Livro ‘Isto não é amor’ por Patrick Carnes

Baixar PDF 'Isto não é amor' por  Patrick Carnes

No diagnóstico de Patrick Carnes, o vício sexual é marcado por comportamento compulsivo autodestrutivo e assume muitas formas, como abuso infantil, sadomasoquismo, dependência da fantasia erótica como mecanismo de enfrentamento, obsessão por um indivíduo, encontros sexuais anônimos ou ciclos de desastrosos de compulsão sexual. Carnes e seus colegas pesquisadores tiveram como alvo cerca de 1000 dependentes sexuais e seus parceiros “co-dependentes” através de pesquisas e entrevistas. Aqueles que suspeitam que podem ser sexualmente viciados, ou conhecem alguém que é, devem ler este guia claro, útil e bem organizado.

Editora: ‎ Circulo; 1ª edição (1 janeiro 1995); Páginas: ‎ 444 páginas; ISBN-10: ‎ 8533201869; ISBN-13: ‎ 978-8533201866

Leia trecho do livro

I N T R O D U C Ã O

Cerca de mil compulsivos sexuais nos ajudaram a escrever este livro ao contarem suas histórias em relatórios e entrevistas. Apesar da variedade dos detalhes de cada caso pessoal, o esforço pela recuperação é o mesmo. Todos compartilham o mesmo esforço para controlar seu comportamento sexual auto-destrutivo. Em suas histórias, são temas constantes os rompimentos familiares desastres financeiros, empregos perdidos e o risco de vida. Muitos possuem bom nível profissional – ministros, médicos, terapeutas políticos, executivos outros são simples trabalhadores. A maioria sofreu abusos sexuais, físicos e/ou emocionais na infância. Muitos cresceram entre familiares com hábitos compulsivos de beber, comer ou jogar. Vários também lutam contra outras dependências, mas consideram a fixação sexual como a mais difícil de ser vencida.

Ainda assim, suas histórias transmitem grande esperança. Os compulsivos sexuais demonstraram grande capacidade de transformar o desespero e o caos em paz e confiança. Durante nossa pesquisa, casais passaram a compartilhar um modo realista de devolver a seus relacionamentos a confiança e a vitalidade sexual. Os pesquisados evidenciaram melhoras marcantes em quase todos os aspectos da vida, inclusive finanças, saúde, trabalho e família. Ao nos darem o “melhor conselho” sobre o que os ajudou, evidenciou-se a profunda busca espiritual que resultou da vitória sobre a dependência. Parte do antídoto para o vazio da compulsão é encontrar um significado no sofrimento.

Os compulsivos sexuais definem o restabelecimento como a transformação de uma vida auto-destrutiva em outra de auto-preservação. Para compreender melhor o processo de recuperação, orientei um grupo de pesquisadores a iniciar o projeto investigando sistematicamente a natureza da compulsão sexual e seu controle. Tendo iniciado o trabalho em julho de 1986, uma equipe de doze pessoas desenvolveu o projeto durante três anos. Alguns pesquisadores eram profissionais em análise dados, outros clinicavam nesse setor. Vários estavam tratando de sexuais compulsivos e a coleta de dados teria sido impossível sem seus extraordinários esforços. Todas despenderam muitas horas de trabalho, em alguns casos além do horário das obrigações profissionais.

Inicialmente, organizamos dois relatórios de 28 páginas: um para os compulsivos sexuais e outro para seus parceiros co-dependentes. Na fase seguinte, passamos a conduzir melhor o trabalho e a refiná-lo. Logo descobrimos que a maioria dos pesquisados considerava os testes muito dolorosos e cansativos (quatro a oito horas). Muitos declaram que era um Processo útil por revelar importantes insights e informações, mas muito desgastante emocionalmente. Graças a essa descoberta, pudemos preparar melhor as pessoas que iam participar da pesquisa e também aprendemos a reunir a energia necessária para o esforço de acompanhá-las, vencendo sua resistência natural.

Mil e quinhentas cópias do relatório foram distribuídas a compulsivos sexuais, escolhidos entre os que tinham três anos ou mais de recuperação. Quinhentas cópias de outro tipo foram distribuídas entre os parceiros. Queríamos encontrar pessoas que nos fornecessem dados suficientes em suas histórias para elucidar os problemas do processo de recuperação. Também acreditávamos que um período mais longo de restabelecimento proporcionaria dados mais acurados. Por exemplo, na fase inicial da recuperação, é comum a repressão de lembranças de abusos sexuais sofridos na infância. Ao trabalhar com recuperados mais experientes, tínhamos a esperança de encontrar os principais aspectos do problema mais claros e definidos.

Não foi uma tarefa fácil encontrar as pessoas indicadas. Apesar de existirem vários grupos de recuperação atuando desde o final da década de 70, o número de pessoas que conseguiu manter o restabelecimento durante um período mais prolongado ainda é pequeno. Além disso, como esses grupos são de natureza anônima, foi necessário o auxílio de urna rede informal de terapeutas e pacientes em recuperação para localizar as pessoas e levá-las a colaborar no processo longo e doloroso de pesquisa. O sucesso do projeto, em múltiplos aspectos, testemunha a confiança extraordinária criada entre os membros da equipe e os participantes desses grupos.

Nenhuma associação apoiou oficialmente esta pesquisa porque estaria agindo contra sua tradição. No entanto, recebemos valiosa ajuda individual de membros das quatro existentes: Sex and Love Addicts Anonymous, Sex Addicts Anonymous, Sexaholics Anonymous e Sexual Compulsives Anonymous – associações anônimas de compulsivos sexuais dos Estados Unidos.

Vinte por cento dos relatórios foram devolvidos, com um total de 289 compulsivos e 99 co-dependentes, alguns dos quais tendo dez a doze anos de recuperação. Acreditamos que vários receberam o relatório em fases mais recentes desse processo e acharam muito dolorosa a tarefa de respondê-lo. Os que conseguiram completá-lo demonstraram uma incrível generosidade. Não era raro encontrarmos no pé da pagina outros detalhes além das respostas. Ampliando nosso trabalho, ainda pedimos a mais de seiscentos compulsivos sexuais que completassem parte do relatório ao serem admitidos na unidade de dependência sexual do Golden Valley Health Center (Centro de Saúde Golden Valley). Apesar de não terem proporcionado novos conhecimentos marcantes sobre a recuperação, essas informações permitiram um exame mais profundo da visão geral do comportamento sexual compulsivo. Incluímos um apêndice com uma tabela de dados básicos sobre o comportamento de 932 dependentes, demonstrando que as diferenças entre o grupo com mais tempo de recuperação e o de cura recente são mínimas. O grupo pesquisado era composto, na maioria, de pessoas brancas, educadas e de profissão liberal, o que não nos surpreendeu, porque os primeiros membros dos Alcoólicos Anônimos pertenciam ao mesmo meio social. Também em nosso caso, 19 por cento dos pesquisados eram mulheres, dado que equivale ao da recuperação em alcoolismo até hoje.

Em outra fase do projeto, entrevistamos mais profundamente 89 dependentes sexuais e 37 co-dependentes. Todos vinham mantendo com sucesso a recuperação e muitos eram os verdadeiros pioneiros nesse esforço, tendo conseguindo vencer a dependência numa época em que era muito difícil ou até impossível encontrar ajuda. Novamente, o trabalho de localizá-los, convencê-los a colaborar e depois entrevistá-los por todo o país, exigiu muito tempo e energia. Disso resultaram milhares de páginas com depoimentos e comentários que aprofundam e enriquecem os relatórios.

A organização do arquivo de dados, a análise estatística e as tabelas de perguntas, que dão sentido à transcrição de milhares de páginas de entrevistas, foi uma tarefa gigantesca. A realização do projeto em dois anos só foi possível graças à equipe de pesquisa e aos colaboradores recuperados, que compreenderam a urgência necessária. Sabemos todos que a compulsão sexual pode ser um esforço de vida ou morte. À medida que se evidenciava a extensão epidêmica da AIDS, percebemos que seria uma corrida contra o tempo.

Este livro é dividido em duas partes. Na Primeira Parte (primeiro ao quinto Capítulo) serão examinadas as compulsões sexuais em seus vários aspectos, inclusive a fraqueza na luta contra o mal, a impossibilidade de controle, suas causas, padrões e seu impacto sobre a família. Na Segunda Parte (sexto ao décimo-segundo capítulos) mostraremos o conhecimento adquirido pelas pessoas que conseguiram controlar a dependência. examinando assuntos como a decisão de pedir ajuda a evolução do caso, o tempo de restabelecimento, a cura de relacionamentos doentios, a recuperação da sexualidade sadia e os obstáculos vencidos.

Este livro sintetiza a história de quase mil compulsivos e suas famílias representando o esforço conjunto de muitos deles. Desejo expressar minha profunda gratidão a todos os que responderam aos relatórios e nos concederam entrevistas. Sem sua colaboração não teríamos constatado se era verdade o que sabíamos e nem aprendido com as novas descobertas. Todos os nomes e detalhes que poderiam identificar pessoas foram alterados neste livro. As histórias selecionadas foram as consideradas típicas da maioria. Experiências mais raras ou exageradas não receberam especial atenção porque não representam aspectos comuns da compulsão sexual.

A equipe de pesquisa merece a mesma gratidão, já que sem sua sinceridade, perseverança, habilidade e capacidade de angariar confiança, jamais teríamos terminado este trabalho. Entre os membros da equipe. estão Larry D., Jeanne O’Gorman, Barb DeWitt, James Blix, Rob Berger. Judy Weedman. Nancy Skilling, Debra Nonemaker, Cindy Larsen e Perry Ferguson. Sou especialmente grato a Tammy Horstman, coordenadora do projeto para a equipe de pesquisa. Deu apoio a todos com sua capacidade de organização e seu entusiasmo. Também recebemos grande ajuda do Grupo de Estudos Avançados do Institute for Behavorial Medicine (Instituto de Medicina Comportamental e do corpo clínico e administrativo do Golden Valley Health Center. Temos todos uma admiração profunda pelas pessoas recuperadas que colaboraram com nosso trabalho e nos ajudaram a conseguir as entrevistas.

Vários colaboradores foram importantes no preparo do livro: Becky Thorvig, minha gerente administrativa: Ann Poe, minha consultora editorial; Jonathon Lazear, meu agente: Toni Burbank, meu editor Bantam, e Randee Falk, meu revisor. Sem seu apoio, paciência e confiança, não seria possível uma tarefa tão complexa como esta.

Dois amigos especiais me orientaram: Melody Beattie, que me procurava sempre em meus piores momentos como autor, e John Bradshaw, que sabe apoiar os amigos como poucas pessoas que conheço. Juntos, eles me transmitiram a segurança necessária e este livro é um testemunho de seu apoio.

Este trabalho representa um presente de muitas pessoas. Tive o privilégio de testemunhar a generosidade, o sacrifício e o desempenho de todos. Nesse esforço conjunto, sinto sinceramente que me coube o papel do escriba que narra uma história importante sobre recuperação – e sobre a nossa cultura.

Patrick J. Carnes
The Institute for Behavorial Medicine

Golden Valley Health Center
Golden Valley Minnesota

PRIMEIRA PARTE

Anatomia de uma Compulsão

CAPITULO 1

Os Sinais da Compulsão

•  Uma mulher usa o vibrador com tanta intensidade que chega a se queimar, indo parar no pronto-socorro.

• Um homem de 31 anos, casado e pai de três filhos pequenos, mantinha sexo promíscuo com homens desde os dezessete anos. Casou-se para acabar com aquilo. Fez um tratamento contra o alcoolismo com o mesmo objetivo. Agora tem AIDS, a mulher também e os dois estão morrendo.

•  O padre gasta mil dólares por semana com prostituição. Precisa roubar da paróquia para manter sua dependência.

•  Os filhos e os amigos sabiam, mas a esposa ignorou até descobrir os três cadernos em que ele anotou cuidadosamente seus encontros com mil e quinhentas mulheres.

•  Um dentista de 38 anos fica furioso com o repúdio da mulher e costuma droga-la para o ato sexual.

•  Uma professora de 35 espanta-se quando assiste ao filme À Procura de Mr. Goodbar e reconhece a semelhança assustadora com sua própria vida.

•  Uma mulher de 33 anos deixa as crianças sozinhas enquanto sai para encontrar seus amantes.

•  Um homem de 66 anos é preso pela terceira vez por roubar lingerie.

•  Um ministro é chamado pelo bispo, que ouviu falar de seus casos com paroquianas.

•  Um conselheiro técnico de uma empresa foi responsabilizado por sete queixas de abusos sexuais em dois anos. Agora chegou a vez de um importante cliente da firma. 

•  Um líder escoteiro pratica sexo com outro menino. Ele planeja suicidar-se se for descoberto.

Os sinais da compulsão. Alguns diriam que são casos de excessos sexuais, incompreensão ou acidentes. Outros repudiariam, achando-os esquisitos ou pervertidos, parte da escória da vida. Na realidade, representam um problema bem mais sério: uma obsessão com o sexo que chega a ameaçar a própria existência. Essas situações ocorreram com pessoas dominadas por um padrão de descontrole sexual. São os compulsivos sexuais. Vivem experiências que os outros desconhecem, pelo menos na mesma forma ou extensão. A vida que levam demonstra a presença de um mal que estamos apenas começando a compreender.

Vivemos cercados por sinais de compulsão sexual, mas evitamos encarar a realidade. Aceitamos pessoas que sofrem de alcoolismo ou podem se destruir com a compulsão pelo jogo e a alimentação, mas não admitimos os excessivamente sensuais, aqueles que fazem do sexo a sua razão de viver. Alguns reconhecem o problema claramente, mas evitam falar dele como se referem a outras dependências. Escolhem palavras como “hipersensual”, mas não hesitam em chamar de vício a compulsão do jogo. Por que existe tanta resistência em reconhecer os sinais evidentes da dependência sexual? A resposta reside no papel central que o sexo desempenha em nossas vidas.

1. 0 sexo é essencial. Ele é a chave para a sobrevivência de nossa espécie e alguns dos símbolos culturais mais ricos estão aliados ao significado e à beleza do sexo. As canções e a literatura demonstram que os melhores momentos dos seres humanos são ligados à sexualidade. O primeiro comentário sobre cada um já focaliza esse aspecto: É um Isto Não é Amor de Patrick Carnes, Ph. D. 11 menino! É uma menina! Nosso sexo – masculino ou feminino – é uma definição fundamental de quem somos e como viveremos.

2. O sexo é poderoso. A pessoa apaixonada é capaz de matar, trair e explorar os outros. O sexo vende produtos, de uma água de colônia a carros, jornais e programas de televisão. O sexo modifica nosso estado de ânimo e alivia tensões. Em casos como a enxaqueca ou a artrite, as pesquisas médicas demonstram que ele pode ser uma importante energia de cura. Mas essa energia é mais importante ao servir como força aglutinadora, mantendo nossos relacionamentos durante os momentos mais importantes e difíceis da vida.

3. O sexo é assustador. Estimativas americanas atuais sugerem que, entre cada dez homens, um comete estupro em algum encontro com mulheres; um milhão de americanas serão estupradas durante o ano, metade delas por conhecidos. Mais de quarenta milhões de americanos adultos sofreram abusos sexuais na infância. A cada dia, uma média de três mil adolescentes engravidam nos Estados Unidos. Nossos temores de excessos sexuais transparecem nos ensinamentos religiosos, na ação legislativa e nas normas militares, que expressam um código cultural, conjunto e não manifesto, que considera o sexo mau e sujo. A maioria dos adultos pode confirmar esse julgamento ao lembrar-se de mitos que ouviu na infância para evitar as brincadeiras sexuais. Nosso receio de excessos sexuais serve de triste contraponto às dúvidas e temores mais profundos sobre a adequação de nossa sexualidade. Por ironia, é claro, algumas das mesmas suposições baseadas no temor e enraizadas em nossa cultura instigam a ansiedade pelo desempenho sexual e a exploração do sexo.

Este livro sobre compulsão ou dependência sexual também focaliza o temor que o sexo inspira, seu poder e importância.

Entre os casos de pessoas que conseguiram obedecer a um programa de recuperação, encontramos questões dolorosas referentes à ordem pública, à prática religiosa e à vida familiar. Ficamos sabendo dos males causados por abusos de crianças, problemas familiares e dependências múltiplas. A dependência sexual pode ser o insight extra que precisávamos para ter uma visão mais completa da crise cultural: nossa cultura, que favorece a compulsão, torna-se sempre mais vulnerável a esse mal. E a compulsão sexual é das mais destrutivas. Para muitos, este livro será uma leitura dolorosa. Você pode reconhecer seus próprios padrões de comportamento ou os de parentes e amigos. Mas as histórias aqui reunidas darão uma esperança extraordinária. A jornada de recuperação começa quando é possível identificar as características comuns dos dependentes sexuais. Existem dez sinais, baseados em nossa pesquisa e na experiência clínica, que indicam a presença da compulsão sexual:

1. Um padrão de comportamento descontrolado.
2. Severas conseqüências ligadas ao comportamento sexual.
3. Incapacidade de autocontrole, apesar das conseqüências
adversas.
4. Busca persistente de autodestruição ou comportamento de
alto risco.
5. Ânsia constante ou esforço para conter o comportamento
sexual.
6. Obsessão sexual e fantasia como estratégia básica de
satisfação.
7. Aumento gradual das experiências sexuais porque o nível
de atividade passa a ser insuficiente.
8. Mudanças violentas de temperamento na atividade sexual.
9. Perda desordenada de tempo procurando, praticando ou se
refazendo de uma experiência sexual.
10. Negligência de importantes atividades sociais,
ocupacionais ou recreativas causada pelo comportamento
sexual.

Examinando em profundidade cada item. percebemos a anatomia da compulsão. Começamos a notar. também, como ela tem ficado obscurecida nas sombras da rejeição, da incompreensão e do preconceito.

1. PADRÃO DE COMPORTAMENTO SEXUAL DESORDENADO

De acordo com as aparências, Barb teve uma infância normal. Foi criada numa honrada família católica romana e freqüentou o catecismo com outras crianças. Ninguém percebia a violência e o abuso sexual existentes em sua vida familiar. A mãe, assistente social, comentava em casa tantos casos graves de abusos sexuais que as crianças achavam sua vida familiar bastante comum. O pai só rasgou a revista que usava para espancá-las quando o irmão mais velho foi hospitalizado, depois de uma surra violenta. Crescendo nesse ambiente familiar, Barb ficou com muitos sentimentos conflitantes.

Para ela, sexualidade e violência se confundiram desde cedo e quando estava no quarto grau, começou a obcecar-se com essas idéias enquanto se masturbava para dormir. A família de Barb, com esse clima de violência e sexualidade, estruturou as bases de seu padrão de comportamento. A masturbação compulsiva, que começou no curso primário, passou a basear um padrão sexual descontrolado pelo resto da vida. Quando Barb estava no segundo grau, um orientador notou sua tendência suicida motivada pelo ambiente doméstico. Providenciou a mudança para afastá-la da família e indicou-a a um psicoterapeuta. Infelizmente, esse profissional transformou-se em parte do problema. Ela declara:

Ele abusou de mim física e sexualmente. Acho, mesmo, que foi
quando apareceu a compulsão sexual. Eu saíra de casa e já não tinha
tantas restrições. Além disso, o terapeuta me seduzia e me feria,
machucando meus órgãos sexuais e meus seios enquanto falava coisas
explícitas e obscenas. Eu sabia que não era certo ter essas relações e
ele até me dizia para não ser ativa sexualmente, mas não deixava de
fazer aquilo comigo. Eu costumava chamá-lo, aflita, enquanto me
masturbava. Parte da compulsão sexual e amorosa começou nessa fase.

Infelizmente, uma das descobertas de nossa pesquisa foi que as mulheres compulsivas que procuram ajuda, freqüentemente sofrem abusos dos terapeutas. No caso de Barb, a situação complicou-se ainda mais quando ela se envolveu romanticamente com um amigo dele. Ela viveu com esse homem cerca de um ano, tendo um relacionamento muito destrutivo e obsessivo. Quando terminaram, a vida sexual de Barb passou a ser uma confusão de parceiros:

Eu fazia sexo com homens que mal conhecia. Algumas vezes cheguei a me encontrar com sete homens em vinte e quatro horas. Lembro-me de uma semana em que tive oito parceiros, inclusive dois ao mesmo tempo. Quando eram dois, um homem e uma mulher, eu também consumia cocaína, bebia muito e fumava maconha. No dia seguinte, quando passava o efeito das drogas e do prazer sexual, sentia-me vazia, arruinada e sombria por dentro.

Mas eu queria qualquer homem, não conseguia me controlar. Não importava que fosse velho, casado, ou até o maior amigo de algum amante. Aquilo fazia parte do meu modo de encarar as relações múltiplas. E eu continuava em atividade sexual até quando tinha infecções. Naquela vida, naturalmente, apanhei herpes. Acabei tendo relações com um sujeito que tentei evitar durante dois meses, temendo o contágio de herpes, porque não consegui me controlar.

A história de Barb define o primeiro grande sinal de compulsão sexual – o padrão de comportamento desregrado. A freqüência, extensão e duração desse comportamento geralmente excede a intenção da pessoa.

Os compulsivos podem até perceber que estão pondo a vida em perigo, mas persistem no mesmo padrão. Muitos de nós abusam da sexualidade durante certos períodos ou cometem enganos nessa área, mas pelo menos aprendem a ajustar o padrão sexual a níveis mais confortáveis ou seguros. Os compulsivos sexuais são incapazes de ajustar-se sozinhos e de modo constante.

Barb comenta, por exemplo, que tinha relações sexuais até quando não sabia que isso ia acontecer: “Eu me envolvia com alguém e antes de saber o que estava ocorrendo, acabávamos na cama. Nunca falávamos sobre o que isso significava, o que era – ou não era. Era como se ninguém soubesse que ia acontecer, mas acabava acontecendo”.

Os dependentes sexuais costumam ter ciclos de experiências desastrosas no amor, seguidas por fases de sexualidade exagerada, autodestrutiva e sem significado. Uma solução rápida é um novo romance, ou ainda melhor, vários deles. Algumas vezes o compulsivo sexual fica obcecado apenas por um ou dois indivíduos. São esses relacionamentos que o levam a desistir de tudo, inclusive do auto-respeito. A simples proximidade desses indivíduos passa a ser, para eles, uma carga exagerada de emoção. O dependente se preocupa porque não pode deixar de ver quem deseja e se desespera porque não há esperança nesse relacionamento.

2. SEVERAS CONSEQÜÊNCIAS LIGADAS AO COMPORTAMENTO SEXUAL

• Barb não foi a única a desesperar-se com as conseqüências da compulsão em sua vida. Em nossa pesquisa, encontramos inúmeros depoimentos de pessoas no mesmo caso, que causam danos a si mesmas e às outras:

• Muitos dependentes sexuais falam de experiências quase mortais causadas por acidentes, violência, situações de alto risco ou estupro.

• Os dependentes reconhecem que a AIDS talvez seja a complicação mais letal em seu caso.

• Muitos deles perderam um parceiro ou esposo (40 por cento) e a maioria teve graves problemas no casamento ou relacionamento amoroso (70 por cento).

• Alguns perderam o direito aos filhos (13 por cento) e outros foram obrigados a cortar laços familiares (8 por cento).

• As mulheres dependentes relataram profundas aflições ocasionadas por abortos (36 por cento) e gestações indesejáveis (42 por cento).

• Para a maioria, a dependência teve severas conseqüências financeiras (58 por cento).

• Alguns perderam a oportunidade de trabalhar na carreira escolhida (27 por cento).

• Muitos (79 por cento) informaram sérias perdas de produtividade no trabalho; 11 por cento foram rebaixados de cargo.

• Vários têm repetido o mesmo comportamento até chegarem à exaustão (59 por cento) ou mesmo aos ferimentos físicos (38 por cento).

• A maioria confirma o risco diário de contrair doenças venéreas (65 por cento).

• Do total, 58 por cento se arriscaram a ir para a prisão pelo modo de agir; 19 por cento foram realmente detidos.

A compulsão sexual de Barb a levou a arriscar-se com homens perigosos. Em três ocasiões, teve a vida ameaçada pelos parceiros com quem dormia. Um deles descreveu casos de desmembramento enquanto mantinha uma faca em sua garganta e duas semanas depois foi preso por assassinato em primeiro grau. Durante esses anos, Barb trabalhava compulsivamente, chegando a ter, às vezes, quatro ou cinco empregos ao mesmo tempo. Ela só encontrava alívio do trabalho nos homens e só conseguia evitá-los  trabalhando. Barb calcula que perdeu dez anos de vida enquanto ficou presa à compulsão sexual ou tentando controlá-la. Em certa ocasião, procurou um especialista para livrar-se do problema, mas ele achou que seu comportamento era normal e aconselhou-a a aceitar mais tranquilamente a própria sexualidade.

Finalmente, Barb chegou a um profundo desespero por causa das conseqüências que seu mal causava: “Percebi que não agüentaria viver mais um ano daquele jeito. Seria assassinada por alguém ou acabaria me matando. Não sabia qual era o problema, só sabia que não podia continuar daquele modo e precisava de ajuda.”

Tendências de suicídio, anos perdidos, situações de perigo, doenças transmissíveis pelo sexo – Barb sofreu muitas das conseqüências mais comuns da dependência sexual.

3. INCAPACIDADE DE AUTOCONTROLE, APESAR DAS CONSEQÜÊNCIAS ADVERSAS

Mark era médico e conhecia claramente o custo de seu comportamento, sabendo o quanto tinha a perder. Mas o poder da compulsão o vencia. Ele começou a masturbar-se obsessivamente aos cinco anos e aos dezesseis teve a primeira relação sexual com uma prostituta, como presente de um tio. Ao terminar o curso secundário, já se habituara a um tipo de promiscuidade muito nocivo.

Poucos anos mais tarde, Mark casou-se e a atividade sexual pareceu refreada durante algum tempo. Ele praticava sexo com a esposa uma ou duas vezes por dia e masturbava-se para abafar a compulsão. “Virei um masturbador obsessivo. Conhecia os banheiros de todos os lugares que freqüentava e me masturbava em qualquer canto.”

Esse padrão continuou até Mark- completar 31 anos e concluir o curso de especialização em psiquiatria. Nessa época, ele se converteu à religião e passou a ser um judeu ortodoxo. Ironicamente, ao intensificar-se o envolvimento religioso, aconteceu o mesmo com a dependência sexual e o alcoolismo. Nessa mesma fase, Mark descobriu a homossexualidade na ACM local. Passou a ser um jogger obsessivo, chegando a correr até quinze quilômetros por dia. Com as corridas e as experiências homossexuais, sua compulsão cresceu rapidamente.

Comecei a ter um amante depois do outro e às vezes tudo se complicava. Depois passei a aproveitar as oportunidades durante as corridas e nem precisava ir às áreas de caça homossexual. Eu levava os rapazes ao meu consultório no fim da tarde. Comecei a descobrir livrarias especializadas em pornografia e conhecia homens que se prostituíam. Quando não encontrava nenhum, ia a espetáculos pornô e contratava uma das garotas. O padrão se repetiu: um rapaz já não era suficiente, precisei de dois. Finalmente, queria duas mulheres ao mesmo tempo. Essa gente começou a ligar para minha casa exigindo dinheiro. Meu último amante deve ter custado uns 30 mil dólares. Eu não era um homem rico e minha dependência custou uma fortuna, fora o tempo perdido.
Eu passava horas perseguindo objetos de desejo em espetáculos pornô, procurando encontros, tentando levar minha mulher para a cama ou me masturbando. Perdi muito tempo e dinheiro com isso. Eu costumava entrar nos teatros pornô como se fosse invisível, em pleno dia, mesmo vivendo numa cidade relativamente pequena e praticando psiquiatria.

As complicações na vida de Mark se avolumaram. Os bancos o perseguiam e ele levava doenças para casa. Um de seus pacientes ouviu dizer que alguém o vira na Associação Cristã de Moços. Os Parceiros sexuais exigiam drogas. Ele frequentava as reuniões da Associação de Alcoólicos Anônimos para controlar o alcoolismo, mas o caos aumentou. Como outros dependentes sexuais, ele sabia que o desastre era iminente, mas não conseguia controlar-se.

4. BUSCA PERSISTENTE DE AUTODESTRUIÇÃO OU COMPORTAMENTO DE ALTO RISCO

A verdadeira meta do comportamento autodestrutivo, ou de alto risco, fica um passo além da incapacidade de conter-se apesar das conseqüências adversas. Praticar o sexo com alguém que sabidamente está com AIDS é um ato autodestrutivo. A insistência em comportamento de alto risco é, por si, um sintoma de desregramento.

Eis a história de Peter, um homossexual de 45 anos que vive em uma grande cidade do sudeste dos Estados Unidos. Ao se descrever, ele declarou que sentira essa “inclinação” durante a vida toda e que “fugia constantemente” de intimidades e de si mesmo. Tendo alcançado grande sucesso na carreira profissional, dedicou-se a ela cada vez mais, mas procurou compensar-se com sexo, álcool e drogas vendidas com receita médica. Dessas compensações, a prática sexual, anônima e violenta, foi a mais perigosa e o tem mantido em risco constante. Porém. do mesmo modo que Mark sentia-se “invisível”, Peter se achava invulnerável. Ele nos contou:

Eu me sentia imune a tudo. Era bem-sucedido em certas áreas, como provei com as minhas conquistas profissionais. Desenvolvi tanto meu ego que achava que podia me expor até a um perigo como a AIDS. Levando em conta as estatísticas e com tantas relações, devo ter me arriscado a contrair o vírus. Mas ainda não fiz o teste... Tentei parar com os encontros anônimos, mas não consegui. Não agüentava mais de três dias de cada vez. Achava que precisava da energia proporcionada pelo sexo para manter a vida em movimento. 

Mudando as circunstâncias, as palavras de Peter expressam as experiências de muitas pessoas. Os compulsivos sexuais sabem que correm perigo, mas procuram ignorar ou distorcer a realidade, chegando a perder contato com ela. Os especialistas em dependência dão a isso o nome de rejeição. Como resultado, o comportamento perigoso continua:

Em um recente workshop que dirigi, esse papel de rejeição e perigo foi vivenciado por um médico psicanalista muito inteligente e de reconhecida competência. Ele também é dependente sexual. Depois de submeter-se a dezoito meses de terapia, passou a ser membro ativo de uma associação anônima de recuperação e tinha um orientador. Porém, ele continuou a enfrentar situações de alto risco e não ousava confessar ao terapeuta, ao conselheiro ou ao seu grupo que não conseguia parar. Achava que sozinho seria capaz. Como tinha mentido, não podia admitir a própria desonestidade e continuava a se arriscar por orgulho.

No entanto, ao participar do workshop, ele notou a incongruência entre o que acreditava e seu comportamento. Ficou tão irritado que reagiu como qualquer dependente. porque sofria muito. Na segunda manhã do workshop, ele parou em um estacionamento a caminho do centro de conferências e praticou sexo oral com um homem que nunca tinha visto. Sabia do risco da AIDS e tentou diminuir o perigo de contágio induzindo o vômito enquanto dirigia, para livrar-se do esperma do parceiro. Ao vomitar, colidiu com um caminhão a duas quadras do local da reunião. Afinal, chegou traumatizado pelo acidente e desesperado com o que tinha feito. Era um homem instruído, conhecia todos os riscos e dispunha. além disso, de todos os tipos de apoio. No entanto, persistia.

5. ÂNSIA CONSTANTE OU ESFORÇO PARA CONTER O COMPORTAMENTO SEXUAL

Quase todos os compulsivos prometem a si mesmos que vão se controlar. Repetem que vão, parar “a partir daquele momento” ou depois “daquela vez”, mas isso nunca acontece.

O participante do workshop queria parar e procurou ajuda. Peter também tentava parar, mesmo que fosse só por três dias. Esses dois homens mostram uma característica comum a todos os dependentes sexuais: a ânsia constante ou esforço para controlar o comportamento sexual. Algumas vezes isso significa a tentativa de parar totalmente, outras apenas de diminuir a atividade. Mas quanto mais eles se esforçam para controlar o comportamento, mais o problema se agrava. As tentativas de parar se assemelham às dietas para emagrecer. As pessoas compelidas a tentar dietas constantes acabam passando fome e comem demais, engordando e voltando à luta interminável para controlar a alimentação.

Os compulsivos sexuais chegam a extremos semelhantes tentando limitar a atividade sexual. O exibicionista que compra um carro para não se expor como fazia antigamente, o negociante que desiste da meta perseguida há anos para não ver uma mulher que considera irresistível, a moça que entra na Marinha para obedecer a disciplina, todos são movidos pelo desejo de não enfrentar a dor e as conseqüências de sua compulsão. Mudam freqüentemente de cidade ou profissão no esforço de “começar vida nova”. Alguns procuram a religião na esperança de que seja uma ajuda para vencerem seus problemas. Porém, como os conselheiros pastorais que os apóiam já sabem, não se trata de uma meta espiritual. Essa busca religiosa serve apenas para amenizar a vergonha.

Seja qual for a estratégia, a maioria dos dependentes tenta controlar-se. Em nossa pesquisa, 71 por cento informaram períodos de “anorexia” sexual, em que os impulsos e o comportamento sexual foram fortemente controlados. Esses esforços, no entanto, simplesmente estimularam a dependência.

A história de Don e Kim mostra como dois parceiros tentam controlar o comportamento sexual compulsivo. Don tem 44 anos e é administrador do ambulatório de uma clínica para dependentes de drogas químicas no meio-oeste. Tendo sido vítima de incesto, conservou uma confusão essencial sobre nutrição e sexualidade. Ele também é dependente de drogas químicas, mas como acontece com tantas pessoas que têm mais de uma compulsão, a do sexo é mais forte. Ele comenta: “A relação sexual foi a maior descoberta de minha vida. Fiquei imediatamente preso à coisa. Era bem semelhante a uma experiência com droga, mas muito melhor do que as que eu já tinha tomado”.

A história do relacionamento de Don parece a letra de uma canção sertaneja, cheia de corações partidos. Logo depois de se envolver com alguém, apaixonava-se por outra pessoa. Finalmente casou-se, mas no décimo dia já estava pensando em novas amantes. Dois anos depois, ele mantinha um caso extra-conjugal e sofria com a situação, mas não conseguia sair dela. A esposa também tinha sido vítima de incesto e era filha de um alcoólatra. Dependendo muito do marido emocionalmente, vivia infeliz com o seu comportamento. O sexo também criava problemas em outras áreas:

Comecei a ter relações sexuais com pacientes da clínica. Isso realmente me incomodava e me deixava com muitos sentimentos de culpa. Prometi várias vezes que ia parar, mas não conseguia. Durante o primeiro casamento, comecei também a colecionar pornografia. Eu contava piadas de sexo e fazia comentários sobre o assunto em reuniões sociais, mesmo sabendo que não era apropriado. Vivia procurando o aspecto sexual em todas as situações. 

Finalmente, Don convenceu a mulher a manterem um casamento aberto, esperando resolver o problema. Mas a união chegou ao fim e ele sofreu muito quando separou-se das três filhas, de cinco, seis e oito anos de idade. Mesmo assim, continuou sua busca sexual.

Um dos últimos casos que ele teve enquanto estava casado foi com Kim que veio a ser sua segunda mulher. O padrão se repetiu e logo surgiram as fantasias. Dois anos depois, ele tinha relações com outras mulheres. Don costuma usar o termo “cerrar os punhos” para definir seu comportamento naquela época. Os alcoólatras costumam usá-lo para descrever a pessoa que não está bebendo, mas precisa fazer um enorme esforço para ficar longe da bebida. No caso de Don, significava também uma substituição: “Meu modo de cerrar os punhos era manter a atenção sexual no plano da fantasia, procurar pornografia e colecioná-la.”

Mas ele continuava a ter casos. Por fim, envolveu-se com uma paciente e foi despedido. Don e Kim decidiram mudar de cidade para começar vida nova, mas poucos dias depois da mudança ele tornou a envolver-se com uma mulher. Contudo, não era o único a se desesperar com aquele comportamento, encontrara em Kim uma parceira. Ela descreve sua frustração:

É como conviver com droga. Como se ele se drogasse todos os dias e eu vivesse procurando o suprimento para saber. Ou, no meu caso, procurava lenços de papel no lixo para confirmar que ele estava se masturbando. A gente faz todas essas loucuras. Uma vez, encontrei uma das mulheres que tinham relações com ele e perguntei: “O que está acontecendo?” Ela respondeu: “Quem, eu?” Vi, então, que a mudança não tinha adiantado nada. Eu pensava que tudo ia se resolver depois de mudarmos porque deixaríamos aquele tipo de relações na outra cidade. 

Finalmente, Don perdeu o pé no novo emprego. Uma das mulheres com quem se envolvera era colega de trabalho e outros dois funcionários o procuraram com perguntas sobre sua atividade sexual.

Esse é um dos grandes paradoxos da dependência: quando os compulsivos acreditam que podem refrear o padrão desregrado, acabam, em vez disso, reforçando-o. Só conseguem sair desses ciclos letais graças ao próprio esforço e à ajuda da família quando admitem que não são capazes de se controlar. Esse é um fato constante na dependência e será confirmado muitas vezes neste livro.

Don esclareceu que o momento crucial em seu caso foi quando desistiu de tentar controlar-se e admitiu que precisava de ajuda. Ele diz: “Aquilo me fez cair de joelhos. Senti-me humilhado, como se tivesse apanhado de alguém”. Kim confirma a importância de parar de tentar o controle impossível. “A coisa mais saudável que fiz a mim, mesma foi quando decidi que não procuraria mais a pornografia que ele escondia. Foi o primeiro passo para me afastar da dependência de Don”.

6. OBSESSÃO SEXUAL E FANTASIA COMO ESTRATÉGIA BÁSICA DE SATISFAÇÃO

A preocupação com o sexo se transforma numa “aplicação de analgésico” para o dependente sexual. A obsessão e a fantasia passam a ser uma estratégia básica de atuação. Planejar, calcular, imaginar e procurar a oportunidade é uma boa maneira de passar os dias. A compulsão sexual apresenta dificuldades especiais para o diagnóstico e o tratamento porque o paciente pode escapar de seu estado por meio, simplesmente, da obsessão e da fantasia. Os dependentes sexuais são capazes de passar dias em estado letárgico, durante a maior parte do tempo perdidos na obsessão. É um estado muito diferente do que a maioria das pessoas experimenta durante o estímulo sexual. Na vida diária, todos os seres humanos encontram pessoas atraentes e podem se excitar ou criar fantasias. O que diferencia a dependência é que o sexo se transforma no instrumento que regula a vida emocional. Os compulsivos ficam dependentes e o sexo deixa de ser uma escolha ou opção, transformando-se em um mecanismo de atuação ligado à sobrevivência. Sem o sexo, o mundo dele se desfaz.

A obsessão passa a ser o fator dominante ante no mundo do dependente. O comportamento é o foco da energia obsessiva. Os médicos usam o termo acting out, para designar como o compulsivo alivia a tensão e reduz a ansiedade exteriorizando suas fantasias sexuais. Acting out pode significar o início de um novo caso, masturbação compulsiva ou exibicionismo. O dependente procura um estado de euforia ou usa um enfoque sexual para obliterar temporariamente todos os problemas. Desse modo, acting out alivia a ansiedade. Mas a própria obsessão é um alívio para o sofrimento. Os dependentes descrevem como a preocupação sexual mantém um nível constante de excitação. De fato, quase todos concordam que dedicam a maior parte do tempo à dependência com obsessões e fantasias.

Muitos perguntam como o sexo pode se tornar um vício se nenhuma droga é ingerida. Na realidade, as drogas estão envolvidas, na forma de peptídios naturais como as endorfinas, que governam as interações eletroquímicas no cérebro. Esses peptídios são análogos à construção molecular de opiáceos como a morfina, mas muito mais poderosos. Sabemos que os ratos de laboratório viciados no uso da morfina ou da heroína são capazes de enfrentar a dor para obter mais droga. No entanto, quando os centros de prazer do cérebro são estimulados e liberam endorfinas, eles agüentam um sofrimento ainda maior.

Tem havido enorme progresso na compreensão da neuroquímica das dependências, inclusive a sexual. Mas a ciência apenas começa a compreender o sexo como um sedativo da dor. Por exemplo, a dor de cabeça é uma velha desculpa para evitar relações sexuais. Os pesquisadores, no entanto, descobriram que o sexo dá um grande alívio aos sintomas da enxaqueca. As pesquisas sobre artrite também demonstram que o sexo proporciona alívio às formas mais dolorosas da doença. Não é de admirar que os obsessivos sexuais usem linguagem médica ao descreverem seu mal, referindo-se ao sexo como “calmante” do sofrimento e da tensão. (No romance The Seduction of Peter S. (A Sedução de Pedro S.), a heroína oportunista descreve o sexo como o “Valium das mulheres que pensam”). Os dependentes usam a sexualidade como remédio para insônia, ansiedade, sofrimento e problemas familiares ou existenciais.

7. AUMENTO GRADUAL DAS EXPERIÊNCIAS SEXUAIS PORQUE O NÍVEL DE ATIVIDADE PASSA A SER INSUFICIENTE

Um sinal clássico da compulsão é o dependente necessitar quantidades crescentes de uma substância ou atividade para manter o mesmo nível de alívio emocional. Mark, por exemplo, tinha o comportamento compulsivo, tanto com homens ou mulheres. No entanto, é errônea a concepção de que os dependentes pioram em ritmo constante, numa espiral descendente. Como vimos, um obsessivo pode atravessar períodos de controle excessivo antes de voltar aos níveis anteriores ou ultrapassá-los.

A experiência de Steve ilustra esse padrão clássico:

Desde que me lembro, achava tudo disperso ou descentralizado. Durante anos, passei a procurar experiências sexuais que me fizessem esquecer essa falha ou a corrigisse. Quando saí de casa e entrei na Marinha, o hábito normal de me masturbar com pornografia leve transformou-se em mania de freqüentar livrarias especializadas, onde eu encontrava material mais forte. Comecei, também, a procurar prostitutas. Saí da Marinha esperando me livrar daquele tipo de vida, porque não me sentia bem.
Eu preferia gastar cinqüenta ou cem dólares com sexo do que comprar roupas decentes. Procurava racionalizar o problema agindo como se não me identificasse com nosso tipo de cultura materialista. Mas o fato é que eu realmente queria as roupas bonitas e não tinha dinheiro para comprá-las. E não sabia como parar de gastar com minha vida sexual. 

Steve casou-se quando estava com vinte e tantos anos, esperando que a união solucionasse seu problema. Depois de alguns meses, no entanto, a dependência pela pornografia e pela prostituição piorou. Quando nasceu o primeiro filho, seu comportamento entrou em nova espiral.

Depois, quando ia às livrarias especializadas, Steve procurava outros homens para ter relações. Ficou envergonhado com o novo comportamento e afastou-se emocionalmente da mulher e do filho pequeno. Em seu isolamento, começou a comer e a beber exageradamente “porque ainda era melhor do que enfrentar o sofrimento que a situação causava”. Também desenvolveu um ritmo alternado entre o controle rígido e o excesso de sexualidade. Quanto mais tentava refrear-se, mais exteriorizava suas fantasias. Ele comenta que “o medo e a raiva também influem na excitação e no alívio”. Quando se amedrontava, procurava manter o controle e quando se irritava, buscava o alívio sexual. O temor inspirava o controle rígido; a ira sustentava a sexualidade.

8. MUDANÇAS VIOLENTAS DE TEMPERAMENTO NA ATIVIDADE SEXUAL

O afastamento de Steve da família é um exemplo das violentas mudanças de temperamento causadas pela atividade sexual compulsiva. O novo comportamento o deixou cheio de vergonha e desprezo por si mesmo, passando a esconder da família o motivo do sofrimento. Ele começou a ter uma vida dupla e essa dicotomia foi-se aprofundando à medida que o comportamento piorava. Sendo algum tempo o dr. Jekill, um bom pai e marido decente, também ficava sujeito às caprichosas aparições do compulsivo sr. Hyde, voluntarioso e explorador.

A vida emocional do obsessivo é semelhante a uma montanha russa. Se ficar incapacitado de aliviar a dor com o sexo, cai no desespero. Depois de ter prometido parar, torna a se desesperar quando é novamente levado pela compulsão. Sendo obrigado a inventar novas mentiras ou vendo que as antigas foram descobertas, volta o desespero.

A vergonha comanda o comportamento do dependente sexual e também provoca a reação ao desregramento. Existem várias razões para esses sentimentos de vergonha:

Primeira, o dependente se envergonha porque outras pessoas são capazes de manter a sexualidade dentro de limites apropriados. Fica imaginando o que há de errado com ele, já que não consegue ser “normal”.

Segunda, os dependentes sexuais acreditam que não existem outras pessoas como eles. Acham que são os únicos a ter esse tipo de vida e a praticar excessos. Numa cultura que nega a realidade de seu problema, eles se desesperam porque acham que nunca voltarão a ficar “curados”.

Terceira, muitos dependentes receberam mensagens familiares sobre sexo na fase de crescimento e as consideram como evidências de que possuem algo errado. Alguns acreditam que não prestam simplesmente por sentirem a própria sexualidade. Vários receberam mensagens religiosas que reforçam sua auto-imagem sexual negativa. Muitos seguem a regra de que o sexo, para ser bom, precisa ser mau – aumentando a carga emocional de atividade “pecadora” ou “ilícita”.

As vítimas de incesto que sentem excitação durante o ato ficam duplamente envergonhadas. Vítimas de violências e abusos sexuais que sentem prazer aliado à dor e à vergonha, também ficam incapazes de distinguir o medo da excitação sexual. Os mesmos fatores que contribuem para o desespero tornam mais atraente o comportamento sexual, no sentido de que o proibido é melhor.

O ingrediente final para o desespero do dependente é a experiência do afastamento. Eles descrevem sintomas muitos semelhantes aos de um cocainômano. Os sintomas físicos – inclusive tonturas, dores no corpo, dor de cabeça e insônia – são muito comuns. Várias pessoas que conseguiram se recobrar do uso de drogas e da dependência sexual informam que esta foi a mais difícil. Elas concordam com a opinião de que os sintomas físicos iniciais são menos severos, mas o processo é mais prolongado e doloroso.

Portanto, os dependentes sexuais vivem em clima de tensão, tentando ultrapassar o sofrimento. Avançam mais e mais até sucumbir. Em nossa pesquisa 89 por cento informaram que se excederam até a exaustão emocional. Surgiram novas evidências sobre a força do desespero: 72 por cento dos que responderam chegaram a pensar no suicídio como uma saída para a compulsão e o sofrimento: 17 por cento tentaram se suicidar. Quando sentem-se isolados e diferentes dos outros, os dependentes perdem a esperança e se o sofrimento for muito grande, passam a achar o suicídio aceitável.

9. PERDA DESORDENADA DE TEMPO PROCURANDO, PRATICANDO OU SE REFAZENDO DE UMA EXPERIÊNCIA SEXUAL

Para os compulsivos, a obsessão sexual se transforma na base de organização da vida diária, o centro de tudo. As necessidades primárias da vida – roupas, alimentação, sono, trabalho – deixam de ter prioridade. A maior parte do tempo do obsessivo é dedicada à busca de uma relação, a praticar o sexo ou a recuperar-se. Quase todos os compulsivos consideram essa extraordinária perda de tempo um dos principais prejuízos de sua condição.

Barb e seus múltiplos relacionamentos, Mark com a prostituição e o sexo anônimo, Steve e as livrarias pornô, todos se queixam da perda de tempo e energia que poderiam ser empregados em outras coisas. Poucos foram mais eloqüentes que Peter, para quem a obsessão se transformou em estilo de vida:

Eu só pensava em me alimentar de vez em quando e o sono não importava mais. Saía correndo do trabalho na sexta-feira à tarde, trocava de roupa e arrumava uma valise com velhas calças jeans, camisetas e coisas assim. Pegava o carro e corria para a cidade. Entrava em uma sauna e ficava ali durante todo o fim-de-semana, chegando a dormir, no máximo, seis horas. Eu cochilava um pouco quando não havia muito movimento, entre as seis e as nove da manhã. Voltava para casa às seis na segunda-feira, com tempo apenas de tomar banho, fazer a barba, vestir-me e voltar ao trabalho. Todos os finais de semana eram iguais. Freqüentemente, eu não agüentava e voltava na terça ou na quinta-feira à noite. Era sempre a mesma correria. 

Outra grande perda de tempo é devida às conseqüência da compulsão. É preciso encobrir mentiras, acalmar amantes irritados ou explorados, providenciar dinheiro ou tratar de doenças. Esposas ultrajadas, delegacias, patrões desapontados, filhos negligenciados, tudo exige tempo. São necessários novos subterfúgios para evitar novas descobertas. Os dependentes ficam ainda mais esgotados com esses problemas – e tentam conter seu comportamento sexual.

10. NEGLIGÊNCIA DE IMPORTANTES ATIVIDADES SOCIAIS, OCUPACIONAIS OU RECREATIVAS CAUSADA PELO COMPORTAMENTO SEXUAL

Os amigos, a família, o trabalho e os passatempos passam para o segundo plano, subordinados à busca de sexo. Consideremos a pessoa que organiza viagens de negócios preocupada com encontros desse tipo, que contrata colaboradores pelo potencial sexual e não pela competência, que despreza as responsabilidades profissionais pelo sexo. Suas decisões deixam de se basear em outros tipos de julgamento para dar prioridade ao enfoque da sexualidade.

Em nenhum aspecto esse fato é mais evidente do que nas relações sociais do compulsivo. À medida que seu mal progride, ele só se dedica aos relacionamentos com potencial sexual. Passa a investir pouco ou nada nas relações que não são desse tipo e negligencia as que antes eram importantes. Os relacionamentos prolongados são geralmente tempestuosos e malsucedidos. Más freqüentes são as relações passageiras, tanto de caráter pessoal como profissional. Os obsessivos, pela atenção exagerada à sexualidade e pelo temor de intimidade, costumam abandonar as transações interpessoais antes de serem concluídas. Além disso, um comportamento típico é a procura de pessoas que satisfaçam suas carências, que sejam vulneráveis ou dependam deles. Finalmente, a qualidade da emoção é afetada. A vergonha provocada pela vida dupla impede que se exponham emocionalmente, em particular nos momentos mais críticos e significativos.

críticos e significativos. Para Rebecca, uma artista free lance e mãe solteira, o estado de suas relações evidenciou-se quando ela completou o tratamento de dependência às drogas químicas.

Nessa fase, a compulsão sexual de Rebecca intensificou-se de forma dramática. Referiu-se a ela como sua “obsessão central” e acredita que tenha simplesmente ficado mascarada, de varias formas, pela dependência química. Ela teve um relacionamento obsessivo com um homem chamado Gerry:

Ter relações com Gerry era o mais importava na vida. A compulsão de estar com ele sobrepujava tudo, inclusive os cuidados com minha filha, que era a pessoa mais importante para mim. O que eu queria fazer e o que eu fazia eram coisas diferentes... Ia até a casa dele para dizer que não agüentava mais seu comportamento, mas ficava enquanto houvesse a menor possibilidade de ter relações. Ele me dizia grosserias, mas eu continuava lá. Deixava-me envergonhada, mas eu ficava. Assustava-me com suas crueldades durante o ato sexual, mas eu não me afastava. 

Depois de terminar com Gerry, ela teve uma série de encontros que a deixaram vazia e solitária:

Quase sempre, logo que eu encontrava um homem surgia a atração. Começavam imediatamente os encontros. Se não estávamos fazendo sexo, falávamos nele, pensávamos ou fazíamos planos. A energia era baseada no sexo. Eu nem sabia quem eram esses homens e nem me preocupava em conhecê-los. Passava de um a outro e a outro, mentindo o tempo todo a mim mesma.

Para alguns dependentes, o temor de perder relacionamentos importantes é um catalisador para a mudança. Como muitos outros, Rebecca viu-se forçada a procurar ajuda para sua dependência por um acontecimento que envolveu uma pessoa querida. Ela descreve o que aconteceu:

Uma das coisas que me forçaram a decidir foi o bilhete que minha filha escreveu a um colega, no segundo grau, dizendo que queria fazer amor com ele. A professora me entregou e eu mostrei à minha psicanalista. Ela me disse “Por quanto tempo você pretende continuar passando à sua filha esse tipo de mensagem?” Foi o argumento decisivo. Procurei os Sexólatras Anônimos e tenho ido lá desde então... Os dois fatores importantes foram o bilhete de minha filha e a constante argumentação de minha analista. Certo dia, ela me disse que não estava certa se poderia continuar trabalhando comigo. Chegou o momento da conversão, porque eu não estava disposta a perder minha analista e nem minha filha.

Em função dos filhos, muitos adultos são capazes de assumir riscos enormes que não enfrentariam por ninguém mais, inclusive seus cônjuges. Os dependentes sexuais possuem um incentivo adicional porque ainda sofrem, geralmente, com os abusos e privações da infância. Rebecca não queria que a filha passasse pelo que ela sofrera na fase de crescimento, portanto arriscou-se a mudar. Ela agiu como muitos outros ao descobrir que a negligência dos aspectos mais importantes da vida – família, amigos. trabalho, talentos e valores – era um importante sinal de dependência.

COMO DEFINIR UM DEPENDENTE SEXUAL?

Nenhum sinal prova a presença da dependência sexual. Mas como estes casos nos mostram, geralmente aparece um conjunto desses sinais. Reunidos, formam um padrão que revela o mal latente. Às vezes, as pessoas dão atenção a um comportamento específico. Como diz um repórter, “Quantos casos você precisa ter para ser considerado um dependente sexual?” É o mesmo que perguntar quantos copos são necessários para alguém ser um alcoólatra ou quantas apostas para ser um jogador compulsivo. A resposta não está na quantidade e sim no padrão. Por exemplo, a bebida perde o caráter social, passando a ser um problema e depois uma dependência, quando o comportamento descontrolado se transforma na norma de vida do alcoólatra. O mesmo se aplica à compulsão sexual.

Existem barreiras importantes que nos impedem de perceber os sinais do sexo como uma dependência. Em nossa cultura, não se fala de sexo de uma maneira séria e direta sem fazer sensacionalismo, brincadeiras ou desacreditar o valor da discussão. Também existe o temor do que poderia acontecer se parte de nossa população se descontrolasse sexualmente. Talvez seja mais importante manter nossa persistente visão do sexo como se fosse sempre uma questão de autocontrole ou escolha. Nesse sentido, existe um conceito paralelo ao que se dava ao alcoolismo durante os anos 40 e 50. Nessa época, a dependência alcoólica era considerada um problema de caráter e não um mal que afligia milhões de pessoas. Agora sabemos que o alcoolismo é freqüentemente transmitido através de gerações. Nos casos seguintes também encontraremos exemplos de mais de uma geração com comportamento sexual desregrado e destrutivo.

Os clichês e estereótipos a respeito do sexo também afetam nossa aceitação da dependência sexual. A expectativa cultural de que “os meninos sejam homenzinhos” obscurece a obsessão sexual com as idéias populares sobre quem sabe conquistar e levar uma boa vida. Por contraste, as mulheres sexualmente dependentes comentam que um dos grandes obstáculos que elas encontram quando procuram ajuda é a descrença, porque as mulheres são encaradas como as guardiãs da moralidade e não devem ser inclinadas a excessos sexuais. Em tempos passados também se considerava a capacidade do homem de controlar a bebida como um sinal de virilidade. Muitos não queriam admitir que o álcool era um problema porque achavam que um homem não podia ter essa fraqueza. As mulheres, por outro lado, não deviam ter problemas desse tipo. Anos se passaram até as alcoólatras serem aceitas abertamente para tratamento no sistema nacional de saúde. Esses estereótipos culturais nos impedem de ver que as pessoas estão em desespero.

COMO PODE EXISTIR DEPENDÊNCIA SE NÃO HÁ DROGA ENVOLVIDA?

As pessoas perguntam como o sexo pode ser uma dependência, se não há envolvimento de drogas ou qualquer substância estranha ao corpo. Para os profissionais do ramo esse campo é familiar nas áreas da dependência ao jogo ou da alimentação compulsiva. Aprendemos que a obsessão pode existir em tudo que gera uma alteração importante no estado de ânimo, como o prazer de ingerir alimentos, o entusiasmo pelo jogo ou a excitação sexual da sedução. Um dos aspectos mais destrutivos da dependência sexual é o fato de cada um carregar dentro de si, literalmente, seu suprimento.

Ao focalizarmos produtos químicos externos, como o álcool, não damos importância aos efeitos das substâncias que nosso cérebro produz. Descobrimos que os jogadores compulsivos, por exemplo, possuem níveis anormalmente baixos de beta-endorfina. Como no caso dos alcoólatras, que sofrem deficiência de opiáceo, eles fabricam um estado de excitação para suprir essa deficiência. O uso prolongado altera a química cerebral desses indivíduos e surge a “necessidade” dessa excitação para que se sintam “normais”. Do mesmo modo, Harvey Milkman e Stanley Sunderwirth apresentam um resumo da pesquisa sobre sexualidade no livro Craving for Ecstasy: the Consciousness and Chemistry of Escape (Ânsia do Êxtase: A Percepção e a Química da Evasão):

Evidencia-se cada vez mais que o orgasmo não é tanto uma função do aparelho genital como do cérebro. Desde o século 16, é fato conhecido que a ingestão de ópio diminui a capacidade sexual e, em certos casos, gera a impotência. Os opiáceos ocupam os locais receptores de endorfina nos terminais presináticos dos neurônios no sistema nervoso central. Desse modo, os opiáceos imitam os efeitos analgésicos e eufóricos de nossas próprias endorfinas. A interferência é óbvia: as endorfinas (e o sistema límbico) precisam estar envolvidas de alguma forma no êxtase da atividade sexual e no orgasmo.
A relação entre as endorfinas e os orgasmos foi demonstrada por um grupo de neurocientistas ao mostrarem que o nível de endorfinas no sangue de cobaias se elevava de maneira marcante depois várias ejaculações. Essa descoberta explicou a conhecida diminuição da dordurante e após o sexo... O avanço de endorfinas para o sistema nervoso central também pode explicar a euforia costumeira que segue o orgasmo e a perda de interesse romântico logo após a relação sexual.

Além do prazer que o amor proporciona, ele causa uma espécie de intoxicação na fase inicial de atração. Dorothy Tennov descreve a busca dessa experiência como “limerance” (lime: visgo, enredar), o estado de alguém amorosamente compelido. Michael Liebowitz descreve a busca compulsiva dessa condição como “hysteroid dysphoria” (disforia esteróide), um padrão comum de intensos envolvimentos românticos repetidos. No livro de Leibowitz, the Chemistry of Love (A Química do Amor), ele sublinha a importância do peptídio feniletilamina, ou PEA, na atração romântica.

De acordo com Leibowitz, essa substância tem papel crítico na química do namoro. Sua estrutura molecular se iguala às anfetaminas e cria um estado de grande excitação. O efeito de PEA sobre o estado emocional é imediato, mas de curta duração. Seu intenso impacto se dilui quando o romance passa da fase inicial de “limerance” à fase da união amorosa prolongada. O impacto também pode ser afetado pelo contexto. Por exemplo, macacos que receberam injeções de concentrações de PEA demonstraram um aumento marcante da sexualidade e do erotismo, mas apenas na presença de outros macacos. Portanto, a ligação psicobiológica é crucial. O objeto da afeição precisa estar presente para que essa substância atue nos primatas.

Considerável evidência também tem indicado que o PEA e a excitação sexual são altamente afetados pela presença do medo, do risco e do perigo. Por exemplo, as medidas de concentrações de PEA alcançaram altos níveis quando ligadas a julgamentos de divórcio. As experiências sobre a atração demonstraram que o medo serve como importante incremento ao desejo. Outro exemplo foi um estudo em que vários estudantes foram entrevistados por uma bonita profissional. Os que receberam o aviso (falso) de que poderiam sofrer um choque elétrico, acharam a moça mais atraente que os que não foram avisados. Precisamos considerar dois contextos para termos uma perspectiva mais clara da pesquisa de PEA. Primeiro, essa é, provavelmente, uma das substâncias principais na química da sexualidade e do amor. Nosso conhecimento só nos permite trabalhar com cerca de sessenta das mais de trezentas substâncias envolvidas na química cerebral. Novas descobertas surgem quase diariamente na neurociência, mas ainda temos muito a aprender. Alguns especialistas, como Milkman e Sunderwirth, além de Leibowitz, calculam que as drogas que proporcionam o que se chama comumente de “Êxtase” ou “Amor”, possuem construções moleculares que poderão servir de modelo para expandir nosso conhecimento básico. Por enquanto, o isolamento de PEA é a única contribuição importante para prosseguirmos na busca de conhecimento.

O segundo contexto é que a pesquisa de PEA soma-se a outras que aliam o perigo ou o medo à compulsão. O esqui aquático, o assalto a lojas e o jogo proporcionam, igualmente, emoções de alto risco. Um trabalho pioneiro sobre a personalidade que se arrisca foi feito por Marvin Zuckerman, cuia pesquisa sobre a base biológica na procura de sensações amplia as que se realizam na neurociência da dependência. Ele enfatiza que muitos estudos demonstram a existência de baixos níveis de monoamina oxidase (MAO) como fator biológico na procura de alto risco; MAO é uma enzima que regula as neurotransmissões da excitação no cérebro. Na compulsão do jogo, já podemos ligar as alterações da química cerebral a diferentes níveis de risco. Talvez seja possível fazermos o mesmo no caso do sexo.

Algumas pessoas criam objeções ao estudo dos componentes químicos do amor e do sexo porque acham que essa análise tira sua magia. No entanto, lá são lugar comum as conversas sobre a neuroquímica. das reações do estresse. Muitos já conhecem o Tipo de Personalidade A: o indivíduo rígido, com uma meta a atingir e capaz de enfrentar altos riscos. Poucas pessoas teriam dificuldade para compreender o papel da adrenalina e seu impacto sobre o coração. Mas ainda relutamos em aceitar o mesmo tipo de análise do amor e da sexualidade. A realidade da neurociência existe. Passaremos todos a ser neuroquímicos, na medida em que a nova ciência nos ajudar a compreender nosso comportamento. A neuroquímica não invalida nada do que sabemos sobre a dependência. Ela simplesmente nos ajuda a compreender melhor os mecanismos que os dependentes descrevem há anos.

Em nossa pesquisa, os compulsivos se referiram repetidamente à sexualidade como uma droga potente. Mark, o médico descrito anteriormente neste capítulo, evidenciou esse fato quando lhe disseram que a masturbação era parte de seu problema. Ao saber que teria de parar de se masturbar, ele reagiu com energia: “É impossível! Não há nada de errado com isso! Sou médico, sei que não há nada de errado com a masturbação. Mas então compreendi que esse tinha sido o problema durante toda a minha vida. Era a minha droga. Daquele momento em diante, empreguei o sistema dos Alcoólicos Anônimos para controlá-la. Fui parando de me masturbar, um dia de cada vez, e quando consegui me livrar do hábito minha vida começou a melhorar”.

Mark logo percebeu que o sexo, em seu caso, agia como uma droga.

Um dia, quando entrei no hospital, encontrei duas pessoas que começaram a chorar porque alguém tinha morrido. Segui pelo corredor e de repente também caí no choro. Era um choro espontâneo. Acho que me masturbava muito quando era estudante para me entorpecer e não sofrer tanto. Quando meu pai morreu e depois meu irmão, procurei minha mulher imediatamente para ter relações, mesmo sendo contra a religião. Ela sabia que o ato sexual era única maneira de me acalmar.

Peter descreveu de modo similar a dor e a angústia que sentiu quando refreou seus excessos sexuais:

Lembro-me de muitas e muitas vezes, durante a fase de recuperação, em que eu caía na sala de meu apartamento, chorando e gritando como um animal ferido. Ficava batendo com o punho no carpete e pedindo ajuda. Geralmente queria meu orientador, mas também chamava outras pessoas. Quando atendiam o telefone, eu começava a gritar, descontrolado... Essas pessoas me amavam incondicionalmente. Depois que o torpor passava, eu sentia muitas coisas, como acontece com tanta gente. Ficava com raiva, furioso, até histérico às vezes... Compreendi que estava sofrendo porque a vida que eu levara até então ia acabar. Não poderia continuar fazendo as mesmas coisas para me anestesiar, como tentara com tanto desespero. Sofri muito nesse período.

Sugerir que a dependência só está ligada a substâncias externas ao corpo é repudiar a realidade do dependente sexual. Essa interpretação errônea também ignora um ramo da literatura cientifica que vem se expandindo rapidamente.

O SEXO E AS OUTRAS DEPENDÊNCIAS

Um caso comum é o do alcoólatra em fase de recuperação que sente um aumento acentuado da sexualidade. Possivelmente vai descobrir que desculpava os excessos sexuais anteriores como causados pela bebida. Contudo, ao parar de beber, o comportamento sexual continua igual e até se intensifica. Muitos indivíduos têm iniciado a recuperação da compulsão sexual seguindo antes um programa para abandonar a dependência de produtos químicos.

As pessoas que sofrem de duas dependências, como a química e a sexual, muitas vezes declaram um fato surpreendente: é mais fácil parar de usar drogas do que refrear a compulsão sexual. Eles apontam vários fatores para explicar esse fato. Primeiro, a dependência sexual é desenvolvida mais cedo. Como vimos, o sexo compulsivo pode começar na infância. Portanto, um dependente de trinta anos que passou a abusar de substâncias químicas aos dezessete, pode ter desenvolvido a compulsão sexual desde os cinco anos. Na realidade, em nossa pesquisa, muitos dependentes sexuais declararam que usavam produtos químicos para acalmar o sofrimento provocado pela sexualidade. Segundo, ao contrário do alcoólatra, que pode evitar o álcool, o dependente sexual carrega o suprimento em si mesmo. A recuperação mais lenta é parte do preço a ser pago por depender da química do próprio cérebro para alcançar a emoção desejada.

Por ironia, um dos fundadores dos Alcoólicos Anônimos esforçou-se claramente contra esse padrão: o respeitável Bill Wilson sofria muito com seu comportamento sexual. A autora Nan Robertson, vencedora do Prêmio Pulitzer, descreve o caso em detalhes no livro Getting Better: Inside Alcoholics Anonymous (Melhora: Entre os Alcoólicos Anônimos):

O casamento de Wilson com Lois Burnham, em 1918, durou até sua morte, em 1971, aos 75. Ela confiava nele e era carinhosa. No entanto, especialmente nas décadas em que não bebia e pertencia aos Alcoólicos Anônimos, anos 40, 50 e 60, Bill Wilson foi um compulsivo mulherengo. Seus namoros e adultérios o deixavam com sensação de culpa, mas era incapaz de parar, de acordo com os velhos amigos mais próximos. O último caso amoroso mais sério, com uma colega da sede da Alcoólicos Anônimos em Nova York, começou quando ele estava com mais de sessenta anos. Ela foi importante até o fim de sua vida. 

Existem pessoas tão rígidas a respeito do alcoolismo que não conseguem aceitar outras dependências além dele. A verdade trágica é que os padrões de recuperação de dependências múltiplas devem ter surgido desde o início das atividades dos alcoólatras anônimos. Essas dependências duplas também não se limitam ao sexo e aos produtos químicos. Anotamos uma série de desordens alimentares, atividade exagerada e outros comportamentos compulsivos. Em nossa pesquisa, menos de 17 por cento das respostas informaram apenas a compulsão sexual. As dependências duplas incluíam:

Essas dependências duplas também não se limitam ao sexo e aos produtos químicos. Anotamos uma série de desordens alimentares, atividade exagerada e outros comportamentos compulsivos. Em nossa pesquisa, menos de 17 por cento das respostas informaram apenas a compulsão sexual. As dependências duplas incluíam:

Dependência química     42 por cento
Desordem alimentar       38 por cento
Trabalho compulsivo      28 por cento
Gastos compulsivos         26 por cento
Jogo compulsivo                5 por cento

Para muitos dependentes sexuais, esses múltiplos aspectos de descontrole exacerbam seu sentimento de fraqueza.

Dois dependentes em recuperação, Kevin e Sue, foram inquiridos sobre as interações das compulsões. A pergunta foi: “Se um compulsivo sexual também é um alcoólatra, como ocorre a relação sexual, se sabemos que o álcool é um depressor que inibe esse ato?” Suas respostas claras confirmaram os achados de nossa pesquisa.

KEVIN: Entre nós, a maioria desenvolve a compulsão sexual desde cedo. No meu caso, comecei a me masturbar aos 8 anos. Bebi pela primeira vez aos dezesseis. Não usava a bebida apenas para me sentir bem, mas também para acalmar o medo e a dor causados pelo “pecado”, porque cresci numa família muito católica. Eu bebia o suficiente para me sentir bem, ter coragem de procurar parceiros e, ao mesmo tempo, remover as barreiras da “moralidade”. Mais tarde descobri que a anfetamina me animava a exteriorizar o que sentia e podia me entregar por várias horas à dependência sexual enquanto a bebida me impedia de pensar no que fazia. Eu também tinha compulsão de comer demais e fazer negócios, tentando me satisfazer através da alimentação, do
trabalho... ou de qualquer coisa que me desse a sensação de normalidade. 
Por causa das ameaças de minha mulher, procurei os AA e senti alívio no problema do álcool, mas parte de mim continuava de fora por causa da dependência secreta. Eu estava convencido que ela era causada pelo alcoolismo. Então, decidi que meu problema era comer demais e procurei ajuda para controlar a alimentação. A necessidade sexual diminuiu, mas voltou pior. Dessa vez fui obrigado a enfrentá-la sem o álcool ou a comida. Depois que me explicaram os princípios dos programas de 12 Passos, descobri que a dor causada pela dependência sexual estava me matando. Eu também sentia que aquilo era um “defeito de caráter”, como mostra o quarto passo dos Alcoólicos Anônimos. Finalmente, achei um programa de 12 Passos para a compulsão sexual. Soube, desde então, que minha dependência dupla por comida e sexo é um caso comum.
Eu procurava perder peso para ter um físico atraente e conseguir conquistas, mas depois comia demais e voltava a ter o aspecto que odiava. Não usava a comida apenas para me consolar, mas para ganhar peso e piorar minha aparência. Quando me cansava disso, repetia todo o ciclo novamente… ora era uma máquina de prazer, ora uma máquina de comer e vice-versa.

SUSAN: Eu fiz mais ou menos a mesma coisa, mas o problema era pior por ser mulher, porque a sociedade exige dela um corpo “perfeito” ainda que seja a guardiã da moralidade. Os homens gordos vivem mais facilmente e são considerados mais atraentes que as mulheres gordas. Nós somos mais sujeitas à bulimia que os homens, o que é um sinal importante de que sofremos abusos sexuais na infância e ficamos com compulsão sexual. Muitos estudos sobre as desordens alimentares nem tocam nesses assuntos. Também concordo com Kevin que, pelo menos para uma porcentagem dos dependentes sexuais, o uso do álcool, da cocaína e das anfetaminas estimula o prazer. Por que não aliar cocaína e sexo para a melhor sinergia do prazer sensual? Os que insistem que a farmacologia dessas drogas provoca efeito oposto não entendem de dependência sexual. Se o papel das dependências múltiplas não for compreendido, o -padrão da compulsão sexual provavelmente será ignorado.

A REJEIÇÃO DE UM MAL

Fim da amostra…


Tags: