Novo livro da coautora do best-seller A monja e o professor. Você sempre pensa sobre aquilo que você fala? E já pensou em como o que você fala influencia o que você pensa e sente? Usamos muitas expressões por décadas – gerações! – sem nunca nos perguntarmos sobre seu real significado ou mesmo veracidade. Nesse livro, Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen Budista do Brasil, reflete sobre alguns desses ditos populares através da luz da sua longa experiência com o ensinamento Budista e nos guia a pensar sobre muitas dessas “verdades”, todas com certeza muito familiares ao leitor e que já saíram de sua boca algumas dezenas de vezes...
Editora : BestSeller; 1ª edição (18 março 2019) Idioma: : Português Capa comum : 144 páginas ISBN-10 : 8546501912 ISBN-13: 978-8546501915 Dimensões: 14 x 0.8 x 21 cm
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Leia trecho do livro
Prefácio
O outro lado da verdade
As verdades se impõem sem que se pergunte se realmente elas são ou não eternas. Entre as máximas reunidas pela Monja Coen, uma boa parte delas não só são conhecidas, como somos capazes de falar de cor. Em Verdade?, a Monja Coen desestabiliza essas crenças eternas e mostra, com muita sabedoria e bom humor, que elas têm outras leituras que levam à reflexão e a um conhecimento melhor do íntimo de cada um de nós.
A releitura dessas “verdades” motiva o entendimento de que o budismo é a religião da paz, da meditação e da não violência. O próprio Buda fez uma releitura das verdades que prevaleciam em sua época, uma vez que era apenas um homem. Essa busca da verdade mais profunda proporcionou a descoberta de que todas as coisas são compostas e permanentes, todas as emoções são dor, e tudo é desprovido de existência intrínseca. Assim, é uma falácia imaginar que algumas emoções são puramente prazerosas, que as substâncias são permanentes, têm existência intrínseca, e que a iluminação existe dentro das dimensões do tempo. Dessa forma, os fenômenos descritos nas tais “verdades” são compostos e, portanto, impermanentes. Isso quer dizer, em outras palavras, que precisam ser relidos e reavaliados constantemente.
Não é dificil perceber que vivemos em uma época onde nunca as mudanças foram tão rápidas. Somos atropelados por elas mais de uma vez por dia. As “verdades” são repetidas à exaustão, sem qualquer crítica interna, passam de geração para geração, assim como procuramos a fonte da juventude, a imortalidade, o Santo Graal, o pote de ouro no fim de um arco-íris e outros mitos. Alguns são até infantis, mas ainda assim muita gente acredita neles e os acalenta. Têm direito, é claro, mas no fim da estrada, em vez de um pote de ouro, encontram-se frustação, depressão e infelicidade.
Todos nós, quando nos levantamos de manhã, iniciamos uma luta pela busca da felicidade. No entanto, o que é felicidade? Seria aquela que Jefferson escreveu na Declaração da Independência dos Estados Unidos, ou o mendigo que quer juntar umas moedas para comprar comida e não morrer de fome? Talvez essa palavra seja a de maior subjetividade no nosso bornel de conhecimentos.
Entre os obstáculos que dificultam a obtenção da felicidade, seja lá o que isso for, estão o medo e a ansiedade que dominam a mente humana. O medo está associado ao desconhecido. E qual a saída para isso? Se o Buda pudesse participar deste texto diria que a chave para a libertação do medo é o reconhecimento da impermanência, uma vez que sem isso não há progresso nem mudança para melhor. Imaginar que as coisas são permanentes é um falso raciocínio. Alguém pode até dizer que em time que está ganhando não se mexe, contudo o apego ao conceito de permanência pode levar a dois opostos: falta de esperança de um lado ou a esperança cega de outro. Nenhum dos dois conduz à felicidade. Trazem mais sofrimento e frustração e tornam a vida sem sentido.
A visão fica mais clara e a condução da vida fica mais fácil quando entendemos que a vida é impermanente, uma vez que é composta de uma miríade de fenômenos impermanentes. A questão está colocada neste livro: vamos repetir os adágios dos nossos antepassados como mantras ou vamos fazer uma releitura deles? A decisão é sua.
Heródoto Barbeiro*
Nota
*Heródoto Barbeiro é budista educado na tradição Soto Zen.
Introdução
Há tantas expressões que usamos sem nos questionarmos da veracidade do seu significado.
Escolhi algumas.
Não apenas para as desqualificar, mas requalificar.
Qual o sentido verdadeiro?
E adequado usar certas expressões?
Quando?
Será que os jargões que nos acostumamos a usar são capazes de alterar nossas relações internas e externas?
Nossa capacidade de compreender a realidade, de observar em profundidade fica comprometida se não nos questionarmos.
Você, leitor ou leitora, não precisa concordar comigo.
Mais do que a concordância quero o questionamento e a reflexão profunda. Antes de falar, pensamos.
Como pensamos? Quem nos ensinou a pensar? Através de que sentenças, frases?
Repetimos padrões.
Podemos analisá-los e verificar se são verdadeiros.
Espero que este apanhado possa nos ajudar a afastar o superficial e o impensado.
Meu mestre de transmissão, ou seja, aquele que confirmou meus votos monásticos definitivos e me reconheceu apta a ensinar, o reverendo Yogo Suigan Roshi, certa ocasião, me recomendou: “Antes de falar, passe a língua três vezes por toda sua boca e reflita: ‘O que vou falar é verdade? Irá beneficiar a quem me ouve? Será capaz de beneficiar a todos os seres e levá-los à verdade?’ Se as três respostas forem assertivas, fale. Caso contrário, se cale.”
Tenho seguido seu conselho. Falho muitas vezes, mas não desisto de continuar tentando.
Que as reflexões deste livro possam nos levar à verdade e possam beneficiar inúmeros seres.
AMOR DE MÃE É INCONDICIONAL
Será que o amor de todas as mulheres que se tornam mães é incondicional?
Mulheres que foram estupradas, mulheres que não amam ou jamais amaram seus companheiros e engravidaram, mulheres jovens à procura de afeto e carentes de amor, mulheres mais velhas, que se viram forçadas a adotar filhas e filhos de seus maridos — será que todas elas sentem amor incondicional?
O que é o amor incondicional? Seria amar o filho ou a filha viciada em drogas, que bate na mãe, que rouba todos os objetos da casa para trocar por drogas? Seria o amor pelo filho ou filha suicida, criminoso, assassino? Seria amar igualmente a vítima e o algoz? Seria o amor incondicional aquele em que a pessoa ama apesar da incapacidade da pessoa amada em retribuir?
Há uma música interessante de Vicente Celestino sobre um camponês que mata sua mãe e tira dela o coração para levar à sua amada. O homem tropeça, o coração da mãe cai no chão e exclama: “Magoou-se, pobre filho meu? Vem me buscar, filho. Aqui estou. Vem me buscar, que ainda sou teu.” Essa é a idealização do amor maternal. Mas entre o ideal e o real há uma lacuna imensa.
Nós criamos uma expectativa sobre o comportamento das mães e sobre como deve ser o seu amor. Acontece que as mães são pessoas, seres humanos, com altos e baixos, apegos e aversões.
Conheço mães que abandonam seus filhos para ir atrás de um novo amor. Conheço mães que nunca quiseram amamentar para não perder a beleza dos seios. Conheço mães que nunca deram banho nos filhos ou trocaram suas roupas, que nunca brincaram com eles… Mães muito ocupadas cuidando de si mesmas. Conheço mães que batem, machucam, ferem e até matam seus filhos. Elas sentem amor incondicional?
Amor de mãe pode ser duro e áspero. Amor de mãe pode ser feito de cobranças e expectativas. Amor de mãe pode exigir dos filhos e filhas o que eles não podem dar.
Há mães que tiram os filhos da cruz, da cadeia, do sofrimento. Há mães que enterram seus filhos, cobertas de lágrimas. Há mães que nunca enterram seus filhos mortos, mas os enterram vivos — sem amor e sem autoestima, esmagados pelos abusos e descasos.
Há inúmeras possibilidades de amor materno. Há inúmeras possibilidades de desamor materno. Há amores condicionados a respostas. Há amores incondicionais, que independem de como a pessoa amada responde.
Mas nem todo amor incondicional é amor de mãe. Cuidado, não se engane.
As propagandas do Dia das Mães mostram cenas de gratidão e respeito às mulheres que se sacrificaram por seus filhos.
São sempre muito comoventes, mas esquecem de mostrar as mães que nunca se sacrificaram ou se sacrificam pelos filhos.
E elas também são mães.
Nós criamos uma imagem idealizada de amor. Quando a realidade é diferente, as pessoas decretam que certas mulheres são mães desnaturadas.
A mãe natural é aquela que cuida, amamenta e prepara sua cria para a vida? Haveria amor nisso ou apenas um ato natural de preservação da espécie?
Há mães que se apaixonam pelos filhos e sentem ciúme das noras, dos genros, dos amigos, dos afetos, dos outros interesses. Há mães que competem com as filhas pelo amor do marido, pela juventude, beleza, inteligência. Há mães que se orgulham de sua prole. Há mães que se envergonham de sua prole. Há mães neutras, que nem se orgulham nem se envergonham: elas cuidam pelo simples dever de cuidar, incapazes de amar, de acarinhar. Há mães que se entregam à tarefa de cuidar e suprir. Há mães que só cuidam de si mesmas. Há mães que não cuidam nem mesmo de si.
Como exigir o que a pessoa não tem para dar? Como exigir o que alguém nunca encontrou, conheceu ou foi capaz de imaginar?
Está na natureza da mãe a capacidade de amar incondicionalmente? Será a natureza da matriz cuidar da cria para que ela se desenvolva e cresça saudável? Quando a mãe morre, a cria também morre ou pode ser criada por outra pessoa?
E quanto à mãe que abandona seu bebê pelas ruas, pelos rios, pelas latas de lixo? Seria o amor incondicional se manifestando, já que essa pessoa não seria capaz de cuidar de uma criança? Como Moisés, esse bebê será encontrado navegando nas águas?
Há amores de mãe que afogam e matam quaisquer potencialidades de seus filhos e filhas. Seria isso amor incondicional?
Não, nem todas as mulheres são as mães perfeitas que imaginamos que deveriam ser. Surgem então a culpa e a cobrança. A mulher que não se tornou a mãe ideal se culpa. Ela é cobrada por seus descendentes, que passam a desprezá-la ou odiá-la sem nunca ter tentado entender essa mulher, seus sofrimentos, suas angústias, suas carências e insuficiências. Uma trama, uma rede sem fim de dor e expectativas frustradas.
Vamos considerar também a ótica do filho ou da filha: sem nenhuma expectativa, você seria capaz de amar incondicionalmente sua mãe? Mesmo que ela nunca tenha sido capaz de amar você? Mesmo que ela tenha abandonado você para viver um grande amor ou um sonho de carreira? Você seria capaz de amá-la sem cobranças, sem esperar nada em troca? Continuaria a querer seu bem, que ela esteja bem, mesmo à distância? Seria capaz de orar pelo seu despertar?
A mãe surge no momento da fecundação. Vai se tornando mãe junto ao feto que cresce em seu ventre. Dependendo de causas e condições — inúmeras —, poderá amar ou não essa vida que se desenvolve em seu útero.
Dona Zilda Arns dizia que a violência do inundo, o desafeto, o desamor, a raiva do feto se iniciam no útero materno.
E quanto às mães adotivas? São todas capazes de sentir amor incondicional? Içami Tiba, filho de um monge zen, escreveu um livro chamado Quem ama, educa! Sim, é verdade. Amar, educar e cuidar caminham juntos. Afinal, educar é cuidar. Não um educar obrigatório ou para se exibir ao inundo, mas o educar digno, de quem respeita a individualidade do outro. Por isso também digo que quem educa pode vir a amar. O contato, o cuidado, podem fazer o amor nascer, crescer, florescer.
Há quem adote uma criança pequena ou um pré-adolescente, que já passou por vários abandonos e assim se tornou desconfiado do amor. Que amor é esse que não me vê, não me reconhece? Que amor é esse que exige de mim o que nunca tive e que portanto não posso dar? Há expectativas de ambos os lados. Sem expectativas o encontro pode ser possível. O amor poderá surgir ou não.
Será fácil amar incondicionalmente quem foge, mente, rouba, fere, inata, maltrata?
Desenvolver a compaixão — este, sim, um querer bem incondicional — necessita de muito treinamento.
Sua Santidade o XIV Dalai Lama disse certa vez que “compaixão não é visceral. Precisa ser estimulada e treinada”.
Quantas pessoas têm sido treinadas e estimuladas a se identificar com outras criaturas e as compreender mesmo sem que sejam compreendidas?
Empatia — ser o outro, compreender a outra pessoa como se ela fosse você, não como se fosse outra pessoa, não como um ser diferente. Ela é um ser humano, e por isso reconhecível por outro ser humano. A mãe consegue se tornar o filho ou a filha e acolher essa pessoa assim como é? Ou quer transformá-la em um espelho seu? É capaz de perceber suas tendências e ajudar a desenvolver seu potencial, educar para ser livre? Ou quer transformar um ser dependente de si mesma? É capaz de orientar para que a sua cria faça escolhas adequadas aos seus propósitos? Ou seria a compaixão a condição essencial para que possamos desenvolver um amar sem condições? Tudo o que existe depende de causas e condições. Logo, para um amor sem condições, a pré-condição é a maturidade de haver desenvolvido e treinado a compaixão.
Quando a resposta dos filhos ou das filhas não é a esperada, o amor continua inabalado?
Quando as escolhas de vida não coincidem com os valores da mãe, o filho ou a filha é incondicionalmente amado ou amada?
Sim, existem mães que continuam a querer bem e a cuidar, mas há as que se afastam e tentam esquecer os filhos que tiveram.
Amor de mãe tem várias faces — tantas quantas forem as mães existentes no inundo. Mas nem todo amor de mãe é incondicional.
Você é capaz de amar incondicionalmente o desconhecido? E o conhecido? Pergunte-se, questione-se, aprofunde-se na percepção da realidade múltipla. Não se limite a repetir frases feitas.
Ressignifique a sua vida.
A ocasião faz o ladrão
Será verdade? Ou será que um ladrão pode provocar ocasiões favoráveis aos seus propósitos?
Mahatma Gandhi dizia que ladrão é todo aquele que consome mais do que necessita.
Haveria um equilíbrio cósmico, segundo o qual cada forma de vida teria o suficiente para sua sobrevivência? Estariam aqueles e aquelas que usam mais do que necessitam sendo ladrões de vida?
No Butão, o governo sugere que, em vez do Produto Interno Bruto, o valor ideal para medir uma sociedade seja o Índice de Felicidade Interna Bruta.
Não é interessante? Em vez de medirmos uma sociedade segundo critérios econômicos, podemos avaliá-la pelos valores de satisfação, alegria, bem-estar, saúde fisica, mental e social. Pelo seu índice de felicidade.
E um dos índices é o da suficiência. Mas o que é suficiência? O que é considerado suficiente e/ou necessário para uma pessoa se sentir feliz, bem atendida, e o que seria para outras?
Há alguns anos, um praticante de minha comunidade estava caminhando pela Vila Madalena, em São Paulo, quando se deparou com uma senhora chorando sentada no meio-fio. Ela parecia ser pobre e estava muito triste. Na época, esse praticante estava interessado em desenvolver sua capacidade de compaixão. Ali estava uma situação adequada para praticar a empatia e a compaixão. Ele se sentou ao lado da senhora, já que ainda tinha uns dez minutos antes de rumar para o seu trabalho. Ouviu atenta e amorosamente o drama em que a mulher estava envolvida: a favela em que morava pegou fogo, seus filhos haviam sido levados para o hospital, ela não tinha para onde ir e precisava urgentemente de setenta reais para resolver a questão da moradia e ir buscar os filhos no hospital.
Comovido, o rapaz abriu sua carteira e deu a ela todo o dinheiro que tinha naquele momento. Quando começou a se levantar, um homem de terno surgiu e quis saber o que estava acontecendo. Ao ouvir a história, o homem se prontificou a ir com a senhora ao banco mais próximo, onde lhe faria uma grande doação. O praticante da minha comunidade sentiu-se impelido a fazer o mesmo, mas já estava atrasado para uma reunião. Considerando que a senhora seria bem atendidas deixou-a na companhia do outro homem e foi para o trabalho. Mas acabou se sentindo culpado. Passou o dia triste, achando-se mesquinho e insuficiente. A noite, veio falar comigo, desesperado. Considerava que havia falhado, pois não fora capaz de ir ao banco também e de fazer uma grande doação para aquela pessoa necessitada. Lastimava-se e culpava-se pela falta de compaixão.
Comovido, o rapaz abriu sua carteira e deu a ela todo o dinheiro que tinha naquele momento. Quando começou a se levantar, um homem de terno surgiu e quis saber o que estava acontecendo. Ao ouvir a história, o homem se prontificou a ir com a senhora ao banco mais próximo, onde lhe faria uma grande doação. O praticante da minha comunidade sentiu-se impelido a fazer o mesmo, mas já estava atrasado para uma reunião. Considerando que a senhora seria bem atendidas deixou-a na companhia do outro homem e foi para o trabalho. Mas acabou se sentindo culpado. Passou o dia triste, achando-se mesquinho e insuficiente. A noite, veio falar comigo, desesperado. Considerava que havia falhado, pois não fora capaz de ir ao banco também e de fazer uma grande doação para aquela pessoa necessitada. Lastimava-se e culpava-se pela falta de compaixão.