Meu vizinho quer casar – Livro de Renata R. Corrêa

Trecho do livro

Capítulo 1

Beto

Quando cheguei mais uma vez atrasado e com uma ressaca danada para um almoço beneficente organizado por minha mãe na mansão da família, ela de longe já me avistou e sua cara ao me ver não foi das melhores.

Caminhei sem pressa, parando pelo caminho para cumprimentar os conhecidos. Minha cabeça latejava e a claridade do dia incomodava meus olhos, obrigando-me a manter os óculos solares.

A ideia fixa de dona Elís, de que eu deveria casar e lhe arranjar muitos netos, piorou desde que minha única irmã, Emiliana, revelou gostar de mulheres e não ter a menor vontade de ter filhos. Meus pais aceitaram numa boa a orientação sexual de Mili, o que até me surpreendeu, no entanto perpetuar a família Nobre Aravantes acabou sobrando para mim, o que se dependesse de minha vontade não aconteceria tão cedo.

Aos trinta anos eu estava na melhor fase da minha vida. Herdeiro de uma vasta fortuna, acumulada devido ao crescimento vertiginoso da Construtora Aravantes & Toledo nas últimas três décadas, eu sabia muito bem curtir a juventude e o dinheiro que tinha.

Meu pai, Antônio Aravantes e o melhor amigo, Jeremias Toledo, logo que se formaram em Engenharia Civil e Administração, respectivamente, começaram o negócio do nada, com o pouco dinheiro que tinham, construindo casas simples em bairros de São Paulo recém-loteados na época. Os primeiros lucros permitiram um investimento maior, então passaram a fazer pequenos prédios e aos poucos o negócio deslanchou.

Quando terminei o colegial, não tinha dúvidas de que queria trabalhar com eles e, seguindo os passos de meu pai, cursei Engenharia Civil. Mili fez Design de Interiores e Benício, meu grande amigo e único filho de Jeremias, escolheu Direito. Com o tempo nossos velhos transferiram os cuidados do negócio das duas famílias para nossas mãos, apesar de ainda trabalharem conosco.

Perdido em devaneios, mal me dei conta da aproximação de mamãe, até que sua voz, nada satisfeita, trouxe-me de volta para a realidade.

— Pelo atraso e aparência de cansado, suponho que passou a noite de ontem na farra — ela comentou em tom desgostoso, mas mantendo um sorriso no rosto.

— Sou jovem e solteiro, mãe, preciso aproveitar a vida. — Beijei-lhe a face.

— Jamais diria para não aproveitá-la, mas poderia muito bem fazer isso com uma companheira. Você está com trinta anos, Roberto, já é hora de pensar em se casar e me dar netos.

Neguei com a cabeça, exausto com aquele assunto que era obrigado a escutar pela milésima vez e, antes que eu pudesse argumentar, ela continuou:

— Por falar nisso, Ivoneíde, aquela minha amiga do Río, está aqui. Lembra dela e da filha? Vieram especialmente para meu evento. Achei Ariana ainda mais bonita que da última vez que a vi e soube que está solteira.

— Ah, mãe, por favor, não…

— Não custa nada conhecer a moça. Você pode gostar dela. — O entusiasmo reluziu no brilho de seus olhos azuis.

Era só o que me faltava. Nos últimos dois meses dona Elis devia ter me apresentado a pelo menos umas cinco pretendentes. Todas mulheres maravilhosas, cultas e inteligentes, porém com um probleminha em comum: loucas para arrumar um marido. Enquanto elas buscavam um compromisso, eu fugia de um, mais do que o diabo correria da cruz.

De longe avistei Benício e Mili conversando em um canto do jardim, quando já me preparava para escapar e ír até eles, Ivoneíde e Ariana pararam à nossa frente.

— Estávamos mesmo falando de vocês — a voz de mamãe saiu um pouco afetada, quase me fazendo revirar os olhos. —Não é mesmo, filho? — Sua atenção vagou delas para mim e, ao me encarar, a advertência para que me comportasse estava explícita em seu semblante.

— Ãnh… sim?

Franzi o cenho, pois não era para minha resposta ter soado como uma pergunta. Sem querer parecer idiota ou mal-educado, logo em seguida meneei a cabeça e forcei um sorriso simpático para as duas mulheres que me observavam atentas.

— Como vão? — cumprimentei-as, estendendo a mão primeiro para a elegante senhora e depois para sua belíssima filha.

As duas retribuíram, estreitando nossas distâncias e me dando dois beijinhos no rosto, um de cada lado, conforme o costume carioca.

Ivoneide contou que ficou bastante animada ao receber o convite de mamãe e que ela e Ariana não poderiam deixar de comparecer, já que além de a causa ser nobre, era uma oportunidade para nossas famílias se reencontrarem. A garota, que devia ter uns vinte anos, sorria para mim, fascinada e um pouco constrangida, como se de alguma forma eu a atraísse e também a intimidasse.

Apesar de mamãe e Ivoneide serem amigas há muito tempo, nem sempre que ela vinha a São Paulo eu a encontrava. Da última vez que me recordava, Ariana ainda era uma adolescente com espinhas no rosto e aparelho nos dentes. Ela se transformara em uma bela mulher, no entanto, se nos envolvêssemos, certamente não teríamos os mesmos objetivos.

Adoraria desvendar cada curva daquele corpo escultural em uma noite tórrida de prazer. A garota era toda tímida e possuía aquele ar angelical e puro das virgens, corando só de me ver observá-la de cima a baixo, o que atiçava minha libido e imaginação. Mas, sem dúvidas, se nossas mães descobrissem que transamos, era bem provável de quererem nos casar no mês seguinte.

Antes que a banda começasse a tocar e dona Elis sugerisse que eu tirasse Ariana para dançar, inventei uma desculpa qualquer, despedi-me delas e fui até onde Benício e Mili estavam.

— Mais uma pretendente? — minha irmã perguntou, curiosa, quando parei de frente a eles.

Benício sorriu, divertindo-se às minhas custas.

— Acha graça porque não é com você. — Fiz cara feia. — Mamãe não se conforma — olhei dele para Mili —, já falei incontáveis vezes que não estou nem um pouco interessado em compromisso, que quero curtir a solteirice, mesmo assim ela não desiste de me apresentar para as filhas de suas amigas e conhecidas.

— Sinto muito, mano. Seí que essa obstinação dela piorou depois que revelei gostar de garotas.

— Você não tem culpa, fique tranquila. — Segurei sua mão e sorrimos, cúmplices.

— Se ao menos uma vez apresentasse uma namorada para nossos pais, talvez mamãe parasse de pegar no seu pé.

— Não quero namorar. Preciso é arrumar logo uma distração para dona Elis. Estou pensando em começar a reforma da cobertura, que tanto planejei e acabei deixando para depois, e pedi-la para tomar conta de tudo pra mim.

— Boa ideia! Posso fazer várias opções de decorações incríveis pra você, que sei bem que a deixarão indecisa e ocupada o bastante para, talvez, largar do seu pé.

— Porra, maninha! Esse seu “talvez” na frase tirou a empolgação de que meu plano possa funcionar.

— Mili tem razão, Beto. Sabe bem como sua mãe é quando coloca uma coisa na cabeça — Benício se manifestou. — Sinceramente, cara, acho que a única forma de Elis desistir de te arrumar uma mulher, é você arrumando uma por conta própria. Por que não contrata uma namorada de mentirinha? Eu poderia cuidar dos termos do acordo pra você, hum, que tal? —Movimentou as sobrancelhas de forma engraçada, fazendo Mili rir, tanto do seu jeito, quanto do que falou.

aí! — Ergui o indicador e arregalei os olhos. Senti como se uma luz se acendesse, de repente, na minha cabeça e as engrenagens do meu cérebro estivessem paradas e recomeçassem a se movimentar. — É isso. Você é genial, Bê! Vou encontrar uma mulher que queira se casar comigo por conveniência. Faremos um acordo que seja muito claro e vantajoso para ambas as partes e você cuidará disso pra mim. — Dei um tapinha no peito dele.

— Casamento por contrato? — Benícío e Emiliana falaram ao mesmo tempo e me encararam perplexos, como se eu tivesse enlouquecido.

— Qual é, gente? Vocês que me deram essa ideia. O que é que tem? Por mais que não seja meu gênero preferido, sei que existem muitos livros e filmes com essa temática e que as coisas costumam ser divertidas e darem certo, não é?

— Eu falei pra arrumar uma namorada de mentirinha, não para se casar assim, cara. Essa ideia é absurda até mesmo pra você, Beto! — Benício me advertiu, preocupado, como se de fato duvidasse da minha sanidade mental.

— Não vai fazer uma besteira dessas, né, irmão? — Foi a vez de Mili me questionar.

— Ah, eu vou, sim. — Os dois movimentaram as cabeças em negativa, desolados, sabendo que não me fariam desistir. —Agora que já sei o que fazer para me livrar da obsessão da mamãe, só preciso encontrar a falsa esposa perfeita. Alguém que não queira compromisso de verdade, que esteja necessitada de ajuda financeira e de preferência nada atraente.

— Por que a moça não pode ser atraente? — Minha irmã me fitou confusa.

— Porque não quero correr o risco de sentir tesão, acabar transando com ela e ferrando com meus planos.

— Maninho, você disse que existem muitas histórias assim e confesso que já assisti e li várias, o que acredito que você não fez.

— E daí? — Não compreendi aonde ela queria chegar.

— Nesses romances por contrato, as pessoas sempre acabam se apaixonando no final.

— Mesmo? — Fiquei chocado com a informação. Não tinha pensado em como as histórias terminavam.

Ela e Benício assentiram.

— Bem, pode terminar assim na ficção, mas isso aqui é vida real e sei que não vou me apaixonar, fiquem tranquilos.

— Se você diz… — Minha irmã estreitou os olhos e deu um sorrisinho de Monalisa. Não pude decifrar se ela, enfim, estava concordando com minha ideia, ou duvidando que eu não me envolveria com a pessoa que contratasse.

Parei um garçom que passava e nós três pegamos taças de champanhe.

— Proponho um brinde à melhor ideia dos últimos tempos. — Ergui a minha bebida em direção a deles e tilintamos.

Os dois ainda estavam receosos com minha decisão, porém eu me sentia leve e determinado.

— Bem, se me dão licença, agora que já está tudo decidido, vou aproveitar a festa e acho que deveriam fazer o mesmo!

Como sabia que procurar a pessoa certa para meu plano poderia levar algum tempo, e não aguentava mais a atenção de minha mãe em cima de mim, começaria com o plano B, antigo A, que era dar início ao projeto de reforma da minha cobertura o quanto antes.


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