Prefácio de Lázaro Ramos. Nunca mais me esquecerei do dia em que ouvi da boca e da alma de Luciene Nascimento o poema “Tudo nela é de se amar”, que dá título a este livro de estreia. Dita em voz límpida e serena, a poesia produziu em mim a sensação de estar em contato não apenas com a voz dessa moça, mas com as vozes de muitas outras mulheres ancestrais. Era como se Luciene pudesse amalgamar tantas outras vozes silenciadas pela história e fizesse de sua poesia uma porta para um mundo historicamente desprezado, violentado. A voz de Luciene não pede revanche, mas atenção. A voz de Luciene não quer intimidar, mas se impõe pela inteligência, maturidade e potência com que traduz, a partir da sua, a jornada das mulheres negras do Brasil. Luciene Nascimento é nome a ser guardado em lugar especial. Nasce uma voz brilhante na poesia brasileira. — Pascoal Soto
Editora: Estação Brasil; 1ª edição (15 abril 2021); Páginas: 144 páginas; ISBN-10: 6557330063; ISBN-13: 978-6557330067; ASIN: B08ZG6G46V
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Biografia do autor: LUCIENE NASCIMENTO é nascida e criada em Quatis, pequeno município do interior do Rio de Janeiro. Advogada e maquiadora profissional, realiza palestras sobre identidade, estética e autoestima da mulher negra. É poeta e escritora, e seus vídeos de pedagopoesia somam mais de três milhões de visualizações na internet. Foi citada pela imprensa como inspiração para novas gerações na literatura. Luciene é vencedora do Prêmio Dandara e Zumbi dos Palmares na categoria Comunicação e atualmente é vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB- Barra Mansa-RJ.
Leia trecho do livro
Para José Arcanjo, meu pai, que me inspira em sua brandura e de quem herdei o tato com a língua. Para Maria Lucia, minha mãe, cujos gestos fartos de amor e cuidado procuro copiar. Para Danilo, meu irmão, que me ensina sobre a liberdade de sentir profundamente.
E para Quatis, meu solo e perspectiva.
Já que deles sou síntese.
PREFÁCIO
Luciene Nascimento é uma explosão em forma de poesia. Foi exatamente o que percebi quando, pela primeira vez, tive contato com a sua forma de compreender a identidade. Com especial talento, Luciene como que recolhe palavras que andam soltas por aí e as ressignifica, explicando, de forma terna e contundente, toda uma existência.
Foi assim que a encontrei, desavisadamente, quando assisti a um vídeo seu. Procurava alguma coisa pra fugir do tédio e das angústias do dia a dia e deparei com Luciene e seu black pro alto, tendo um cartaz de um evento do coletivo negro da Universidade Federal Fluminense atrás de si num vídeo com o seguinte título: “Tudo nela é de se amar”. A advogada e poetisa já começava dizendo: “Eu ouvi recentemente que sou da Geração Tombamento…”
Já não sei quantas vezes assisti ao vídeo… Fiquei a me perguntar quem era aquela grande poeta que até então eu não conhecia. Como era possível?
Fui atrás de outros vídeos e encontrei Luciene a tratar de temas diversos, sempre numa cadência tão peculiar! A sua maneira de abordar os temas guardava alguma semelhança com vários outros textos que eu conhecia e que buscavam explicar o movimento e os debates raciais da atualidade. Ali estavam as questões relacionadas à autoestima, à formação de identidade, à necessidade de se posicionar ou não, à saúde mental… No entanto, tudo isso vinha impregnado de algo inédito, absolutamente novo: a voz de Luciene. A poesia da moça falava sobre tudo que estava mobilizando a sociedade, mas de um outro jeito e com muita propriedade.
O resultado é que virei seu fã. Comecei a citá-la sempre que podia e botei um trecho de um poema seu no meu livro, Na minha pele. Até que, felizmente, um dia eu a conheci e pude perceber que, também pessoalmente, ela era vibrante, interessada, inteligente, perspicaz.
Que bom que vocês terão contato com as palavras de Luciene. Ela ajuda a criar caminhos.
Boa leitura!
Lázaro Ramos
De dentro
Uma fotografia de fundo amarelo há exatos seis anos foi capaz de me atirar numa experiência de imersão poderosa. Naquele dia, passava distraída os olhos pelas imagens na internet, e a vida me colocou diante daquela cuja existência me atravessa profundamente até hoje.
A mulher retratada me encarava serena, como se tivesse o hábito de fazer aquilo, de parar e impactar o passeio dos olhos de quem a flagra. Ela tinha o corpo virado para a esquerda, mas a cabeça atenta ao foco da lente. O queixo sobre o ombro. A pele retinta de subtom frio, as maçãs do rosto protuberantes, ressaltando as áreas sombreadas da pele. Os olhos denotavam firmeza, paz e convite. O cabelo crespo e curto no topo da cabeça. Os braços, um deles em primeiro plano, me lembravam os braços de minha mãe e também os meus. Músculos criando ondas sutis sob a pele. Os lábios, como carnes, de tom roxo e rosa velho. O contraste dela toda marrom-cacau amargo com o amarelo ocre do fundo. A gentileza de estar tão parada a ponto de me permitir prestar atenção em tudo isso. A beleza é um fenômeno avassalador.
Quis escrever sobre ela. Sobre a pele que compunha o contorno do seu rosto. Os músculos daqueles braços, como se pareciam com os meus… Os cabelos, então, pensei que, se ela tocasse neles, assim como nos meus, os dedos se emaranhariam e não sairiam com pressa. E tudo ali me dava a entender que aquela mulher tinha uma história semelhante à minha, uma vez que nos parecíamos de alguma forma. Isso era raro. Se ela era linda, também éramos minha mãe e eu.
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