Augusta, antropóloga formada por uma prestigiada universidade, volta a sua casa para o funeral do pai. Coincidentemente, seu trabalho de pesquisa acadêmica centra-se em rituais funerários de várias culturas, uma tentativa de desvendar o mistério do luto e a dor quase infinita da perda. Numa viagem no metrô, ela reencontra Sylvia, uma velha amiga ― e um caldeirão de reminiscências passa a fervilhar em sua mente e aquecer seu coração. A história de Augusta começa em 1973, quando aos oito anos de idade ela se muda para o Brooklyn ― um enclave multicultural de Nova York com uma dinâmica comunidade afro-americana e vastas populações de imigrantes de todo o planeta...
Capa comum: 120 páginas Editora: Todavia; Edição: 1 (6 de abril de 2020) Idioma: Português ISBN-10: 6551140076 ISBN-13: 978-6551140075 Dimensões do produto: 20,6 x 13,6 x 1,2 cm Peso de envio: 159 g
Leia trecho do livro
Naquele ano, todas as canções faziam referência a algo de nossa história. Amontoávamo-nos ao redor do radinho no quarto de Sylvia e ouvíamos. Quando a mãe de Gigi não estava em casa, íamos para lá depois da aula, esperávamos enquanto Gigi abria a porta com a chave que usava pendurada no pescoço. Não havia sofá na quitinete, então nos sentávamos no chão ao redor de seu toca-discos Close ‘N Play — o volume baixo. Inclinávamo-nos para ouvir enquanto Al Green nos pede para deitarmos nossas cabeças no travesseiro e Tavares nos pedia que nos lembrasse do que havia dito para esquecer. E Minnie Riperton e Sylvia atingiam notas tão altas e longas que o mundo parecia estar no fim. O mundo ESTAVA acabando. Tínhamos sido meninas, dançando pelo apartamento da mãe de Gigi com botas brancas envernizadas de cano alto várias e várias e várias vezes. Pequenos fragmentos do Brooklyn começaram a desabar. Revelando a GENTE. Invejávamos os cabelos, as bundas, os narizes umas das outras. Emprestávamos nossas roupas e dividíamos sanduíches. Em uns dias nós ríamos até o refrigerante sair pelos narizes e os soluços surgirem em nossas barrigas. Quando os rapazes chamavam nossos nomes nós dizíamos, “Nem ouse dizer o meu nome. Não quero ele em sua boca.” Quando diziam: “Vocês são feias mesmo”, sabíamos que estavam mentindo. Quando gritavam, “Convencidas!” dizíamos: “Não — confiantes!” Víamos eles passear com seus cachorros sem saber como responder para gente. Nós quatro, juntas, éramos algo que não conseguiam entender. Entendiam garotas solitárias, com os braços cruzados sobre o peito, suplicando pela invisibilidade.