Livro ‘Imitação de Cristo’ por Tomás de Kempis

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Obra clássica da espiritualidade cristã que deseja aproximar cada crente de seu Mestre, na medida em que O imita, como o próprio título indica, e torna sua vida coerente com seus ensinamentos. Se o livro “Imitação de Cristo” lhe é familiar, antes de ler esta nova tradução, preste atenção a estas palavras para melhor apreciar tão valioso tesouro. Se, por descuido, ainda não gostar desta santa leitura, não desdenhe do que por acaso aqui ler; e, se bem refletir, conhecerá quanto tem perdido em não se aproveitar de um meio tão seguro de santificação.Esta edição do texto latino atribuído a Tomás de Kempis conta com as reflexões do padre J. I. Roquette.

Editora: ‎Editora Ave-Maria; 1ª edição (8 março 2019); Páginas: ‎336 páginas; ISBN-13: 978-8527616423; ASIN: B07PVKRP8B

Leia trecho do livro

Prefácio

Popular desde que foi escrito, este grande clássico cristão se tornou, ao longo de quase seis séculos, o livro mais lido e mais apreciado depois da Bíblia. No âmbito do protestantismo, ele rivaliza com outra obra devocional de grande impacto, O peregrino, do puritano John Bunyan. John Wesley, o fundador do metodismo, considerou-o o melhor sumário da vida cristã e o traduziu para seus seguidores. O livro Imitação de Cristo, ou simplesmente Imitação, consiste em uma série de tratados escritos por um monge e místico na década de 1420. Como os primeiros manuscritos são anônimos, ao longo do tempo surgiram divergências quanto à sua autoria. Entre cerca de 25 autores propostos, os principais são Bernardo de Claraval, Boaventura, Jean de Gerson e Gerard Groote. Todavia, a maior parte dos estudiosos reconhece como autor o alemão Tomás de Kempis, ou Thomas à Kempis (1380-1471).

Tomás Hemerken nasceu em Kempen, perto de Düsseldorf, na diocese de Colônia, e seus primeiros estudos foram feitos numa escola dirigida por sua mãe. Em 1392, seguiu para Deventer, nos Países Baixos, onde esperava encontrar seu irmão mais velho, João, e dar continuidade aos estudos. Ao saber que João havia se filiado aos Irmãos da Vida Comum e estava agora no mosteiro de Windesheim, vinte milhas ao norte, seguiu ao seu encontro. O irmão o enviou de volta a Deventer com uma carta de recomendação para Florêncio Radewijns. Este tinha sido um dos primeiros discípulos de Gerard Groote (1340-1384), que o havia atraído para a chamada Devotio Moderna ou Nova Devoção, um vigoroso movimento de renovação da vida espiritual de clérigos e leigos nos Países Baixos.

Depois de sete anos de estudos em Deventer, em 1399 ele foi visitar seu irmão, que naquele ano havia sido eleito prior do recém-fundado mosteiro do Monte Santa Agnes, perto de Zwolle. Foi aceito nessa comunidade como aspirante à vida monástica, participando ativamente de sua vida devocional e intelectual. Em 1406, foi formalmente admitido na Congregação dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho, recebendo o hábito branco, e dois anos mais tarde assumiu os votos religiosos. Foi ordenado ao sacerdócio em 1413 e eleito subprior da comunidade em 1425. Como tal, não somente se tornou assistente do prior, mas também foi incumbido de instruir os aspirantes e noviços na vida religiosa. Foi nessa época que teria escrito os quatro tratados que constituem Imitação.

À exceção de um exílio de três anos (1429-1432), ele passou o restante de sua longa vida no Monte Santa Agnes. Escreveu muitas outras obras devocionais, entre as quais O solilóquio da alma, Sobre os três tabernáculos, Orações e meditações sobre a vida de Cristo, A elevação da mente, O jardim de rosas, Sobre a solidão e o silêncio e Sermões aos noviços. Também produziu biografias de Gerard Groote e Florêncio Radewijns. Estava escrevendo a história do mosteiro do Monte Santa Agnes quando faleceu em 1471, com pouco mais de 90 anos.

O fato de os primeiros manuscritos de Imitação de Cristo serem anônimos se explicaria pela própria atitude do autor revelada no livro 1, capítulo 2: “… não queira ser conhecido e não procure a estima dos homens”. Em 1434, quando Jean de Bellerive ofereceu uma cópia da obra aos Irmãos da Vida Comum de Weinbach, perto de Colônia, disse o seguinte sobre o autor: “Ele não quis se identificar, e isso lhe alcançará uma recompensa eterna, mas Jesus conhece bem o seu nome”. Todavia, no livro Personagem ilustres de Windesheim (c. 1464), Johannes Busch, um membro da mesma congregação religiosa de Tomás, o descreveu como “o autor de vários tratados devocionais, especialmente ‘Quem me segue: sobre a imitação de Cristo’ e outros livros devotos“.

O melhor manuscrito de Imitação de Cristo tem a caligrafia de Tomás e apresenta no fmal a seguinte anotação: “Concluído e completado no ano de nosso Senhor, 1441. Pela mão do Irmão Tomás de Kempis, no Monte Santa Agnes, perto de Zwolle”. Embora a anotação não afirme explicitamente que Tomás é o autor, o estudioso Joseph N. Tylenda observa que o texto está encadernado com nove outros tratados certamente escritos por ele. Esse famoso manuscrito está preservado na Biblioteca Real de Bruxelas. A primeira edição impressa de Imitação de Cristo foi publicada em Augsburgo, em 1471/1472.

Imitação de Cristo pode ser caracterizado como um guia ou manual de espiritualidade do final da Idade Média. Reflete particularmente o ambiente monástico, tão importante naquele período. Nele, um monge se dirige a seus irmãos, instruindo-os sobre a vida espiritual e devocional à luz das novas ênfases e preocupações da Devotio Moderna. Vale lembrar que Tomás de Kempis era o instrutor espiritual dos noviços de seu mosteiro. Aparentemente, os quatro livros que compõem a obra foram escritos de maneira independente, sendo coletâneas de sentenças breves e facilmente memorizáveis. O desenvolvimento dos livros e dos capítulos não segue uma lógica particular, de modo que a leitura pode ser iniciada em qualquer ponto do texto sem prejuízo para o leitor.

O livro 1, intitulado “Conselhos úteis para a vida espiritual”, tem 25 capítulos que acentuam a centralidade da imitação ou seguimento de Cristo e da vida virtuosa, em especial o cultivo da humildade, da paciência, do recolhimento e da oração. É do início do primeiro capítulo que vem o título da obra inteira. O livro 2, “Conselhos para a vida interior”, com 12 capítulos, reforça a piedade cristocêntrica, característica primordial dessa obra, com suas virtudes essenciais: simplicidade, pureza e retidão de coração. No livro 3, “Consolações interiores”, o mais longo de todos, com 59 capítulos, se encontra um diálogo entre Cristo e o seu discípulo ou seguidor; a ênfase está na comunhão íntima da alma com Deus, o centro da piedade mística. Finalmente, o livro 4, “Sobre o sacramento”, com 18 capítulos, destaca a importância da eucaristia e a dignidade do estado sacerdotal.

Imitação de Cristo respondeu a uma série de inquietações e temores da época em que foi escrito. Muitos ainda se lembravam da horrível epidemia de peste bubônica, a peste negra, que havia dizimado um terço da população da Europa em 1348. Durante a vida de Tomás de Kempis ocorreram outros eventos angustiosos: a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre Inglaterra e França; o Grande Cisma do Ocidente (1378-1417), quando o trono pontifício foi reivindicado por dois e até mesmo três papas simultâneos; e a queda de Constantinopla diante dos turcos muçulmanos (1453). A insegurança e a morte eram uma realidade sempre presente. Diante dessa situação, em que os próprios fundamentos da igreja e da sociedade pareciam estar ruindo, Tomás de Kempis propôs uma resposta: a busca da interioridade e o refúgio da alma em Deus. Faustino Teixeira lembra aqui a herança agostiniana, pois foi o bispo de Hipona quem fundou uma tradição ocidental específica da interioridade ou subjetividade (Confissões, livro 7, cap. 10).

Em épocas mais recentes, têm sido feitas algumas ressalvas ao conteúdo de Imitação de Cristo, como o seu pequeno interesse doutrinário, sua negação do mundo e seu anti-intelectualismo. Todavia, é preciso considerar, primeiro, o contexto histórico da obra, já mencionado, e, em segundo lugar, o seu escopo — texto escrito por um monge para outros monges. Trata-se de uma série de meditações para o aprofundamento da vida interior, sendo, como observa Pierre Guilbert, o testemunho de uma experiência espiritual vivida e compartilhada. Sua ênfase mais importante é a escolha radical que se impõe a quem quer ser discípulo de Cristo. Um exemplo dessa preocupação pode ser visto nas profundas reflexões sobre levar a cruz (livro 2, cap. 11).

Uma última observação diz respeito ao rico conteúdo bíblico presente em Imitação de Cristo. Diferentes autores têm identificado no texto centenas de citações, paráfrases e reminiscências da Escritura, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Entre elas se destacam mais de 100 citações de 60 salmos diferentes. Esse fato, aliado a uma forte ênfase cristocêntrica, tem tornado essa obra atraente para a mentalidade protestante. Considera-se mesmo que esse tipo de espiritualidade bíblica e cristocêntrica do final da Idade Média foi um dos fatores que contribuíram para o surgimento da Reforma do século 16. A Editora Mundo Cristão merece cumprimentos por lançar esta nova edição de um famoso clássico que vem sendo publicado no Brasil há mais de um século, contribuindo assim para sua maior divulgação no meio evangélico, tanto leigo quanto acadêmico.

ALDEAI SOUZA DE MATOS, TH.D.

Livro 1

CONSELHOS ÚTEIS PARA A VIDA ESPIRITUAL

1
A IMITAÇÃO DE CRISTO E O DESPREZO A TODAS AS VAIDADES DO MUNDO

1 “Quem me segue, nunca andará em trevas”, diz o Senhor (Jo 8.12). Essas são palavras de Cristo, e com elas aprendemos como devemos imitar sua vida e seus costumes, se quisermos ser realmente iluminados e livres de toda a cegueira do coração.
Seja, portanto, nosso principal empenho a meditação sobre a vida de Jesus Cristo.

2 A doutrina de Cristo excede todas as doutrinas dos santos, e quem tem o Espírito encontrará nela um maná escondido.
Acontece, porém, que muitos dos que ouvem o evangelho sentem pouca afeição por ele, porque não têm o espírito de Cristo.
Mas todo aquele que entende e aprecia plenamente as palavras de Cristo deve se esforçar para conformar por inteiro sua vida à vida dele.

3 De que adianta discussões profundas sobre a Trindade se você não é humilde, desagradando assim a Trindade?
Pois não são as palavras elevadas que tornam um homem santo e justo; é a vida virtuosa que o torna querido por Deus.
Prefiro sentir a contrição a saber defini-la.
Se você soubesse a Bíblia toda de cor e conhecesse os pensamentos de todos os filósofos, de que adiantaria sem o amor e sem a graça de Deus?
“Que grande inutilidade! Nada faz sentido!” (Ec 1.2), nada, exceto amar a Deus e servir tão somente a ele.
Não há sabedoria mais elevada que esta: pelo desprezo do mundo caminhar em direção ao reino dos céus.

4 É inútil, portanto, buscar as riquezas que perecem e nelas confiar. É inútil perseguir honrarias e posições elevadas. É inútil seguir os desejos da carne e trabalhar pelo que, depois, resultará em dura punição. É inútil desejar vida longa e descuidar-se de viver bem. É inútil se importar apenas com a vida presente e não esperar o que há de vir.
É inútil colocar o amor naquilo que passa rapidamente e não se apressar na direção de onde a alegria eterna se encontra.

5 Lembre-se sempre do provérbio que diz: “Os olhos nunca se saciam de ver, nem os ouvidos de ouvir” (Ec 1.8).
Esforce-se para que seu coração não se apegue às coisas visíveis. Volte-se para o que é invisível.
Porque quem segue suas paixões mancha a consciência e perde o favor de Deus.

2
PENSE COM HUMILDADE A RESPEITO DE SI MESMO

1 Todo homem sente o desejo natural de conhecer, mas de que adianta o conhecimento sem o temor a Deus?
Pois melhor é o lavrador humilde que serve a Deus do que o filósofo orgulhoso que, descuidando de si mesmo, esforça-se para compreender o curso dos astros.
Quem conhece bem a si mesmo é humilde a seus próprios olhos e não se alegra com os elogios dos homens.
Se eu compreendesse todas as coisas que há no mundo e não tivesse caridade, de que isso me ajudaria diante de Deus, que me julgará segundo minhas obras?

2 Abandone o desejo desordenado de conhecer, porque nisso há muita distração e engano.
Os instruídos gostam de parecer assim diante dos outros, e de serem tidos por sábios.
Há muitas coisas que pouco ou bem nenhum aproveitam à alma. É tolo quem se preocupa com outras coisas, e não com as que podem conduzir à salvação.
A alma não se satisfaz com muitas palavras, mas uma vida boa conforta o entendimento, e uma consciência pura concede grande segurança em Deus.

3 Quanto mais e melhor você souber, e quanto mais entender, tanto mais severamente será julgado, a menos que sua vida seja também mais santa.
Portanto, não se vanglorie pelo entendimento de qualquer tipo de arte ou ciência que você tenha; antes, o conhecimento que lhe foi concedido faça de você uma pessoa mais humilde e prudente.
Se você pensa que entende e conhece muito, saiba que desconhece outras tantas coisas.
Não queira parecer sábio demais; pelo contrário, reconheça sua própria ignorância.
Por que você preferiria a si mesmo a outros, visto que há muitos mais sábios e hábeis nas Escrituras do que você?
Se quiser saber ou aprender alguma coisa proveitosa, não queira ser conhecido e não procure a estima dos homens.

4 A ciência mais elevada e mais proveitosa é o verdadeiro conhecimento e o desprezo de si mesmo.
É grande sabedoria e perfeição considerar-se como nada, e pensar coisas boas e elevadas sobre os outros.
Se você vir alguém pecando abertamente, ou praticando algum pecado hediondo, não pense que é melhor do que ele, porque você não sabe quanto tempo será capaz de persistir nesse bom estado. Somos todos fracos, mas não considere ninguém mais fraco do que você mesmo.

3
A DOUTRINA DA VERDADE

1 Feliz é aquele que se deixa instruir pela verdade, não por figuras e palavras que passam, mas pela verdade.
Nossa opinião pessoal e nossa percepção muitas vezes nos enganam, e de pouco adiantam para o entendimento.
De que vale discutir acaloradamente sobre coisas obscuras e ocultas, sendo que ignorá-las não será para nós motivo de reprovação no dia do julgamento?
É loucura desprezar as coisas proveitosas e necessárias e ocupar a mente com o que é curioso e prejudicial; “temos olhos, mas não podemos ver” (S1 115.5).
2 Que temos nós a ver com os gêneros e as espécies de que falam os filósofos?
Aquele a quem a Palavra eterna fala é liberto de um mundo de teorias desnecessárias.
Dessa Palavra procedem todas as coisas, e todas falam dela, e este é o princípio, que também fala a nós.
Ninguém que não tenha essa Palavra compreende ou julga corretamente.
Aquele para quem todas as coisas são uma só, que reduz todas as coisas a uma só, e tudo vê em um só, terá a mente tranquila e ficará em paz com Deus.
Ó Deus, tu que és a verdade, faze-me um contigo na caridade eterna.
Cansa-me ler e tanto ouvir uma porção de coisas; em ti encontro tudo o que quero e desejo.
Emudeçam todos os sábios, calem-se todas as criaturas à tua vista; fala tu somente a mim.

3 Quanto mais o homem se recolhe em si mesmo, e mais simples se torna em seu interior, tanto mais entende as coisas elevadas sem esforço, pois para isso recebe a luz do intelecto que vem de cima.
Um espírito puro, sincero e firme não se deixa distrair, ainda que se ocupe de muitos trabalhos, porque tudo coopera para a honra de Deus, e estando tranquilo e quieto, não busca a si mesmo em tudo quanto faça.
O que mais impede e preocupa você, senão as afeições não mortificadas de seu coração?
O homem bom e piedoso prepara de antemão dentro de si aquelas coisas que porá em ação no dia a dia.
Elas não o conduzem de acordo com os desejos que tendem para o mal; ele as ordena em conformidade com a direção da justa razão.
Que maior combate pode haver do que o de quem se esforça para vencer a si mesmo?
Para isso devemos nos esforçar, para conquistar a nós mesmos e nos fortalecer diariamente, e assim crescer cada vez mais em santidade.

4 Em toda perfeição nesta vida há alguma imperfeição de permeio, e não há conhecimento que não carregue consigo alguma treva.
O conhecimento humilde de si mesmo é caminho mais seguro para Deus do que o desejo profundo de conhecer a ciência.
Não se deve, porém, culpar a ciência, nem se deve desprezar o mero conhecimento do que quer que seja, pois é bom em si mesmo e ordenado por Deus; uma boa consciência e uma vida virtuosa, porém, devem ser sempre preferíveis.
Entretanto, visto que muitos se esforçam para obter conhecimento, e não para viver bem, acabam frequentemente enganados, e o fruto que colhem é pouco ou nenhum.

5 Ah, se os homens dedicassem tanto esforço a desarraigar vícios e a plantar virtudes quanto se dedicam a fazer perguntas, não haveria tanto mal e tantos escândalos no mundo, e nos conventos não haveria tanta negligência.
A verdade é que no dia do julgamento não seremos avaliados pelo que lemos, e sim pelo que fizemos; não seremos avaliados por nossa habilidade com as palavras, e sim pela vida virtuosa que tivemos.
Diga-me, agora, onde estão todos os doutores e mestres a quem você conhecia tão bem enquanto viviam e prosperavam em sua ciência?
Hoje, outros são donos dos bens que possuíam e talvez pouco se lembrem deles. Em vida, pareciam ser alguma coisa, mas agora ninguém mais fala deles.

6 Como se esvai depressa a glória deste mundo! Ah, se a vida deles tivesse correspondido à sua ciência! Porque assim seu estudo e sua leitura teriam servido a um bom propósito. Quantos perecem por causa da ciência vã deste mundo, e tão poucos se preocupam em servir a Deus! Porque preferindo ser importantes a humildes, “seus pensamentos se tornaram fúteis” (Rm 1.21). Pois grande é quem é grande em caridade. Grande é quem se faz pequeno e não se importa nem um pouco em receber honras elevadas. Pois sábio é quem “considera todas as coisas terrenas como esterco, para poder ganhar Cristo” (Fp 3.8). Sábio é quem faz a vontade de Deus e abre mão de sua própria vontade.

4
SABEDORIA E PRUDÊNCIA NAS AÇÕES

1 Não devemos dar ouvidos a muitas conversas ou sugestões, mas, com cautela e paciência, refletir sobre as coisas de acordo com a vontade de Deus.
Infelizmente, nossa fraqueza é tanta que muitas vezes preferimos pensar e falar mal a pensar e falar bem dos outros.
Os que são perfeitos não dão crédito facilmente a tudo o que lhes dizem, porque sabem que a fragilidade humana é “inteiramente inclinada para o mal” (Gn 8.21) e, não raro, peca por palavras.

2 É grande sabedoria guardar-se da precipitação em tudo quanto fizer, e não se apegar de maneira inflexível a suas opiniões.
Também é sábio não acreditar em tudo o que se ouve, bem como não dizer apressadamente a outros o que se ouviu ou no que se crê.
Consulte-se com um sábio, uma pessoa conscienciosa, e procure se instruir com alguém melhor que você, em vez de seguir seus próprios pensamentos.
Uma vida decente torna o homem sábio diante de Deus e lhe dá experiência em muitas coisas.
Quanto mais humilde for o homem em seu interior, e quanto mais submisso a Deus, tanto mais prudente ele será em seus afazeres, e desfrutará de grande paz e tranquilidade no coração.

5
A LEITURA DAS SAGRADAS ESCRITURAS

1 Nas Sagradas Escrituras devemos buscar a verdade, e não a eloquência.
Todas as partes das Escrituras devem ser lidas com o mesmo espírito em que foram escritas.
Devemos buscar nas Escrituras nosso proveito espiritual, e não a sutileza da linguagem.
Devemos ler livros simples e piedosos com o mesmo interesse com que lemos livros sublimes e profundos.
Não se deixe impressionar pela autoridade do autor, seja ele muito ou pouco instruído; antes, deixe que o amor à verdade pura o atraia à leitura.
Não procure saber quem disse isso ou aquilo; tão somente esteja atento ao que é dito.

2 O homem passa, mas a verdade do Senhor permanece para sempre. Deus nos fala de diferentes maneiras e sem acepção de pessoas.
Nossa curiosidade muitas vezes nos impede de ler as Escrituras sempre que queremos examinar e discutir aquilo que não deveria ocupar muito nossa atenção.
Se quiser tirar proveito do que lê, leia com humildade, simplicidade e fé, sem jamais desejar a reputação de sábio.
Pergunte livremente, e ouça em silêncio as palavras dos santos; não despreze as histórias dos antigos, porque não é sem razão que elas são sempre contadas.

6
As AFEIÇÕES DESORDENADAS

1 Sempre que o homem deseja alguma coisa desordenadamente, já não tem mais sossego dentro de si.
O orgulhoso e o cobiçoso jamais descansam. Os pobres e humildes de espírito vivem juntos em plena paz.
O homem que ainda não morreu totalmente para si, depressa é tentado e vencido nas coisas pequenas e triviais.
O fraco de espírito, e o que de certa forma ainda é carnal e se delicia nos prazeres dos sentidos, dificilmente consegue se afastar por completo dos desejos terrenos.
Por isso, aflige-se sempre quando deles se afasta, e bem depressa se irrita quando lhe fazem alguma oposição.

2 Quando se deixa levar por sua inclinação, logo o remorso aflora à consciência e lhe tira o sossego, porque se rendeu à sua paixão, que de nada lhe serve para alcançar a paz que buscava. A verdadeira paz de coração se conquista resistindo-se às paixões, e não cedendo a elas. O homem carnal e afeiçoado às coisas externas não tem paz no coração. O homem espiritual e piedoso, este tem paz.

7
FUJA DA VÃ ESPERANÇA E DO ORGULHO

1 Insensato é o homem que coloca sua confiança no homem, ou nas criaturas.
Não se envergonhe de servir a outros por amor a Jesus Cristo e de ser considerado pobre neste mundo.
Não confie em você mesmo, mas coloque sua esperança em Deus.
Faça o que estiver ao seu alcance, e Deus o ajudará em sua boa intenção.
Não confie em seu próprio conhecimento, nem na sutileza de qualquer criatura vivente; antes, confie na graça de Deus, que ajuda o humilde e humilha os soberbos.

2 Não se glorie na riqueza, caso você seja rico, nem em amigos poderosos, mas em Deus, que concede todas as coisas. Acima de tudo, queira dar-se a si mesmo a ele.
Não se orgulhe de sua estatura ou beleza, porque basta uma pequena doença para desfigurá-lo e destruí-lo.
Não se deleite com seus dons naturais ou com sua inteligência, porque desse modo você desagrada a Deus, a quem pertence todo bem natural que você possui.

3 Não se julgue melhor que os outros, para que aos olhos de Deus, que sabe o que há no homem, você não seja considerado pior que os demais.
Não se orgulhe de fazer o bem, porque o julgamento de Deus é muito diferente do julgamento dos homens; muitas vezes, aquilo que lhes agrada não agrada a Deus.
Se você julga haver algum bem dentro de si, saiba que há muito mais nos outros; portanto, permaneça humilde.
Não lhe causará mal nenhum humilhar-se perante todos os homens; contudo, é extremamente nocivo preferir a si mesmo a outra pessoa qualquer.
Os humildes sempre têm paz, mas no coração dos soberbos há inveja e constante indignação.

8
EVITE O EXCESSO DE INTIMIDADE

1 Não abra o coração a qualquer um; antes, discuta seus assuntos com os sábios e com os que temem a Deus.
Não converse muito com os jovens e estranhos.
Não bajule os ricos e não queira aparecer diante de personagens ilustres.
Faça companhia aos humildes e aos simples, aos piedosos e virtuosos, e converse com eles sobre coisas que edificam. Não tenha intimidade com mulher nenhuma, mas confie a Deus as mulheres decentes.
Procure ter comunhão apenas com Deus e seus anjos, e evite a intimidade dos homens.

2 Sejamos sempre caridosos com todos, mas evitemos intimidades. Às vezes, uma pessoa a quem não conhecemos é muito estimada, porque outros falaram bem dela, mas sua presença não agrada a quem a observa. Pensamos algumas vezes que agradamos aos outros com nossa intimidade, mas a verdade é que lhes desagradamos com as más qualidades que descobrem em nós.

9
OBEDIÊNCIA E SUJEIÇÃO

1 Excelente é viver em obediência, estar sob um superior, e não ser juiz de si mesmo.
É muito mais seguro obedecer que governar.
Muitos vivem em obediência, mais por necessidade que por amor; esses são infelizes, e sofrem com facilidade. Não alcançam a liberdade de espírito, a menos que, de boa vontade e de coração, acolham a obediência por amor a Deus.
Aonde quer que você vá, não encontrará descanso, a não ser na humilde sujeição ao governo de um superior. Muitos se deixaram enganar pela imaginação e pela mudança de lugares.

2 A verdade é que todos prontamente fazem o que está de acordo com seu gosto, e de modo geral têm em alta estima os que pensam como eles.
No entanto, se Deus está entre nós, devemos, por vezes, abrir mão de nossa opinião em nome da paz.
Quem é tão sábio que possa saber todas as coisas?
Não confie demais em sua própria opinião; ouça também o que os outros têm a dizer.
Se você julga alguma coisa boa, mas dela abre mão por causa de Deus e segue a opinião de outro, melhor para você.

3 Muitas vezes ouvi falar que é mais seguro ouvir conselhos e se aconselhar do que dar conselhos.
Pode também acontecer que a opinião das pessoas seja boa, mas recusar-se a se render a outros quando a razão, ou uma causa especial, assim o exigem, é sinal de orgulho e de obstinação.

10
EVITE AS CONVERSAS SUPÉRFLUAS

1 Fuja quanto puder do tumulto do mundo, porque os assuntos mundanos constituem grande obstáculo, mesmo que exista ali intenção sincera. Pois a vaidade rapidamente nos atrai e nos corrompe.
Muitas vezes, gostaria de ter ficado em paz depois de falar, e quem dera não estivesse estado na companhia dos homens.
Por que temos tanto essa vontade de falar e de conversar uns com os outros se raramente nos calamos sem antes magoar nossa consciência?
A razão pela qual gostamos tanto de falar é que, conversando, buscamos conforto uns nos outros, além do desejo de acalmar o espírito tão sobrecarregado de pensamentos.
Falamos das coisas que mais amamos ou desejamos e nelas pensamos; ou de coisas que mais nos preocupam.

2 Infelizmente, tudo isso muitas vezes é inútil e sem propósito, porque o conforto externo é causa de perda significativa da consolação interna e divina.
Vigiemos e oremos, portanto, para que nossas horas não passem em vão.
Se você tiver de falar, se for algo proveitoso e justo, diga então coisas que edifiquem.
O mau hábito e o desprezo pelo nosso próprio bem ensejam uma liberdade exagerada para o linguajar frívolo.
Mas a conversa piedosa sobre coisas espirituais contribui para nosso crescimento espiritual, principalmente quando pessoas que têm o mesmo pensamento e o mesmo espírito se reúnem em torno de Deus.


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