Livro ‘À Sua Espera’ por Tamires Barcellos

Livro 'À Sua Espera' por Tamires Barcellos
Dono de uma das maiores fazendas de criação de cavalos do Brasil, Ramon Baldez estava acostumado a comandar seu império com punhos de ferro. Reconhecido como um profissional sério e respeitado, pensava que tinha todos os âmbitos da sua vida sob controle, até descobrir que seu sócio, Abraão Rodrigues, havia sofrido um grave acidente de carro. Com o sócio em coma, Ramon se vê diante de um enorme dilema: tomar para si a responsabilidade de lidar com Gabriela, a filha de Abraão, que se vê sem o pai, seu único parente vivo. Sabendo que não poderia dar às costas para a jovem de dezenove anos, ele a acolhe em sua fazenda, enquanto Abraão está em estado grave no hospital. Ramon acreditava que cumpriria o papel de amigo da família...
Capa comum: 500 páginas  ISBN-10: 6586154049  ISBN-13: 978-6586154047  Dimensões do produto: 16 x 5 x 23 cm  Editora: Ler Editorial; 1ª Edição (20 agosto 2020)

Leia trecho do livro

Livro 'À Sua Espera' por Tamires Barcellos

“Estou guardando
Todo meu amor para você
Para você”
Saving All My Love For You — Whitney Houston

RAMON

Despertei antes do alarme tocar. Isso vinha acontecendo com maior regularidade nos últimos anos, mesmo quando eu trabalhava até a exaustão, com a esperança de cair como uma pedra na cama e despertar no horário estabelecido pela minha consciência e não pelo meu corpo.

Fiquei um tempo deitado na cama, olhando para o teto, enquanto repassava tudo o que tinha que fazer naquele dia. Precisava ligar com urgência para Marcos Castilho e saber como andava a negociação com o empresário francês, tinha que checar as rações que haviam sido entregues no dia anterior e entrevistar três possíveis veterinários que agregariam à minha equipe. Esses eram apenas os compromissos mais importantes, ainda tinha uma lista extensa de tarefas que, mesmo sabendo que exigiam a minha atenção, eu não queria pensar naquele momento.

No banheiro, encarei-me no espelho e tentei enxergar em minha aparência algum traço diferente do que havia visto no dia anterior. Nada havia mudado, apesar de hoje ser o meu aniversário e eu estar completando trinta e oito anos. Fisicamente, eu sabia que estava muito bem para a minha idade e não aparentava estar mais perto dos quarenta do que dos trinta, no entanto, por dentro, naquela manhã, eu me sentia tão animado quanto um ancião. O dia mal havia começado e eu já queria que terminasse.

Depois de tomar banho, aparei minha barba e me vesti para um novo dia, enquanto ligava meu celular. Eu era extremamente rigoroso com a minha noite de sono. Já que não conseguia dormir com facilidade e acordava mais cedo do que o esperado, gostava de desligar o celular à noite e estar imerso na escuridão total, para, assim ter algumas horas a mais de descanso, sem distrações. O aparelho apitava e vibrava insistentemente, enchendo-se de mensagens e e-mails que eu só leria na mesa de café da manhã. Antes de o colocar em meu bolso, li algumas felicitações de aniversário e uma mensagem de Caio, meu amigo, perguntando onde seria a comemoração.

Não terá comemoração“, digitei enquanto descia as escadas. Sua mensagem chegou dois minutos depois.
“É óbvio que terá. Te pegarei às nove da noite!” ?

“Não me diga que acordou cedo apenas para me desejar feliz aniversário.” “Ramon, você é importante, mas não tanto, seu babaca. Estou chegando em casa.”

“Ainda na farra? Você não tem mais idade para isso, Caio.”
“Você que está mais perto dos quarenta, Ramon. Eu ainda tenho trinta e seis!”

“Com a cabeça de um homem de vinte.”
“E a alma como a de um adolescente de dezoito.”

Era revoltante o tipo de coisa que eu tinha que ler apenas por ser amigo daquele idiota. Fui direto para cozinha e pude sentir o cheiro de café fresco ainda no corredor, bem como a risada de Cissa. Assim que me viu, ela veio correndo em minha direção.

— Meu menino está ficando mais velho! Feliz aniversário, querido — disse ela ao me abraçar apertado. Para uma senhora de sessenta anos, ela tinha bastante força.

— Por que está acordada a essa hora? Cissa, já falei que não quero que você acorde tão cedo, nem que durma tarde, pelo amor de Deus!

Ela passou a mão pelo meu peito e se virou para Rosana, minha empregada.

— Está vendo, Rosana? O tempo passa e esse garoto só sabe ficar cada vez mais ranzinza.

Rosana, que já era empregada da fazenda há mais de dez anos, riu e balançou a cabeça.

— Com o tempo, isso só vai piorar, Cissa.

— Estão fazendo um complô contra mim, por acaso?

— Jamais, ainda mais no dia do seu aniversário — Rosana disse, aproximando-se. — Feliz aniversário, seu Ramon. Que Deus continue te abençoando.

— Obrigado. — Agradeci a sua felicitação e seu abraço, em seguida, dei um beijo na testa de Cissa.

— E obrigado também, apesar de eu achar desnecessário que tenha acordado a essa hora. Sabe que quero que você descanse, já trabalhou demais nessa vida, Cissa.

— Não é trabalho algum acordar um pouco mais cedo para preparar um café da manhã especial para você. Sente-se, pois fiz aquela broa de milho que você ama!

Sentei-me à mesa da cozinha, que já estava farta, mesmo que só eu tomasse café da manhã àquela hora. Os meninos que trabalhavam na fazenda tinham liberdade de passar ali durante a manhã para beliscar alguma coisa antes do almoço, que era servido no refeitório. Observei enquanto Cissa, sempre falante e com aquela felicidade e energia que lhe eram características, andava de um lado para o outro na cozinha, colocando mais comida na mesa. Quem a olhasse, jamais diria que tinha sessenta anos, primeiro porque, apesar de baixinha e ter alguns fios grisalhos — que ela fazia questão de pintar —, sua aparência física não demonstrava a sua idade e, segundo, porque ela tinha uma vitalidade latente, que me fazia pensar que minha Cissa era eterna.

Depois da morte dos meus pais, quando eu ainda era um adulto recém-formado, com vinte anos na cara e uma montanha de dívidas para pagar, eu tive que demitir mais da metade dos funcionários da fazenda. Cissa era nossa governanta e lembro que senti muita vergonha de saber que teria que dispensá-la, pois, mesmo enxugando aqui e ali, eu não poderia me dar ao luxo de ter uma governanta, quando tinha veterinários para pagar. Cissa, que parecia já saber disso, sentou-se comigo no escritório que, antigamente, era ocupado pelo meu pai e simplesmente disse que não iria embora. Ficaria ao meu lado, mesmo sem receber nada, pois me amava como um filho e jamais me abandonaria. Naquele momento eu tive certeza de que um coração era capaz de comportar o amor por duas mães, pois era assim que eu enxergava aquela mulher baixinha, mandona e alegre. Era como se Cissa fosse a minha segunda mãe.

Fiz com que ela e Rosana sentassem-se comigo e me acompanhassem naquele café da manhã farto. A broa de milho derretia na boca e o bolo de fubá estava maravilhoso. Não gostava de comer muito pela manhã, pois tinha o costume de pegar Capitão, meu cavalo, na baia e cavalgar com ele, antes de iniciar minhas atividades do dia, mas foi impossível não me fartar com aquele banquete.

— Tem certeza que não vai querer que eu providencie um jantar, filho? — Cissa perguntou quando pedi licença para me levantar da mesa.

— Sim, Cissa. Sabe que não sou chegado a festas.

— Mas é seu aniversário! Você não fez nada no ano passado, também não fez no ano retrasado… Sabe o que penso sobre isso.

Cissa achava que o fato de eu não comemorar meu aniversário, significava que eu não era grato por fazer mais um ano de vida. Eu pensava o contrário, Deus sabia que eu era grato, só não gostava de juntar um monte de pessoas que não se importavam com o fato de eu estar ficando um ano mais velho; elas só queriam comer e beber às minhas custas. Não era pão duro e nem “mão de vaca”, mas também não era burro de gastar dinheiro à toa. Para tranquilizá-la, falei:

— Caio disse que vai passar aqui hoje à noite. Vamos sair juntos para comemorar.

— Caio é um menino tão bom! Só ele para fazer você sair de casa — ela disse, levantando-se. — Fico mais tranquila, então. Pelo menos vai comemorar de alguma forma.

Assenti, mesmo que, por dentro, ainda estivesse um pouco contrariado com aquela ideia de sair à noite. Não era um cara mal-humorado, nem do tipo que não gostava de me divertir, tomar uma cerveja com os amigos ou dar uns beijos, mas também não era como Caio, que passava a noite fora mesmo tendo um dia inteiro de trabalho na manhã seguinte.

Passei os próximos quarenta minutos cavalgando com Capitão, meu companheiro para todas as horas. Assim como eu, ele parecia precisar daquela dose diária de exercício e companheirismo antes de iniciar o dia. O entreguei para Getúlio quando terminamos e chequei os potros antes de dar início a tudo o que tinha que fazer naquele dia que, pelo visto, seria mais longo do que o esperado.


Tags: ,