Livro ‘Fique comigo’ por Ayobami Adebayo

Livro 'Fique comigo' por Ayobami Adebayo
Finalista do Baileys Women’s Prize for Fiction, este romance de estreia inesquecível ambientado na Nigéria dá voz a marido e esposa enquanto eles contam a história de seu casamento ― e as forças que ameaçam destruí-lo. Yejide e Akin se apaixonaram na faculdade e logo se casaram. Apesar de muitos terem esperado que Akin tivesse várias esposas, ele e Yejide sempre concordaram que o marido não seria poligâmico. Porém, após quatro anos de casamento ― e de se consultar com médicos especialistas em fertilidade e curandeiros, tomar chás estranhos e buscar outras curas improváveis ―, Yejide não consegue engravidar. Ela está certa de que ainda há tempo...
Editora : HarperCollins; 1ª edição (1 outubro 2018)
Idioma: : Português
Capa comum : 240 páginas
ISBN-10 : 9788595083202
Dimensões : 20.8 x 13.4 x 1.2 cm

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Leia trecho do livro

Para minha mãe, a Dra. Olusola Famurewa, que continua a fazer da nossa casa um país de maravilhas cujos cômodos transbordam de livros, amor e gratidão.

E em memória do meu pai, o Sr. Adebayo Famurewa, que deixou uma biblioteca e um legado: ainda sinto sua falta.

parte 1

1

JOS, DEZEMBRO DE 2008

Devo deixar esta cidade hoje para ir ao seu encontro. Minhas malas estão prontas, e os cômodos vazios me lembram de que eu deveria ter partido uma semana atrás. Musa, meu motorista, dormiu na guarita do segurança todas as noites desde a última sexta-feira, esperando que eu o acordasse ao amanhecer para podermos partir pontualmente. Mas minhas malas ainda estão na sala de estar, acumulando poeira.

Doei a maior parte do que adquiri aqui — móveis, aparelhos eletrônicos, até mesmo peças de acabamento da casa —para as cabeleireiras que trabalhavam em meu salão. Então, todas as noites, já faz uma semana, me reviro na cama sem ter nem ao menos uma televisão para encurtar minhas horas insones.

Há uma casa esperando por mim em Ifé, bem em frente à universidade onde você e eu nos conhecemos. Eu a imagino agora, uma casa não tão diferente desta, os vários cômodos projetados para abrigar uma família numerosa: marido, mulher e muitos filhos. Eu deveria ter partido um dia depois que meus secadores de cabelo foram desmontados. O plano era passar uma semana arrumando meu novo salão e mobiliando a casa. Queria que minha nova vida estivesse em ordem antes de vê-lo novamente.

Não que eu tenha me afeiçoado a este lugar. Não vou sentir falta dos poucos amigos que fiz, das pessoas que não conhecem a mulher que eu era antes de vir para cá, dos homens que ao longo dos anos pensaram estar apaixonados por mim. Depois que partir, provavelmente não vou nem ao menos me lembrar do homem que me pediu em casamento. Ninguém aqui sabe que ainda sou casada com você. Eu só lhes conto um fragmento da história: eu era estéril e meu marido tomou outra esposa. Ninguém perguntou mais, então nunca lhes contei sobre meus filhos.

Tenho vontade de ir embora desde que os três jovens do National Youth Service foram mortos. Decidi fechar meu salão e a joalheria antes mesmo de saber o que ia fazer em seguida, antes de o convite para o funeral de seu pai chegar como um mapa me indicando o caminho. Memorizei os nomes dos três jovens e o que cada um deles estudava na universidade. Minha Olamide teria mais ou menos a idade deles; ela também estaria terminando a universidade a esta altura. Quando leio sobre eles, penso nela.

Akin, me pergunto muitas vezes se você também pensa nela.

Ainda que o sono não venha, todas as noites fecho os olhos e fragmentos da vida que deixei para trás voltam. Vejo as fronhas com estampa de batik em nosso quarto, nossos vizinhos e sua família, que por um período insensato achei que também era minha. Eu vejo você. Esta noite, vejo o abajur que você me deu algumas semanas depois que nos casamos. Eu não conseguia dormir no escuro, e você tinha pesadelos se deixássemos as lâmpadas fluorescentes acesas. Aquele abajur foi a sua concessão. Você o comprou sem me dizer que tinha encontrado uma solução, sem me perguntar se eu queria um abajur. E, enquanto eu acariciava a base de bronze e admirava os painéis de vidro que formavam a cúpula, me perguntou o que eu levaria comigo se nossa casa estivesse pegando fogo. Eu não pensei antes de dizer nosso bebê, mesmo que ainda não tivéssemos filhos. O quê, você disse, não quem. Mas pareceu um pouco magoado com o fato de, ao pensar que se tratava de uma pessoa, eu não ter considerado salvá-lo.

Eu me forço a sair da cama e tiro a camisola. Não vou desperdiçar nem mais um minuto. As perguntas que você precisa responder, aquelas que sufoquei por mais de uma década, apressam meus passos enquanto pego a bolsa e vou para a sala de estar.

Há dezessete malas, prontas para serem colocadas no carro. Olho para elas, lembrando-me do conteúdo de cada uma. Se esta casa estivesse pegando fogo, o que eu levaria? Preciso pensar a respeito, porque a primeira coisa que me vem à mente é nada. Escolho a pequena mala que planejei levar comigo para o funeral e uma bolsa de couro cheia de joias de ouro. Musa pode levar o resto da bagagem para mim em outra ocasião.

É isto, então: quinze anos aqui e, embora minha casa não esteja pegando fogo, tudo que vou levar comigo é uma sacola de ouro e uma muda de roupa. As coisas que importam estão dentro de mim, encerradas em meu peito como em um túmulo, onde permanecerão para sempre, meu baú de tesouros sepultados.

Saio de casa. O ar está gelado e no horizonte o céu escuro está adquirindo um tom violeta com o nascer do sol. Musa está encostado no carro, limpando os dentes com um palito. Ele cospe em uma caneca quando me aproximo e guarda o palito no bolso do paletó. Abre a porta do carro, nos cumprimentamos e eu me sento no banco de trás.

Musa liga o rádio e procura uma estação. Escolhe uma na qual a transmissão do dia está começando com a execução do hino nacional. O porteiro acena quando saímos do condomínio. A estrada se estende diante de nós, envolta em um manto de escuridão que se desbota na aurora, enquanto me leva de volta para você.

2

ILESA, 1985 EM DIANTE

Logo percebi que eles tinham vindo preparados para a guerra. Eu os via através dos painéis de vidro da porta. Ouvia-os tagarelar. Por quase um minuto inteiro, não pareceram notar que eu estava de pé do outro lado. Tive vontade de deixá-los lá fora e voltar para o andar de cima, para dormir. Talvez, se ficassem tempo suficiente no sol, eles derretessem em poças de lama negra. As nádegas de Iya Martha eram tão grandes que, ao derreter, cobririam por inteiro os degraus de cimento que levavam até a nossa porta.

Iya Martha era uma de minhas quatro mães; era a esposa mais velha de meu pai. O homem que a acompanhava era Baba Lola, tio de Akin. Ambos tinham as costas curvadas contra o sol e os rostos tornados odiosos por uma carranca de determinação. No entanto, assim que abri a porta, pararam de tagarelar e sorriram. Eu podia adivinhar as primeiras palavras que iam sair da boca da mulher. Sabia que seria uma demonstração exagerada de um vínculo que nunca tinha existido entre nós.

— Yejide, minha filha preciosa! — disse Iya Martha com um grande sorriso, cobrindo minhas bochechas com suas mãos úmidas e gordas.

Sorri de volta, ajoelhando-me para cumprimentá-los.

— Bem-vindos, bem-vindos. Hoje Deus deve ter acordado pensando em mim. É por isso que estão aqui — falei, curvando-me de novo em uma reverência depois que eles entraram e se acomodaram na sala de estar.

Eles riram.

— Onde está o seu marido? Nós o encontramos em casa? — perguntou Baba Lola, olhando em volta como se eu pudesse ter escondido Akin sob uma cadeira.

— Sim, senhor, ele está lá em cima. Vou chamá-lo, mas antes servirei algo para beberem. O que devo preparar para comerem? Purê de inhame?

O homem olhou de relance para minha madrasta como se, ao ensaiar o drama que estava prestes a ser encenado, não houvesse lido aquela parte do roteiro.

Iya Martha balançou a cabeça, enfática.

— Não podemos comer. Vá chamar seu marido. Temos coisas importantes para discutir com vocês dois.

Eu sorri, saí da sala de estar e fui em direção à escada. Imaginava quais eram as “coisas importantes” que eles tinham vindo discutir. Vários parentes do meu marido já tinham ido até nossa casa para discutir a mesma questão. A discussão consistia em eles falarem enquanto eu ouvia, de joelhos. Nessas ocasiões, Akin fingia ouvir e tomar notas enquanto, na realidade, redigia uma lista de coisas a fazer no dia seguinte. Ninguém naquela série de delegações sabia ler nem escrever, e todos se sentiam intimidados por quem sabia. Ficavam impressionados com o fato de Akin escrever suas palavras. E, às vezes, quando ele parava de escrever, a pessoa que estava falando naquele momento se queixava de sua falta de respeito ao não tomar nota de nada. Muitas vezes durante aquelas visitas meu marido planejava a agenda da semana inteira, enquanto eu sentia cãibras terríveis nas pernas.

As visitas irritavam Akin, que tinha vontade de mandar seus parentes cuidarem da própria vida. Mas eu não permitia. As longas discussões de fato me davam cãibras nas pernas, mas pelo menos faziam com que me sentisse parte de sua família. Até aquela tarde, ninguém de minha família tinha me feito aquele tipo de visita desde que eu me casara.

Enquanto subia as escadas, pensei que a presença de Iya Martha significava que um novo argumento estava prestes a ser apresentado. Eu não precisava de seus conselhos. Minha casa estava muito bem sem as coisas importantes que eles tinham a dizer. Eu não queria ouvir a voz rouca de Baba Lola sendo forçada entre um acesso de tosse e outro, nem ver mais um lampejo dos dentes de Iya Martha.

Eu achava que já tinha ouvido tudo que havia para ouvir e tinha certeza de que meu marido sentia o mesmo. Fiquei surpresa ao encontrar Akin acordado. Ele trabalhava seis dias por semana e passava a maior parte dos domingos dormindo. Quando entrei em nosso quarto, porém, ele estava andando de um lado para o outro.

— Você sabia que eles viriam hoje?

Olhei para o rosto dele em busca da familiar mistura de horror e irritação que demonstrava sempre que uma delegação especial ia nos visitar.

— Eles estão aqui?

Ele parou e uniu as mãos atrás da nuca. Nada de horror, nada de irritação. O quarto começou a me parecer abafado.

— Você sabia que eles viriam? E não me disse nada?

— Vamos descer.

Ele saiu do quarto.

— Alan, o que foi? O que está acontecendo? — perguntei enquanto ele saía.

Sentei-me na cama, apoiei a cabeça entre as mãos e tentei respirar. Fiquei assim até ouvir a voz de Akin me chamando. Desci para juntar-me a ele na sala de estar e abri um sorriso, mas não um sorriso tão largo a ponto de mostrar os dentes, apenas uma discreta elevação dos cantos da boca. Do tipo que diz: Ainda que vocês, velhos, não saibam nada sobre o meu casamento, estou feliz, não, extasiada por ouvir todas as coisas importantes que têm a dizer a respeito. Afinal, sou uma boa esposa.

De início não a notei, ainda que estivesse empoleirada na beirada da poltrona de Iya Martha. Ela era clara, de um amarelo pálido como o interior de uma manga ainda não madura. Seus lábios finos estavam cobertos de batom vermelho cor de sangue.

Inclinei-me na direção de meu marido. Seu corpo estava rígido, e ele não me envolveu com os braços para me puxar para mais perto. Tentei descobrir de onde a mulher amarela tinha saído, e por um minuto insano me perguntei se Iya Martha a teria mantido escondida sob as roupas quando entrou.

— Querida esposa, nossa gente diz que quando um homem possui uma coisa e essa coisa se torna duas, ele não fica aborrecido, certo? — disse Baba Lola.

Assenti, sorrindo.

— Bem, querida esposa, esta é a nova esposa. É preciso uma criança para chamar outra criança para este mundo. Quem sabe o rei no céu não responde às suas preces graças a essa esposa? Quando ela engravidar e tiver um filho, temos certeza de que você também terá um — continuou Baba Lola.

Iya Martha concordou com um aceno de cabeça.

— Yejide, minha filha, pensamos sobre esse assunto e adiamos essa decisão muitas vezes, a família de seu marido e eu. E suas outras mães.

Fechei os olhos. Eu estava prestes a despertar do transe. Quando os abri, a mulher amarelo-manga ainda estava lá, um pouco embaçada, mas ainda lá. Fiquei atordoada.

Eu esperava que eles falassem sobre o fato de eu ainda não ter filhos. Estava armada com milhões de sorrisos. Sorrisos de desculpa, sorrisos para despertar compaixão, sorrisos de seja-feita-a-vontade-de-Deus — pense em todos os sorrisos falsos necessários para sobreviver a uma tarde com um grupo de pessoas que afirmam querer o seu bem ao mesmo tempo que enfiam o dedo em sua ferida aberta: eu os tinha todos preparados. Estava pronta para ouvi-los dizer que eu precisava fazer alguma coisa a respeito da minha situação. Esperava que me recomendassem um novo pastor; uma nova montanha na qual eu poderia rezar; um velho curandeiro em uma aldeia remota ou em uma cidade distante com quem eu poderia me consultar. Eu estava armada com sorrisos para os lábios, o brilho apropriado de lágrimas para os olhos e fungadelas para o nariz. Estava disposta a fechar meu salão de cabeleireiro durante a semana seguinte e sair em busca de um milagre com minha sogra a reboque. O que eu não esperava era outra mulher sorridente na sala, uma mulher amarela com a boca vermelho-sangue que sorria como uma nova esposa.

Desejei que minha sogra estivesse lá. A única mulher que eu já tinha chamado de Moomi. Eu a visitava com mais frequência do que seu próprio filho. Ela estava comigo quando meu permanente recém-feito foi lavado na corrente de um rio por um sacerdote cuja teoria era que eu tinha sido amaldiçoada por minha mãe antes de ela morrer, minutos depois de me dar à luz. Moomi estava lá comigo quando passei três dias sentada sobre um tapete de oração, entoando sem parar palavras que não compreendia até desmaiar no terceiro dia, interrompendo o que deveria ter sido uma semana de jejum e vigília.

Enquanto me restabelecia em uma ala do Hospital Wesley Guild, ela segurava minha mão e me pedia que rezasse para ter forças. A vida de uma boa mãe é dura, dizia, e uma mulher pode ser uma péssima esposa, mas não uma mãe ruim. Moomi me disse que, antes de pedir a Deus que me desse um filho, eu deveria pedir a graça de ser capaz de sofrer por esse filho. Falou que, se eu desmaiava após três dias de jejum, era porque ainda não estava pronta para ser mãe.

Dei-me conta então de que ela não havia desmaiado no terceiro dia porque provavelmente já fizera várias vezes aquele tipo de jejum em nome dos filhos para agradar a Deus. Naquele momento, as linhas escavadas em torno dos olhos e da boca de Moomi me pareceram sinistras e começaram a significar muito mais para mim do que apenas sinais da idade. Eu estava dilacerada. Queria ser o que eu nunca tinha sido. Queria ser mãe, queria que meus olhos brilhassem de alegrias secretas e de sabedoria como os de Moomi. Mas toda aquela sua conversa sobre sofrimento me aterrorizou.

— Ela é muito mais nova do que você — disse Iya Martha, inclinando-se para a frente em sua poltrona. — Como gostam de você, Yejide, os parentes de seu marido sabem seu valor. Eles me disseram que reconhecem que você é uma boa esposa na casa de seu marido.

Baba Lola limpou a garganta.

— Yejide, eu quero tecer-lhe elogios pessoalmente. Quero reconhecer seus esforços para garantir que nosso filho, quando morrer, deixe um filho como legado. É por isso que sabemos que você não vai considerar essa nova esposa uma rival. Ela se chama Funmilayo, e nós sabemos, nós confiamos, que você a receberá como uma irmã mais nova.

— Uma amiga — disse Iya Martha.

— Uma filha — acrescentou Baba Lola.

Iya Martha deu tapinhas nas costas de Funmi.

Oya, vá cumprimentar sua iyale.

Eu estremeci quando Iya Martha se referiu a mim como iyale de Funmi. A palavra crepitou em meus ouvidos, iyale: primeira esposa. Era um título que me marcava como uma mulher que não bastava para meu marido.

Funmi veio se sentar ao meu lado no sofá.

Baba Lola balançou a cabeça.

— Ajoelhe-se, Funmi. Mesmo vinte anos depois de o trem ter começado sua jornada, a terra estará sempre à frente dele. Yejide está à sua frente em todos os sentidos nesta casa.

Ajoelhando-se, Funmi colocou as mãos em meus joelhos e sorriu. Minhas mãos coçaram de vontade de arrancar-lhe o sorriso do rosto com uma bofetada.

Eu me virei para olhar nos olhos de Akin, esperando que de alguma forma ele não fosse cúmplice daquela emboscada. Seus olhos encontraram os meus em uma súplica silenciosa. Meu sorriso, já tímido, se desfez. A cólera apertou meu coração, envolvendo-o com suas mãos de fogo. Minha cabeça latejava bem no espaço entre meus olhos.

— Akin, você sabia disso? — perguntei em inglês, excluindo os dois anciãos, que falavam apenas iorubá.

Akin não disse nada, apenas coçou a ponte do nariz com o dedo indicador.

Olhei em volta em busca de algo no que me concentrar. As cortinas de renda branca com bordas azuis, o sofá cinza, o tapete combinando no qual havia uma mancha de café que eu estava tentando remover havia mais de um ano. Estava muito longe do centro para ser coberta pela mesa e muito longe da borda para ser escondida pelas poltronas.

Funmi usava um vestido bege, da mesma tonalidade que a mancha de café, da mesma tonalidade que a blusa que eu estava usando. Suas mãos estavam logo abaixo dos meus joelhos, envolvendo minhas pernas nuas. Eu não conseguia olhar além de suas mãos, além das mangas longas e bufantes de seu vestido. Não conseguia olhar para seu rosto.

— Abrace-a, Yejide.

Eu não sabia ao certo quem tinha acabado de falar. Minha cabeça estava em chamas, cada vez mais quente, prestes a entrar em ebulição. Qualquer um poderia ter dito aquelas palavras: Iya Martha, Baba Lola, Deus. Eu não me importava.

Voltei-me para meu marido novamente.

— Akin, você sabia disso? Você sabia e não teve coragem de me dizer. Você sabia? Seu filho da mãe. Depois de tudo! Seu filho da mãe miserável!

Akin segurou minha mão antes que ela golpeasse seu rosto.

Não foi a indignação no grito de Iya Martha que fez com que eu me calasse. Foi a ternura com que o polegar de Akin acariciou minha palma. Eu desviei o olhar.

— O que ela disse? — perguntou Baba Lola, pedindo que a nova esposa traduzisse.

— Yejide, por favor — disse Akin, apertando minha mão.

— Ela disse que ele é um filho da mãe — traduziu Funmi em um sussurro, como se as palavras queimassem e pesassem em sua boca.

Iya Martha gritou e cobriu o rosto com as mãos. Eu não me deixei enganar por sua encenação. Sabia que por dentro se regozijava. Tinha certeza de que passaria semanas repetindo o que testemunhara para as outras esposas de meu pai.

— Não deve desrespeitar seu marido. Não importa o que aconteça, ele sempre será seu marido. O que mais pode querer que ele faça por você? Não foi por sua causa que ele arrumou um apartamento para Funmi ficar, quando tem uma casa de dois andares bastante grande? — Iya Martha olhou ao redor, estendendo os braços para indicar minha grande residência caso eu não tivesse compreendido a referência que ela fizera à casa cuja metade do aluguel eu pagava todos os meses. — Você, Yejide, deveria ser grata ao seu marido.

Iya Martha tinha parado de falar, mas sua boca ainda estava aberta. Quando uma pessoa se aproximava o suficiente, podia sentir que aquela boca emanava um bafo insuportável, um cheiro de urina velha. Baba Lola tinha escolhido se sentar a uma distância segura dela.

Eu sabia que deveria me ajoelhar, curvar minha cabeça como uma garotinha sendo castigada e dizer que sentia muito por ter insultado meu marido e sua mãe em um fôlego só. Eles teriam aceitado minhas desculpas — eu poderia ter dito que a culpa era do demônio, ou do clima, ou de minhas novas tranças, que estavam muito apertadas, fazendo minha cabeça doer e me forçando a desrespeitar meu marido diante deles. Mas meu corpo inteiro estava contraído como uma mão artrítica, e eu simplesmente não conseguia obrigá-lo a assumir formas que não queria assumir. Então, pela primeira vez, ignorei a ofensa de um parente e me levantei quando todos esperavam que eu me ajoelhasse. Quando fiquei de pé, me senti ainda mais alta.

— Vou preparar a comida — falei, recusando-me a perguntar mais uma vez o que eles queriam comer. hora que tinham apresentado Funmi, Baba Lola e Iya Martha podiam aceitar uma refeição. Eu não tinha intenção de preparar uma coisa para cada pessoa, então preparei para eles o que quis. Servi-lhes ensopado de feijão. Misturei feijões que havia feito três dias antes, e que estava planejando jogar fora, ao caldo recém-cozido. Eu sabia que eles iam notar que a mistura estava com um gosto um pouco mim, mas contava com a culpa que Baba Lola mascarava como indignação diante do meu comportamento e com a alegria que Iya Martha estava escondendo sob suas demonstrações de consternação para que eles continuassem comendo. Para ajudá-los a engolir os alimentos, ajoelhei-me e pedi desculpas aos dois. Iya Martha sorriu e disse que teria se recusado a comer se eu tivesse continuado a me comportar como uma menina de rua. Eu me desculpei novamente e, para reforçar, abracei a mulher amarela; ela cheirava a óleo de coco e baunilha. Enquanto os observava comer, bebi um pouco de malte da garrafa. Fiquei desapontada por Akin ter se recusado a tocar a comida.

Quando eles se queixaram, dizendo que teriam preferido purê de inhame com ensopado de legumes e peixe seco, ignorei o olhar de Akin. Em qualquer outro dia, eu teria voltado para a cozinha para amassar o inhame. Naquela tarde, porém, tive vontade de dizer-lhes que se levantassem e amassassem o inhame eles mesmos, se era purê de inhame o que realmente queriam. Engoli as palavras que queimavam em minha garganta com goles de malte e falei que não podia amassar o inhame porque tinha torcido o pulso no dia anterior.

— Mas você não nos contou nada disso quando chegamos — disse Iya Martha, coçando o queixo. — Você mesma se ofereceu para nos servir purê de inhame.

— Ela deve ter se esquecido da torção. Estava com muita dor ontem. Pensei até em levá-la ao hospital — interveio Akin, sustentando minha mentira bastante óbvia.

Eles devoraram os feijões como crianças famintas e me aconselharam a ir ao hospital para ter o pulso examinado. Apenas Funmi fez uma careta depois de comer a primeira colherada de feijão e olhou para mim com suspeita. Nossos olhares se encontraram, e ela abriu um largo sorriso contornado de vermelho.

Depois que recolhi os pratos vazios, Baba Lola explicou que, como não sabia ao certo quanto tempo a visita iria durar, não tinha se dado ao trabalho de combinar com o motorista de táxi que os levara até lá de voltar para buscá-los. Tinha presumido, como os parentes costumam fazer, que Akin assumiria a responsabilidade de levá-los para casa.

Pouco depois, chegou a hora de Akin levar todos embora. Eu os acompanhei até o carro, e Akin, fazendo tilintar as chaves no bolso da calça, perguntou se todos estavam de acordo com o caminho que ele pretendia fazer. Sua intenção era deixar Baba Lola na Ilaje Street e, em seguida, levar Iya Martha até Ifé. Percebi que ele não disse nada sobre o lugar onde Funmi vivia. Quando Iya Martha disse que a rota que meu marido tinha escolhido era a melhor opção, Akin destrancou as portas do carro e se sentou no banco do motorista.

Contive o desejo de arrancar os cachos jheri de Funmi quando ela se aboletou no banco da frente ao lado de meu marido e empurrou para o chão a pequena almofada que eu sempre mantinha ali. Cerrei os punhos enquanto Akin partia, deixando-me sozinha na nuvem de poeira que havia levantado.

*


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