Trecho do livro
PRÓLOGO
Londres, Inglaterra.
1812
Lucille Mildenhall já tinha 20 anos, três anos como uma debutante e nenhum pretendente no currículo. Bom, alguns apareceram, mas eram velhos demais ou degenerados demais. Isso quando não eram ambos. Os bonitos e charmosos não queriam saber de Lucille, apenas algumas valsas a mando da educação e meias palavras trocadas. Mas nenhuma escapada até os jardins – o que ela acreditava ser importantíssimo já que todas as suas amigas haviam feito aquilo com algum pretendente mais interessante e dado seu primeiro beijo. E segundos, terceiros, quartos…
Ela tinha suas teorias acerca de sua exclusão em relação às outras debutantes. Era uma jovem agradável, educada e prendada como deveria ser. Fora muito bem moldada pela governanta da casa. Mas não era loira e suas irmãs haviam dito uma vez que os homens gostam das loiras de olhos azuis e de seios grandes. Lucille era morena, olhos castanhos e grandes, rosto sardento e seios proporcionais ao seu corpo. Uma moça de proporções pequenas e delicadas, achava-se longe de ser uma femme fatalle. Ah, mas se ela ao menos fosse loira… De certo ela já teria ido para algum terraço e beijado um belo de um duque. Ou até mesmo um príncipe, por que não?
Suas irmãs eram loiras como o seu pai, o visconde de Kent, e haviam se casado antes de completarem um ano de suas respectivas estreias. Amélia e Mary tinham apenas dois anos de diferença entre si, mas oito e dez com Lucille. Casaram-se com bons partidos e viviam suas vidas de casadas há bons anos. Os cunhados de Lucille eram tipos que conversavam pouco com ela. Ao menos gostavam de suas respectivas esposas e amavam a prole. Havia ainda mais uma irmã na família Mildenhall: Joanna, de nove anos e que dizia ter repulsa de bailes e de meninos. Lucille também tinha certa repulsa pelos bailes, já estava cansada de ir a todos eles e dançar com homens que ficavam olhando além dela e para outras jovens. Lady Mildenhall, sua mãe, lhe dizia que a culpa não era das loiras bem-dotadas, mas da própria Lucille que demonstrava demasiado desinteresse nos homens e nos bailes. A culpa não era de Lucille, ora essa. Ela adorava uma boa conversa, mas não com homens idosos. Amava ir a festas e dançar, mas não em um lugar onde ninguém se importava com ela. E fazia muito tempo que ninguém se importava com ela. Mais precisamente desde seu debute na sociedade. Como conversaria com homens que jamais demonstraram interesse nela? Aqueles anos sem nenhum interesse da parte masculina a deixou com a confiança abalada. Por mais que gostasse de festas e de conversas animadas, temia não ser interessante o suficiente para ganhar um pretendente.
Pior do que aquilo, temia que a fama de seu pai fosse o problema.
Não. Não gostava de sentir raiva pelas ações do pai. Era um homem com problemas, não poderia culpá-lo. Ele havia lhe dado uma vida de conforto e luxo razoável, com vestidos bonitos e convites para chás e festas à disposição. Lucille nunca fora excluída da sociedade, só dos solteiros. O último passeio de cabriolé que fizera com um homem no Hyde Park foi com seu pai.
Aos onze anos.
Naquela noite ela não se sentia mais interessada desde que fora apresentada a sociedade londrina como uma adulta. Dançara com alguns homens conhecidos de seu pai e com os maridos de suas irmãs, ficou cansada rapidamente e o corpete curto debaixo de seu vestido branco parecia ainda mais apertado. Ela precisava se afastar do aglomerado de aristocratas que lotavam o salão do Almack’s, quente como o inferno naquela noite de verão e fim de temporada. Pensava em ir se juntar às solteironas, que tomavam um chá de cadeira desde o começo da noite. Mas ainda lhe restava um ano de esperança antes de se tornar uma jovem obsoleta que tinha de pôr uma touca branca digna das governantas mais enfadonhas.
Teria sido mais proveitoso se ficasse em casa lendo um livro em paz com sua irmãzinha. Nutria mais o cérebro do que procurar um marido.
Conseguiu se esquivar até a mesa do bufê e sorriu contente, pegando um guardanapo e ficando em dúvida com tantos sanduíches: Presunto ou pepino? Nenhum dos dois tinha conteúdo o suficiente para dar mais volume ao corpo dela.
— O de pepino tem gosto de água salgada, Srta. Mildenhall.
Lucille quase derrubou o sanduíche, empertigando-se rapidamente e se virando da forma mais graciosa que pôde sem parecer uma espevitada. Um homem jovem, alto, atlético, cabelos claros e olhos verdes sorriu para ela. Vestia uma casaca vermelha específica de um militar, com duas fileiras longas de botões dourados, ombreiras de mesma cor e uma gola negra, mas Lucy não sabia identificar qual o tipo de patente aquele belo cavalheiro tinha. A pele do homem estava notavelmente bronzeada pelo sol e os cabelos estavam mais claros nas pontas, mas o corte era curto e comportado.
Ele a cumprimentou com um aceno e Lucille correspondeu com uma mesura delicada, não sabendo onde colocava aquele sanduíche. Na boca não podia mais.
Surpreendentemente o cavalheiro estendeu a mão para ela e Lucille demorou para assimilar, mas colocou o quitute sobre a palma grande dele que o escondeu dentro de um dos vasos de flores da mesa. Ela controlou o riso surpreso, ganhando um sorriso brincalhão do homem de olhos verdes.
— Adubo para as flores — ele sussurrou brincalhão e Lucille sorriu risonha para ele, tornando-se incrivelmente mais adorável do que já em — Michael Manley, Conde de Oxford. É um prazer conhecê-la, madame.
— Meu lorde — Lucille o cumprimentou outra vez, sentindo as faces esquentarem e se tornando incapaz de olhar nos olhos daquele lindo conde — Creio que o senhor já saiba meu nome.
— Tive a ousadia de perguntar para alguém quando a vi passar pelo salão — Michael disse — Não costumo frequentar muito os bailes, para ser sincero.
— Pois eu frequento até demais… — ela murmurou para si mesma com uma leve ironia.
Ele riu baixo, balançando a cabeça e olhando o pequeno catão de danças pendurado no pulso fino de Lucille.
— Há algum espaço para o meu nome? — Michael indicou o cartão — Estou ansioso para minha primeira dança desde que voltei da Índia.
— Oh, o senhor esteve no Oriente? — Lucille ficou surpresa. Então era por isso que ele estava tão bronzeado.
— Por dois anos, sirvo ao exército como capitão de um regimento na Índia. Voltarei para lá daqui a um ano, mas já estava com saudades do clima daqui.
— Imagino que lá seja bem quente — ela comentou, verdadeiramente interessada — E também há malária… O senhor adoeceu por lá? Seria terrível, meu lorde. O irmão de um dos meus cunhados infelizmente a tem e o pobre homem às vezes parece que está à beira da morte!
Michael riu consigo mesmo e Lucille se sentiu tola. Que tipo de pessoa conversa sobre malária com um desconhecido?
Ela engoliu em seco, sentindo as mãos tremerem de nervoso. Mal havia conhecido o homem e ele já havia percebido que ela em desinteressante. Até mesmo riu dela!
— Estou em perfeitas condições, madame. Mais saudável do que nunca.
Lucille assentiu, olhando desconcertada para suas sapatilhas vermelhas, que escapavam por debaixo do longo vestido branco, antes de erguer a cabeça e voltar a falar:
— Desculpe-me por ser intrometida, à-às vezes falo uma porção de bobagens.
— Já estou acostumado com essas perguntas — Michael garantiu gentilmente — Pretendo não voltar mais para lá quando me casar, creio que as perguntas sobre malária acabarão logo.
— Casar-se uma moça indiana? — ela perguntou imediatamente.
Cale-se, sua tola.
O conde riu e Lucille inspirou, constrangida.
— Não, com uma moça inglesa. Por isso volto de vez em quando para procurar a minha futura condessa — Michael disse charmosamente — E então, posso assinar, madame?
Lucille rapidamente pegou o cartão pendurado em seu pulso, vendo a quantidade de lacunas vazias. Sentiu-se um tanto envergonhada de mostrar ao conde, talvez ele a esqueceria assim que visse o quão não-popular ela era dentre as moças solteiras. Mas seu coração estava ansioso demais e ela permitiu que Michael assinasse seu nome no cartão para a próxima valsa que seria dali vinte minutos.
Ele não pareceu demonstrar nenhuma surpresa ou desgosto diante da quantidade de espaços vazios. Quando terminou de assinar, aproveitou a chance de tocar os dedos enluvados dela enquanto fechava o cartão. Lucille estremeceu com o contato breve, olhando para aqueles lindos olhos verdes assim que Michael a mirou em seu rosto ruborizado. Tentou dizer alguma coisa, mas sua boca se moveu sutilmente em palavras mudas e os dedos de Michael se afastaram dos seus.
— Até breve, madame.
E se despediu com um breve maneio de cabeça e Lucille soube naquele momento que teria de casar com aquele homem depois daquela valsa. Ele era perfeito, Lucille não tinha dúvidas. Era ele. O homem mais encantador do mundo.
E, milagrosamente, havia se interessado por ela.