Livro ‘Furacão Anitta’ por Leo Dias

Baixar PDF 'Furacão Anitta' por Leo Dias

Desde que deixou o Brasil inteiro babando com o Show das Poderosas, Anitta se tornou uma obsessão nacional. Seus clipes quebram a internet, jovens descolados copiam seu estilo e seus passos são seguidos por milhões de fãs, ávidos por qualquer informação a respeito desse furacão. Para matar essa curiosidade generalizada, Leo Dias, o mais famoso jornalista de celebridades do país, se debruçou sobre a história da menina nascida de uma família pobre, no subúrbio do Rio de Janeiro, que desde a infância sabia muito bem o que queria ser na vida. Está tudo lá: as aulas de piano com o avô, as brigas com os empresários, as tretas com outras cantoras, os amores e desamores, a fé, o futuro longe dos palcos. Leo mostra que nada na vida da cantora foi fruto da sorte ou do acaso. O resultado é um livro intenso e explosivo. Aliás, como a própria Anitta.

Páginas: 160 páginas; Editora: Agir; Edição: 1ª (20 de abril de 2019); ISBN-10: 8522001847; ISBN-13: 978-8522001842; ASIN: B07P26YL74

Leia trecho do livro

SUMÁRIO

Todo furacão tem um nome
A presença de Larissa
Furacões em rota de colisão
PRE-PA-RA
“Anitta é fruto de muito jabá.”
Meninas más
“Você precisa se livrar desse carma.”
Não é sorte, é fé
Muy amigas
Mais que amigos
Costurando o futuro
Eu vim pra ficar
“Sabe o Pelé?”
Agradecimentos

Toda biografia é um apanhado de histórias, um recorte nem definitivo nem mentiroso, apenas um ponto de vista entre tantos outros possíveis.

Leo Dias, um dos mais notáveis jornalistas de celebridades, em sua primeira biografia, Furacão Anitta, traz sua versão não autorizada da construção desse fenômeno nascido na Zona Norte do Rio de Janeiro. A história de uma garota chamada Larissa, estudante de escola pública, é um roteiro cheio de erros, acertos e, sobretudo, lutas e sonhos. Uma menina com uma capacidade imensa de abrir as portas que insistiam em se fechar diante de si.

Larissa é de Honório Gurgel; Anitta, seu alter ego, é do mundo.

Esta biografia costura as trajetórias da menina, da mulher e da artista. É uma história sobre realidade e fantasia, sobre desencontro e reencontro com a família e, acima de tudo, sobre uma fé inabalável na vida.

Larissa é vento; Anitta, furacão. Hoje, a essência já não existe mais sem a força.

Quando Leo Dias decidiu chamar este livro de Furacão Anitta, obviamente estabeleceu uma ligação com a primeira gravadora da cantora, a Furacão 2000, mas talvez o título seja ainda uma referência à força e à presença de Anitta nos palcos. Mal sabia ele dos muitos ventos que iria encontrar para formar esse furacão: polêmicas, controvérsias, amores, humores, rumores.

Uma pergunta se faz a cada instante da leitura: qual idade alguém deve ter para merecer uma biografia? Independentemente de idade, uma biografia pressupõe um caminho digno de ser contado — com tropeços, acertos e reviravoltas. Uma biografia deve ser feita quando alguém vai muito além do que o destino traçou. Quando alguém, mesmo com pouca idade, quebra recordes, parâmetros e tabus.

Esta biografia é um ponto de partida, uma fonte de inspiração para quem não tem medo de ir atrás de sonhos e de encarar desafios, uma narrativa sobre quem não se acomodou e ganhou o mundo.

Enquanto Leo Dias terminava sua versão, Anitta escrevia outros capítulos da própria história. Entre separações e novos encontros, a artista continua a se reinventar a cada instante. Esta é apenas uma versão, os primeiros capítulos…

Parece que, quando ela nasceu, um daqueles anjos que vivem à espreita disse: “Vai, malandra, inspirar muita gente na vida…”

Nenhum furacão passa despercebido. Ele sempre muda o que existia e impõe uma nova ordem.

Todo furacão tem um nome. Leiam, se informem e se inspirem com este FURACÃO ANITTA!


André Luis da Silva Junior
27 de janeiro de 2019

A vida na cidade de Guarabira, a 98 quilômetros de João Pessoa, na Paraíba, não era nada promissora para Pedro Júlio Macedo. Em 1964, aos 34 anos, sustentava a família como sapateiro de uma pequena fábrica do município. Um trabalho digno, que ele exercia com orgulho, mas também duro e sem muitas perspectivas de crescimento. Casado com Gloriete Macedo desde 1953, já era pai de sete filhos: Márcia, Marília, Ronni, Júlio, Marleide, Miriam e o recém-nascido Tiago. Todos criados com muito amor e pouco luxo.

A esposa até que tentava ajudar, mas as funções do lar ocupavam praticamente todo o seu tempo, impedindo que usasse suas habilidades de costureira para engordar o orçamento doméstico. Antes de conhecer Pedro, Gloriete era famosa na região pela exuberância dos vestidos de noiva que fazia. Depois, praticamente aposentou linha e agulha para cuidar do lar e da família. Com muito esforço conseguia pegar trabalhos pequenos, que não rendiam quase nada em termos financeiros. Era mais comum vê-la na máquina costurando roupas para os próprios filhos, já que o dinheiro era curto e não dava para vestir as crianças nos magazines da cidade.

Pedro Júlio, no entanto, não reclamava da vida que levavam. Pelo contrário. Forjado sob o sol escaldante do senão nordestino, estava acostumado às dificuldades impostas pelo mundo e simplesmente fazia o que era necessário para sobreviver.

Mas tinha sonhos. O maior deles talvez fosse a música. Nasceu com um dom especial e transformou essa vocação em paixão. Autodidata, tocava piano, clarinete e saxofone. Numa época em que o pernambucano Luiz Gonzaga já dominava o Brasil com seu baião cheio de dedos, Pedro Júlio acreditava que também tinha uma chance. Tanto que mantinha, a duras penas, uma discreta carreira artística nas noites de Guarabira. Tocava de tudo um pouco: forró, blues, salsa, bolero… Seu repertório era vasto — quase tão grande quanto sua ambição de viver de música. O dinheiro que ganhava nos bares não era suficiente para sustentar a família. Ajudava, claro. Mas expressar sua arte era muito mais do que um ganha-pão. Nem o cansaço da jornada dupla era capaz de estragar aquele prazer.

A realidade, no entanto, é uma exímia destruidora de sonhos. E ela obrigou Pedro Júlio a permanecer bem acordado, com os pés fincados no chão. Sustentar a família em Guarabira não estava nada fácil. A cidade, que na época tinha pouco mais de dez mil habitantes, não oferecia muitas alternativas para ele e, principalmente, para seus filhos. Pedro e Gloriete queriam dar mais oportunidades àquelas crianças. Era chegada a hora de tomar uma decisão radical. E a música, infelizmente, não Fazia parte dela. Como acontecia com tantos conterrâneos nordestinos naquela mesma época, a saída parecia ser a pequena rodoviária da cidade. Uma vida de retirante nunca esteve nos planos de Pedro, mas era a melhor opção naquele momento.

E assim foi.

Na cara e na coragem, ele embarcou sozinho rumo ao Rio de Janeiro para tentar fazer a vida no “Sul Maravilha” e, então, reunir novamente a família.

A experiência profissional ajudou, e Pedro conseguiu emprego em um curtume, como modelista de bolsas e sapatos, enterrando de vez o sonho de ser músico. Com os primeiros salários, alugou uma casinha humilde no subúrbio de Guadalupe e mandou o dinheiro para a mulher e os filhos seguirem o mesmo caminho. Naquela semana Gloriete embarcou num ônibus com seis crianças para uma viagem longa e trágica, que culminou na morte de Tiago, ainda bebê. Ele não resistiu aos percalços do trajeto, transformando os primeiros dias no Rio em um tempo de luto e dor. Naquele momento era impossível imaginar que, com um início tão triste, essa mudança daria início a um ciclo que viria a transformar por completo, e para melhor, a vida daquela família.

No Rio de Janeiro, as dificuldades se acumularam. Pedro e Gloriete tiveram mais três filhos: Tadeu, Margareth e Tarcísio. Mas o luto por Tiago nunca foi aplacado, pelo contrário. A dor da perda ficou ainda mais profunda naquela família com uma nova tragédia: ainda criança, Tadeu morreu afogado, deixando marcas permanentes em todos.

Mas, apesar da tristeza, a vida não podia parar. Com as despesas do lar cada vez mais altas, Pedro não tinha nem tempo para pensar em música. Durante um bom tempo, seus instrumentos ficaram guardados, fechados, silenciosos. Gloriete também precisou se desdobrar e, com a ajuda das filhas mais velhas, passou a se dedicar um pouco à costura, oferecendo seus serviços para a vizinhança.

E, apesar de dum, a vida na “cidade grande” começou a fluir. Voltar para Guarabira já não era uma possibilidade.

Na virada dos anos 1980, com os filhos crescendo e contribuindo para a renda da casa, a família Macedo começou a vislumbrar um futuro melhor. E o patriarca pôde se reencontrar com a música. Não de forma profissional, mas com a mesma paixão e alegria de sempre. Instrumentista talentoso, passou a tocar na igreja. Fazia tanto sucesso que era chamado para se apresentar em casamentos de amigos paroquianos. Mas isso era tudo. O sonho de sustentar a família com a música havia se perdido para sempre.

Pior. A genética parecia não ter contribuído para a perpetuação de seu dom. Nenhum de seus filhos parecia ter vocação para a música. Um desperdício…

Pedro Júlio já estava com quase setenta anos quando finalmente entendeu que, às vezes, a vida segue caminhos tortos e torturantes até finalmente chegar a um destino há muito desejado.

Essa compreensão chegou no dia em que ouviu sua neta Larissa cantar pela primeira vez.

Larissa de Macedo Machado nasceu no dia 30 de março de 1993, na Clínica Rio de Janeiro, no Valqueire, bairro na Zona Oeste carioca. O parto aconteceu às 22h45, quase 17 horas depois de sua mãe, Miriam de Macedo Machado, a sexta filha de Pedro Júlio e Gloriete, dar entrada na maternidade. As dores das contrações haviam começado duas semanas antes. Insuportáveis. Daquele tipo que deixam as grávidas acordadas a noite inteira, sem conseguir fazer nada além de buscar alguma posição que alivie o sofrimento. Mas Miriam segurou a onda. Planejava um parto normal. Seu filho mais velho, Renan, havia nascido assim, três anos antes. Não deu. Acabou implorando por uma cesárea.

Mauro Machado, marido de Miriam, não acompanhou o nascimento da filha. Como em muitos momentos importantes, antes e depois daquele parto, estava ausente, viajando a trabalho.

A vida definitivamente não estava nada fácil.

Miriam e Mauro se conheceram no início dos anos 1980, quando a família dela se mudou de Guadalupe para o bairro vizinho de Honório Gurgel.

O rapaz, que era vendedor de baterias de carro, já morava na tranquila rua Dom Francisco de Campos quando a família Macedo chegou por lá e se encantou com a moça. Miriam logo notou o interesse de Mauro e o romance não tardou a acontecer. O que demorou mesmo foi o casamento: dez anos se passaram até que a filha de Pedro Júlio e Gloriete deixasse de ser uma single lady. O casal foi morar num puxadinho construído no terreno dos pais de Mauro. Uma casinha simples, apertada. Só uma cozinha americana com uma pequena bancada, um banheiro, um quarto e uma varanda. Nem sala havia. Mas era tudo o que eles podiam bancar. Na época, Miriam recebia um salário mínimo e meio com a venda de artesanato para a Mundial Artefactos e o marido não tinha salário fixo, pois dependia do volume de vendas de cada mês.

Um ano depois do casamento, nasceu Renan. Quem escolheu o nome foi Miriam, em homenagem ao jogador de vôlei galá que fazia muito sucesso nas quadras — e mais ainda fora delas. Uma gravidez planejada, mas que, claro, afetou as economias do lar, exigindo que Mauro aumentasse seus esforços como vendedor. Mas o único dinheiro fixo que entrava na conta da família continuava vindo do trabalho de Miriam como artesã.

Mas…

Quando o pequeno Renan completou dois anos, a Mundial Artefactos faliu de uma hora para outra. A situação apertou, e Miriam começou a procurar um novo emprego. O problema é que não queria deixar Renan em uma creche. Até então, como fazia home offlice, ela podia cuidar do filho. Trabalhar fora seria um transtorno.

Agora, nada é tão ruim que não possa piorar. No meio dessa confusão toda, Miriam descobriu que estava esperando outro bebê. Ela ficou apavorada com a notícia. Não era uma gravidez planejada. Até porque, definitivamente, estava chegando no pior momento financeiro daquela família. Chegou a ouvir de algumas pessoas que talvez fosse o caso de fazer um aborto. Mas rechaçou imediatamente tal sugestão. Além de ser muito católica, o amor pela vida que crescia dentro dela já era imenso.

A questão era que a família não tinha condições de sustentar mais uma criança. E, se Miriam já tinha receio de arrumar um trabalho fora, a gravidez jogou por terra qualquer possibilidade real de um emprego desse tipo. Precisava se virar. Herdeira das habilidades manuais do pai sapateiro e da mãe costureira, Miriam conseguiu uma máquina de costura e, com duas irmãs, montou uma espécie de cooperativa na varanda de casa, oferecendo seus serviços para a vizinhança. Mauro, por sua vez, passava cada vez mais tempo fora. Sua principal clientela no negócio de bateria para carros estava na Região dos Lagos, e ele ficava dias e dias em São Pedro da Aldeia, balneário a duas horas e meia do Rio.

Aos três meses de gestação, uma notícia maravilhosa. Miriam estava grávida de uma menina, seu grande sonho. Letícia seria muito bem-vinda. Sim, Letícia. Miriam queria esse nome, mas, como ela já tinha batizado o primogênito, Mauro reivindicou o direito de escolher como se chamaria a filha. E ele escolheu Larissa.

O enxoval foi praticamente todo feito em família, com a preciosa ajuda de Gloriete e Pedro Júlio, que continuavam morando na mesma rua de Miriam — ela ainda costurando e ele já aposentado.

Larissa já tinha dado provas de que seria uma criança geniosa. Depois de relutar por duas semanas para nascer e obrigar a mãe a implorar por uma cesárea, a menina continuou mostrando sua força.

Deu um trabalhão para mamar, não queria largar a chupeta por nada nesse mundo e começou a falar antes de completar um ano. Também andou cedo e, com um ano e oito meses, já demonstrava uma autonomia surpreendente. Certo dia, aproveitou a porta aberta, pegou uma mochila e seguiu o irmão até a escolinha, que ficava em frente à casa deles. Foi um susto e tanto. Já dava para perceber que era uma criança ágil e precoce. Dizem que ela herdou do pai a desenvoltura e da mãe, o foco.

Ao perceber que Larissa já era tão desenvolvida, a diretora da escolinha sugeriu a Miriam que matriculasse a filha na creche. Quer dizer, tipo creche. Era uma casa na vizinhança com o muro pintado de temas infantis chamada Planeta Doce, onde um grupo de cuidadoras tomava conta das crianças.

Enquanto Miriam se virava nos trinta para conciliar o trabalho na cooperativa de costura com a rotina das crianças, Mauro passava cada vez mais tempo em São Pedro da Aldeia. O casal começava a se distanciar.

Desde a gravidez, aliás, Miriam se ressentia de alguns sumiços mais longos de Mauro. Ela nunca aceitou bem a ausência dele durante o parto de Larissa. E aquela história de Região dos Lagos já estava começando a ficar estranha…

No Carnaval de 1995, decidiu botar Renan e Larissa num ônibus e seguir para São Pedro da Aldeia. Mauro não gostou muito da ideia. No sábado tinha baile no clube, e ele disse que iria sozinho, já que Miriam tinha que ficar com as crianças. Desconfiada, ela pediu a uma amiga para olhar Renan e Larissa e partiu atrás do marido.

Que decepção…

Mauro estava atracado com outra mulher, com o corpo suado, cheio de confete, serpentina e purpurina, curtindo o Carnaval como se não houvesse amanhã. Pior: toda a família do marido estava no clube, vendo aquela cena com a maior naturalidade.

O chão se abriu. O sonho acabou. Miriam nunca percebera o jeito mulherengo de Mauro, nem quando namoravam.

Muito correta, ela não queria mais ficar casada. Mauro insistiu muito, mas não teve jeito. Renan sofreu muito com a separação. Miriam também. Náo tinha sido criada para aquilo e não aceitava traição. De forma seca e direta, resumiu a situação: ele não tinha o direito de tirá-la da casa dos pais para tratá-la daquela forma. E por mais de um ano sequer olhou na cara do ex-marido.

Mauro se mudou de vez para São Pedro da Aldeia e via os filhos a cada 15 dias. Não havia uma pensão formal, apenas uma divisão de custos que ele suava para pagar. Assim, aos 35 anos, Miriam se tornou mãe solteira. Cuidava de absolutamente tudo. Não há sequer um registro da presença de Mauro nas escolas em que Renan e Larissa estudaram, por exemplo. Pedro e Gloriete ajudavam da maneira que era possível, mas Miriam tinha sangue nordestino e, acima de tudo, o exemplo dos próprios pais, que abandonaram seus sonhos e lutaram como puderam para criar os filhos.

Depois da separação, Miriam nunca mais se envolveu com ninguém. Já Mauro… Ela até chegou a gostar de uma das namoradas do ex-marido, que tratava as crianças com carinho. Confiava de verdade na moça, que assumiu a responsabilidade de cuidar de Renan e Larissa sempre que eles estavam com o pai. Os dois, inclusive, a tratavam como uma segunda mãe. Mas, no que dependesse de Miriam, os filhos não iriam nunca mais para São Pedro da Aldeia. Ela sabia que, naquela época, Mauro dava pouca atenção a eles e que, na maior parte do tempo, os meninos ficavam sob os cuidados da namorada dele.

A ausência do pai foi muito mais sentida por Renan do que por Larissa. O mais velho chorava frequentemente de saudade de Mauro. Para consolar o filho, Miriam dizia que ele estava trabalhando. Não se sentia confortável de contar abertamente a verdade ao menino.

A matriarca evita falar da traição para os filhos, mas desde sempre disse para Larissa que a garota tinha que ter “certeza absoluta” na hora de escolher o pai dos filhos. Até hoje, passados mais de vinte anos, Miriam não gosta de lembrar como foi enganada, que se matava para cuidar da família enquanto Mauro curtia a vida. Ela guarda tudo isso calada.

Com quatro anos, Larissa foi para a escola Patinha Prosa, também em Honório Gurgel. Um pouco maior do que a Planeta Doce, tinha um projeto pedagógico mais bem-definido. Por isso, a diretora não quis aceitá-la, alegando que a menina ainda era muito novinha. Minam pediu para que fizessem um teste, pois sabia que a filha era esperta demais.

Dito e feito: a pequena arrasou e foi matriculada. De lá, Larissa foi com Renan para o Colégio Américo de Oliveira, em Marechal Hermes — urna escola particular. Quem pagava as mensalidades era Mauro. Detalhe: sempre atrasado.

Chegar ao colégio não era fácil. A aula começava às 7h15, mas os irmãos saíam de casa ainda no escuro e andavam até o ponto para pegar o ônibus da linha 650 ou uma van. O custo das passagens, no entanto, obrigou Minam a mudar os filhos de escola. Eles foram para o Colégio São Sebastião, bem mais perto. Dava para ir a pé. Mas a situação financeira da família só piorava, e a solução parecia ser transferir os meninos para um colégio público.

Foi quando Larissa deu a primeira prova de que estava destinada a conquistar o que quisesse por meio da arte.

Mais ou menos nessa mesma época, aliás, a menina já demonstrava ter herdado o dom do avô Pedro Júlio: ela cantava muito bem. Tinha uma voz firme, afinada, muito bonita. E ele não se aguentava de orgulho. Levava Larissa à igreja, aos domingos, para que ela se apresentasse enquanto ele tocava órgão ou violão. Depois de tantos anos, a música finalmente voltava a fazer sentido na vida daquele homem. Era a realização tardia de um sonho, o vislumbre de um futuro que ele havia planejado para si, mas que poderia ser concretizado pela neta.

Mas voltemos ao momento em que o dinheiro ficou curto demais e Miriam planejava tirar os filhos do Colégio São Sebastião.

Larissa gostava muito da escola e não queria sair de lá. Por isso, ficou empolgada quando a direção anunciou um tal de Concurso da Primavera, que daria como prêmio 50% de desconto nas mensalidades do ano seguinte. Seria uma competição entre os alunos para escolher a melhor roupa feita com material reciclado. A menina chegou em casa contando a novidade e garantindo para a mãe que ganharia. Ela tinha sete anos. Miriam não sabia de onde vinha tamanha certeza da vitória.

Apesar de muito nova, Larissa confiava no talento de costureira da mãe. A habilidade manual herdada de Pedro Júlio e Gloriete sustentava aquela família. E a menina sabia que uma roupa feita por Minam tinha chances reais de vencer qualquer concurso. Além disso, havia a autoconfiança já desenvolvida pelas apresentações na igreja, ao lado do avô. Ou seja: Larissa se sentia imbatível.

Os dias que antecederam o evento foram de muito nervosismo para mãe e filha. Miriam desenhou um figurino; reuniu copos descartáveis e anéis de latas de alumínio.

Era chegada a hora de ir para a máquina.

Vendo aquilo tudo, Larissa transbordava angústia. Seus olhos tensos e ansiosos acompanhavam o movimento hipnotizante das mãos da mãe, que, com a segurança e a habilidade de quem passou a vida se virando do jeito que dava para garantir oportunidades à família, manejava linha e agulha na velha máquina de costura. A apresentação estava chegando. Um palco estava à espera de Larissa. Um palco no qual ela iria subir pela primeira vez, realizando um sonho que a acompanhava desde sempre. Miriam sabia disso e, mesmo nervosa, procurava manter uma postura serena. Não queria deixar a filha insegura. Não naquele momento, tão perto da concretização de um desejo tão importante. No fundo, Miriam não achava que o sonho da filha de ser artista fosse dar em alguma coisa. Mas apoiava mesmo assim.

O figurino finalmente ficou pronto. Larissa achou maravilhoso, mas Miriam estava reticente. Nunca havia costurado nada parecido com aquilo. Por baixo da roupa de copos plásticos e anéis de alumínio, a menina usava um maiô que ajudaria a esconder a barriguinha saliente. A mãe, aliás, recomendou repetidas vezes que a filha murchasse a barriga, pois ela sempre foi “pançuda”.

O grande dia chegou. A apresentação seria no pátio do colégio. Quando Miriam viu as outras fantasias, desanimou. Todas eram melhores. Algumas pareciam profissionais, feitas por carnavalescos do Grupo Especial. Mas o diferencial de Larissa era a postura. Sempre altiva, desfilou como se já estivesse carregando a faixa de campeã.

Após a apresentação, todas as crianças trocaram de roupa. Todas menos uma: Larissa. Ela insistiu em permanecer com o figurino produzido pela mãe. Estava tão certa da vitória que ficou sentada na escada do palco, pronta para subir. Miriam pedia a ela para sair dali. Não podia admitir, mas estava envergonhada e com medo de a filha sofrer uma decepção enorme. A certeza da derrota era tanta que nem a máquina fotográfica ela pegou na hora do anúncio dos vencedores.

Quando o diretor começou a anunciar a lista dos primeiros colocados, ficou ainda mais claro para Miriam que o sonho da filha não iria se realizar. Ela não estava na quinta posição, nem na quarta, nem na terceira. Se Larissa estava preocupada, não demonstrava. O fato de não ter ouvido seu nome ser chamado até aquele momento só significava uma coisa para ela: o título.

O diretor então chamou a vice-campeã do Concurso da Primavera, e Miriam começou a caminhar na direção de Larissa, já pensando no que dizer para consolar a menina.

No meio do caminho, estacou, atingida pela voz que saía das caixas de som anunciando o nome da grande vencedora: Larissa de Macedo Machado.

A menina explodiu de alegria e subiu correndo ao palco para ser coroada. Lá de cima, a primeira coisa que fez foi procurar a mãe no pátio. E foi fácil encontrar: Miriam era a mais emocionada naquela plateia. Tanto que nem tentava mais controlar as lágrimas. Ali, ela percebeu que havia algo realmente especial na filha, só não podia imaginar o quanto.


O prêmio foi muito bem utilizado, permitindo que Larissa e Renan ficassem mais um ano no Colégio São Sebastião.

Mas, sem a ajuda de Mauro, era impossível manter os dois num colégio particular por muito mais tempo. Miriam pesquisou muito e escolheu a Escola Municipal Itália, em Rocha Miranda, bairro colado a Honório Gurgel. O problema é que nada chegava com facilidade para aquela família. Premiada pela Prefeitura do Rio pela excelência do ensino, a unidade era referência na região. E, claro, não havia vagas disponíveis, obrigando Miriam a tomar medidas drásticas: pegou os filhos pela mão e baixou no gabinete da vereadora Rosa Fernandes para pedir ajuda. Disse que não podia deixar os filhos sem estudar e precisava de duas vagas na Escola Municipal Itália, uma para sétima série e outra para a quinta. Foi tão incisiva que saiu de lá com os filhos matriculados.

Mas Miriam queria mais. Estava na hora de brigar para valer pelo futuro de seus filhos. Bateu de frente com Mauro e obrigou o ex-marido a pagar um curso de inglês para Renan e Larissa. Matriculou os dois no Fisk e achou que tudo estava resolvido. Coitada. Todos os meses recebia recados do curso dizendo que os cheques usados para pagar as mensalidades estavam sem fundo. E lá ia ela resolver mais esse problema.

Para Renan, ir ao curso de inglês era um suplício. Larissa até reclamava, mas ia. Ela estudou por cinco anos no Fisk, tirando notas altíssimas, e foi até chamada para ser monitora. Na Escola Itália náo era diferente: ótima aluna, estava sempre com o boletim pintado de azul. Seu desempenho chamou a atenção da diretora Marta Martins, que convidou a menina para fazer parte do Pelotão da Bandeira, um grupo de elite da escola, formado pelos melhores estudantes. Mesmo tendo que frequentar o colégio fora do horário das aulas, ensaiar e participar de desfiles, Larissa não reclamava. Curtia aquilo de verdade.

Na sala de aula, era referência para os colegas. Como só tirava MB (Muito Bom) ou O (Ótimo), vivia sendo chamada para ajudar quem tinha dúvidas ou dificuldades. E quem se sentava perto de Larissa nos dias de prova sempre dava aquela velha esticadinha de olho para conferir as respostas dela.

Para os professores e a direção da Escola Itália, o que realmente chamava a atenção eram o foco e a determinação de Larissa. Ela já mostrava visão de futuro e, principalmente, era uma líder nata.

Essas características já eram conhecidas de Miriam e de toda a família. Aos 15 anos, por exemplo, Larissa disse que não queria festa de debutante. Preferia outro presente. Algo bem estranho. Ela pediu à mãe… uma sala.

A casa era algo que a incomodava bastante. Rolava uma certa vergonha. Não gostava de levar amigas para lá, pois o único cômodo da residência era o quarto. Então, as visitas tinham que se sentar na cama dela ou na da mãe. Miriam tinha conseguido juntar um dinheiro para dar uma festa, mas atendeu ao pedido da filha e fez a obra, transformando a varanda numa saleta.

Nessa época, Larissa já estava no Instituto de Educação da Faetec, na Tijuca, cursando o Ensino Médio em Técnico de Administração de Empresas. Mais uma vez, era o destaque da turma. Só notas boas. Foi lá que aprendeu conceitos fundamentais sobre gestão, finanças e estratégia. E compreendeu que poderia usar aquilo tudo em sua própria vida.

Mas Larissa também tinha um pezinho na turma do fundão, aquela que adora uma bagunça. Era a mais popular da escola, daquele tipo que desperta amores e ódios justamente por causa disso. Vivia colada com Thais Bendicto. As duas moravam longe do colégio e tinham que pegar o metrô quase sempre antes de o sol nascer. Iam cantando pagode nas alturas e chegavam à escola com um pique que nenhum outro colega de turma conseguia acompanhar. Muitos, inclusive, faziam cara feia. As outras meninas, então, nem se fala. Não pela zona que elas aprontavam, mas por ciúmes, mesmo. Larissa ganhou corpo muito cedo. Peitão, bundão. E ainda tinha atitude, sempre confiante. Para completar, era engraçada, brincalhona. Tudo chamativo demais. Os garotos babavam, mas as garotas espumavam de raiva. Ela até tinha uns contatinhos, especialmente entre os meninos mais velhos, mas o maior crush de Larissa na Faetec foi um professor de química. Paixonite aguda mesmo. Às vezes, ela passava do limite. Quando ele entrava em sala, ela costumava falar em alto e bom som: “Ah, professor, queria tanto namorar com você.” Ele, claro, ficava visivelmente sem graça e não dava moral para a garota.

Muito extrovertida, não era daquelas que escondem os sentimentos. Sempre corria atrás do que queria. Por que não iria fazer o mesmo quando o assunto eram os homens? Certa vez, no metrô, Larissa avistou um rapaz muito bonito. Quando percebeu que ele ia sair do vagão, rapidamente anotou seu telefone num pedaço de papel e o entregou ao garoto, dizendo: “Colega, você deixou isso cair no chão.” O menino pegou, riu e guardou no bolso. Trocaram umas mensagens, mas a história não evoluiu. O curioso é que, tempos depois, voltaram a se encontrar num baile no Olimpo, uma famosa casa de shows do subúrbio carioca. O garoto deu em cima de Larissa durante horas, sem se tocar que ela era a menina do bilhetinho do metrô. Já ela, que tem uma ótima memória fotográfica, se lembrava de tudo e se divertia com a situação.

Se a paquera não evoluiu, o mesmo não se pode dizer da veia artística de Larissa. Desde que o avô Pedro Júlio percebeu sua vocação para a música, a menina nunca mais deixou de cantar, dançar e fazer apresentações caseiras. Nas festinhas da escola, já estava ficando famosa. Sempre que tinha um karaokê, pegava o microfone e não soltava mais. Ninguém reclamava.

Mas não era apenas isso. Os conceitos de administração que estava aprendendo na Faetec já começavam a despertar em Larissa um tino comercial incrível. Sua primeira experiência nesse campo foi na própria escola. O Instituto de Educação tinha uma rádio interna, que entrava no ar na hora do almoço. Mas a programação era um saco. Leitura de poesia, uns informes desimportantes e só. Nada de música, zero animação. Larissa então criou seu próprio programa, batizado de Os Embalos da Hora do Almoço, em homenagem ao filme Os embalos de sábado à noite, um dos favoritos de sua mãe. Conhecia muito bem o público-alvo — seus próprios amigos, adolescentes como ela, cheios de energia, hormônios e alegria. Atacando de DJ, botou o pancadão pra tocar e virou sucesso imediato.

Curioso é que Larissa já falava que queria ser famosa, mas não pensava em cantar. Para a família e os amigos, não cansava de repetir que ainda iria aparecer na televisão, no Faustão. Pelas costas, os desafetos zoavam dizendo que seria nas videocassetadas. O fato é que o desejo de ser artista estava cada vez mais forte.


Tags: , ,