A Esposa Virgem – Livro de Josiane Veiga

A Esposa Virgem - Livro de  Josiane Veiga

Trecho do livro

Nota da Autora

Meu Deus! Nem acredito que consegui escrever esse livro depois do ano terrível que foi 2020. Comecei A ESPOSA VIRGEM em dezembro, ansiosa porque era um trabalho muito esperado por mim, queria dar meu melhor. Só que talvez o momento não tenha sido o ideal. Com uma construção em casa, eu improvisei um local de trabalho num quartinho onde só cabia a cama e o PC. Minha colega do trabalho pegou COVID e eu precisei fazer, além do meu próprio serviço, o dela. Cansada, estressada (odeio pedreiros kkkk brinks), esgotada mentalmente, ainda assim adquiri forças só Deus sabe de onde para entregar esse livro. E, de coração, eu espero que vocês gostem dessa história. Ela explica muita coisa sobre os livros da Cidade de Esperança.

Desejo a todos um 2021 abençoado, cheio de luz, paz e saúde.

Josiane Veiga

Capítulo 1

Adriana

Meus olhos se moveram rapidamente, enquanto o pânico tomou conta de mim. Abri minha boca para gritar, mas o som não saiu. Nunca saia. Aos poucos, fui tomando consciência da situação e tentei me acalmar. Eu sabia o que estava acontecendo, não era a minha primeira experiência na paralisia do sono, então tudo que eu precisava era relaxar e esperar que os movimentos do meu corpo voltassem.

O vulto do lado da cama fez meus olhos se moverem naquela direção. Ele tinha um aspecto demoníaco, e logo forçou seus dedos na minha garganta. Senti que iria sufocar, meu coração acelerou, mas mais uma vez, tentei manter a calma.

Ser sufocada por mãos ao acordar era minha rotina há uns dez anos. Meus olhos abrirem, enquanto meu corpo ainda estava dormente era um costume que me levou a depressão e ansiedade. Não sei se foi exatamente esse o motivo, ou se a paralisia do sono foi apenas a consequência, mas o fato é que essas experiências estavam acabando comigo.

As mãos abandonaram a minha garganta e eu consegui respirar. Quanto tempo eu ficaria parada assim? Normalmente passava rápido e o cérebro entendia que eu estava acordada, mas havia momentos que a paralisia parecia durar tanto tempo que eu considerava que havia morrido e estava no inferno.

Não que o inferno fosse uma novidade. Eu já vivi no inferno por tempo demais.

Outro vulto. Baba escorrendo de sua boca. Eu podia ver que ele me considerava comida. Um tipo de predador, não sei identificar.

Pensei no programa que vi ontem à noite e analisei se não estava interligando meus pensamentos ao que assisti.

Dizem os cientistas que por conta de uma rocha que caiu na terra, repleta de bactérias, a vida se originou nos oceanos repletos de hidrogênio e oxigênio da terra. A junção com o carbono criou as primeiras criaturas marinhas. E de lá foram vindos todos os outros seres, até chegar ao homem.

Particularmente eu não sabia se acreditava nisso ou no criacionismo, mas o fato é que o homem existe e dominou as outras criaturas da terra. Somos a raça dominante. E o que aconteceria se surgisse outra raça dominante e nos tratasse como nós tratamos os animais?

Como seria ver filas de homens e mulheres num matadouro? Bebês sendo jogados num triturador como hoje se fazem aos pintos? Como seria ver homens e mulheres mortos com uma marretada no crânio como se matam as vacas?

Quando a justiça viesse a nós e fossemos pagar tudo que fizemos aos outros seres desse planeta, pobre de nós… O inferno seria apenas uma fábula.

O vulto sumiu. Outro surgiu. Era diferente de todos os demais. Não era demônio ou predador. Não era estranho, nem ameaçador. Era um homem. Um homem bonito, na faixa dos trinta e poucos, que tinha o olhar assustado e parecia pedir ajuda.

— Não deixe que eles comprem a casa.

O quê?

— A casa quer comida. A casa está faminta por almas. E eles podem dar isso a casa. E só você pode impedi-los, ninguém mais.

De repente meu corpo acordou e eu consegui respirar, um grito mudo escapando dos meus lábios enquanto me sentava na cama.

— Então, Adriana… Quantas gotas de Clonazepam você está tomando?
Encarei meu psiquiatra analisando minha resposta.

Sou policial civil e a sinceridade e a verdade poderia me afastar do trabalho. Eu considerava que me tirar do trabalho era péssimo para a sociedade, porque eu era uma das melhores investigadoras da Serra Gaúcha. Desde que fui encaminhada para Encanto, havia solucionado assassinatos que persistiam em mistério por décadas.

Os meus pesadelos e a paralisia do sono até me ajudaram algumas vezes, me dando pistas, mas acreditava que era meu subconsciente me entregando algumas verdades que passavam despercebidas.

Os sonhos te dão respostas a perguntas que você não sabe formular. — Cinco gotas. Apenas para relaxar. A verdade é que eu precisava de, no mínimo, vinte para dormir. — E como está reagindo com o Escilatopram? — Muito bem.

Mentira. Mesmo tomando a dosagem máxima, não sentia a menor diferença na minha vida, cada vez mais no fundo do poço com a ansiedade e a depressão. Mas, era mentir ou me entregar a desesperança. Se o médico me afastasse do trabalho, o que me restaria a não ser os pesadelos?

— Eu vou te receitar Trazodona. Minha intenção é que você corte o Clonazepam.

Ah, sim, eu iria tirar da minha vida a única coisa que me fazia dormir?

— Certo. — E como estão os pesadelos, Adriana?

— Tranquilos.

— Não teve mais crises de terror noturno?

Neguei com a face, ansiosa para sair do consultório.

Por fim ele me deu as receitas que eu precisava. Buscar os papeis que me deixavam comprar os remédios era o único motivo de eu ainda buscar ajuda.

— Tem certeza de que quer fazer aqui? — a garota bonita apontou a casa velha.

Observei o rosto do rapaz que a encarava. Estava envolto em nuvens espessas.

— Está com medo? — ele brincou.

Mais um sonho. Eu sabia como era, eu sabia que sempre acontecia alguma coisa nele. Respirei fundo, sendo guiada pela minha mente semiconsciente naquele ambiente horrível.

Minha face ergueu. Diante de mim, uma casa enorme se erigia. Eu podia ver seu aspecto funesto, como se a casa estivesse morta.

Contudo, não estava. As paredes pareciam respirar.

O casal soltou risinhos alegres enquanto entravam na casa. Por algum motivo, eu os acompanhei. Não devia. Meu coração começou a palpitar e o nervosismo tomou conta de mim.

Eu nunca tinha sonhos bons. Nunca. Meus pesadelos começaram na infância, quando meu pai começou a me tocar. Ele não chegou a me violar, mas mesmo seus toques sujos me causaram tanto pavor, que acabou nascendo em mim um ser destruído e agoniado, que compartilhava em sonhos com outros seres agoniados, seus piores pesadelos.

Quando minha mãe soube que meu pai gostava de enfiar os dedos em mim, ela me culpou. Desde então minha mãe também passou a ser um dos demônios que me perseguia em sonhos. Na vida real, nenhum deles me dava atenção, me enviaram para uma escola interna assim que minha mãe descobriu que eu era molestada, e quando sai de lá, aos dezoito anos, passei num concurso da polícia civil, onde logo depois fui admitida.

Eu batalhei sozinha e cresci sozinha, mas ainda era uma menina desesperada e medrosa.

A casa era escura por dentro. Seu assoalho de madeira rangeu enquanto eles corriam, jovens e alegres, para dentro de um dos quartos.

Eu os segui. Queria implorar que parassem, que fugissem, algo aconteceria, mas como sempre eu era uma expectadora passiva de desgraças.

De repente, os gemidos. Queria fechar meus olhos para não ver, sexo me causava repulsa. Nunca fiz, nunca deixei ninguém me tocar, nunca tive um namorado…, mas, agora era forçada a assistir ao casal se esfregando.

— Me chupa — o rapaz pediu. — Eu gosto quando lambem minhas bolas.

A menina prontamente se ajoelhou diante dele, tentando abrir seu zíper, um sorriso generoso em seu rosto.

Então, do nada, tão rápido contra um relâmpago, passos mancos e trôpegos surgiram na escuridão. Eu não via a figura, mas sabia que ela representava perigo. Mais que isso, a casa.

Tentei gritar para a garota, mas minha voz não saia. Nunca saia.

A figura surgiu por trás dela com uma corda. Jogou-a por sobre o pescoço da menina, e a puxou para trás.

Observei o homem, tentando ver se ele a protegeria, se lutaria contra a figura maldita, quando as mãos dele, para minha surpresa, puxaram os pés da jovem, tirando-lhe o apoio.

Estavam juntos. Ambas as figuras, assassinas.

Pude ouvir o engasgo de quem estava sendo enforcada. O choro a escapar dos olhos.

Podia sentir na minha própria pele a terrível sensação de morrer daquela forma.

Queria reagir. Ajudar. Defender.

Mas, tudo que ocorreu foi meus olhos abrindo e meu sonho acabando.

Um pesadelo terminava para outro começar. Meus dias eram pesadelos sem fim.


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