Livro ‘O Momento de Voar’ por Melinda Gates

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"Este livro é um manifesto urgente por uma sociedade igualitária, em que as mulheres sejam valorizadas em todas as áreas." – Malala Yousafzai. "O momento de voar mudou a forma como vejo a mim mesma, minha família, meu trabalho e o que é possível no mundo. Melinda entrelaça dados decisivos com um relato corajoso, repleto de vulnerabilidade. Este é um daqueles raros livros que permanecem no coração muito depois da última página." – Brené Brown, autora de A coragem de ser imperfeito. Guiados pela crença de que todas as vidas têm o mesmo valor, Melinda Gates e seu marido, Bill, o lendário fundador da Microsoft, há anos vêm trabalhando para reduzir as desigualdades ao redor do mundo. Em seus esforços para acabar com a pobreza...
Páginas: 240 páginas  Editora: Editora Sextante (13 de maio de 2019)  ISBN-10: 8543107490  ISBN-13: 978-8543107493  ASIN: B07R8G7MCJ

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Biografia do autor: MELINDA GATES divide com o marido, Bill, a presidência da Fundação Bill & Melinda Gates, a maior fundação privada do mundo, e se dedica a desenvolver e implementar programas de saúde e geração de renda que transformam a vida de famílias, comunidades e sociedades. O ponto central de seu trabalho se concentra no empoderamento de meninas e mulheres para ajudá-las a realizar plenamente o próprio potencial. Em 2015, criou a Pivotal Ventures, uma empresa de investimentos e incubadora de iniciativas para o progresso social de mulheres e famílias nos Estados Unidos. Melinda se formou na Universidade Duke e concluiu o MBA no programa Fuqua, da mesma instituição. Passou a primeira década de sua carreira desenvolvendo produtos multimídia na Microsoft, antes de deixar a companhia para se concentrar em sua família e seu trabalho filantrópico. Ela mora em Seattle com o marido, Bill. Eles têm três filhos. 

Leia trecho do livro

Para Jenn, Rory e Phoebe

Nosso maior medo
é sermos poderosas
além da medida.

– MARIANNE WILLIAMSON

Introdução

Quando eu era pequena, os lançamentos espaciais tinham uma importância gigantesca na minha vida. Cresci em Dallas, no Texas, em uma família católica com três irmãos, mãe dona de casa e pai engenheiro espacial do Programa Apollo.

Nos dias de lançamento, nós nos espremíamos no carro e íamos até a casa de um amigo do meu pai – outro engenheiro do Programa Apollo – para assistirmos juntos à decolagem dos foguetes. Ainda sinto nos ossos o suspense daquelas contagens regressivas. “Vinte segundos e contando, T menos quinze segundos, orientação é interna, Doze, Onze, Dez, Nove, sequência de ignição iniciada, Seis, Cinco, Quatro, Três, Dois, Um, Zero. Todos os motores ligados. Decolagem! Temos uma decolagem!!!”

Esses momentos sempre me empolgaram – especialmente o instante da decolagem, quando os motores são acionados, a terra treme e o foguete começa a subir. Recentemente encontrei a expressão “momento de ascensão” em um livro de Mark Nepo, um dos meus escritores prediletos para os assuntos da alma. Ele usa essas palavras para se referir a um momento de graça. Algo “ascendeu como uma echarpe ao vento”, escreveu ele. Nessa hora, seu sofrimento silenciou e ele se sentiu completo.

A imagem de Mark para a ideia de ascensão é plena de maravilhamento. E, para mim, maravilhar-se tem dois significados. Pode ser tanto um espanto reverente quanto curiosidade. Sinto um imenso espanto reverente – mas também uma enorme curiosidade. Quero saber como essa ascensão acontece! 

Todos já estivemos em um avião, no final de uma longa pista, esperando ansiosos o momento de decolar. Quando meus filhos eram pequenos e estávamos em uma aeronave prestes a levantar voo, eu dizia a eles: “Rodas, rodas, rodas.” E no momento em que o avião saía do chão: “Asas!” Quando as crianças já estavam um pouco mais velhas, elas se juntavam a mim e dizíamos essas palavras em coro. De vez em quando falávamos “rodas, rodas, rodas” mais vezes do que esperávamos, e eu pensava: Por que o avião está demorando tanto para sair do chão!?

Por que às vezes é tão demorado? Por que em outras acontece tão depressa? O que nos leva para além do ponto de inflexão em que as forças que nos empurram para cima superam as forças que nos puxam para baixo, de forma que somos levantados da terra e começamos a voar?

Durante vinte anos viajei pelo mundo trabalhando pela fundação que criei com meu marido, Bill. Nessas viagens eu pensava: 

Como podemos invocar esse momento de alçar voo para os seres humanos – especialmente para nós, mulheres? Pois descobri que quando as mulheres ascendem, toda a humanidade ascende.

E como podemos criar um momento de ascensão nos corações humanos de modo que todos queiram que as mulheres levantem voo? Porque, às vezes, para que isso ocorra, basta pararem de nos puxar para baixo.

Em minhas viagens, descobri que centenas de milhões de mulheres querem decidir por si mesmas se e quando terão filhos, mas não podem. Não têm acesso a anticoncepcionais. E existem muitos outros direitos e privilégios negados às mulheres e às meninas: o direito de decidir sequando e com quem se casar. O direito de frequentar uma escola. De receber um salário. De trabalhar fora de casa. De sair de casa. De gastar o próprio dinheiro. Organizar seu orçamento. Abrir um negócio. Fazer um empréstimo. Ter uma propriedade. Divorciar-se do marido. Consultar-se com um médico. Candidatar-se a um cargo. Andar de bicicleta. Dirigir um carro. Fazer faculdade. Estudar computação. Encontrar investidores. Todos esses direitos são negados às mulheres em algumas partes do mundo, às vezes por lei. Mas, mesmo quando tudo isso é permitido por lei, muito ainda nos é negado pelos preconceitos culturais.

Comecei minha jornada em defesa dos direitos do cidadão com o planejamento familiar. Mais tarde passei a abordar também outras questões. Porém logo percebi – porque logo me disseram – que não bastava falar em favor do planejamento familiar, nem mesmo em favor de cada um dos temas que citei antes. Eu precisava falar em favor das mulheres. E então vi que, se quisermos ocupar nosso lugar em pé de igualdade com os homens, isso não será consequência de conquistarmos nossos direitos um a um, passo a passo; nossas conquistas virão em ondas à medida que nos tornarmos mais empoderadas.

Este livro traz lições que aprendi com pessoas extraordinárias que quero que você conheça. Algumas vão partir seu coração. Outras farão seu coração voar. Esses heróis e heroínas construíram escolas, salvaram vidas, acabaram com guerras, empoderaram meninas e mudaram culturas. Acredito que vão inspirar você como me inspiraram.

Por meio deles, compreendi a força transformadora do empoderamento feminino, e quero que todo mundo entenda isso. Eles me mostraram o que as pessoas podem fazer para causar impacto, e quero que todo mundo saiba disso. Escrevi este livro para compartilhar as histórias de pessoas que deram foco e urgência à minha vida. Quero que todos vejam como podemos ajudar uns aos outros a florescer. Os motores estão ligados; a terra está tremendo; estamos decolando. Mais do que em qualquer momento do passado, temos o conhecimento, a energia e o senso ético para romper com os padrões da história. Precisamos da ajuda de cada defensor agora. Mulheres e homens. Ninguém deve ser deixado de fora. Todos precisam ser trazidos para esse movimento. Nosso chamado é para ajudar as mulheres a levantar voo – e quando nos unirmos nessa causa, nós seremos a ascensão.

CAPÍTULO UM

A ascensão de uma grande ideia

Começo contando um pouco da minha história. Estudei na Ursuline Academy, uma escola católica de ensino médio só para meninas, em Dallas. No último ano, fiz uma visita ao campus da Universidade Duke e fiquei encantada com o departamento de ciência da computação. Tomei minha decisão: matriculei-me na Duke e me formei cinco anos depois em ciência da computação, com um mestrado em administração. Recebi uma oferta de emprego na IBM – onde eu havia trabalhado em várias férias de verão –, mas a recusei e fui para uma empresa de software relativamente pequena chamada Microsoft. Passei nove anos lá, ocupando vários cargos, até me tornar diretora-geral de produtos de informática. Hoje trabalho com filantropia; passo a maior parte do tempo buscando maneiras de melhorar a vida das pessoas. Além disso, sou esposa de Bill Gates. Nós nos casamos no Ano-Novo de 1994. Temos três filhos.

Esse é o pano de fundo. Agora quero contar uma história mais longa: sobre meu caminho para o empoderamento das mulheres e sobre como, enquanto eu empoderava outras, elas me empoderavam.

No outono de 1995, quando Bill e eu estávamos casados havia quase dois anos, descobri que estava grávida. Tínhamos uma viagem marcada para a China, algo importantíssimo para nós. Bill raramente tirava férias da Microsoft e viajaríamos com outros casais. Como eu não queria atrapalhar os planos, pensei em não contar sobre a gravidez até voltarmos. Durante um dia e meio fiquei repetindo a mim mesma: “Vou apenas adiar a notícia.” Depois percebi: “Não. Preciso contar a ele porque alguma coisa pode dar errado.” E, por fim: “Preciso contar porque o filho também é dele.”

Quando me sentei com Bill para conversar sobre a gravidez de manhã, antes de sairmos para o trabalho, ele teve duas reações. Primeiro, ficou empolgado com o bebê. Depois disse:

– Você pensou em não me contar? Está brincando?

Não havia demorado muito para eu ter minha primeira ideia equivocada em relação à maternidade.

A viagem à China foi fantástica. Minha gravidez não atrapalhou em nada, a não ser no momento em que estávamos em um museu no oeste do país e o curador abriu um antigo sarcófago com uma múmia; o cheiro me fez sair correndo para evitar uma crise de enjoo matinal – que, conforme descobri, podia vir a qualquer hora do dia! Uma das minhas amigas que me viu sair correndo pensou: Melinda está grávida. Na volta, Bill e eu nos separamos do grupo para passar algum tempo sozinhos. Numa das nossas conversas eu o deixei chocado quando disse:

– Olha, não vou continuar trabalhando depois de ter o bebê. Não vou voltar.

Ele ficou pasmo.

– Como assim, não vai voltar?

– Nós temos sorte, não precisamos do meu salário. O que está em jogo aqui é como queremos criar nossos filhos. Você não vai diminuir o seu ritmo de trabalho e eu não vejo como conciliar as horas necessárias para eu ter um bom desempenho profissional e ainda cuidar da família.

Faço um relato sincero dessa conversa com Bill para levantar, logo de início, um ponto importante: quando enfrentei pela primeira vez as questões e os desafios de ser mãe e trabalhar fora, eu ainda precisava amadurecer bastante. Naquela época – acredito que de maneira inconsciente – eu achava que, quando os casais tinham filhos, os homens trabalhavam e as mulheres ficavam em casa. Acho fantástico se as mulheres quiserem ficar em casa. Mas isso deveria ser uma opção, não algo que fazemos porque achamos que não há escolha. Não me arrependo da decisão; faria tudo de novo. Mas naquele momento apenas presumi que era isso que as mulheres faziam.

De fato, a primeira vez que me perguntaram se eu era feminista, eu não soube o que dizer, porque não me considerava feminista. Não tenho certeza se eu sabia o que isso significava. Isso aconteceu quando nossa filha Jenn tinha menos de 1 ano.

Vinte e dois anos depois, posso dizer que sou uma feminista convicta. Para mim é muito simples. Ser feminista significa acreditar que toda mulher deveria poder ter voz própria e buscar a realização de seu potencial. Também significa que mulheres e homens deveriam trabalhar juntos para derrubar as barreiras e acabar com os preconceitos que ainda impedem o avanço das mulheres.

Isso é algo que eu não diria com total convicção nem mesmo há dez anos. Só percebi isso depois de muito tempo ouvindo mulheres – com frequência, mulheres que passaram por dificuldades extremas e cujas histórias me ensinaram o que leva à desigualdade e o que faz os seres humanos florescerem.

Mas essas ideias só me ocorreram mais tarde. Naquela época, eu via tudo pelas lentes dos papéis de gênero que conhecia, e foi por isso que eu disse ao Bill:

– Não vou voltar.

Ele ficou perplexo. O fato de eu trabalhar na Microsoft era uma parte importante da nossa vida juntos. Bill fundou a empresa em 1975. Eu entrei em 1987, a única mulher no primeiro grupo de funcionários com mestrado. Nós nos conhecemos pouco depois, em um evento da empresa. Eu estava em Nova York a trabalho, e minha colega de quarto (na época dividíamos a hospedagem para economizar) me falou sobre um jantar que aconteceria naquela noite e eu não ficara sabendo. Cheguei tarde e todas as mesas estavam ocupadas, exceto uma, que ainda tinha duas cadeiras vazias lado a lado. Eu me sentei em uma delas. Alguns minutos depois, Bill chegou e se sentou na outra.

Conversamos durante todo o jantar e eu senti que ele estava interessado, mas passei um tempo sem notícias dele. Então, em uma tarde de sábado, nós nos esbarramos no estacionamento da empresa. Ele puxou conversa e me convidou para sair duas semanas depois, numa sexta-feira. Eu ri e disse:

– Isso não é espontâneo o suficiente para mim. Faça o convite mais perto da data.

Dei a ele o número do meu telefone. Duas horas depois ele ligou para minha casa e me convidou para sair naquela mesma noite.

– Isso é espontâneo o suficiente para você? – perguntou.

Descobrimos que tínhamos muita coisa em comum. Nós dois adoramos quebra-cabeças e somos muito competitivos; fizemos disputas de quebra-cabeças e jogos matemáticos. Acho que ele ficou intrigado quando eu o derrotei em um desafio de matemática e ganhei na primeira vez no Detetive, aquele jogo de tabuleiro em que você descobre quem cometeu o assassinato, em que cômodo e com que arma. Ele insistiu que eu lesse O grande Gatsby, seu romance predileto, e eu já tinha lido duas vezes. Talvez naquele momento ele tenha se dado conta de que encontrara a pessoa certa. Seu par romântico, como costumava dizer. Eu soube que tinha encontrado a pessoa certa quando vi sua coleção de discos – um monte de Frank Sinatra e Dionne Warwick. Quando ficamos noivos, alguém perguntou a ele:

– O que você sente quando está com a Melinda?

E ele respondeu:

–Sei que é espantoso, mas sinto vontade de casar.

Bill e eu também acreditávamos na importância da informática. Sabíamos que escrever programas para computadores pessoais daria aos indivíduos poder sobre as informações – algo que naquele momento estava nas mãos das instituições – e que a democratização dos computadores poderia mudar o mundo. Por isso nos sentíamos tão empolgados em estar na Microsoft diariamente, trabalhando a mil por hora para desenvolver programas.

Mas nossa conversa sobre o bebê deixou claro que os dias em que trabalhávamos juntos estavam chegando ao fim. Mesmo depois que as crianças crescessem, eu dificilmente voltaria para lá. Tinha pensado muito nesse assunto antes de engravidar, conversado sobre isso com amigas e colegas de trabalho, mas assim que soube que Jenn estava a caminho tomei minha decisão. Ele não tentou me fazer mudar de ideia. Só ficou perguntando:

–Tem certeza?!

À medida que o parto de Jenn se aproximava, Bill começou a me perguntar:

– E então, o que você vai fazer? Eu gostava tanto do meu trabalho que ele não conseguia me imaginar abrindo mão dessa parte da minha vida. Esperava que eu começasse algo novo assim que tivéssemos nossa filha.

E ele não estava errado: logo comecei a procurar uma atividade criativa que combinasse comigo. A causa que mais me mobilizou quando saí da Microsoft foi a busca por maneiras de fazer com que meninas e mulheres se envolvessem com tecnologia. Afinal, a tecnologia tinha feito muito por mim no ensino médio, na faculdade e depois.

Meus professores na Ursuline ensinavam os valores da justiça social e nos exigiam muito em termos acadêmicos – mas a escola não tinha superado os preconceitos de gênero que eram dominantes na época e são relevantes ainda hoje. Para dar uma ideia: havia uma escola católica para garotos ali perto, a Jesuit Dallas, que era considerada nossa escola-irmã. Nós íamos à Jesuit assistir às aulas de cálculo e física e os garotos iam à Ursuline aprender datilografia.

Pouco antes de eu começar o último ano, minha professora de matemática, a Sra. Bauer, viu computadores Apple II+ em um congresso de matemática em Austin. Então voltou à nossa escola e disse:

– Precisamos comprar uns desses para as meninas.

A diretora, a irmã Rachel, perguntou:

– O que vamos fazer com eles se ninguém souber usá-los?

– Se a senhora comprar, eu aprendo para ensinar a elas – respondeu a Sra. Bauer.

Assim, a escola usou boa parte do orçamento e fez sua primeira compra de computadores – cinco para todas as seiscentas meninas, e uma impressora térmica.

A Sra. Bauer gastou tempo e dinheiro do próprio bolso para ir até a Universidade Estadual do Norte do Texas estudar ciência da computação à noite, de modo a poder nos ensinar de manhã. Acabou conseguindo um diploma de mestrado e nós nos esbaldamos. Escrevíamos programas para resolver problemas de matemática, convertíamos números para bases diferentes e criávamos animações gráficas primitivas. Em um projeto, programei um quadrado com carinha sorridente que se movia pela tela no ritmo da canção “It’s a Small World”, da Disney. Era uma coisa rudimentar. Na época os computadores não ofereciam muitas possibilidades gráficas, mas eu não sabia que aquilo era rudimentar. Eu estava orgulhosa!

Foi assim que descobri que amava computadores – por sorte e pela dedicação de uma professora fantástica que disse: “Precisamos comprar uns desses para as meninas.” Ela foi a primeira defensora da presença feminina na tecnologia que conheci, e os anos seguintes me mostrariam como necessitávamos de muitas outras. Para mim, fazer faculdade era criar códigos com os “meninos”. No grupo que entrou comigo na Microsoft só havia rapazes. Quando compareci às entrevistas de admissão na empresa, todos os gerentes, menos um, eram homens. Isso não me pareceu correto.

Eu queria que as mulheres tivessem sua cota de oportunidades, e esse se tornou o foco do primeiro trabalho filantrópico no qual me envolvi, pouco depois de Jenn nascer. Achei que o caminho óbvio para apresentar os computadores às meninas era trabalhar com pessoas da secretaria de educação da região e ajudar a levar computadores para as escolas públicas. Me envolvi profundamente na informatização de várias delas. Mas quanto mais entrava nisso, mais claro ficava para mim que seria muito dispendioso tentar expandir o acesso aos computadores a cada escola do país.

Bill acredita apaixonadamente que a tecnologia deveria estar disponível a todo mundo, e na época a Microsoft estava envolvida num projeto em pequena escala para oferecer acesso à internet por meio da doação de computadores às bibliotecas. Quando terminaram o projeto, os gestores marcaram uma reunião para apresentar os resultados a Bill, e ele me disse:

– Você deveria vir junto e se informar sobre isso. É uma coisa que pode interessar a nós dois.

Depois da apresentação, Bill e eu dissemos um ao outro:

– Uau, talvez a gente devesse fazer isso em todo o país. O que você acha?

Na época, nossa fundação era apenas uma ideia com um orçamento pequeno. Acreditávamos que todas as vidas tinham o mesmo valor, mas não era o que víamos pelo mundo; a pobreza e a doença afligiam alguns lugares muito mais intensamente do que outros. Queríamos criar uma fundação para lutar contra essas desigualdades, mas não tínhamos ninguém para comandá-la.

Eu não podia, porque não assumiria um trabalho de horário integral enquanto tivesse filhos pequenos. Mas Patty Stonesifer, a principal executiva da Microsoft e uma pessoa que Bill e eu respeitávamos e admirávamos, ia largar o emprego, e nós cometemos a temeridade de abordá-la durante sua festa de despedida e perguntar se ela toparia liderar esse projeto. Patty aceitou e se tornou a primeira colaboradora da fundação, trabalhando de graça em um escritório minúsculo em cima de uma pizzaria.

Foi assim que entramos na filantropia. Eu tinha tempo para me envolver porque estava em casa cuidando de Jenn – e Rory só nasceu quando ela já estava com 3 anos.

Olhando em retrospecto, percebo que naqueles primeiros anos eu estava diante de uma questão crucial: “Você quer ter uma carreira ou ficar em casa cuidando dos filhos?” E minha resposta era: “As duas coisas!” Primeiro ter uma carreira, depois ser uma mãe dona de casa, em seguida uma mistura das duas possibilidades, e então retomar o trabalho. Tive a oportunidade de ter duas carreiras e a família dos meus sonhos – porque estávamos na posição privilegiada de não precisarmos do meu salário. Além disso, havia outro fator cuja importância só ficaria clara para mim anos depois: eu tinha o benefício de um pequeno comprimido que me permitia programar as gestações.

Acho meio irônico que, quando Bill e eu começamos a procurar modos de fazer a diferença no mundo, eu jamais tenha estabelecido uma conexão entre nossos esforços para ajudar as pessoas mais pobres e os anticoncepcionais que eu mesma usava para organizar nossa vida em família. Alternativas de planejamento familiar estavam entre nossas primeiras doações, mas tínhamos uma compreensão estreita de seu valor, e eu não fazia ideia de que essa seria a causa que me levaria à vida pública.

Mas eu obviamente compreendia a importância dos anticoncepcionais para a minha família. Não foi por acaso que só engravidei depois de trabalhar por quase uma década na Microsoft, até que Bill e eu estivéssemos prontos para ter filhos. Não foi por acaso que Rory nasceu três anos depois de Jenn e que nossa filha Phoebe veio três anos depois de Rory. Isso foi uma decisão minha e de Bill. Claro, também houve uma pitada de sorte; tive a sorte de engravidar quando queria. Mas também tive recursos para não engravidar quando não queria. E isso nos permitiu ter a vida e a família que desejamos.


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