Livro ‘Bad Blood’ por John Carreyrou

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A história completa da ascensão meteórica ao chocante colapso da Theranos, uma startup multibilionária de biotecnologia, escrita por John Carreyrou, premiado jornalista que divulgou a história em primeira mão e perseguiu-a até o fim, apesar da pressão de sua carismática CEO e das ameaças de seus advogados. Em 2014, a fundadora e CEO da Theranos, Elizabeth Holmes, foi amplamente vista como a versão feminina de Steve Jobs: uma brilhante ex-aluna de Stanford cujo “unicórnio” prometia revolucionar a indústria médica com uma máquina que tornaria os testes de sangue mais rápidos e fáceis. Apoiada por investidores como Larry Ellison e Tim Draper, a Theranos vendeu ações em uma rodada de levantamento de fundos que a valorizou em mais de 9 bilhões de dólares, o que fez o valor de Elizabeth Holmes crescer para cerca de 4,7 bilhões de dólares. Houve apenas um problema…

Páginas: 352 páginas; ISBN-10: 8550804533; ISBN-13: 978-8550804538; Editora: Editora Alta Books; 1ª edição (4 janeiro 2019); ASIN: B07N6FX3PL

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Nota do Autor

Este livro é baseado em entrevistas com mais de 150 pessoas, dentre as quais se incluem mais de 60 ex-funcionários da Theranos. A maioria das pessoas que aparecem como personagens na narrativa permitiu que seus nomes reais fossem usados, porém algumas pediram que suas identidades fossem protegidas, seja porque temiam uma represália da empresa, que acabassem envolvidas na investigação criminal que estava em curso no Departamento de Justiça, ou apenas quiseram manter sua privacidade. Com vistas a meu interesse de angariar a versão mais completa e detalhada dos fatos, aceitei usar pseudônimos para essas pessoas. Contudo, todos os demais detalhes que as descrevem, bem como suas experiências, são fatuais e verdadeiros.

Todas as referências de e-mails ou documentos que apresento são literais e com base nos próprios documentos. Ao atribuir referências durante os diálogos dos personagens, estas foram reconstruídas a partir das memórias dos participantes. Alguns capítulos foram escritos com base em gravações de procedimentos legais, como depoimentos de testemunhas. Quando for esse o caso, identifico as gravações detalhadamente na seção de notas ao término da narrativa.

Durante a escrita deste livro, entrei em contato com as figuras principais da saga Theranos e lhes ofereci a oportunidade de comentarem sobre quaisquer alegações a respeito delas. Elizabeth Holmes, em seu direito, rejeitou meus pedidos de entrevista e preferiu não cooperar com este relato.

Prólogo

17 de novembro

Tim Kemp trazia boas novas para sua equipe.
Ex-executivo da IBM, Kemp era o responsável pelo departamento de bioinformática daTheranos, uma startup que possuía um sistema inovador de exame de sangue.Recentemente, a empresa havia feito sua primeira grande demonstração ao vivo para uma empresa farmacêutica. Elizabeth Holmes, com 22 anos de idade e fundadora da Theranos, havia voado até a Suíça para demonstrar as capacidades de seu sistema para os executivos da Novartis, a gigante empresa farmacêutica europeia.

“Elizabeth me telefonou hoje cedo”, Kemp escreveu em um e mail que enviaria para sua equipe, composta de 15 pessoas. “Ela expressou seu agradecimento e disse que ‘foi tudo perfeito!’. Ela especificamente me pediu para agradecer a vocês e dizer o quanto está grata. Ainda mencionou que o pessoal na Novartis ficou tão impressionado que solicitou uma proposta, e que demonstrou interesse em fazer uma negociação financeira para criarmos um projeto. Estamos cumprindo nossa missão!”

Esse foi um momento crucial para a Theranos. A startup, então com três anos de idade, havia se metamorfoseado de uma ideia ambiciosa idealizada por Holmes nos dormitórios de Stanford para um produto real, pelo qual uma multinacional enorme demonstrava interesse.

O rumor do sucesso da apresentação na Suíça chegou até o segundo andar, onde ficavam os escritórios dos executivos seniores.

Um desses executivos era Henry Mosley, diretor financeiro da Theranos. Ele havia ingressado na empresa oito meses antes, em março de 2006. Com roupas amassadas, olhos verdes cativantes e uma personalidade despojada, era um veterano da área tecnológica do Vale do Silício. Ele cresceu na região de Washington, D.C., obteve seu MBA na Universidade de Utah, se mudou para a Califórnia no fim dos anos 1970 e nunca mais saiu de lá. Seu primeiro emprego foi na Intel, a fabricante de chips, uma das pioneiras do Vale. Posteriormente, chegou a ser o responsável pela área financeira de outras quatro empresas tecnológicas, tendo aberto o capital de duas delas. A Theranos era totalmente outra praia.

Mosley havia sido atraído para a Theranos por conta de todo o talento e experiência em torno de Elizabeth. Mesmo sendo ainda muito jovem, ela estava cercada por um elenco de superestrelas. O presidente de sua diretoria era Donald L. Lucas, um capitalista de risco que havia treinado Larry Ellison, empreendedor bilionário do ramo de softwares, e o havia ajudado a abrir o capital da Oracle Corporation no meio da década de 1980. Lucas e Elisson haviam investido dinheiro do próprio bolso na Theranos.

Outro integrante da diretoria com uma ótima reputação era Channing Robertson, vice-reitor da Escola de Engenharia de Stanford. Robertson era uma das estrelas do corpo docente de Stanford. Seu relato de especialista sobre as propriedades viciantes dos cigarros havia forçado a indústria do tabaco a fazer um acordo histórico de $6,5 bilhões com o estado de Minnesota no fim dos anos 1990. Levando em conta as poucas interações que Mosley havia tido com ele, ficava claro que Robertson tinha grande apreço por Elizabeth.

A Theranos também possuía uma equipe gerencial muito forte. Kemp passou 30 anos na IBM. Diane Parks, diretora comercial da Theranos, carregava 25 anos de experiência em empresas farmacêuticas e biotecnológicas. John Howard, vice-presidente sênior de produtos, havia supervisionado uma subsidiária da Panasonic, que fabricava chips. Não era nada comum encontrar executivos desse calibre em uma startup pequena.

No entanto, não foram apenas a diretoria e a equipe executiva que haviam persuadido Mosley a ir para a Theranos. O mercado que a empresa buscava era enorme. As empresas farmacêuticas gastavam bilhões e bilhões de dólares em ensaios clínicos para testar novos remédios a cada ano. Se a Theranos pudesse se mostrar indispensável a elas e capturar uma fração desse enorme gasto, poderia ganhar uma fortuna.

Elizabeth havia pedido para ele providenciar algumas projeções financeiras que ela pudesse apresentar aos investidores. Os primeiros números que ele havia mostrado não foram do seu gosto, forçando-o a revisá-los e alterá-los para cima. Ele sentiu um certo incômodo ao ter que fazer isso, mas constatou que ainda assim os números ficavam dentro dos limites do possível, caso a empresa se comportasse perfeitamente. Além disso, os investidores de risco que as empresas buscavam para investimento sabiam que os fundadores das startups exageravam essas previsões. Era parte do jogo. Os investidores tinham até uma expressão para isso: a previsão “taco de hóquei”, que mostrava uma receita estagnada durante alguns anos e então, magicamente, subia em linha reta.

A única coisa que Mosley ainda não sabia se entendia perfeitamente era como a tecnologia da Theranos funcionava. Quando alguns investidores em potencial apareciam, ele os levava para falarem com Shaunak Roy, cofundador da Theranos. Shaunak tinha doutorado em engenharia química. Ele e Elizabeth haviam trabalhado juntos no laboratório de pesquisas de Robertson, em Stanford.

Shaunak picava seu dedo, extraindo algumas gotas de sangue. Então, colocava o sangue em um cartucho de plástico branco do tamanho de um cartão de crédito. O cartucho era alocado em uma caixa retangular que tinha o tamanho de uma sanduicheira. Essa caixa era chamada de “leitor”. Ela extraía os dados do cartucho, enviava esses dados para um servidor através de uma conexão sem fio, o servidor os analisava e reenviava os resultados. Era isso, em essência.

Quando Shaunak demonstrava o sistema para os investidores, ele lhes mostrava uma tela de computador que apresentava o sangue passando através do cartucho dentro do leitor. Mosley, na realidade, não entendia a física ou a química que acontecia. Porém esse não era seu papel. Ele era o cara das finanças. Contanto que o sistema apresentasse resultados, ele ficava feliz. E era o que sempre acontecia.

ELIZABETH VOLTOU DA Suíça alguns dias depois. Ela caminhava pela empresa com um sorriso no rosto, uma evidência a mais de que a viagem havia sido um sucesso, Mosley imaginou. Não que isso fosse incomum. Elizabeth geralmente estava para cima. Ela possuía um otimismo ilimitado de empreendedora. Ao descrever a missão da Theranos nos e-mails para a equipe, ela gostava de usar o termo “extra-ordinário”, com “extra” escrito em itálico e usando um hífen para dar mais ênfase. Era um pouco exagerado, mas ela parecia sincera ao fazer isso, e Mosley sabia que a autopromoção era o que os fundadores de startups de sucesso faziam no Vale do Silício. Não era possível mudar o mundo sendo cético.

O que era estranho, todavia, era o fato de que os poucos colegas de trabalho que haviam acompanhado Elizabeth na viagem não pareciam compartilhar do entusiasmo dela. Alguns aparentavam estar totalmente abatidos.

Será que o cachorrinho de alguém tinha sido atropelado?, Mosley imaginava, com um toque de humor.

Ele foi ao andar de baixo, onde ficava a maioria dos 60 funcionários em aglomerados de cubículos, e procurou por Shaunak. Certamente, Shaunak saberia dizer se havia qualquer problema sobre o qual ele não fora informado.

Inicialmente, Shaunak alegou não saber de nada. Mas Mosley percebeu que ele estava escondendo o jogo e continuou a pressioná-lo. Aos poucos, Shaunak foi baixando sua guarda e confessou que o Theranos 1.0, como Elizabeth havia batizado o sistema de exame de sangue, nem sempre funcionava. Na verdade, era meio que uma roleta russa, ele disse. Às vezes, era possível convencer o sistema a dar um resultado. Às vezes, não.

Para Mosley, isso era novidade. Ele imaginava que o sistema era confiável. Afinal, ele sempre parecia funcionar durante as visitas dos investidores!

Bem, havia uma razão pela qual ele sempre parecia funcionar, expôs Shaunak. A imagem no monitor que mostrava o sangue passando pelo cartucho para os pequenos compartimentos do leitor era real. Mas nunca sabíamos se obteríamos um resultado ou não. Então, eles gravaram um resultado em uma das vezes que o sistema funcionou. Esse resultado gravado é que era apresentado ao fim de cada demonstração.

Mosley estava perplexo. Ele jurava que os resultados eram extraídos em tempo real a partir do sangue que estava dentro dos cartuchos. Com certeza era isso que os investidores que ele trazia eram levados a crer. O que Shaunak havia descrito há pouco aparentava ser um golpe. Tudo bem ser otimista e ter altas aspirações na tentativa de atrair investidores, mas havia um limite que não poderia ser ultrapassado. E essa situação, na visão de Mosley, o havia ultrapassado.

Então, o que exatamente havia acontecido na Novartis?

Mosley não conseguia obter uma resposta direta de ninguém, porém agora ele suspeitava de que uma manipulação similar estivesse em uso. E ele estava certo. Um dos dois leitores que Elizabeth havia levado para a Suíça não funcionou bem quando chegaram lá. Os funcionários que foram com ela passaram a noite tentando fazer a máquina funcionar. Para encobrir o problema durante a demonstração do dia seguinte, a equipe de Tim Kemp, na Califórnia, transmitiu um resultado falso.

MOSLEY TINHA SUA semanal com Elizabeth agendada para aquela tarde. Ao entrar na sala dela, ele imediatamente lembrou se do quanto ela era carismática. Ela tinha a presença de alguém muito mais velho do que ela era. A maneira como mirava seus grandes olhos azuis em você, sem piscar, fazia você se sentir o centro do Universo. Era quase hipnótico. Sua voz aumentava o efeito cativante: ela falava em um tom de barítono, profundo, um tanto quanto incomum.

Mosley decidiu deixar a reunião seguir seu ritmo natural antes de mencionar suas preocupações. A Theranos havia acabado de fechar sua terceira rodada de investimentos. Sob qualquer perspectiva, era um resultado estrondoso: a empresa conseguira mais $32 milhões dos investidores, além dos $15 milhões conseguidos nas duas primeiras rodadas. O número mais impressionante era o que representava a nova avaliação da empresa: agora, valia $160 milhões. Não havia muitas startups com três anos de existência que podiam dizer que valiam tanto assim.

Um dos grandes motivos para ter atingido uma avaliação tão alta foi que a Theranos disse aos investidores que havia feito acordos com parceiros de empresas farmacêuticas. Uma apresentação de slides listava seis negociações com cinco grandes empresas, que gerariam receitas de $120 a $300 milhões durante os 18 meses seguintes. A apresentação listava ainda outras 15 parcerias em negociação. Caso rendessem frutos, as receitas poderiam atingir $1,5 bilhão futuramente, de acordo com a apresentação em PowerPoint.

As empresas farmacêuticas usariam o sistema de exame de sangue para monitorar as reações dos pacientes aos novos medicamentos. Os cartuchos e os leitores seriam colocados nas casas dos pacientes durante os ensaios clínicos. Os pacientes precisariam picar seus dedos várias vezes por dia, e os leitores fariam a transmissão dos resultados dos exames de sangue para o responsável pelo ensaio. Caso os resultados apresentassem uma reação indesejada ao medicamento, o fabricante daquele medicamento conseguiria diminuir a dose imediatamente, em vez de ter que esperar até o fim do ensaio. Isso reduziria os custos de pesquisa das empresas farmacêuticas em cerca de 30%. Pelo menos, era o que os slides mostravam.

A inquietação de Mosley a respeito dessas alegações havia crescido desde a descoberta naquela manhã fatídica. Uma coisa era certa, durante seus oito meses na Theranos, ele nunca havia visto os contratos farmacêuticos. Sempre que perguntava sobre eles, lhe diziam que estavam em “análise jurídica”. Mais importante ainda, ele havia concordado com aquelas previsões ambiciosas porque acreditava que o sistema da Theranos funcionava com segurança.

Se Elizabeth também compartilhava desses receios, ela não dava indicação alguma disso. Ela era a imagem de alguém relaxado e feliz. A nova avaliação da empresa, em particular, foi motivo de um grande orgulho. “Novos diretores podem juntar-se à equipe para refletir o aumento em nossa carteira de investidores”, ela comentou com ele.

Mosley percebeu uma abertura para mencionar a viagem para a Suíça e os comentários no escritório de que algo havia dado errado. Ao fazer isso, Elizabeth admitiu que um problema havia ocorrido, porém deu pouca importância ao fato. Vamos consertar isso rapidamente, acrescentou.

Mosley mostrava-se hesitante em vista do que sabia agora. Ele mencionou o que Shaunak havia lhe contado sobre as demonstrações aos investidores. Eles deveriam parar com as apresentações se elas não fossem totalmente reais, ele comentou. “Estamos enganando os investidores. Não podemos continuar fazendo isso.”

A expressão de Elizabeth mudou de repente. Seu jeito animado de alguns instantes atrás desapareceu e deu lugar a uma aparência de hostilidade. Era como se um botão tivesse sido apertado. Ela lançou um olhar frio e fixo para seu diretor financeiro.

“Henry, você não sabe trabalhar em equipe”, ela disse, em um tom muito frio. “Acho que você deveria sair agora mesmo.”

Não havia dúvidas sobre o que acabara de acontecer. Elizabeth não estava apenas pedindo que ele saísse de sua sala. Ela estava dizendo para ele sair da empresa — imediatamente. Mosley acabara de ser demitido.


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