém-comissionado porta-aviões USS John F. Kennedy para retirar o módulo de comando da Apollo 11 do oceano Pacífico. Teria sido um gesto delicado. Mas ele enviou o USS Hornet em seu lugar, uma opção mais expediente à época. Kennedy nunca viu o Pacífico e estava na doca seca em Portsmouth, Vírginia, quando do pouso do módulo no mar em julho de 1969. Considere outro exemplo. Com uma cobertura especial do presidente republicano Ronald Reagan, amigo da indústria, o Congresso aprovou a Lei dos Lançamentos Espaciais Comerciais de 1984, que permitia e estimulava o acesso civil às inovações financiadas pela Nasa relativas a veículos de lançamento e hardware espacial, abrindo com isso a fronteira espacial para o setor privado. Um democrata poderia ter pensado nessa legislação ou não, mas um Senado republicano e uma Câmara dos Deputados democrata a aprovaram, e o conceito é tão americano quanto uma caminhada na Lua.

Seria ainda possível argumentar que as realizações da Nasa transcendem as nações. Imagens assombrosas do cosmos obtidas pelo Telescópio Espacial Hubble têm focalizado o universo distante para qualquer um que disponha de uma conexão com a internet. Os astronautas da Apoio têm aparecido em selos de outros países, inclusive Dubai e Qatar. E no documentário de 2006, In the Shadow of the Moon [Na sombra da Lua], o astronauta da Apollo 12, Alan Bean, a quarta pessoa a caminhar na Lua, comenta que durante suas viagens internacionais as pessoas declaravam com júbilo “Chegamos lá!”. Elas não diziam “Você chegou lá!” ou “Os Estados Unidos chegaram lá!”. Os astronautas que caminharam na Lua, apesar de serem 83% militares e 100% americanos do sexo masculino, foram emissários de nossa espécie, e não de uma nação ou ideologia política.

Embora a Nasa tenha sido historicamente isenta de compromissos partidários, ela foi tudo menos independente da própria política, impulsionada por forças internacionais muito maiores que as passíveis de serem reunidas por quaisquer iniciativas puramente domésticas. Com o lançamento soviético do Sputnik 1 em 1957, o primeiro satélite artificial do mundo, os Estados Unidos levaram um susto que os obrigou a entrar na corrida espacial. Um ano mais tarde, a própria Nasa foi criada no clima de medo da Guerra Fria. Poucas semanas depois de os soviéticos colocarem a primeira pessoa em órbita, os Estados Unidos foram levados a criar o programa Apollo para a Lua. Durante esse tempo, a União Soviética nos venceu em praticamente todo cotejo importante de realização espacial: a primeira caminhada no espaço, a caminhada mais longa no espaço, a primeira mulher no espaço, o primeiro acoplamento no espaço, a primeira estação espacial, o mais longo tempo registrado no espaço. Ao declarar que a corrida era chegar até a Lua e nada mais, os Estados Unidos se permitiram ignorar as competições perdidas ao longo do caminho.

Tendo vencido os russos na corrida à Lua, declaramos vitória e — sem nenhuma chance de eles colocarem uma pessoa sobre a superfície lunar — paramos completamente de viajar para o nosso satélite. O que acontece a seguir? Os russos “ameaçam” construir grandes plataformas espaciais equipadas para observar tudo o que acontece sobre a Terra. Esse empenho de décadas, que começa em 1971 com uma série de módulos espaciais Salyut (o termo russo para “saudação”), culmina na estação espacial Mir (o termo russo para “paz”), a primeira plataforma espacial permanentemente habitada do mundo, cuja montagem começou em 1986. Mais uma vez, sendo mais reativos que proativos às forças geopolíticas, os Estados Unidos concluem que também precisamos de uma dessas plataformas. Em seu discurso do Estado da União de 1984, o presidente Reagan anuncia planos um tanto urgentes para projetar e construir a Estação Espacial Liberdade, com as nações favoráveis à nossa política juntando-se ao empenho. Embora aprovado pelo Congresso, o escopo e os gastos do projeto não sobrevivem a 1989, ano em que a paz irrompe na Europa com a Guerra Fria chegando ao fim. O presidente Clinton reúne os pedaços subfinanciados e, em 1993, coloca em jogo uma plataforma com uma nova concepção — a Estação Espacial Internacional (uma reunião necessária) —, que solicita a participação do antigo arqui-inimigo, a Rússia. Esse lance estratégico oferece aos cientistas e engenheiros nucleares russos rebeldes algo interessante para fazer além de fabricar armas de destruição em massa para nossos adversários emergentes ao redor do globo. Aquele mesmo ano presenciaria o cancelamento do Supercolisor Supercondutor, um experimento de física dispendioso que havia sido aprovado nos anos 1980 durante um Congresso da Guerra Fria. Custos excessivos inviáveis são a razão citada para o cancelamento, mas não se pode ignorar o fato politicamente abrasivo de que a estação espacial e o colisor seriam ambos administrados no Texas, importando em mais verbas para emendas parlamentares que qualquer estado merece num único ciclo orçamentário. A história oferece, entretanto, uma razão ainda mais profunda. Em tempos de paz, o colisor não tinha o mesmo valor estratégico para a segurança nacional americana que a estação espacial. Mais uma vez, a política e a guerra derrotaram o impulso da descoberta.

Com outras alianças que não militares, a Estação Espacial Internacional continua a ser uma das colaborações mais bem-sucedidas de alguns países. Além da Rússia, os membros participantes incluem o Canadá, o Japão, o Brasil, e 11 nações membros da Agência Espacial Europeia: Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido. Por causa das violações aos direitos humanos, excluímos a China dessa colaboração. Mas isso não basta para deter um país ambicioso. Destemida, a China gera um programa espacial tripulado independente, lançando Yang Liwei como o primeiro taikonauta em 2003. A exemplo dos primeiros astronautas americanos, Yang era um piloto de caça. A escolha dele, junto com outras atitudes tomadas pelo programa espacial da China, como a destruição cinética de um satélite defunto, mas ainda em órbita, por um míssil balístico de alcance médio, faz com que alguns analistas americanos vejam a China como um adversário, com capacidade de ameaçar o acesso americano ao espaço, bem como os ativos americanos que ali existem.

Não seria uma guinada curiosa dos acontecimentos se a resposta vigorosa da China para nossa recusa à sua participação na Estação Espacial Internacional se tornar a própria força para incitar outra série de realizações espaciais competitivas nos Estados Unidos, culminando desta vez numa viagem tripulada a Marte?

Desde sua fundação, a Nasa gasta em média cerca de 100 bilhões (pelo valor do dólar atual) a cada cinco ou seis anos. Em quase nenhum ponto nesse fluxo de dinheiro, as iniciativas mais caras da agência espacial (incluindo os programas Apollo, Gemini e Mercúrio, a pesquisa sobre propulsão, o ônibus espacial e a estação espacial) foram impulsionadas pela ciência, descobertas ou aperfeiçoamento da vida sobre a Terra. Quando a ciência realmente avança, quando as descobertas de fato se revelam, quando a vida sobre a Terra com efeito melhora, isso acontece como um beneficio auxiliar, e não como uma meta principal da missão geopolítica da Nasa.

O fracasso em considerar essas realidades simples tem levado a infindáveis análises delirantes sobre o que é a Nasa, onde tem atuado e para onde provavelmente irá.

Em 20 de julho de 1989, passados vinte anos desde o dia seguinte ao pouso da Apollo 11 na Lua, o presidente George Bush proferiu um discurso no Museu Nacional do Ar e do Espaço, usando a data comemorativa auspiciosa para anunciar a Iniciativa de Exploração Espacial. Reafirmou a necessidade da existência da Estação Espacial Liberdade, mas também demandou uma presença permanente na Lua e uma viagem tripulada a Marte. Ao invocar Colombo, o presidente equiparou seu plano a episódios épicos de descoberta na história das nações. Disse todas as coisas adequadas no momento e no lugar adequados. E por que então a retórica arrebatadora não funcionou? Funcionou para o presidente Kennedy, em 12 de setembro de 1962, no Estádio da Universidade Rice, em Houston. Foi naquele momento e naquele lugar que ele descreveu o que viria a ser o programa Apollo, declarando, com sinceridade fiscal politicamente incomum: “Sem dúvida, tudo isso vai nos custar muito dinheiro. O orçamento espacial deste ano é o triplo do que era em janeiro de 1961, e maior do que o orçamento espacial dos oito anos anteriores juntos”.

Talvez tudo o que Bush precisasse fosse um pouco daquele famoso carisma que Kennedy exalava. Ou talvez ele precisasse de algo mais.

Pouco depois do discurso de Bush, um grupo liderado pelo diretor do Centro Espacial Johnson da Nasa apresentou uma análise de custo para o plano inteiro de 500 bilhões de dólares, um montante de encolher o tesouro e engasgar o Congresso, ao longo de vinte a trinta anos. A Iniciativa de Exploração Espacial morreu ao ser anunciada. Era mais dispendiosa que o montante requisitado e obtido por Kennedy? Não. Custava menos. Não só isso, pois como mo bilhões de dólares ao longo de cinco ou seis anos representam a linha de base dos financiamentos da Nasa, trinta anos desse nível de gasto chega à marca de 500 bilhões de dólares, sem que se tenha de acrescentar mais nada ao orçamento.

Os resultados opostos desses dois discursos não tiveram nada a ver com a vontade política, o sentimento público, o potencial de persuasão dos argumentos, ou até o custo. O presidente Kennedy estava em guerra com a União Soviética, enquanto o presidente Bush não estava em guerra com ninguém. Quando em guerra, o dinheiro flui como da torneira de um barril, tornando irrelevante a existência ou a ausência de outras variáveis, inclusive o carisma. Enquanto isso, os fanáticos pelo espaço que não calculam de modo adequado o papel da guerra no cenário de gastos estão delirantemente certos de que hoje só precisamos de visionários que aceitam correr riscos como JFIC. Junte-se a isso a dose correta de vontade política, afirmam, e já estaríamos havia muito tempo em Marte, com centenas, se não milhares, de pessoas vivendo e trabalhando em colônias espaciais. O visionário espacial de Princeton, Gerard K. O’Neill, entre outros, imaginava que tudo isso estaria ocorrendo no ano 2000.

O oposto dos fanáticos pelo espaço — os rabugentos em relação ao espaço — são aqueles que estão certos de que a Nasa é um desperdício de dinheiro dos contribuintes e que os fundos alocados via centros da agência espacial são os equivalentes a gastos com emendas parlamentares. A emenda parlamentar genuína, claro, é a verba buscada pelos parlamentares para o beneficio exclusivo de seus próprios distritos, sem nenhum ganho tangível para qualquer outro. A Nasa, de um modo geral, é o oposto disso. A nação e o mundo prosperam com as inovações regionais da agência espacial, as quais têm transformado o modo como vivemos.

Eis um experimento que vale a pena ser executado. Entre sorrateiramente na casa de um cético da Nasa na calada da noite e retire de lá, e de seus arredores, todas as tecnologias que sejam direta ou indiretamente influenciadas por inovações espaciais: microeletrônica, GPS, lentes resistentes a arranhões, ferramentas elétricas sem fio, colchões e travesseiros de espuma de memória (viscoelasticidade), termômetros de ouvido, filtros de água domésticos, palmilhas, dispositivos de telecomunicação a longa distância, detectores de fumaça ajustáveis, ranhuras de segurança em pavimentos, para citar apenas algumas. Durante sua incursão noturna, não se esqueça de reverter a cirurgia oftalmológica do cético. Ao acordar, ele embarca numa existência recém-desprovida de recursos e num estado de penúria tecnológica insustentável. Pior ainda, com a visão prejudicada. E por estar sem guarda-chuva, acaba encharcado porque não sabe a previsão do tempo informada por satélite para aquele dia.

Pouco depois do discurso de Bush, um grupo liderado pelo diretor do Centro Espacial Johnson da Nasa apresentou uma análise de custo para o plano inteiro de 500 bilhões de dólares, um montante de encolher o tesouro e engasgar o Congresso, ao longo de vinte a trinta anos. A Iniciativa de Exploração Espacial morreu ao ser anunciada. Era mais dispendiosa que o montante requisitado e obtido por Kennedy? Não. Custava menos. Não só isso, pois como mo bilhões de dólares ao longo de cinco ou seis anos representam a linha de base dos financiamentos da Nasa, trinta anos desse nível de gasto chega à marca de 500 bilhões de dólares, sem que se tenha de acrescentar mais nada ao orçamento.

Os resultados opostos desses dois discursos não tiveram nada a ver com a vontade política, o sentimento público, o potencial de persuasão dos argumentos, ou até o custo. O presidente Kennedy estava em guerra com a União Soviética, enquanto o presidente Bush não estava em guerra com ninguém. Quando em guerra, o dinheiro flui como da torneira de um barril, tornando irrelevante a existência ou a ausência de outras variáveis, inclusive o carisma. Enquanto isso, os fanáticos pelo espaço que não calculam de modo adequado o papel da guerra no cenário de gastos estão delirantemente certos de que hoje só precisamos de visionários que aceitam correr riscos como JFIC. Junte-se a isso a dose correta de vontade política, afirmam, e já estaríamos havia muito tempo em Marte, com centenas, se não milhares, de pessoas vivendo e trabalhando em colônias espaciais. O visionário espacial de Princeton, Gerard K. O’Neill, entre outros, imaginava que tudo isso estaria ocorrendo no ano 2000.

O oposto dos fanáticos pelo espaço — os rabugentos em relação ao espaço — são aqueles que estão certos de que a Nasa é um desperdício de dinheiro dos contribuintes e que os fundos alocados via centros da agência espacial são os equivalentes a gastos com emendas parlamentares. A emenda parlamentar genuína, claro, é a verba buscada pelos parlamentares para o beneficio exclusivo de seus próprios distritos, sem nenhum ganho tangível para qualquer outro. A Nasa, de um modo geral, é o oposto disso. A nação e o mundo prosperam com as inovações regionais da agência espacial, as quais têm transformado o modo como vivemos.

Eis um experimento que vale a pena ser executado. Entre sorrateiramente na casa de um cético da Nasa na calada da noite e retire de lá, e de seus arredores, todas as tecnologias que sejam direta ou indiretamente influenciadas por inovações espaciais: microeletrônica, GPS, lentes resistentes a arranhões, ferramentas elétricas sem fio, colchões e travesseiros de espuma de memória (viscoelasticidade), termômetros de ouvido, filtros de água domésticos, palmilhas, dispositivos de telecomunicação a longa distância, detectores de fumaça ajustáveis, ranhuras de segurança em pavimentos, para citar apenas algumas. Durante sua incursão noturna, não se esqueça de reverter a cirurgia oftalmológica do cético. Ao acordar, ele embarca numa existência recém-desprovida de recursos e num estado de penúria tecnológica insustentável. Pior ainda, com a visão prejudicada. E por estar sem guarda-chuva, acaba encharcado porque não sabe a previsão do tempo informada por satélite para aquele dia.

Quando as missões tripuladas da Nasa não estão cruzando uma fronteira espacial, as atividades científicas da agência tendem a dominar as manchetes espaciais da nação, que atualmente emanam de quatro divisões: a Ciência da Terra, a Heliofísica, a Ciência Planetária e a Astrofísica. A maior porção do orçamento da Nasa já gasta nessas atividades atingiu por um curto período 40%, em 2005. Durante a era Apollo 9, a porcentagem anual pairava entre os 13 e 19. Em média, ao longo do meio século de existência da Nasa, a porcentagem anual dos gastos em ciência se mantém em 20 e pouco. Dito de forma simples, a ciência não é uma prioridade de financiamento nem para a Nasa nem para nenhum dos membros do Congresso que votam para garantir o orçamento da agência espacial.

No entanto, a palavra ciência nunca está longe do acrônimo Nasa em qualquer discussão sobre por que a agência espacial importa. Como resultado, ainda que as forças geopolíticas impulsionem os gastos em exploração espacial, explorar o espaço em nome da ciência soa melhor no discurso público. Esse descompasso entre a verdade e a verdade percebida leva a duas consequências. Em discursos e testemunhos, os legisladores se veem superestimando o retorno científico real nas missões e nos programas tripulados da Nasa. O senador John Glenn, por exemplo, foi rápido em celebrar o potencial científico da gravidade zero na Estação Espacial Internacional. Mas, com seu orçamento de 3 bilhões de dólares por ano, seria assim que uma comunidade de pesquisadores optaria por gastar o dinheiro? Enquanto isso, na comunidade acadêmica, cientistas de peso criticam seriamente a Nasa sempre que se gasta dinheiro em exploração com um retorno científico marginal ou inexistente. Entre outros que partilham esse sentimento, o físico de partículas e laureado pelo Nobel Steven Weinberg é notadamente rude em suas opiniões, expressas, por exemplo, em 2007 a um repórter de Space.com durante uma conferência científica no Instituto de Ciência do Telescópio Espacial em Baltimore:

A Estação Espacial Internacional é um fracasso orbital […] Não produziu nenhum resultado cientifico importante. Eu poderia quase dizer que não produziu nenhum resultado cientifico. Eu iria ainda além e declararia que todo o programa de voos espaciais tripulados, tão tremendamente dispendioso, não realizou nada que tenha valor científico.
[…] o orçamento da Nasa está aumentando, e esse aumento é impulsionado pelo que vejo, da parte do presidente e dos administradores da Nasa, como uma fixação infantil em colocar as pessoas no espaço, o que tem pouco ou nenhum valor cientifico.

Apenas aqueles que acreditam, de fato, que a Nasa é (ou deveria ser) uma agência de cientistas com financiamento privado exclusivo poderiam dar tal declaração.

Eis outro exemplo: um trecho da carta de demissão de Donald U. Wise, principal cientista lunar da Nasa. Embora menos acerba que a declaração de Weinberg, ela partilha um espírito semelhante:

Observei várias decisões administrativas básicas serem tomadas, transferindo prioridades, fundos e potencial humano, da maximização das capacidades de exploração… para o desenvolvimento de novos e grandes sistemas espaciais tripulados.
Enquanto [a Nasa] não determinar que a ciência é uma função principal do voo espacial tripulado e deve ser sustentada com fundos e potencial humano adequados, qualquer outro cientista na vaga de minha posição vai provavelmente desperdiçar seu tempo com futilidades.

Com esses comentários apresentados como evidência, seria possível supor que o interesse da agência espacial pela ciência tivesse refluído desde os velhos tempos. Mas a carta de Wise pertence aos velhos tempos: 24 de agosto de 1969, 35 dias depois que pisamos pela primeira vez na Lua.

É um luxo de torre de marfim lamentar que a Nasa esteja gastando tão pouco em ciência. O que não é aventado nessas queixas é o fato de que sem impulsos geopolíticas não haveria absolutamente nenhuma ciência na agência espacial.

O programa espacial americano, especialmente a era dourada da Apollo e sua influência sobre os sonhos de uma nação, gera retórica fértil para quase qualquer ocasião. Entretanto, a mensagem mais profunda nele contida é frequentemente negligenciada, mal aplicada ou esquecida por completo. Num discurso proferido na Academia Nacional de Ciências em 27 de abril de 2009, o presidente Barack Obama tornou-se poético sobre o papel da Nasa em impulsionar inovação americana:

O presidente Eisenhower assinou a legislação para criar a Nasa e investir na educação cientifica e matemática, desde a escola primária até a pós-graduação. E apenas uns poucos anos mais tarde, um mês depois de seu discurso para o Encontro Anual da Academia Nacional de Ciências de 1961, o presidente Kennedy declarou audaciosamente perante uma sessão conjunta do Congresso que os Estados Unidos enviariam um homem à Lua e o trariam de volta à Terra são e salvo.
A comunidade científica se uniu por trás dessa meta e pôs mãos à obra para realizá-la. E esse esforço levaria àqueles primeiros passos na Lua e a saltos gigantescos em nossa compreensão aqui na Terra. Esse programa Apollo produziu tecnologias que melhoraram os sistemas de purificação da água e hemodiálise; sensores para testar gases perigosos; materiais de construção que poupam energia; tecidos resistentes ao fogo usados por bombeiros e soldados. De uma forma mais ampla, o investimento naquela era — em ciência e tecnologia, em financiamento de educação e pesquisa — produziu uma grande efusão de curiosidade e criatividade, cujos benefícios têm sido incalculáveis.

O espantoso na mensagem de Obama é que o teor de seu discurso era alertar a academia para a proposta da Lei de Reinvestimento e Recuperação Americana — legislação que levaria os orçamentos da Fundação Nacional da Ciência, da Divisão de Ciência do Departamento de Energia e do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia a serem duplicados nos anos seguintes. O orçamento da Nasa seria também duplicado, não? Nada disso. Tudo o que a agência espacial ganhou foi a alocação de 1 bilhão de dólares por um único ano. Dado que a exploração espacial formava a alma retórica do discurso do presidente, esse lance desafia uma análise racional, política e até emocional.

Em seu segundo Discurso do Estado da União, proferido em 27 de janeiro de 2011, o presidente Obama mais uma vez citou a corrida espacial como um catalisador para a inovação científica e tecnológica. Aquele “momento Sputnik” original — cristalizado no discurso de Kennedy a uma sessão conjunta do Congresso em 1961 — é o que nos levou à Lua e estabeleceu o mais elevado dos parâmetros para a visão de mundo e liderança dos Estados Unidos no século XX. Como o presidente recontou com acerto: “Desencadeamos uma onda de inovação que criou indústrias e milhões de empregos”. Ao citar o investimento pesado que outros países estavam fazendo em seu futuro tecnológico, e no concomitante fracasso do sistema educacional americano em competir no palco mundial, Obama declarou que o desequilíbrio perturbador é o momento Sputnik desta geração. Ele então nos desafiou a apresentar até 2005 as seguintes condições: (1) ter 1 milhão de veículos elétricos na estrada e (2) disponibilizar a próxima geração de conexões sem fio de alta velocidade para 98% de todos os americanos. E até 2035 (1) obter 8o% da eletricidade dos Estados Unidos com energia limpa e (2) providenciar acesso a redes ferroviárias de alta velocidade para 8o% dos americanos.

Metas louváveis, todas elas. Mas pensar nessa lista como fruto de um momento Sputnik desanima o entusiasta espacial. Revela uma mudança de visão do futuro ao longo de décadas, dos sonhos do amanhã para os sonhos de tecnologias que já deveriam existir entre nós.


Tags: ,