“A princesa salva a si mesma neste livro”, de Amanda Lovelace, é uma obra poética que aborda temas de resiliência, amor, perda, sofrimento, redenção, empoderamento e inspiração. Dividido em quatro partes – “A princesa”, “A donzela”, “A rainha” e “Você” –, o livro mistura o imaginário dos contos de fada com a realidade feminina do século XXI, explorando a possibilidade de escrevermos nossos próprios finais felizes. Com uma linguagem direta e contemporânea, similar à de Rupi Kaur em Outros jeitos de usar a boca, a obra se destaca pela delicadeza, emoção e contundência. Amanda Lovelace, reconhecida como uma das vozes de sua geração, conquista o leitor com versos íntimos e cotidianos, convidando-o a ser cúmplice da jornada de empoderamento e autodescoberta. A obra foi premiada com o Goodreads Choice Award, como melhor leitura do ano, escolha do público.
Páginas: 208 páginas; Editora: Leya; Edição: 1 (30 de novembro de 2017); ISBN-10: 8544106595; ISBN-13: 978-8544106594; ASIN: B09CBDRM5N
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Biografia do autor: Amanda Lovelace, uma ávida leitora de contos de fadas desde a infância, naturalmente começou a escrever seus próprios livros. Quando não está lendo ou escrevendo, ela gosta de tomar café com especiarias e assistir “Gilmore Girls”. Poeta e contadora de histórias, Amanda vive em New Jersey com seu noivo, um gato temperamental e uma vasta coleção de livros. Formada em Literatura Inglesa e Sociologia, seu livro de estreia na poesia, “A princesa salva a si mesma neste livro”, é o primeiro da série “Women are some kind of magic”. Instagram @ladybookmad
Leia trecho do livro
para o menino que sobreviveu.
obrigada por e inspirar a ser
a garota que resistiu.
você tem
um raio na testa
para mostrar isso,
e meu corpo inteiro é
uma tempestade.
sumário
I. a princesa
II. a donzela
III. a rainha
IV. você
aviso I:
este livro não é
um conto de fadas.
não há nenhuma
princesa.
não há nenhuma
donzela.
não há nenhuma
rainha.
não há nenhuma
torre.
não há
dragões.
há apenas
uma garota
diante da
difícil tarefa
de aprender a
acreditar
nela mesma.
aviso II:
final feliz
à frente.
aqui jazem
as cruas
não lapidadas,
& na sua maioria
desarticuladas
partes da
minha alma.
ah, a vida
a coisa
que acontece
conosco
enquanto estamos distraídos
em algum outro lugar
soprando
dentes-de-leão
& desejando
estar nas
páginas do
nosso conto de fadas
favorito.
era uma vez
I. a princesa
a princesa eu nasci
meio louca por livros.
podiam me encontrar acariciando
as lombadas dos meus livros
sozinha, trancada dentroda minha torre do meu quarto.
o tempo todo, eu esperava que meus livros
derramassem suas palavras delicadas
sobre exuberante tapete verde
para que eu pudesse recebê-las uma a uma
e saboreá-las como se fossem
frutas vermelhas na minha boca.
— para sempre colecionadores de palavras.
quando eu não
tinha amigos
entrava nos
meus livros
amados
& esculpia algumas com times
new roman
corpo 12.
— & isso era quase bom o bastante.
a garotinha
não está escutando…
está muito, muito ocupada
olhando pela janela,
fantasiando sobre
um mundo de
acontecimentos mágicos,
envelopes voadores,
corujas que piam,
gigantes adorados,
vassouras que
fazem mais do que varrer
amigos que são
sempre leais,
& um trem
que a levará
para um lugar encantado
muito muito muito
longe
daqui.
— sob um feitiço perpétuo.
a rainhaminha mãe
sorria
ao me oferece
um torrão de
açúcar
na
palma da mão.
avidamente,
eu aceitava.
abria
minha boca,
e delicadamente colocava um
(apenas um)
no centro
da minha língua,
& eu o
apertava.
sal.
isso é o que chamo de abuso:
saber que você vai
receber sal,
e ainda esperar receber açúcar
durante dezenove anos.
— você pode ter ido embora, mas ainda tenho dor
no estômago.
uma noitea princesa
eu
a princesa
eu
a princesa
eu
a princesa acordou
sentindo seu castelo balançar
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
para trás & para frente
primeiro
ela pensou
um furacão
deve estar passando,
mas estava
errada.
aonde
todas as
memórias vão,
aquelas que
escondemos
à chave
& tranca
mas estão
a nos moldar
jeito?
— se não me lembro, isso aconteceu?
aos onze anos
o médico me pesou
& em seguida,
minha mãe me disse
que eu estava muito gorda
& precisava fazer
uma dieta
imediatamente.
por um ano inteiro,
a comida mal passou
pelos meus lábios.
eu nem permitia a mim mesma
tomar um gole de água
porque queria ser
tão magra que
pudesse ser carregada
pela brisa mais suave…
desaparecer.
perdi vinte e sete quilos
em poucos meses
& tinha que usar mangas compridas
para cobrir minha
única catarse.
— no entanto, todo mundo me dizia eu
estava ótima.
existem
algumas mães
que vão lhe avisar
para nunca, jamais,
(nunca nunca)
encostar no fogão,
mas existem
algumas mães que
vão arrastar você para lá,
pulando & dando gritinhos,
& rindo
enquanto
assistem às chamas
lamberem a porta
dos seus dedos.
— quando lhe ensinam a ver o mundo através do
fogo, nada parece seguro.
”solicitação de amizade_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _”
a) da garota que disse que você era feita.
b) da garota que disse que sua voz era desafinada.
c) da garota que se recusou a defender você.
d) da garota que riu de você pelas suas costas & na sua cara.
e) da garota que roubava o dinheiro do seu lanche todos os dias porque dizia que você não precisa comer.
f) da garota que dizia que você era “gorda” mesmo depois de você quase morrer de fome.
g) da garota que supostamente era sua melhor amiga.
h) todas as respostas acima.
— continue ignorando, querida.
gorda
(gor.da) [ô]
adjetivo
1: palavra descritiva
não tem nenhum significado profundo.
não deve determinar
o valor
(ou a falta de)
de um ser humano.
— o que sei agora que gostaria de saber então.
paus & pedras
nunca quebraram
meus ossos
mas palavras
fizeram eu
me deixar morrer de fome
até
você poder
ver todos eles.
— pele & osso.
minha irmã & eu
passávamos as noites
desejando
as estrelas
de plástico,
que brilhavam no escuro
no nosso
teto.
— afinal de contas nós as colamos lá.
não havia
nunca
álcool o bastante
para manter mamãe aquecida
numa casa
tão frua quanto
E S S A
— mas você continua tentando, não?
você não deve
nunca amar
nada
mais do que
ama
seus próprios
filhos.
você não deve
nunca amar
Ninguém
mais do que
ama
seus próprios
filhos.
–como você pode?
agora que
penso sobre isso,
ela sempre
fez questão
de que eu a visse
arrancando
o balão
da minha mão
&
deixando-o
v o a r p a r a l o n g e.
uma vez
(seis) cinco
garotas
que
dividiam
cada parte
delas mesmas
sangue
&
segredos
&
amores
até mesmo
um diário.
mas
uma garota
pode apenas
sangrar
muito
antes de
encontrar
seu próprio óbito.
— vejo você na Califórnia.
como pode
alguém
ser
jovem demais
para se
apaixonar
quando somos
feitos
de
ondas do mar
& luz das estrelas?
— um amor jovem.
uma manhã
acordei
com seus lençóis do menino bruxo
preferidos
manchados
de sangue.
implorei para
não acontecer,
& de repente
era como se
meu corpo não
fosse mais meu
mas de todo
mundo.
— não mudou muito desde então.
meu primeiro beijo:
à força
imobilizada,
uma boca repetindo
não não não.
depois:
manchas roxas
&
o inconfundível
gosto de
sangue.
— nunca vou perdoar você.
você se
tornou o
astro
de todo
& qualquer
um dos
meus
pesadelos.
— você foi embora mas ficou.
sinto muito
por
não ser
a filha
que você tinha
em mente.
— só queria que você se orgulhasse de mim.
I.
a visão
do fio vermelho
desenhado
pela
lâmina
de aço.
II.
o
jeans
antes muito apertado
sambando
no
meu corpo.
— dois alívios inesperados para uma garota.
é estranho
como
i
r
m
ã
s
podem
ser
i
n
d
i
s
p
e
n
s
á
v
e
i
s
ou
i
n
i
m
i
g
a
s
& às vezes
um pouco das duas coisas.
— irmãs
havia
alguns segredos
que ameaçavam
despedaçar
minhas
peças de porcelana
mas era preciso
me manter
inteira.
— eu não sabia nada.
— o silêncio sempre foi meu grito mais alto
a princesa conta:
1- as cicatrizes no seu joelho.
2- o número de vezes em que o
balanço vai la no céu.
3- os livros na sua estante.
4- os fios soltos na sua blusa.
5- as letras na suas palavras.
6- as telhas no teto.
7- os segundos que passam por ela.
8- os deveres de casa esquecidos.
9- as horas que faltam para ela voltar para a cama.
10- os quilos na balança.
11- o número de vezes que ela mastiga.
12- o som suave dos seus passos.
13- as marcas de contar que faz no seu corpo.
14- os fios de cabelo que caem.
15- as estrelas que se apagam.
& depois começa de novo
& depois começa de novo
& depois começa de novo
& depois começa de novo
& depois ela começa de novo
pássaros
não podem
voar
quando você
corta
uma das
suas asas.
você
não ficou
satisfeita
em cortar
apenas
uma das
minhas asas.
você tosou
as duas
bem perto
da raiz
para ter certeza
de que eu
n u n c a m a i s v o a s s e
para nenhum lugar
jamais
outra vez.
— mãe & filha
como
eu não tinha
mais
minhas asas
usava
umas
falsas
cobertas
de glitter
dourado.
— uma aspirante a fada ao contrário.
chegou
um tempo
em que
a poesia
me mostrou
como
sangrar
sem
a necessidade
de sangue.
— meu amor mais leal.
costumava pensar
que estava doente
porque
nunca na vida
fiquei
sonhando acordada
que comia
romãs suculentas
da árvore
de outra pessoa.
— depois descobri que a sociedade é que está doente, não eu.
observar
a casa
que era
meu santuário
& meu inferno
se consumir
em chamas
foi
tristes e alegre
mas muito mais
apenas
alegre.
— uma confissão.
se uma casa
não é
automaticamente
um lar,
então um corpo
também
não é
automaticamente
um lar.
— sempre me sentir uma estranha na minha própria pele.
ela começa
a rasgar
as páginas
dos
seus livros
favoritos
& a enfiar freneticamente
a maçaroca de palavras
na boca
rezando que fosse verdade
o fato de você ser
o que come
enquanto suga
o sabor da tinta da
ponta de seus dedos enegrecidos.
— não posso ser apenas uma garota de papel, com uma viada de
papel?
você pode
não ter deixados
(muitas) manchas roxas
na minha pele,
mas deixou manchas
roxas escuras gigantes
por toda
minha alma.
— ainda me pergunto quem eu deveria ter sido.
a princesa
fechou a si mesma longe
na torre mais alta,
esperando um cavaleiro
de armadura brilhante
que vira para
resgatá-la.
— não me dava conta de que podia ser meu próprio cavaleiro.
II. A donzela
a donzela
deixou que os dragões
descessem do céu
& a levassem para longe
da feiura
do seu mundo.
sem saber,
ela estava apenas trocando
uma torre
pela outra.
— os mentirosos mais perversos de todos.
não tenho medo
dos monstros
escondidos debaixo
da minha cama.
tenho medo
dos garotos
com cabelos castanhos despenteados,
olhos apertados,
& bocas
que só sabem
como dizer
meias verdades.
— meus dragões.
se lembra quando
você me disse
que escreveu aquela
canção linda
para mim
& apenas para mim…
a sua
”única”?
bem,
posso
apostar
que você não
se lembra
de que já tinha
me mostrado a letra,
dizendo que era
para ela.
— você estava apaixonado pela ideia do amor, não por mim.
promessas
sussurradas
na chuva
serão levadas pela
á
g
u
a
— direto para a porra do ralo.
eu era a única coisa
que ela tinha que negar…
a verdade bela
dentro da
terrível mentira dele.
— quem sabia que um coração tão jovem poderia se partir?
quando
meu dragão
de olhos
verdes
foi embora
eu
peguei
uma faca
& cortei
meu cabelo
longo e lindo,
tirando
a única coisa
que
ele
amava
em
mim.
— terminou antes de começar.
”eu
podia
fácil
engolir
você
inteira”
— da boca insaciável do lobo mau.
ele me ama.
ele não me ama.
ele a ama.
ele não a ama.
ele me ama.
ele não me ama.
ele a ama.
ele não a ama.
ele me ama.
ele não me ama.
ele a ama.
ele não a ama.
ele me ama.
ele não me ama.
ele a ama.
ele não a ama.
ele me ama.
ele não me ama.
— eu ia arrancando as pétalas.
o sangue
corria
toda vez
que ele
me tocava
com a ponta
dos dedos.
— meu punhal & espinhos.
por um tempo
me parecia
que éramos pelas estrelas.
iluminados
sem conseguir
perceber que
éramos na verdade
amaldiçoados pelas estrelas.
— as estrelas nunca estiveram do nosso lado.
ele era feito de fogo
& eu era feita de gelo.
cheguei perto demais da
chama dele
& ele me derreteu
com suas brasas,
me reduzindo
a uma poça.
com o tempo
congelei de novo,
mas não era
mais a mesma…
uma imitação frágil e rala
do que eu era.
— onde estava o medo que eu sentia do fogo quando cheguei perto
de você?
“odeio você”
— a versão dele para “amo você”
quando
finalmente
chegou
a hora
de
ir embora
ele
guardou
toda minha
poesia
numa
mala
& a levou
com
ele
— primeiro meu coração, depois minha palavras.
ele
prometeu
me consertar
&
me deixou
mais
d e s t r o ç a d a
do que eu era
antes.
— mas agora tenho ouro nas rachaduras.
tenho que
acreditar
que chegará
o dia
em que não vou
estremecer
toda vez
que ouvir
o nome dele.
— alguns nomes serão sempre malditos.
tenho
tanto amor
para dar
mas ninguém
nunca
o quis.
— um copo transbordando.
se
o amor
é um
campo de batalha
então eu
devo ter
esquecido
todas as
minhas armaduras
em
casa.
— uma guerra que nunca me dispus a lutar.
em todos
os meus sonhos
me via
colhendo
meus dentes
de
cima do
tapete
— o que o dicionário dos sonhos diz?
minha
mãe
contou ao
médico educado
que era como se ela tivesse
estrelas brilhando
nos olhos
& elas eram
quase
bonitas
na opinião dela…
como se o
quatro de
julho
tivesse decidido
chegar
antes.
o médico
hesitou
antes
de lhe dar
a notícia.
“não são
estrelas.
é câncer”
— fumante por quarenta nos.
foi
quando estávamos
tomando nosso
costumeiro
café
tarde da noite.
sem
nenhum tremor
naquela
voz
solene,
ela se virou
para mim
& disse que
seu último
desejo
era que eu
espalhasse suas cinzas
no oceano
para que ela pudesse
finalmente voltar
para
casa.
— uma sereia fugitiva.
quando sua mãe
começa a esquecer
seu nome,
você começa
a se perguntar
se existe mesmo
afinal.
— estágio 4, terminal.
você pensa
que seus pais são
à prova de destruição
até que um dia
descobre que
eles não são.
— o que perder a inocência significa de verdade.
estou exausta
de todo mundo
ficar me dizendo
como sou
forte.
eu?
forte?
apenas fingo ser forte
porque é
a única distração
que tenho de
pensar na
minha inevitável vida
sem mãe.
— uma pena disfarçada de aço.
todo mundo
me encoraja a
me manter firme
nos meus sonhos
para passar o
tempo,
mas
o que acontece
quando meus sonhos
são pesadelos
que se repetemrepetemrepetem?
— por favor me acorde.
quem
eu
vou
ser
sem
ela?
como
eu
posso
ser
sem
ela?
ironia
quando sua
irmã
saudável
& inteligente
& impressionante
linda
morre
menos de
um mês
antes
da sua mãe
doente terminal.
— ninguém percebeu que você estava tão doente quanto.
minutos
antes de
sua mãe
ligar
para avisar,
senti
o cheiro
de baunilha
do seu
perfume
& minha
boca
se encheu de
um gosto
de terra.
— a morte é um dos sentidos.
filhos não
devem morrer
antes dos
pais.
eu não
devia ficar
mais velha do que
minha irmã mais velha.
era para
sermos
quatro irmãs,
não três.
você não devia
ser uma urna de cinzas
na mesinha da cabeceira
da sua mãe.
afinal de contar,
você era aquela
que sempre
brilhava.
— destino é a porra de uma mentira.
a pior
parte é nunca
ser capaz
de saber
se foi
s u i c í d i o ou não.
— a verdade me libertará.
ela
uma vez
fez a
promessa
de
me
salvar
quando
desde
o começo
nós
é que devíamos
tê-la
salvado
de
si
mesma.
—por favor, volte.
irmã…
onde quer que
você esteja agora
espero que tenha
uma praia.
— estrelas-do-mar me farão sempre lembrar de você.
segurei
a concha do mar
na minha orelha,
não na
expectativa
de escutar
o bater das
ondas do mar
mas com
a esperança premente
de capturar ao menos
um pequeno timbre
da sua voz
uma
ultima
vez
— imortalizada numa mensagem.