Livro ‘Quer casar comigo todos os dias?’ por Pedro Chagas Freitas

Livro 'Quer casar comigo todos os dias?' por Pedro Chagas Freitas
Do mesmo autor do best seller Prometo perder. Emocionante, sensual e doce, Quer casar comigo todos os dias? é um romance a duas vozes tremendamente intenso ― capaz de fazer o leitor perceber qual é, afinal, o poder do amor. Estarão todos à altura de senti-lo? Como uma montanha-russa emocional, ao longo do livro vamos tendo acesso aos altos e baixos de uma relação a dois, e a forma livre como é escrito nos permite sentir os personagens e vivenciar em primeira pessoa cada parte desta história. “Não preciso de você para respirar. Preciso de você, isso sim, para ficar sem respiração.” “Metade da felicidade consiste em conhecermos os nosso limites...
Editora: Verus; 1ª edição (26 outubro 2020)  Capa comum: 280 páginas  ISBN-10: 8576868164  ISBN-13: 978-8576868163  Dimensões: 15.5 x 2.3 x 23 cm

Leia trecho do livro

Te veem nos meus braços e perguntam se sou feliz —

serão parvos ou apenas cegos?

— A sua sorte é que eu esqueço as coisas más que você faz.
— Coisas más? Que coisas más é que eu fiz?
— Não me lembro.

A sua pele é como se acontecesse haver o prazer antes da vida, sei lá, há tanto para te tocar e apenas uma existência. Quando você vier vou para o céu —

serve isso como oração matinal?

Antes de você eu acreditava no amor eterno, agora o vivo —

obrigado.

“Quero que me percorra como se o mundo acabasse em mim” — você exige. E depois o mundo acaba.

Nos conhecemos quando a praia servia para amar — ainda serve —, você vinha de sandálias e percebi que era menor do que eu pensava, e me ocupava todo.

Estávamos em maio e já só me apetecia partilhar o calor com você — preferia debaixo dos lençóis mas pode ser na praia, sim, se tem de ser.

“Tem os maiores olhos do universo” — nem reparei que você estava de óculos de sol e que ficava mal a um escritor não saber falar.

Riu — os seus dentes desalinhados me apareceram então pela primeira vez, tão perfeitos —, mudou de assunto e falou de outra coisa qualquer, pouco me importa, confesso, tudo o que você disse me pedia que te procurasse —

onde você estava que eu tinha os braços desocupados?

“Quero adormecer no seu colo” — preferia no sofá ou na cama mas na sala de cinema também não está mal, sim, se tem de ser.

As salas de cinema são excelentes para ver filmes, concordo, mas insuficientes para amar como deve ser — quem as inventou estava carente, coitado.

“Me sossegue mas não me deixe em paz, por favor” — você nunca disse mas eu ouvi, estava passando um filme qualquer, uma porcaria sobre a vida, essa coisa ridícula de tão pequena quando posso te amar, e o sono chegou até mim para me permitir o seu colo. Pousei em silêncio a cabeça sobre as suas pernas e fui feliz — adormecer serve para dormir, claro, mas mais ainda para amar.

Havia pessoas instaladas entre nós, passados que serviam para doer e não para lembrar, eu que pensava amar alguém estive apenas, afinal, à espera da melhor altura para te amar — que perversa é essa porra quando temos de falhar para acertar em cheio?

Dorme ao meu lado agora, a Terra para e se movimenta quando é assim, não me interessa de onde viemos nem para onde vamos, apenas o lado prático de te amar —

as nossas pernas se rodeiam como serpentes, quem nos visse assim não saberia quem é quem. nem eu.

Quando você acordar vai querer dormir outra vez, é sempre assim, recusa sair para os outros quando podemos ser só os dois —

me apaixona esse seu egoísmo, é de uma utilidade imensa para o meu.

Somos jovens quando temos muito para amar, anda-se pelos dias à procura de um motivo e quando o encontramos percebe-se que não há motivos, apenas urgência, o tempo a se derreter entre os dedos e o futuro curto para o espaço que os sonhos ocupam —percebo a nossa humanidade, foi também ela que nos juntou, mas bom mesmo era lhe juntar algo de diferente,
a imortalidade, por exemplo,
pode ser?

Nesse dia na praia você perdeu os óculos de sol, fui com uma felicidade inexplicável contigo procurá-los — soube aí que partilhar o que você é me fazia feliz, ainda faz —, remexemos um pouco a areia, cavamos pouco, nada apareceu a não ser, por segundos, uma das suas mãos numa das minhas, foi de raspão mas me tocou profundamente — fui agora com o meu pé debaixo do cobertor tocar no seu para matar as saudades, foi de raspão mas me tocou profundamente,

havia tanto para escrever sobre o que nos toca de raspão e ainda assim profundamente, mas prefiro amar, você também?

Nenhum homem é tão pequeno que não possa ser Deus.
Amavam-se como se ama um orgasmo. Viviam o que tinham para viver, sentiam o que tinham para sentir. E partiam. Não havia perguntas dificeis nem respostas desnecessárias. Sabiam que aquilo, como tudo, era passageiro. E faziam questão, por isso, de torná-lo eterno.

Vivemos numa casa governada por afetos, não sei qual de nós é mais lamechas, às vezes você está carente e se enrola em mim à procura de um espaço para pousar as lágrimas, às vezes eu estou escuro e quero o silêncio para te amar melhor, e sempre que nos olhamos um repouso apaziguador chega, não precisamos de mais do que isso para continuar —

ou se calhar precisamos, precisamos do sossego ativo que são os corpos, o suor, o orgasmo incomparável, mas disso já falarei à frente,
assim eu tenha coragem e arte para descrever a presença de Deus no interior da nossa felicidade.

A felicidade é a possibilidade de Deus, não mais, a possibilidade de um milagre —

é multo mais feliz a possibilidade de um milagre do que o próprio milagre; os milagres são uma seca, algo impossível de acontecer não me excita minimamente, excita-me mais a tensão de um desafio, procurar superá-lo por mais improvável que pareça, como quando parecia improvável sermos marido e mulher e marcamos com cinco anos de antecedência a nossa data —

é hoje, já reparou?

Você ainda dorme e o dia parece como todos os outros —
e basta isso para ser um dia perfeito.

“Quer casar comigo todos os dias?” — há papéis demais separando as pessoas, é bom que haja alguns a uni-las, as palavras são perigosas e é por isso que somos viciados nelas, todos os dias, sem exceção, nos pedimos em casamento e nos beijamos como marido e mulher,
hoje é sério, ou se calhar hoje é que é brincando, certo é que há alguém que nos fará legalmente esposa e esposo,

pode não servir para nada mas nos faz felizes, conhece algo mais importante do que isso?,
eu não.
Não encontramos os óculos de sol, alguém os levou, provavelmente o mar, suspeito de que até ele saiba o que é bom, saímos da praia com os pés ardendo e uma vontade insustentável de um abraço, já tínhamos nos abraçado antes mas é segredo, e ninguém pense que vou usar um livro para revelar segredos — como aquele dia em que havia um trem cheio, eu e você lado a lado, e finalmente uma casa que não digo onde é e uma noite que nunca nenhum poema conseguirá escrever,

só quando a poesia não lhe consegue chegar é que acontece amor,
disse o poeta.
O seu corpo apareceu em mim para aprofundar o conceito de morte, vi-o para acreditar na vida eterna, e imediatamente fiquei pronto para morrer por ele —

e pelo prazer que ele me dá, a minha mão andava perdida e depois se encontrou, soube com serenidade quais os caminhos certos,
e quando a noite acabou ambos soubemos que estava começando qualquer coisa que não sabíamos o que era mas que sabíamos que fazia voar e chorar, perdoe-me a redundância.


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