Livro ‘Oportunidades Disfarçadas 2’ por Carlos Domingos

Livro 'Oportunidades Disfarçadas 2' por Carlos Domingos
HISTÓRIAS REAIS DE PESSOAS E EMPRESAS QUE TRANSFORMARAM PROBLEMAS EM GRANDES OPORTUNIDADES. “No mundo dos negócios, devemos procurar os problemas, e não fugir deles.” – Carlos Domingos Depois do sucesso de Oportunidades disfarçadas, com mais de 100 mil exemplares vendidos, Carlos Domingos volta a analisar a poderosa mentalidade de empresas e empresários que enxergaram, em momentos de crise, formas de revolucionar seu mercado e impulsionar sua trajetória pessoal. Surpreendente e inspirador, este novo livro amplia o tema, trazendo também histórias de invenções transformadoras para a humanidade, reconstrução de grandes cidades e muito mais..
isbn: 9788543108261
idioma: Português
encadernação: Brochura
formato: 16 x 23
páginas: 224
ano de edição: 2019
edição: 1ª

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Leia trecho do livro

Para meu filho, Diego.
Para minha irmã Maria da Glória (in memoriam).

Introdução

QUANDO INTRODUZI O TEMA Oportunidades Disfarçadas no Brasil, em 2001, através de artigos publicados no jornal Valor Econômico, e posteriormente na forma de livro, em 2009, não imaginava que abordava um conceito secular.

Só fui me dar conta disso ao realizar as pesquisas para este segundo volume. Como estava morando em Londres na época, pude comprovar que o tópico é conhecido na Europa e nos Estados Unidos.

É claro que não me refiro apenas à ideia de transformar problemas em oportunidades — que é tão antiga quanto o homem —, falo é da expressão exata “opportunity in disguise“. Ao estudar sua origem, cheguei a meados do século 18, um período tão efervescente nas esferas econômica e política que provavelmente jamais se repetirá: início do capitalismo e da Revolução Industrial e fundação dos Estados Unidos.

A célebre frase “Todo problema é uma oportunidade disfarçada” (“Every problem is an opportunity in disguise“) é atribuída tanto a John Adams quanto a Benjamin Franklin. Não há uma fonte histórica que comprove a autoria, mas o curioso é que Adams e Franklin foram contemporâneos e conviveram por cerca de 11 anos, entre 1774 e 1785. Tendo lutado juntos pela independência americana, ambos são considerados pais fundadores dos Estados Unidos. Adams foi ainda o segundo presidente do país.

Se fosse para apostar em um dos dois, eu escolheria Benjamin Franklin. Além de espirituoso frasista, Franklin é considerado o primeiro empreendedor americano. Fundou inúmeras empresas, como editora, companhia de seguros, hospital, serviço postal, biblioteca pública e até a Universidade da Pensilvânia. Concebeu invenções importantes, como as lentes bifocais, o serviço meteorológico e o aquecedor doméstico. E foi ainda embaixador, jornalista, cientista e o político “mais influente em moldar o tipo de sociedade que a América se tornaria”. É ele quem estampa a nota de 100 dólares.

Independentemente de quem tenha cunhado a frase em si, a mentalidade Oportunidades Disfarçadas, nascida num momento tão seminal, impregnou-se na cultura americana e influenciou fortemente líderes e empreendedores. John Rockefeller, Thomas Edison, Andrew Carnegie, Abraham Lincoln, Henry J. Kaiser, George Eastman e John Kelloggs, entre outros nomes importantes do século 19, inspiraram-se no legado e no exemplo dos pais fundadores para transformar problemas em oportunidades, através do esforço. Como afirmou ‘Mornas Edison:

“Reconhecer oportunidades é difícil porque elas andam disfarçadas de trabalho.”

No século 20, o conceito difundiu-se pelo mundo. Avançou pela Europa, como veremos nos casos das empresas Volkswagen, Lego, Ikea, Vitra, Adidas e Puma, e chegou ao Japão. Taiichi Ohno, fundador do Sistema Toyota de Produção, método que revolucionou a indústria mundial, declarou:

Um problema é uma oportunidade disfarçada de kaizen (melhoria contínua).”

Nos Estados Unidos, a ideia de transformar limão em limonada seguia ainda mais forte. IBM, McDonald’s, Best Buy, Johnson & Johnson e Nike, além da cidade de Las Vegas, são alguns dos exemplos aqui relatados. No meu primeiro livro sobre o tema das oportunidades disfarçadas, lançado há dez anos, conto como Lee Iacocca salvou a Chrysler da falência nos anos 1980. E dele a frase:

“Somos continuamente desafiados por grandes oportunidades brilhantemente disfarçadas de problemas insolúveis.”

Líderes, teóricos, consultores e gurus como Jack Welch, Ram Charan e Jim Collins sustentam que devemos aproveitar crises e recessões para avançar. Era o que pensava também Peter Drucker, o pai da administração moderna:

“Cada problema social e global é uma oportunidade de negócio disfarçada.”

Se essa filosofia foi importante no passado, no século 21 se tornou crucial. A automação e a inteligência artificial ameaçam eliminar 50% dos empregos; o mercado está saturado em praticamente todas as áreas; num futuro próximo, não restará aos profissionais alternativa a não ser criar suas ocupações.

E nada melhor do que erros, limitações, crises, fatalidades, concorrências, fracassos e insatisfação de clientes para nos indicar oportunidades de negócio e de inovação, brechas de mercado, empresas que devem ser abertas, processos e produtos que devem ser aperfeiçoados etc.

Felizmente, a revolução tecnológica tornou mais acessível a concepção de negócios inovadores a partir de problemas do cotidiano. É o que comprovam as histórias da Netflix, da Uber, do Airbnb, do Instagram, do Nubank, do BuzzFeed e do Alibaba, presentes nesta obra.

Depois de conferir quase duas centenas de casos, você concluirá que, nos dias atuais, devemos procurar os problemas, e não fugir deles. Só quem for capaz de resolver conflitos, preencher lacunas, propor soluções criativas para situações complexas e fazer mais com menos terá lugar assegurado nesta nova realidade.

A mentalidade Oportunidades Disfarçadas deixou de ser privilégio de grandes líderes e empreendedores para ser atributo necessário a todo executivo. Pela razão darwiniana de sobrevivência.

É por isso que, no último capítulo, descrevo formas de incorporar essa mentalidade no seu dia a dia. Se, como disse Aristóteles, a excelência é um hábito, a atitude de buscar oportunidades nos problemas também é.

Convido você, agora, a entrar no fascinante mundo das Oportunidades Disfarçadas. Conheça esse poderoso modo de pensar que há 240 anos impulsiona o mundo dos negócios.

OPORTUNIDADES DISFARÇADAS

NA INSATISFAÇÃO DE CLIENTES

Toda sexta-feira era a mesma coisa: os clientes entravam naquele restaurante McDonald’s em Cincinnati, Ohio, procurando um lanche sem carne. Como não encontravam, iam embora frustrados e famintos.

O gerente da franquia, Lou Groen, descobriu que a razão era a religião dominante na área: a católica, que recomenda abstinência de carne às sextas. Para atender ao público, ele próprio elaborou um sanduíche de peixe. “Desenvolvi um empanamento especial, fiz o molho tártaro e levei para a sede da empresa.”

Até então, a rede nunca tinha adotado uma sugestão vinda dos franqueados. Mas a receita — e a solução — conquistou a todos. Foi assim que o McFish (Filet-O-Fish, em inglês) incorporou-se ao cardápio do McDonald’s.

FOI-SE A ÉPOCA EM QUE EMPRESAS que desrespeitavam os clientes corriam apenas o risco de perdê-los. Em tempos digitais, em que pequenas startups causam grandes mudanças no mercado, o perigo maior é ver os consumidores se transformarem em sérios concorrentes.

Em 1997, o engenheiro americano Reed entrou na Blockbuster para entregar um filme com seis semanas de atraso. Ele tentou se explicar:

— Achei que tivesse perdido a fita.
— Entendo. São 40 dólares, senhor.
— Não dá para a gente negociar? É uma situação esporádica.
— Não. São 40 dólares, senhor.
— Mas sou cliente antigo, jamais atrasei um filme…
— Lamento, regras são regras.
— Isso é um absurdo! Com esse valor eu compro dois filmes novos.
— Lamento, regras são regras!

No final, o cliente precisou pagar 40 dólares para um vendedor que repetia, impassível: “Regras são regras!”

Revoltado, Reed saiu da Blockbuster e, a caminho da academia, ficou remoendo o assunto: “Percebi que o modelo de negócios da academia era muito melhor. A pessoa pagava 30 ou 40 dólares por mês e se exercitava quanto quisesse.” Obcecado por isso, o engenheiro se uniu ao amigo Marc e, um ano depois, lançou o novo serviço. O cliente podia ficar o tempo que quisesse com os títulos, não precisava ir à loja para retirá-los ou entregá-los e todo o processo era feito pelo correio ou pela internet. Foi assim que Reed Hastings e Marc Randolph conceberam a Netflix.

O curioso é que o filme atrasado em questão era Apollo 13 — Do desastre ao triunfo. Parece um resumo da própria história de Reed, que partiu de um constrangimento (“Eu não queria falar com a minha mulher sobre isso. Imagine colocar em risco a integridade do meu casamento só por causa de uma multa por atraso!”, divertiu-se mais tarde)’- para uma fortuna pessoal estimada em 3,7 bilhões de dólares.

Outro cliente que não suportou a passividade de um setor foi o investidor americano Travis. Em 2008, ele e seu amigo Garrett tentavam pegar um táxi à noite em Paris. Quem já passou por isso sabe que é uma tarefa árdua. Para piorar, chovia e fazia frio.

Depois de uma hora aguardando, Travis desistiu. Sentou no meio-fio com o terno molhado, olhou para o celular e desabafou: “Que saco! Sabe o que eu queria? Apertar um botão e ter um carro.”

Foi esse o insight que levou Travis Kalanick e Garrett Camp a criarem o Uber. Em 2010, o aplicativo chegava às ruas de São Francisco.

Cabe a pergunta: se os executivos tivessem conseguido um táxi naquela noite, o Uber existiria hoje? Provavelmente, não. O processo de viabilização do negócio foi tão desgastante, custoso e desafiador que empreendedores menos persistentes teriam desistido pelo caminho. Travis e Garrett tiveram que lutar bravamente contra governos e sindicatos de taxistas, enfrentando greves, manifestações etc. Só estavam tão determinados porque testemunharam na prática a grave falha das companhias de táxis. Longe de ser um mero detalhe na história, a fatídica noite em Paris foi a pedra fundamental do bilionário novo negócio: “Não sei se vocês já passaram por isso, mas pegar um táxi em Paris pode ser muito, muito difícil”, reafirmou Travis em palestra no Royal Albert Hall, em Londres, em 2014.

O Brasil também tem casos de clientes mal atendidos que se tornaram concorrentes de quem os maltratou. Em 2011, o mexicano recém-chegado ao Brasil David foi ao banco abrir urna conta. Ele relata a experiência: “Foi terrível. Tive que ir quatro vezes à agência e aguardar horas na fila.” O contato com o SAC não foi melhor: “Você aguarda meia hora, o transferem dez vezes, fala com um atendente que está lendo um roteiro.”

Indignado, o engenheiro formado em Stanford decidiu montar o próprio banco. Os colegas zombaram dele: “Quer competir com os cinco maiores bancos, que detêm 90% do mercado? Esquece, você é gringo, não conhece o Brasil.”

No entanto, David seguiu em frente. Obteve aporte financeiro nos Estados Unidos e em 2013 lançou o Nubank, atualmente a maior fintech brasileira, avaliada em 4 bilhões de dólares (o equivalente a quatro unicórnios). E a cruzada de David Vélez contra os grandes bancos continua: “Agora queremos trazer quem paga aquelas taxas absurdas.”

No Brasil e no mundo, todo homem sabe como é chato o processo de comprar lâminas de barbear. Primeiro, você descobre que sua lâmina está gasta (justamente na hora de fazer a barba). Depois, precisa ir até um estabelecimento para comprar uma nova. Em alguns lugares, precisa chamar um atendente para pegar o produto. Por fim, paga um preço alto de doer.

Aos 32 anos, o americano Michael conversava sobre essa desagradável jornada com o amigo Mark. “É uma fraude! Eu sei onde conseguir lâminas boas e baratas”, disparou Mark. Foi quando Michael teve a ideia de montarem um serviço ousado: por uma assinatura mensal, entregar lâminas de barbear na casa dos clientes.

Assim, em 2012 foi lançado nos Estados Unidos o site Dollar Shave Club. “A gente entrega lâminas de alta qualidade na sua porta”, dizia o próprio Michael num vídeo que custou apenas 4.500 dólares. “Pare de pagar por tecnologia de que você não precisa (…) Pare de gastar 20 dólares por mês com lâminas de marca, sendo que 19 vão para o Roger Federe? (ele se referia ao garoto-propaganda da Gillette à época).

O vídeo viralizou (atualmente, ultrapassa 26 milhões de visualizações no YouTube). Já no primeiro dia no ar, o número de acessos foi tão grande que derrubou o site. O estoque do produto acabou em seis horas.

Pela sua inovação, comodidade e economia, a empresa rapidamente fez barba, cabelo e bigode no setor. Em um ano, tinha 200 mil assinantes. Em quatro, mais de 3 milhões. A Dollar Shave se destacou tanto que, em 2016, foi adquirida pela Unilever por 1 bilhão de dólares.

Antes de lançarem o próprio negócio, Michael Dubin e Mark Levine provavelmente eram clientes da Gillette, então líder isolada, com 70% do mercado. Três anos depois, a startup havia roubado 11% do market share da gigante. E olha que a Gillette teve no anos para perceber que o processo de compra do seu produto era penoso…

Não é por acaso que muitas das novas empresas de sucesso são digitais. A combinação inédita de tecnologias inovadoras, mercados favoráveis à disrupção, diferentes opções de crowdsourcing e investidores dispostos a apoiar startups deixou a tarefa de empreender mais próxima das pessoas comuns.

Quando digo “pessoas comuns”, quero dizer que até leigos podem impactar diferentes áreas. Quer um exemplo? O próprio Michael Dubin não tinha nenhum conhecimento especial sobre lâminas de barbear antes de criar a Dollar Shave. E quem você acha que montou a comunidade de vinhos mais popular da internet? Enólogos e sommeliers? O dinamarquês Theis Sondergaard estava farto dos especialistas esnobes que falam coisas do tipo: “O processo fermentativo deste vinho aveludado, envelhecido no carvalho por 14 anos, tem buquê refinado de perfil tanino blá-blá-blá…” Nesses momentos, ele pensava: “E quando é que a gente bebe?”

A maioria das pessoas só quer isto: tomar um bom vinho. Sondergaard teve a ideia de criar uma comunidade em que usuários comuns classificassem os diferentes rótulos, sem a interferência de experts. Com o projeto na mão, ele procurou investidores. “Sinto muito. Você não entende nada do assunto” foi a frase que mais ouviu. Mas, para Sondergaard, era justamente esse o diferencial da sua ideia. Comunidades de sommeliers e enólogos já existiam aos montes, mas uma criada por (e para) apreciadores comuns era novidade. Foi essa visão de outsider que atraiu 36 milhões de usuários para o Vivino, o aplicativo de avaliação de vinhos mais baixado do planeta, que classifica 10 milhões de rótulos. Experimente. É gratuito.

Um grande produtor ou distribuidor poderia ter criado o Vivino? Certamente. Assim corno uma companhia de táxis poderia ter criado a Uber. Acontece que, em geral, as grandes empresas estão ocupadas demais com seu negócio para prestar atenção nos clientes. A maioria se diz customer-centric (centrada no cliente), quando na verdade não passa de product-centric (centrada no produto).

“SUA LIGAÇÃO NÃO É IMPORTANTE PARA NÓS”

Em 1994, o professor de matemática Thomas Nicely, da Universidade de Lynchburg, detectou um problema no processador Intel de um dos computadores. Quando ligou para o fabricante, ouviu: “Se realmente existir um erro, afetou uma pequena parcela dos chips.” Como perito, Tom sabia que a falha era grave e afetaria milhões de pessoas. Então ele pediu que colegas professores, matemáticos e cientistas testassem suas máquinas e, caso encontrassem o mesmo problema, o relatassem à Intel.

O assunto chegou à mídia. Ainda assim, a companhia negava que fosse um problema maior. Foi apenas quando a IBM, o principal parceiro comercial da Intel, suspendeu a comercialização dos computadores equipados com o chip defeituoso que a fabricante cedeu. Esse é o típico comportamento centrado no produto.

Postura diametralmente oposta adotou a Johnson & Johnson no escândalo do Tylenol, em 1982, quando sete pessoas nas redondezas de Chicago morreram após ingestão do medicamento. A companhia foi rápida em descobrir que alguém havia adulterado a embalagem e envenenado o produto com cianureto. Em vez de se declarar inocente (como de fato era) e cobrar ação pública (pois se tratava de ato terrorista), a J&J resolveu agir. Rapidamente, recolheu todos os comprimidos de Tylenol do território americano, apesar de as mortes terem ocorrido numa região específica, e disponibilizou 2.500 pessoas para esclarecerem o mal-entendido aos veículos de imprensa e ao grande público. Estima-se que a empresa tenha despendido 100 milhões de dólares na operação.

Mas teve suas recompensas: enquanto a Intel perdeu 20 pontos de valor de mercado na crise do chip, a J&J aproveitou o episódio para fortalecer sua imagem. Ganhou a confiança dos clientes e teve sua atuação reconhecida pela mídia. O jornal Washington Post escreveu que a empresa estava disposta a fazer o que era certo, independentemente dos custos. “Mas custou 100 milhões de dólares!”, pensará você. Sim, acontece que a marca investe quase 2 bilhões anuais em publicidade somente nos Estados Unidos.9 Logo, parece ter valido a pena.

Mais do que arranhar a credibilidade, ser uma companhia centrada no produto pode ser fatal. Veja o caso das livrarias Borders. Em 2001, com 660 lojas e 20 mil funcionários, a rede americana se preparava para entrar na internet. Note que o meio digital não era mais uma novidade: a bolha da internet havia estourado e o iPod seria lançado naquele ano. Mesmo assim, a Borders decidiu terceirizar suas vendas on-line.

Parecia perfeito: enquanto um parceiro lidaria com toda a chateação e complexidade do canal, a companhia poderia se concentrar no que realmente importava para ela, isto é, as lojas e os livros físicos.

Quando a Borders percebeu o potencial do mercado digital, já era tarde. Em 2007, a rede retomou completamente a operação do parceiro, mas não conseguiu reter a base de clientes. Em 2011, declarou falência.

Sabe qual era esse parceiro da Borders? A Amazon. Na época, ela era uma empresa iniciante, que comercializava produtos de terceiros na internet. Coincidentemente, seu slogan era “Earth’s most customer-centric company”, isto é “a empresa mais centrada no cliente do mundo”.

Tive a oportunidade de acompanhar de perto enquanto uma grande empresa focava em seu produto e permanecia alheia às mudanças de hábitos dos consumidores. Em 2009, a Editora Abril contratou minha agência de publicidade para desenvolver o portal VejaSP, guia de lazer e cultura. Quando apresentamos o site, o cliente se surpreendeu com a robustez do projeto. Argumentei que, como a editora era líder em conteúdo no país, deveria replicar esse poderio no meio digital, para onde o público migrava rapidamente. Ouvi a seguinte resposta: “Só queremos estar na internet, meu filho! Esta é uma empresa de papel!”

Em 2018, a Abril entrou em recuperação judicial. Obviamente, não estou relacionando uma coisa com a outra. Seria leviano de minha parte. Mas, sem dúvida, a mentalidade centrada nas revistas físicas contribuiu para seu declínio. Dirá você: é comum empresas estabelecidas não acompanharem as transformações. Mas não são todas. No mesmo ano do episódio da Abril, a Best Buy, líder em eletrônicos nos Estados Unidos,

Dirá você: é comum empresas estabelecidas não acompanharem as transformações. Mas não são todas. No mesmo ano do episódio da Abril, a Best Buy, líder em eletrônicos nos Estados Unidos, revolucionou o atendimento ao consumidor usando o então novíssimo Twitter. Isso porque, enquanto a venda de eletrônicos na internet crescia, a frequência nas lojas físicas da marca só caía. Acontece que um dos diferenciais da Best Buy é a expertise tecnológica de seus vendedores. Como demonstrar isso se os clientes não entrassem nas lojas?

A saída foi levar o conhecimento da equipe para a rede social. Através do serviço Twelpforce, vendedores tiravam dúvidas de consumidores em tempo real pelo Twitter, 24 horas por dia, sete dias por semana. Qualquer funcionário podia participar, desde que seguisse as boas práticas. Ao todo, 2.200 funcionários se inscreveram, incluindo o CEO, John Bernier. A promessa era ousada: “Queremos que você saiba tudo tão rápido quanto nossa equipe acaba de aprender.”

Perceba o diferencial: atendimento feito por funcionários reais e não por um call center do outro lado do mundo. Nenhuma pergunta ficava sem resposta. E o mais admirável é que a equipe foi orientada a não empurrar mercadoria. A intenção era ajudar, esclarecer, prestar um serviço. “TV de 50 polegadas? É grande demais para a sua sala. Escolha uma de 29!” Muitas das situações, coletadas diretamente da vida real, transformaram-se em comerciais de TV.

No primeiro ano da ação, as reclamações diminuíram 25%. Em quatro anos, as vendas subiram 14% – mesmo na esteira da crise de 2008. Sem contar a repercussão e toda a mídia espontânea, que consolidou a rede como especialista em tecnologia e clientes.

Como disse a revista Ad Age, referindo-se ao Twelpforce: “Serviço é o novo marketing. A mídia social deve ser usada para soluções – não para venda. Talvez o futuro da publicidade esteja menos em comprar impressões e mais em causar boa impressão através de serviço.”

Se a sua empresa é do tipo centrada no produto, uma boa notícia: é possível, com boa gestão e determinação, transformá-la em centrada no cliente em poucos anos. Foi o que demonstrou recentemente a Microsoft.

Por mais de três décadas, a companhia girou em torno do sucesso do Windows, família de sistemas operacionais que chegou a deter 90% do mercado. A partir de 2010, porém, os lucros entraram em declínio acelerado. O motivo: queda nas vendas de PCs em favor dos smartphones e da mobilidade. Ou seja, se permanecesse “centrada no Windows”, a Microsoft caminharia para a irrelevância.

Foi quando assumiu o CEO indiano Satya Nadella, em 2014. A primeira coisa que ele fez foi monitorar os anseios dos consumidores – executivos e empresas –, e assim descobriu que estavam aflitos e desnorteados com a chegada de tantas tecnologias disruptivas: Internet das Coisas, dispositivos móveis, automação, inteligência artificial, computação na nuvem, blockchain, impressão 3D, big data etc.

Nadella viu naquele quadro caótico a chance de posicionar a Microsoft como a marca capaz de orientar as empresas a realizarem mais facilmente a jornada da transformação digital. Além disso, a indústria 4.0 já estava provocando uma explosão no volume de dados. Para arquivar e gerenciar tanta informação, tornavam-se necessários servidores cada vez mais potentes e custosos.

Diante disso tudo, o indiano promoveu uma mudança radical na companhia, alavancando-a de fabricante de sistemas operacionais para empresa capaz de “atender aos clientes especialmente no aumento da digitalização do trabalho, quando a necessidade de mais automação de processos de negócio está crescendo”.

Além disso, a Microsoft se tornou especialista em computação na nuvem – para surpresa de muitos, principalmente dos colaboradores mais próximos. Para os clientes, a solução caiu do céu (com perdão do trocadilho). Não apenas reduzia os gastos com hardware, segurança da informação e data centers como simplificava e ampliava oferecido aos clientes.

Ao focar no consumidor, nas suas necessidades, aflições e angústias, Nadella conseguiu o feito de colocar a Microsoft no seleto grupo de marcas de 1 trilhão de dólares, ao lado de Amazon e Apple.

Porém, em matéria de atenção ao cliente, ninguém supera a americana Zappos. A loja on-line de calçados tornou-se modelo da cultura centrada no consumidor. Em seu SAC, os atendentes não têm limite de tempo para as ligações. A orientação é aprofundar o diálogo e, se possível, criar um laço emocional. Caso descubram que a pessoa vai se casar, ter filhos ou fazer aniversário, por exemplo, a rede lhe manda um presente. Em caso de troca, o novo produto é enviado no dia seguinte à solicitação, antes mesmo de receberem o item devolvido. Em caso de defeito, o valor pago é estornado e – surpresa! – o cliente recebe gratuitamente um produto semelhante (é claro que há políticas para evitar abusos).

“Não acredito que a nossa cultura possa ser clonada”, afirmou o CEO Tony Hsieh, que, em 2009, negociou a venda da Zappos para a Amazon por 1,2 bilhão de dólares. De fato, é difícil encontrar outra empresa disposta a auxiliar um desconhecido no meio da madrugada. Certa vez, uma pessoa ligou para a Zappos às duas da manhã pedindo ajuda para encontrar uma pizzaria aberta. O atendente fez a pesquisa e informou um local. “Com isso, talvez tenha conseguido um consumidor fiel para sempre”, avaliou uma gerente da área de fidelização.


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