Um dos mais populares intelectuais brasileiros, Mario Sergio Cortella está completando 30 anos da publicação de seu primeiro livro – Descartes: A paixão pela razão. Grande frasista e dono de uma enorme capacidade de síntese, Cortella coleciona ideias e pensamentos nos quase 40 livros que publicou. Essa trilogia da Planeta apresenta as melhores frases de Cortella divididas por temas. O primeiro volume apresenta ideias sobre filosofia, política, religião, ciências e artes. Alguns temas deste volume: • Pensar e existir • Escolhas, erros e acertos • Participação x omissão • Os seres e o mundo • Tecnologia: espaço e memória
Editora: Planeta; 1ª edição (27 novembro 2018) Capa dura: 144 páginas ISBN-10: 8542214978 ISBN-13: 978-8542214970 Dimensões: 18.2 x 11.6 x 1.8 cm
Leia trecho do livro
Para Claudia Hamra,
guria amorosa, desatadora de nós e exímia
cuidadora de sonhos partilhados…
TRINTA ANOS
DE
ESCRITOS…
O ano de 2018 guarda uma marca especial em minha trajetória, pois completo trinta anos como autor de livros.
Até a presente data, contabilizo 37 obras, excetuando os textos acadêmicos, as publicações resultantes de participações em seminários e os capítulos que compõem outros livros. A minha autoria no mundo das letras se inicia em 1988, com a publicação de Descartes, a paixão pela razão. Essa obra fazia parte da coleção “Prazer em conhecer”, da editora FTD, hoje disponível somente como e-book em autopublicação. Eram livros de Filosofia voltados para o ensino médio (à época ainda chamado de segundo grau), que traziam reflexões sobre variados pensadores, a partir da visão de alguns intelectuais. A coleção contemplava, por exemplo, um volume sobre Jean-Jacques Rousseau, feito por Luiz Roberto Salinas Fortes; outro sobre Karl Marx, escrito por Moacir Gadotti; outro sobre Jean-Paul Sartre, por Fernando José de Almeida. Essa coleção foi saindo e recebi esse primeiro convite para publicar uma obra.
O coordenador da coleção era Jorge Cláudio Ribeiro Jr. (que escreveu sobre Platão) e cada convidado sugeria um filósofo para abordar. Escolhi René Descartes, pois sempre tive uma grande curiosidade para entender por que esse pensador e matemático francês tinha essa paixão pela razão. A propósito, esse título trabalhava com essa contradição. Afinal de contas, quando alguém tem contato com a Filosofia da modernidade, identifica a noção de paixão muito mais com Pascal do que com Descartes. Mas a minha intenção foi colocar Descartes como aquele que apresenta o que considero a mais importante das ferramentas da Filosofia: a capacidade da suspeita.
Some-se a isso, claro, o fato de que eu gostava muito de Descartes. Curiosamente, o primeiro livro que eu comprei depois de me mudar de Londrina para São Paulo foi justamente O discurso do método. Eu tinha 14 anos de idade e o vi numa banca de jornal que vendia livros usados, na esquina da avenida Angélica com a rua Alagoas, na área central da cidade. Esse pensador tem uma grande importância na minha vida. Meu primeiro livro como autor é dedicado aos meus filhos e começa mencionando o professor Edson (por nós apelidado de “Cartesiano”), que me introduziu ao pensamento de Descartes, ao me ensinar matemática, quando eu cheguei ao Colégio Estadual Professora Marina Cintra, na Consolação, em São Paulo. Esse livro é também dedicado a Mozart, compositor austríaco que, na minha concepção, representa a grande expressão da capacidade estética.
Mozart “inventou” para mim o encantamento pela música. Embora eu tenha outros autores nesse campo que dividem a minha predileção, como Beethoven e Bach, foi Mozart quem mais me encantou até hoje.
A publicação seguinte acontece dez anos depois, com o lançamento de A escola e o conhecimento, pela editora Cortez, em 1998. Eu tive publicações nesse meio-tempo, como, por exemplo, uma para o Ministério da Educação, que mais tarde se transformaria em Filosofia e ensino médio, pela editora Vozes, resultante da minha dissertação de mestrado, defendida em 1989. Foi um livro publicado em dois volumes, com uma versão para o professor e outra para o aluno. Já A escola e o conhecimento, por sua vez, é um desdobramento da minha tese de doutorado.
Esse livro também carrega uma curiosidade, porém, com uma nota de tristeza. A minha tese de doutorado foi orientada por Paulo Freire. A defesa estava marcada para maio de 1997 e, no segundo dia desse mês, o professor Paulo faleceu. Obviamente, a defesa foi postergada. Ela aconteceu em junho e com Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, no lugar dele. Mais conhecida como Níta Freire, ela também é doutora em Educação. Eu fui o último e o único orientando de Paulo Freire na década final da vida dele, de 1987 a 1997.
Publicado no ano seguinte, o livro A escola e o conhecimento é dedicado a Paulo Freire. Eu o considero um livro acadêmico sem ser academicista. Quando comecei a preparar essa tese, disse ao professor Paulo que minha intenção era fazer algo que pudesse estabelecer uma comunicação efetiva com o professor da Escola Pública, que pudesse ser lido não como uma tese de doutorado, mas como um material de reflexão para a docência no dia a dia.
Durante a produção desse material, a editora Cortez me procurou manifestando interesse na publicação. Como o intuito era mesmo fazer um texto que estabelecesse uma conexão com os docentes, o livro é quase uma repetição da tese, tal qual ela foi defendida. As modificações foram muito poucas.
Na passagem dos anos 1990 até meados da década de 2000, não publiquei outros títulos como autor exclusivo, porém, esse período é marcado por algo que influenciaria a produção futura: eu passei a ter uma presença muito mais constante na mídia. Tendo sido secretário municipal de Educação de São Paulo entre 1991 e 1992, era chamado para entrevistas e debates em programas de rádio e televisão, o que me formou um pouco mais para atuar também nessa forma de comunicação.
A partir de 1994 e até 2001, fui apresentador do programa Diálogos Impertinentes, quando a TV universitária dava seus primeiros passos por cabo no Brasil. Apresentei também o Modernidade, programa semanal na TV Sesc-Senac. Posteriormente, atuei em programas de rádio e televisão, e na mídia impressa.
Em 2005, lancei Não espere pelo epitáfio, que é um desdobramento da minha presença na mídia. Esse livro nasce quando a editora Vozes propõe uma obra com pensatas pedagógicas. Esse, de fato, seria o título de um livro, mas que só teria seu lançamento quase uma década depois, em 2014, ampliado e renomeado em 2018 como Nós e a Escola: agonias e alegrias.
A minha proposta naquele momento foi fazer um livro que reunisse, de modo estruturado, parte das minhas colunas publicadas no caderno “Equilíbrio”, da Folha de S.Paulo. A sugestão foi aprovada e, nos mesmos moldes, no ano seguinte foi lançado Não nascemos prontos!. A esses dois títulos, somou-se o Não se desespere!, formando uma trilogia, posteriormente reunida num box.
A ideia original não era fazer uma trilogia, mas os livros foram reunindo características comuns. Por exemplo, o título de cada um deles reproduz o título do capítulo principal. E a palavra “Não”, presente em todos eles, nunca foi no sentido de negação, mas de alerta, de advertência. Como história de bastidor, devo contar que o título do último volume da trilogia nasce de uma brincadeira. Toda vez que alguém da Vozes me cobrava um terceiro livro, eu respondia: “Não se desespere, não se desespere…”.
Ainda no ano de 2005, é lançado meu primeiro título para a coleção “Papirus Debates”, da Papirus 7 Mares. Trata-se de Nos labirintos da moral, com o psicólogo Yves de la Taille. Essa coleção se notabiliza pelos livros em coautoria, em formato de diálogos. Desde então, já participei de ff obras nesse modelo, tendo como parceiros Eugenio Mussak, Renato Janine Ribeiro, Clóvis de Barros Filho, Terezinha Rios, Marcelo Tas, Pedro Mandelli, Frei Betto, Pedro Bial, Gilberto Dimenstein, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé. Para 2019, está previsto o lançamento do décimo segundo título, em coautoria com a Monja Coen, em que debatemos sobre vida virtuosa e vida viciosa.
Esse formato me encantou desde o início, pela possibilidade de fazer com que o leitor pudesse acompanhar uma conversa, como se ele estivesse ao lado ou fazendo algo que eu chamo de “audiência ativa”. Parece um conceito estranho, mas é uma percepção semelhante a quando eu estou assistindo a uma partida de futebol. Não estou jogando, mas estou participando. Quando estou em um concerto de música ou em um show de rock, eu não estou tocando, mas estou participando. Uma audiência ativa é aquela em que a pessoa não se restringe a ser mera espectadora.
Nessa série, o leitor tem ali uma audiência em que atua também refletindo, também imaginando qual seria a resposta que ele daria. O leitor participa da conversa, ainda que virtualmente. Isso é algo que sempre me encantou nesse modelo de reflexão.
Ao longo da minha produção, eu também tive livros em coautoria, que não são em formato de diálogos. Um deles é O que é a pergunta? (Cortez), com Silmara Casadei, no modelo de dois autores tratando de um tema em texto corrido. Ou ainda Felicidade, foi-se embora? (Vozes), dividido com Frei Betto e Leonardo Boff, em que cada autor produz uma parte bem demarcada da obra.
Outro ponto importante na minha trajetória literária acontece em 2007, com o lançamento do Qual é a tua obra?, que se tornou um de meus maiores sucessos como autor. Desde que chegou ao mercado, o livro frequentou diversas listas dos mais vendidos, beirando a casa de meio milhão de exemplares. Um trabalho que ultrapassou qualquer medida que eu imaginava.
Alguns fatores se conjugaram para esse desempenho. Por tratar de gestão, liderança e ética, ele despertou muito interesse por parte das empresas. Então, por exemplo, um banco comprou soo exemplares para distribuir entre os seus funcionários; outra multinacional comprou mais um lote de soo para oferecer a seus gestores e assim por diante. O fato de eu ser professor da Fundação Dom Cabral, com alunos executivos de grandes empresas, também ajudou na difusão da obra.
Em termos de contexto, vale lembrar que, no final dos anos 2000, já havia uma conversa muito forte em relação ao propósito, um dos temas relevantes do livro. Tratava também de ética e começou a circular em meio à crise financeira mundial, quando o debate sobre práticas e condutas no mundo corporativo veio com força à tona.
A partir do Qual é a tua obra?, minha produção se intensificou. E, novamente, uma combinação de fatores contribuiu para isso. Um deles é a parceria, estabelecida já nesse livro, com o jornalista Paulo Jebaili, que atua como “editor para autor” em boa parte das obras lançadas desde então. Nós estabelecemos um modelo, um modo de fazer que, respeitando a autoria, eleva a capacidade de maior fertilidade, por meio de estruturação, questionamento, proposição.