Ligados pela Honra – Livro Cora Reilly

Ligados pela Honra - Livro Cora Reilly

Trecho do livro

Prólogo

Meus dedos tremiam como se fossem folhas na brisa quando os ergui, meu coração batia tão depressa quanto as asas de um beija-flor. A mão forte de Luca estava firme e estável quando ele segurou a minha e deslizou a aliança em meu dedo.

Ouro branco com vinte pequenos diamantes.

Aquilo que simbolizava o amor e a devoção para outros casais era apenas uma prova de que ele era o meu dono. Um lembrete diário da jaula dourada em que me aprisionava pelo resto da vida. Até que a morte nos separe não era uma promessa vã como para tantos outros casais que se entregavam ao sagrado laço do matrimónio. Para mim, não havia saída desta união. Eu seria de Luca até o último momento. As últimas palavras do juramento daquele homem quando foi iniciado na máfia poderia muito bem ter sido o desfecho dos meus votos de casamento:

Entro com vida e só sairei na morte.

Eu deveria ter me livrado disso quando ainda era possível. Agora, no momento em que centenas de rostos das Famiglias de Chicago e Nova Iorque nos encaravam, fugir não era mais uma opção. Nem o divórcio. A morte era o único fim aceitável para um casamento em nosso mundo. Mesmo que eu conseguisse escapar dos olhares vigilantes de Luca e de seus capangas, meu desrespeito ao nosso acordo significaria guerra. Nada que meu pai dissesse impediria que a Famiglia de Luca se vingasse pela humilhação.

Meus sentimentos não importavam, nunca importaram. Cresci num mundo onde não eram dadas escolhas, principalmente às mulheres.

Este casamento não tinha nada a ver com amor nem confiança ou escolha. Trata-se de dever e honra, de se fazer o que é esperado.

Um vínculo para garantir a paz. Eu não sou idiota. Sabia do que mais se tratava: dinheiro e poder. Ambos estavam se esgotando desde que a Bratva — a máfia russa —, a Tríade Taiwanesa e outras organizações criminosas tentavam aumentar seus controles em nossos territórios. As Famiglias Italianas por todo os Estados Unidos precisaram deixar as desavenças de lado para trabalharem em conjunto e combater seus inimigos. Eu deveria me sentir honrada em casar com o filho mais velho da Famiglia de Nova Iorque. Era do que meu pai e todos os outros parentes homens tentavam me convencer desde que fiquei noiva de Luca. Eu sabia disso, e não era como se não tivesse tempo para me preparar para o momento crucial, mas, mesmo assim, o medo invadia meu corpo incontrolavelmente.

— Pode beijar a noiva — disse o padre.

Levantei a cabeça. Cada par de olhos no salão me analisava, esperando por um indício de fraqueza. Papai ficaria furioso se eu deixasse meu terror transparecer, e a Famiglia de Luca usaria isso contra nós. Mas cresci em um mundo onde uma máscara de perfeição era a única proteção permitida à mulher e não havia dificuldade nenhuma em impor uma expressão tranquila. Ninguém desconfiaria do quanto eu queria fugir. Ninguém exceto Luca. Não conseguia esconder dele, por mais que tentasse. Meu corpo não parava de tremer. Percebi que ele sabia assim que meu olhar encontrou seus olhos cinza. Quantas vezes ele provocara medo nas pessoas? Considerando que provocar medo provavelmente era algo natural para ele.

Ele se curvou para diminuir os 25 centímetros que tinha a mais que eu. Não havia sinal de dúvida, medo ou hesitação em seu rosto. Meus lábios tremiam contra sua boca enquanto seus olhos me penetravam. A mensagem era clara: Você é minha.

CAPÍTULO UM

Três anos antes

Eu estava em nossa biblioteca, encolhida na chaise lounge lendo, quando ouvi uma batida. Lhana descansava em meu colo e nem se mexeu quando a porta de madeira escura abriu e nossa mãe entrou com seus cabelos loiros escuros presos num coque. Mamãe estava pálida, seu semblante era de preocupação.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei.

Ela sorriu, mas era um sorriso hesitante. — Seu pai quer conversar com você no escritório dele.

Tirei a cabeça de Lily cuidadosamente de cima de mim e a deitei no sofá. Ela encolheu as pernas contra seu corpo. Era bem pequena para uma menina de onze anos, mas eu também não era exatamente alta com os meus 1,65cm. Nenhuma mulher de nossa família era. Mamãe evitou meus olhos quando andei em sua direção.

— Estou encrencada? — Não tinha ideia do que poderia ter feito de errado. Normalmente, Lily e eu éramos obedientes; Gianna era a única que sempre quebrava as regras e era castigada.

— Depressa. Não faça seu pai esperar — disse Mamãe simplesmente. Meu estômago deu um nó quando cheguei em frente ao escritório de Papai. Esperei um momento até acalmar meus nervos e bati.

— Entre.

Entrei, forçando uma expressão cuidadosamente séria. Papai estava sentado à sua mesa de mogno numa poltrona larga de couro negro; atrás dele, prateleiras de mogno erguiam-se repletas de livros que ele nunca lera, mas que escondiam uma entrada secreta para o subterrâneo e um corredor que dava para o lado de fora da casa.

Ele olhava através de uma pilha de papéis com seus cabelos grisalhos penteados para trás. — Sente-se.

Afundei em uma das cadeiras à sua mesa e juntei as mãos em meu colo, na tentativa de não morder meu lábio inferior. Papai odiava isso. Esperei que ele começasse a falar. Tinha uma expressão estranha enquanto me analisava.

— A Bratva e a Tríade estão tentando reivindicar nossos territórios. Estão ficando mais audaciosas a cada dia. Temos mais sorte que a Famiglia de Las Vegas, que também tem que lidar com os mexicanos, mas não podemos mais ignorar a ameaça que os russos e os taiwaneses representam.

Fiquei confusa. Papai nunca falava sobre negócios conosco. Garotas não precisavam saber nenhum detalhe dos negócios da máfia. Mas eu sabia muito bem que não deveria interrompê-lo.

— Temos que deixar nossa rixa com a Famiglia de Nova Iorque de lado e unir forças se quisermos combater a Bratva e a Tríade. — Paz com a Famiglia? Papai e todos os outros membros da Organização de Chicago odiavam a Famiglia. Eles se matam há décadas e apenas recentemente decidiram ignorar uns aos outros em favor de eliminar os membros de outras organizações criminosas, como a Bratva e a Tríade. — Não há laço mais forte que o sangue. Pelo menos a Famiglia acredita que não. Eu franzi a testa.

Nascido no sangue. Jurado com sangue. Este é o lema deles.

Concordei, só que minha confusão só aumentava.

— Encontrei-me com Salvatore Vitiello no sábado. — Papai se encontrou com o Capo dei Capi, o chefão da máfia de Nova Iorque? Uma reunião entre Nova Iorque e Chicago não acontecia há uma década e da última vez não terminou bem. Ainda se referiam a isso como ‘Quinta-feira Sangrenta’. E Papai nem era o chefe ainda, era apenas o Consigliere, o assessor de Fiore Cavallaro, que comandava a Organização e, com isso, o crime no Centro-Oeste.

— Chegamos à conclusão de que, para que a paz seja uma opção, precisamos nos tornar uma só família. — O olhar penetrante de Papai me atingiu e repentinamente eu não quis ouvir mais nada do que ele tinha a dizer. — Cavallaro e eu concordamos que você deve se casar com seu filho mais velho, Luca, o futuro Capo dei Capi da Famiglia.

Senti como se fosse desmaiar. — Por que eu?

— Vitiello e Fiore conversaram ao telefone várias vezes nas últimas semanas, e Vitiello queria a garota mais bonita para o filho. E claro que não poderíamos dar a ele a filha de um de nossos soldados. Fiore não tem filhas, então, ele disse que você era a garota mais bonita disponível. — Gianna é tão bonita quanto eu, mas é mais nova. Isso provavelmente a salvou.

— Tem tantas garotas bonitas… — engasguei. Não conseguia respirar. Papai me olhava como se eu fosse seu bem mais precioso.

— Não há muitas meninas italianas com um cabelo como o seu. Fiore o descreveu como dourado. — Papai gargalhou. —Você é a nossa porta de entrada para a Famiglia de Nova Iorque.

— Mas, Papai, eu tenho quinze anos. Não posso casar.

Papai me olhou com desprezo. — Se eu permitisse, você poderia. Desde quando você se importa com as leis?

Agarrei bem forte os braços da cadeira, as articulações dos meus dedos estavam perdendo a cor, mas não sentia dor. Meu corpo todo estava ficando entorpecido.

— Contudo, eu disse a Salvatore que o casamento terá que esperar até você completar dezoito anos. Sua mãe foi irredutível quanto a você se tornar maior de idade e terminar os estudos. Fiore levou sua súplica a ele.

Então, o Chefe disse a meu pai que o casamento terá que esperar… Meu próprio pai me atirou direto nos braços do meu futuro marido. Meu marido. Comecei a me sentir enjoada. Sabia apenas dois fatos sobre Luca Vitiello: ele se tornaria o chefe da máfia nova-iorquina assim que seu pai se aposentasse ou morresse; e que ganhou o apelido de “O Vice” por estrangular um homem com as próprias mãos. Não sei quantos anos ele tinha. Minha prima Bibiana foi obrigada a se casar com um homem trinta anos mais velho. Como o pai ainda não havia se aposentado, Luca não devia ser tão velho assim. Pelo menos era o que eu esperava. Será que ele era cruel?

Ele estrangulou um homem. Ele será o chefe da máfia nova-iorquina.

— Pai — sussurrei —, não me obrigue a casar com aquele homem, por favor.

A expressão de Papai se agravou. — Você vai se casar com Luca Vitiello. Fiz um acordo com o pai dele, o Salvatore. Você será uma boa esposa para Luca e, quando o encontrar na festa de noivado, se comportará como uma moça obediente.

— Festa de noivado? — Repeti. Minha voz soava distante, como se uma névoa cobrisse meus ouvidos.

— Claro. É uma ótima maneira de criar laços entre nossas famílias, e dará a Luca a chance de ver o que vai lucrar com o acordo. Não queremos desapontá-lo. — Quando? — Limpei a garganta, mas o nó permanecia.

— Quando será a festa de noivado?

— Em agosto. Ainda não marcamos a data.

Daqui a dois meses… Concordei apaticamente. Eu amava ler romances e sempre que os personagens se casavam, eu ficava imaginando como seria o meu casamento. Sempre o idealizei cheio de amor e emoção. Sonhos vãos de uma garota burra.

— Então, tenho permissão para ir à escola? — O que importa se vou me formar ou não? Nunca poderei frequentar a faculdade, nem trabalhar. A única coisa a que terei permissão será aquecer a cama do meu marido. O nó na garganta apertou e lágrimas brotaram em meus olhos, mas desejei que não caíssem. Papai odiava quando nos descontrolávamos.

— Sim. Eu disse a Vitiello que você frequenta uma escola católica para meninas, e isso pareceu agradá-lo. — Claro que agradou. Não poderia arriscar que eu ficasse em qualquer ambiente perto de garotos.

— Algo mais?

— Por enquanto, não.

Saí do escritório como se estivesse em transe. Fiz quinze anos há quatro meses. Achei que meu aniversário tivesse sido um grande passo em direção ao meu futuro e fiquei empolgada. Ingenuidade minha. Minha vida terminou antes mesmo de começar. Já decidiram tudo por mim.


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