Livro ‘Filosofia: e nós com isso?’ por Mario Sergio Cortella

Livro 'Filosofia: e nós com isso?' por Mario Sergio Cortella
Um dos grandes nomes da filosofia nacional, Mario Sergio Cortella já conquistou milhares de pessoas com suas palestras e livros esclarecedores e provocativos. Nesta nova obra, "Filosofia: e nós com isso?", aborda um assunto profundo e necessário, e explica porque a Filosofia é tão importante para nossa vivência. Segundo Cortella: “A principal contribuição da Filosofia é criar obstáculos, de modo a impedir que as pessoas fiquem prisioneiras do óbvio, isto é, que circunscrevam a sua existência dentro de limites estreitos, de horizontes indigentes e de esperanças delirantes. Em outras palavras, a Filosofia estende a nossa consciência e fortalece nossa autonomia.” 
Capa comum: 136 páginas
Editora: Vozes Nobilis; Edição: 1 (13 de março de 2019)
Idioma: Português
ISBN-10: 8532658504
ISBN-13: 978-8532658500
Dimensões do produto: 20,8 x 13,7 x 1 cm
Peso de envio: 399 g

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Leia trecho do livro

SUMÁRIO

Filosofia: e nós com isso?

1 E eu com isso?
2 O que é isso?
3 Para que serve isso?
4 Isso não é coisa de velho?
5 E isso com o meu Trabalho?
6 E isso com Liderança?
7 E isso com Ética?
8 E isso com Religião?
9 E isso com Ecologia?
10 E isso com Política?
11 E isso com Mundo Digital?
12 E isso com Esperança?

Filosofia: isso é muito bom!

Filosofia: e nós
com isso

— O que o seu pai faz?
— Meu pai é filósofo.
— E o que o seu pai faz?

O diálogo acima fez parte da infância dos meus filhos, no contato com os coleguinhas na escola.

A dificuldade de compreender o que faz um filósofo muitas vezes se estende às demais faixas etárias. Muitas pessoas veem o filósofo como alguém que não trabalha, só pensa, e isso não seria considerado trabalho. Outras consideram a Filosofia uma atividade exercida por lunáticos, afinal, “isso não serve para nada”.

Por outro lado, há quem ache que a Filosofia “ensina a pensar” ou cultive a ideia de que é um caminho para afastar a pessoa da alienação. Essas são possibilidades, mas a Filosofia não é, por si só, libertadora ou alienadora. Então, o que essa disposição de pensar sobre a própria existência e a condição de estar no mundo, com outras e outros, tem a ver com cada um de nós?

Até o final do milênio passado, o rumo profissional mais provável para as pessoas formadas na área de Filosofia era o meio acadêmico, fosse na docência ou na pesquisa. Felizmente, as possibilidades de carreira vêm se ampliando gradualmente nas últimas décadas. A formação em Filosofia tem tido um espaço maior no mundo corporativo. Várias empresas têm recrutado pessoas com formação nesse campo para comporem equipes multidisciplinares, ampliando o repertório de soluções e alternativas, com um olhar menos técnico, mas que possa contribuir com a técnica.

Há que se considerar, no entanto, que ainda existe o preconceito em relação a quem é oriundo dessa área. Para alguns, ainda persiste a ideia, antes lembrada, de que filósofo é “aquele que não trabalha”…

Ao que tudo indica, essa pecha tende a ser retirada do circuito. Basta observar o crescente interesse pela Filosofia na nossa sociedade. Nas primeiras décadas dos anos de 2000 houve um aumento considerável da presença de pessoas da área de Filosofia na mídia. Um fenômeno tratado por alguns como o dos “filósofos pop”. Atualmente, vários profissionais da área desenvolvem atividades em veículos de comunicação, como rádio, televisão, jornais, têm muitos seguidores nas plataformas digitais e alguns obtêm êxito no mundo editorial, com livros frequentando as listas dos mais vendidos.

Obviamente, esses profissionais (entre os quais me incluo) tiveram de aprimorar outras competências, como capacidade de comunicação e um maior entendimento da dinâmica do mundo virtual, acrescido de um cuidado para, ao tornar a Filosofia mais simples, impedir que seja tratada de modo simplório.

Não hesito em dizer que hoje no Brasil há um interesse maior por essas reflexões filosóficas. E por parte de um público que não necessariamente é o do meio acadêmico, dado que a tecnologia exagerada e a pressa nas relações trouxeram angústias antigas em novas roupagens.

Seja pelo lado positivo ou negativo, são muitos os mitos que envolvem a Filosofia.

Este livro nasce justamente da agregação e reordenamento de concepções e explanações dispersas em parte de minhas obras, com a intenção de propor uma reflexão sobre o papel dela, Filosofia, na nossa vida cotidiana.

E eu com isso?

Foram poucos os conselhos dados por meu pai, Antonio, que não segui; no entanto, um deles — não estudar Filosofia — foi motivo de discussão entre nós dois durante anos. Eu, de um lado, com uma rebeldia convicta em defesa da escolha individual (facilitada, e muito, em família da camada média); ele, de outro, com um pragmatismo amoroso na busca do que fosse melhor para o filho.

Vencemos ambos com a “derrota” dele.

Venci eu porque descobri na Filosofia uma forma concreta de intervenção no mundo, intervenção produtiva e consciente, capaz de operar mudanças palpáveis na relação entre as pessoas e, também, capaz de gerar prazer em seu exercício cotidiano. Venceu ele porque, espantado, percebeu que Filosofia era também profissão e, como tal, permitia — ainda que precariamente — o alcance de condições materiais de existência.

Essa foi a primeira “defesa” que tive que fazer da Filosofia e, nela, percebi-me educador e militante; depois, não larguei mais…

Essa história de captura pela Filosofia começa ainda em Londrina, cidade paranaense na qual nasci em 1954, e, mais adiante, conto o que lá aconteceu e que me impulsionou para o território filosófico.

No final do ano de 1967 minha família mudou-se para a cidade de São Paulo, onde tive algumas trajetórias facilitadoras da futura rota.

De 1968 a 1972 estudei, na capital paulista, no antigo Colégio Estadual “Profa. Marina Cintra”, na Rua da Consolação, completando lá o que na época era chamado de Ginásio e Colegial. Aprendi muitas coisas, a maior parte delas fora da escola; as que aprendi na escola foram de boa qualidade, principalmente porque não trabalhava (diversamente da maioria de meus colegas) e tinha condições estruturais para isso: meus pais tinham livros, viajavam conosco, compravam material escolar, liam jornal, havia escrivaninha para estudo em casa e um incentivo imenso. Já existia uma forte decadência da qualidade social do ensino público, mas isso era quase indiferente para os que, como eu, economicamente privilegiado, não tinham na escola sua única fonte de conhecimento letrado.

Tive ótimos professores na área de Ciências Humanas e me envolvi muito com essa área. Quando eu tinha 14 anos, o Professor Jaime (de Língua Portuguesa!) nos fez ler Arte retórica, Arte poética, de Aristóteles, e o Discurso do método, de Descartes. Não entendi tudo, mas gostei demais. No ano seguinte, o mesmo professor leu conosco Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski; fiquei impressionado com a personagem Ivan (um clérigo) e suas dúvidas religiosas (eternamente russas).

No Colegial (atual Ensino Médio), tive Filosofia nos três anos e não foi bom. Meus professores não eram da área e usavam livros ultrapassados e frágeis, quase sempre manuais; um horror. Não nos encantavam com a Filosofia e, pior, a ensinavam como fruto da memória e não do raciocínio e da reflexão.

No entanto, apesar da fragilidade deles, fui-me despertando cada vez mais para a admiratio (o termo latino para admiração), indicando um conceito do pensador grego Platão para o estranhamento que muitos têm diante do que é evidente apenas na aparência e que, por espantar, provoca depois afeto pelo conhecimento novo e, claro, conecta com a prática filosófica.

No campo da música já se perguntou: O que seria de Deus sem Bach? Acho que o mesmo vale para Beethoven e a Filosofia. No meu caso, foi o professor de Educação Artística, Newton de Moura Müzel, quem nos ensinou a ouvir Beethoven e a partilhar suas questões existenciais e teológicas. Por meio da obra de Beethoven fiquei admirador da angústia e da estupefação.

Daí para o afeto (philos, no grego antigo) à sophía (conhecimento) foi um passo curto!

Comecei a ler de tudo um pouco e fui ficando “meio erudito”; quase completei minha formação literária iniciada aos sete anos!

Naquela idade, como já contei em outro livro (Viver em Paz para morrer em paz!) tive hepatite e a medicina da época me fez ficar três meses inteiros na cama, sem movimento. Como não havia televisão em Londrina, ocupei-me lendo livros infantis que se esgotaram rápida e enfadonhamente. No segundo mês de cama, a vizinhança começou a me trazer os livros que tinha em casa e, assim, li muito — sem compreender tanto — da obra de Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, Mark Twain e, por descuido da família, Oscar Wilde.

Por falta de opção no começo, acabei pegando o gosto pela leitura e, ao fim da hepatite, já possuía uma relação “figadal” com os livros.

Essa hipocondria literária voltou durante o Colegial e minha quase-erudição (meio-chata em um adolescente) foi-me empurrando para a sofisticação: estudar Filosofia na universidade. No último ano do Colegial fiz Cursinho Pré-vestibular, no Equipe (reduto da subversão existencial), e preparei-me para entrar no 3° grau em Filosofia.

Há uma intercorrência antes disso: durante minha permanência em São Paulo, aproximei-me muito da Ordem dos Carmelitas Descalços (OCD). Passei a frequentar seu convento em São Paulo e a “dirigir” as missas de sábado e domingo (todas’) na Igreja de Santa Teresinha. Essa convivência foi fundamental para orientar parte do desaguamento de minhas questões religiosas e, por efeito indireto, preparou-me para a docência — pois durante anos enfrentei um público e falei ao microfone — e para o trabalho social.

Ao final do Colegial, decidi-me por radicalizar minhas questões religiosas e optei por entrar em um Convento de Carmelitas Descalços no “meio do mato”, no Pico do Jaraguá, ainda na área metropolitana paulistana, e passar pela experiência da vida monástica, na qual fiquei por três anos.

Quando prestei vestibular para Filosofia, fui aprovado na Universidade de São Paulo (USP), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e nas Faculdades Anchieta (mais tarde Nossa Senhora Medianeira, hoje extinta). Como a entrada na universidade coincidiu com o ingresso na OCD, apesar da liberdade de escolha, decidi-me por fazer Filosofia com os jesuítas (dirigentes da Anchieta) por razões que mesclaram conveniência com alguma consciência: as Faculdades Anchieta ficavam, na mesma estrada, a oito quilômetros do convento no qual eu iria morar e agruparam parte dos que se destinavam ao trabalho sacerdotal; além disso, os jesuítas mantinham, por razões históricas, um curso tradicional de Filosofia (calcado, basicamente, na História da Filosofia).

Assim, passei três anos estudando Filosofia na já então Medianeira (de manhã no campus da Vía Anhanguera e, à noite, no campus da Avenida Paulista) e, por cursar mais diárias, acabei por concluir, além da Licenciatura Plena nesses três anos, a quase totalidade das disciplinas do Curso de Ciências Sociais.

Na graduação tive uma pesada formação aristotélico-tomista, mesclada com disciplinas tão díspares quanto Parapsicologia, Psicopatologia, Questões de Física e Biologia, Economia, Francês e História da Arte.

A convivência e o aprendizado com uma maioria de professores estrangeiros me proporcionou uma visão um pouco mais cosmopolita das questões filosóficas e políticas. O partilhar do curso com colegas de várias regiões do país me ofereceu uma leitura nacional de que não dispunha. Por fim, o ensino apoiado na História da Filosofia e Teoria do Conhecimento cimentou ainda mais meu gosto pela história em geral e pela discussão sobre o saber.

Concomitantemente a essa formação universitária, passei por duas experiências magníficas no convento: a primeira foi o trabalho religioso desenvolvido com os carmelitas, principalmente no período de férias escolares, em regiões longínquas da Amazônia e do interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, nas chamadas missões; a segunda foi a aprendizagem teológica com os monges, seja no que se refere a questões mais usuais da Teologia, seja no estudo de autores como Teresa d’Ávila e João da Cruz.

Aprendi, fora da universidade, a prática da meditação, do estudo silencioso, da disciplina intelectual (reforçada pelos jesuítas) e da produção dos meios de subsistência autônoma; aprendi, também, a falar em público nas pregações e nos contatos missionários. Por fim, aprendi a conviver em grupo, partilhando a vida e os bens materiais.

No entanto, ao final de 1975, concluí que a vida monástica e o trabalho sacerdotal não eram meu horizonte mais forte de adesão; nesse ano, encerrei a experiência e, ao mesmo tempo, a graduação em Filosofia.

Ao sair do convento, a docência (que me seduzia desde muito) foi o caminho mais direto para alguém com formação em Filosofia. Ainda enquanto terminava a graduação, a própria instituição me convidou para nela dar aulas a partir do ano seguinte da conclusão, e nesta, na qual já era professor-auxiliar desde o segundo ano da faculdade, fiquei como docente titular entre 1976 e 1988, quando fechou as portas.

Em 1977 fui aceito como docente da PUC-SP e contratado para ensinar Problemas Filosóficos e Teológicos no Homem Contemporâneo em 1° de março de 1977, quatro dias antes do meu aniversário, o que permitiu que eu, na época um solteiro de 22 anos, pudesse alardear que a minha carreira começou ali (naquele tempo podíamos ainda atuar sem sermos mestres ou doutores). Na PUC-SP fiquei por 35 anos, aposentando-me em 2012 como professor titular, tendo exercido docência e pesquisa no Departamento de Teologia e Ciências da Religião e na Pós-graduação (mestrado e doutorado) em Educação: Currículo, mesmo programa no qual me tornei mestre (1989) e doutor (1997).

Uma situação complementar que me fez levar a Filosofia para outras instâncias foi, a partir de envolvimento na política partidária durante 30 anos, ter participado da gestão pública municipal em São Paulo durante os anos de 1989 e 1992, sendo que no último biênio desse período fui secretário de Educação.

Em função do cargo público, dei dezenas e dezenas de entrevistas para rádios, televisões, jornais e revistas, participei de vários debates e… tomei gosto pela coisa. Percebi que a mídia é uma ferramenta político-pedagógica da qual não podemos nos apartar e se situa como um campo privilegiado para a prática educacional.

Essa presença na mídia é, no meu entender, uma das tarefas mais substantivas à qual deve dedicar-se um intelectual na sua militância acadêmica. Afinal, é uma forma contundente de repartir e submeter à crítica aquilo que produzimos na universidade e, mais ainda, aproveitar as novas tecnologias como forma de repartir saberes, permutar conhecimentos, partilhar indagações, isto é, tudo o que também a Filosofia, e eu nela, podemos fazer.


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