Livro ‘Abya Yala!’ por Moema Viezzer

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Abya Yala! Genocídio, Resistência, Sobrevivência dos Povos Originários do atual continente americano. Como o maior genocídio da história da humanidade exterminou 70 milhões de humanos nas Américas e continua exterminando... Em Abya Yala! Moema Viezzer e Marcelo Grondin realizam um grande inventário das matanças dos povos ancestrais de toda a América, com base em pesquisadores de diferentes épocas e regiões do mundo. Eles apresentam a história de tal genocídio como a dura lição que temos de passar aos nossos filhos e netos, para que passem a seus descendentes como um legado da civilização para o mundo globalizado. É imprescindível evitar o esquecimento, pois a repetição desta tragédia inominável...
Editora: Bambual Editora LTDA; 1ª edição (16 dezembro 2020)  Número de páginas: 247 páginas  ISBN: 9786589138013  Formato: 15,5 x 23

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Sobre o Autor: MOEMA VIEZZER, Mestre em Ciências Sociais e Educadora, é brasileira, descendente de imigrantes italianos e nascida em Caxias do Sul/RS. Ativista, feminista, educadora, dedicou a maior parte de sua vida à educação popular, primeiramente pela causa das mulheres, depois com educação socioambiental em organizações da sociedade civil, ongs, prefeituras e empresas, tendo produzido, como parte de sua atuação, numerosos materiais pedagógicos.  Escreveu cinco livros,  dos quais o mais conhecido internacionalmente é a história de vida intitulada “Se me deixam falar…”,  de Domitila Barrios, traduzido para 14 idiomas. Em reconhecimento por suas ações, foi merecedora de várias menções honrosas e prêmios entre os quais vale destacar o prêmio Bertha Lutz, concedido pelo Senado Brasileiro (2007) e o Prêmio Brasileiras Feministas Históricas dado pela Secretaria da Mulher da Presidência da República me 2016. Moema esteve entre as 52 brasileiras indicadas, em 2004, ao Prêmio Nobel 1.000 Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo. O nome dado ao Observatório Educadora Ambiental Moema Viezzer, da UNILA (Universidade Latinoamericana), é um reconhecimento à sua atuação na área ambiental do âmbito local ao planetário, valendo ressaltar que Moema foi facilitadora da construção do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global na Rio 92. Atualmente continua atuando em diferentes articulações da sociedade civil, no país e fora dele. Moema reside em Toledo com Marcelo, seu esposo. É colaboradora da Embaixada Solidaria de Toledo que atende imigrantes refugiad@s no município. É membro do Rotary Clube Aliança de Toledo-PR e da Academia de Letra de Toledo-PR. MARCELO GRONDIN NADON, natural de Canadá, é Doutor em Ciências Sociais com pós-doutorado em Administração. Latinoamericanista, esteve conectado ao continente durante quase toda sua vida profissional, atuando como professor universitário e como cooperante internacional em projetos sociais em quase todos os países da América Latina. Durante essa trajetória escreveu 8 livros, muitos artigos e trabalhos resultantes de suas pesquisas, várias delas relacionadas com as populações indígenas da Bolivia. Entre elas, merecem destaque: Comunidad Andina, explotación calculada (tese de doutorado). Runa Simi – método de quechua e Quillajaqin Arupa,  método de aymara, além de um livro sobre Tupaj Katary e a revolução camponesa-indígena na Bolivia 1781-1783.  Atualmente, reside em Toledo/Paraná, onde produziu o livro “O Alvorecer de Toledo na Colonização do Oeste do Paraná”, sobre as origens da colonização da região nos anos de 1946-1949. Marcelo integra a Academia de Letras de Toledo-Paraná. Também presta serviços à comunidade como membro do Rotary Clube Aliança, de Toledo-PR.

Leia trecho do livro

Como o maior genocídio da história da humanidade exterminou 70 milhões de humanos nas Américas e continua exterminando…

Aos Povos Originários deste imenso continente que nos revelaram assuntos de vital importância sobre sua resistência e resiliência frente ao impacto da civilização branca.

Prefácio

A invasão do “Novo Mundo”

O ciclo das “descobertas”, ou da expansão do nascente capitalismo ainda não foi decifrado pela historiografia. Tal momento abriu as portas para a velha Europa tomar o resto do mundo ainda incógnito para ela, com todas as consequências desse fantástico movimento de transmigração de povos pelo planeta. Tentamos reconstituir o caminho de destruição que aquelas jornadas de conquista e dominação deixaram atrás de si, mas sabemos que uma das táticas de dominação é justamente apagar o rastro e desaparecer com as marcas violentas deixadas no processo.

Eduardo Galeano, em “As veias abertas da América Latina”, conseguiu o mais completo registro da passagem das bandeiras de Espanha e Portugal, como autênticos “cavaleiros do apocalipse” pelas Américas. O clássico livro de Galeano ainda é o material mais fiel sobre o genocídio dos nativos americanos, iniciado nas ilhas do Caribe com Cristóvão Colombo, seguido por Cortez na atual região da América Central e depois pela invasão da grande região do Tawantinsuyo por Pizzarro, espalhando-se por nosso continente ameríndio.

Seguindo a mesma rota da fome de riquezas, os portugueses chegaram à América do Sul, tratando com ferro e fogo os povos Guarani e Tupinambá, em toda a costa brasileira, destruindo milhares de aldeamentos e cobrindo as praias de cadáveres em represália às lutas de resistência nativa nas chamadas guerras indígenas… Um eufemismo para ocultar os massacres deliberados que governadores da colônia lançavam sobre as nações indígenas, que desconheciam o poderio da Coroa portuguesa.

Cobiça e vingança foram o motor daquelas guerras de destruição movidas contra as nações indígenas, principalmente no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, durante o primeiro século da invasão, até final do século XVI, quando já tinham implantado o governo colonial. Aldeias inteiras destruídas, milhares de mortos e terras conquistadas para o Rei: este foi o saldo da celebrada “descoberta” do Brasil, que até hoje vemos ilustrando material didático nas escolas e bibliotecas pelo país afora.

Uma tarefa urgente é a produção de literatura que venha contar a história na visão dos vencidos, como vêm fazendo novos historiadores e historiadoras, como também escritores e escritoras indígenas. Temos o direito à memória. E novas narrativas virão para iluminar o tempo de escuridão que o colonialismo provocou em nossas terras.

A matança de nações originárias significou o apagamento de memórias, a negação da história profunda de milhões de seres humanos, ainda à margem do que viria a se constituir nos séculos vindouros como a civilização ocidental – uma monstruosa configuração de povos abalados pelas guerras de conquista e dominação de novos continentes, e não somente o americano, haja vista a imensa destruição das nações africanas, removendo um continente inteiro.

Habitamos um mundo revolto pela busca de novas riquezas sem limite, mundo plástico que pode se estender das Américas até as Ilhas do Pacífico. Fomos todos engolfados nessa tragédia civilizatória que, principalmente a partir do século XIX fabrica guerras de conquista e dominação sobre uma parte do mundo para seguir garantindo a posse do planeta Terra para as nações centrais.

As corporações fazem agora o serviço que, no passado, foi dos reis católicos no século XV, com a benção de Roma, dando posse das terras invadidas e nações subjugadas ao capital nascente, este monstro indomável, que nem mesmo as centenas de milhões de vidas humanas puderam aplacar até agora.

As veias seguem abertas e este grande inventário das matanças que é esta obra, Abya Yala!, de Moema Viezzer e Marcelo Grondin, resultado da colaboração de pesquisadores de diferentes épocas e regiões do mundo, toma a história de tal genocídio como a dura lição que temos de passar aos nossos filhos e netos, para que passem a seus descendentes como um legado da civilização para o mundo globalizado. É imprescindível evitar o esquecimento, pois a repetição desta tragédia inominável paira sobre as nossas cabeças como a iminente Queda do Céu, anunciada por um sábio da nação Ianomâmi, o pajé Davi Kopenawa Yanomami, que relata as visões dos Xamãs de seu povo acerca da desabalada corrida que a humanidade vem fazendo em direção a seu fim.

Uma cartografia da morte com seu rastro de destruição não chega a ser um convite à leitura, mesmo para quem ama ler e tem interesse por história. Assim, eu convoco aqueles de estômago forte e coração aberto para conhecerem e entenderem as lutas de resistência das nações originárias deste continente, e para mergulharem nesta obra que nos revela de que matéria é feita a “civilização” a que imaginamos pertencer: uma humanidade feita de exclusão.

Desde sua primeira expansão, quando apelava para a busca de “novos mundos”, a “civilização europeia” já afiava as espadas para a dominação e o assalto. Assim, com uma mão faziam o sinal da cruz e com a outra baixavam o ferro sobre as cabeças das nações que viviam o sonho de um mundo em que todos caberiam: os humanos em comunhão com todos os seres não-humanos. Reverenciando a Mãe Terra como fonte de todo o bem-viver: água, florestas e montanhas e todos os invisíveis seres da teia da vida constituíam nações de gentes e seres – humanos e não-humanos, antes da ideia do antropocentrismo doentio introduzido pelo pensamento racionalista que passou a dominar as mentalidades.

Atualmente, a ideia de superioridade humana em relação à Mãe Terra está nos nivelando a todos – tanto povos dominados quanto dominadores – como sócios do continuado genocídio, agora transformado em uma verdadeira era do Antropoceno. Neste planeta ameaçado pela presença ruidosa de uma humanidade que assola a vida em todos os termos, para além do genocídio, estamos vivendo um ecocídio, quando fazemos desparecer ecossistemas inteiros, pondo em risco a sobrevivência de todos que nos acostumamos a pensar só como humanidade. Que este grandioso livro, reunindo as narrativas das guerras de destruição do mundo ameríndio, possa despertar em todos nós a coragem necessária para gritar: BASTA!

O grande chefe de Washington diz que quer comprar a nossa terra. Essa ideia é estranha para nós. Como é possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Se o ar fresco e o brilho das águas não nos pertencem, como podemos vendê-los? (…) Cada parte desta Terra é sagrada para meu povo. O ramo do pinheiro, os grãos de areia à beira-mar, na névoa na floresta escura, o vagalume e o beija flor, todos pertencem à história e às tradições de meu povo. (…) O homem branco não compreende nosso modo de viver. Uma porção de terra, para ele, é como outra qualquer. A terra não é sua irmã, nem sua amiga. Depois de exauri-la, ele a abandona, deixando para trás o túmulo de seus antepassados e os sonhos de seus filhos….

Citei apenas uma pequena parte de um dos textos mais contundentes sobre a desigual visão que o homem ocidental tem desta terra, nas palavras de um nativo americano: a Carta do Grande Chefe Seattle, inspiradora do primeiro movimento ecológico do mundo contemporâneo…

Com a esperança de que siga operando o milagre de atingir o coração das novas e futuras gerações e contribua para fazer florescer um tempo de paz e respeito pela vida em todos os sentidos.

Ailton Krenak
Indígena, ambientalista, professor e escritor.

Introdução

Alguns anos atrás, por pura coincidência, chegou a nossas mãos um documento no qual se afirmava que a invasão do continente das Américas pelos europeus desde 1492 tinha dado início a um genocídio que teria eliminado 90 a 95% dos povos originários das Américas.

Tal como ocorria com praticamente 100% das pessoas conhecidas por nós, também estávamos completamente desinformados sobre o tamanho de tal tragédia, embora tivéssemos morado e trabalhado em vários países do continente americano.

Ao constatar nossa ignorância frente a uma notícia tão chocante, e movidos por nossas histórias de vida a serviço das populações mais necessitadas em lugares diversos, decidimos iniciar uma pesquisa com a intenção de divulgar esse fato.

Em nossas buscas, tivemos a oportunidade de encontrar muitas publicações de antropólogos(as) e historiadores(as) de várias partes do continente, que tinham estudado e comprovado cientificamente o acontecimento e a dimensão do genocídio. Não resistimos ao impulso de unir nossos esforços aos de tantos pesquisadores e pesquisadoras.

Assim, iniciamos este nosso trabalho não-acadêmico, que ora é publicado com a finalidade principal de informar um público amplo.

As páginas que seguem traçam um breve panorama dos fatos e da luta dos povos nativos por sua sobrevivência. Vale lembrar que não se trata só de um acontecimento pretérito. Hoje ainda, muitos povos indígenas têm seus direitos humanos ignorados e sofrem de discriminação tão aberta que poderíamos chamá-la de algo semelhante ao apartheid instalado na África. Os indígenas, brasileiros principalmente, vêm sendo despojados de seus territórios e bens, num genocídio que infelizmente ainda não acabou, obrigando esses povos a lutarem fortemente por sua sobrevivência.

Esperamos que nossa iniciativa possa contribuir para conhecer…
para não repetir…
para respeitar…
para conviver.

Mas, para início de conversa: o que é genocídio?

A Assembleia das Nações Unidas de 9 de dezembro de 1948 aprovou a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, que foi assim especificado: Genocídio é qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico ou religioso através de:

• matança de membros do grupo;
• lesão grave à integridade da saúde física ou mental do grupo;
• sujeição intencional do grupo a condições de vida tendo de arcar com sua destruição física, total ou em parte;
• imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
• transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Durante o século XX, grandes genocídios ocorreram no mundo. Entre eles, os seguintes números aproximados:

• armênios (1915): 1,5 milhão de mortos;
• ucranianos (1932-1933): 2 milhões de mortos;
• judeus na Alemanha (1939-1945): 6 milhões de mortos;
• minorias no Camboja (1975-1979): 2 milhões de mortos;
• tutsis em Ruanda (1994): 800 mil mortos;
• minorias em Kosovo (1997-1999): 100 mil mortos.

No entanto, nenhum deles atingiu a proporção do que ocorreu aos povos originários das Américas, a partir de 1493 nas ilhas do Caribe. O assunto já foi estudado e analisado por muitos historiadores, antropólogos e cientistas políticos que o classificaram como o maior holocausto de todos os tempos.

John Collier, pesquisador indigenista norte-americano, lembra que “os índios das Américas somavam não menos do que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte” (apud GALEANO, 2019, p. 62). Naquela mesma época, a população de toda a Europa era de 57 a 70 milhões de habitantes e Espanha e Portugal juntos não ultrapassavam 10 milhões de pessoas.

David Stannard (1992) afirma que “a destruição dos índios das Américas foi, de longe, o maior ato massivo de genocídio na história do mundo”. O mesmo autor diz que, a partir dos estudos de demógrafos e historiadores considerados “moderados”, “90% das populações originárias desapareceram” nos processos de colonização europeia nas Américas (STANNARD, 1992, p. 10-11).

O espanhol Bartolomé de Las Casas (1474-1566), testemunha ocular do início da colonização realizada por seu país, listou os horrores do genocídio ocasionado por matanças em massa das populações nativas e pelo trabalho escravo imposto às mesmas (DE LAS CASAS, 1951).

Infelizmente, nos dias atuais, “a principal pergunta que fica não é: isto pode acontecer novamente? Mas: este processo pode ser detido?” (STANNARD, 1992, p. 13).

Em outras palavras: muito além de uma reflexão sobre o passado, o conhecimento de tais fatos e a reflexão sobre os mesmos nos remetem a situações inadmissíveis que, de formas diferentes, ainda se repetem hoje em dia, em toda a América.


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