Os milhões de espectadores das entrevistas de Jordan Peterson no YouTube são unânimes em reconhecer a sua serenidade e a sua perspicácia. A pergunta que, diante disso, os mais inteligentes dos seus admiradores se fazem é qual visão de mundo, quais posições teóricas, quais influências intelectuais proveem suporte a tal postura e a tais opiniões. E a resposta está em uma teoria original sobre as próprias visões de mundo: Mapas do Significado, a obra-prima do psicólogo canadense, é um tratado multidisciplinar sobre como surgem as crenças humanas e sobre como elas influenciam nosso comportamento diário...
Editora: É Realizações Editora (28 dezembro 2018) Capa comum: 696 páginas ISBN-10: 8580333539 ISBN-13: 978-8580333534 Dimensões: 24.89 x 18.29 x 4.06 cm
Leia trecho do livro
Proclamarei coisas ocultas
desde a fundação do mundo.
Mateus 13,35
PREFÁCIO
DESCENSUS AD INFEROS
O que não conseguimos ver nos protege daquilo que não entendemos. O que não conseguimos ver é cultura, na sua manifestação intrapsíquica ou interna. O que não entendemos é o caos que originou a cultura. Se a estrutura da cultura for abalada, o caos involuntariamente retornará. Nós faremos qualquer coisa – qualquer coisa – para nos defender deste retorno.
O mero fato de um problema geral ter afetado e tomado o todo de uma pessoa é uma garantia de que o orador realmente vivenciou e talvez tenha obtido algo com este sofrimento. Então, ele refletirá o problema para nós na sua vida pessoal e assim mostrará a nós uma verdade.[ 1]
Fui criado sob os auspícios protetores, por assim dizer, da Igreja Católica. Isto não significa que minha família era explicitamente religiosa. Na minha infância eu participava das cerimônias protestantes conservadoras com minha mãe, mas ela não era uma crente dogmática ou autoritária, e nunca discutíamos assuntos religiosos em casa. Meu pai parecia essencialmente agnóstico, pelo menos no sentido tradicional. Ele se recusava até mesmo a colocar os pés na igreja, exceto para casamentos e funerais. Apesar disso, resquícios históricos da moralidade cristã permeavam nossa casa, condicionando nossas expectativas e respostas interpessoais na maneira mais íntima. Apesar disso, quando cresci, a maioria ainda frequentava a igreja; além disso, todas as regras e expectativas que constituíam a classe média eram judaico-cristãs por natureza. Mesmo o número crescente dos que não conseguiam tolerar o ritual formal e a crença ainda aceitava implicitamente – ainda cumpria – as regras que definiam o jogo cristão.
Quando eu tinha doze anos ou mais, minha mãe me matriculou nas aulas de crisma, para preparar minha participação adulta na igreja. Eu não gostava daquelas aulas. Não gostava da atitude dos meus colegas de classe abertamente religiosos (que eram poucos), e não invejava a falta de posição social deles. Eu não gostava da atmosfera escolar das aulas de crisma. Mais importante ainda, eu não engolia o que eles ensinavam. Uma vez perguntei ao ministro como ele conciliava a passagem do Gênesis com as teorias de criação da ciência moderna. Ele não tinha chegado a tal conciliação; além do mais, no fundo do seu coração, ele parecia mais convencido do ponto de vista evolucionário. De qualquer maneira, eu já procurava uma desculpa para sair e essa foi a gota d’água. Religião era para os ignorantes, fracos e supersticiosos. Parei de ir à igreja e me juntei ao mundo moderno.
Embora tenha crescido em um ambiente cristão – e tido uma infância-bem-sucedida e feliz, parcialmente por causa disso – eu estava muito disposto a abandonar a estrutura que me havia nutrido. No fundo, ninguém se opôs à minha insubordinação, seja na igreja ou em casa – em parte porque os que eram profundamente religiosos (ou que poderiam ter desejado ser) não possuíam contra-argumentos intelectualmente aceitáveis a seu dispor. Afinal de contas, muitos dos dogmas básicos da crença cristã eram incompreensíveis, se não claramente absurdos. O parto virgem era uma impossibilidade; assim como a noção de que alguém podia se levantar dos mortos.
Meu ato de rebeldia despertou uma crise familiar ou social? Não. Minhas ações eram tão previsíveis, em certo sentido, que não aborreceram ninguém, exceto minha mãe (e mesmo ela logo se resignou ao inevitável). Os outros membros da igreja – minha “comunidade” – tinham se habituado completamente ao ato de defecção cada vez mais frequente, e nem perceberam.
Meu ato de rebeldia me aborreceu pessoalmente? Apenas de uma maneira que não fui capaz de perceber até muitos anos depois. Eu desenvolvi uma preocupação prematura com questões políticas e sociais de larga escala, praticamente na mesma época em que parei de frequentar a igreja. Por que alguns países, alguns povos, eram ricos, felizes e bem-sucedidos enquanto outros estavam condenados à miséria? Por que as potências da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a União Soviética continuamente se engalfinhavam? Como os nazistas puderam agir daquela forma na Segunda Guerra Mundial? Subjacente a essas considerações específicas, havia uma questão mais ampla, mas na época mal conceitualizada: como o mal – especialmente o mal fomentado por grupos – desempenhava seu papel no mundo?
Abandonei minhas tradições praticamente na mesma época em que saí da infância. Consequentemente, eu não dispunha de nenhuma “filosofia” mais ampla, socialmente construída, para auxiliar meu entendimento enquanto me conscientizava dos problemas existenciais que acompanham a maturidade. As consequências finais desta ausência levaram anos para se manifestar completamente. Mas nesse meio tempo, minha preocupação emergente com questões de justiça moral encontrou resolução imediata. Comecei a trabalhar como voluntário para um partido político moderadamente socialista e adotei a linha dele.
No que me concernia, a injustiça econômica estava na raiz de todo o mal. Essa injustiça podia ser corrigida pelo rearranjo das organizações sociais. Eu podia desempenhar um papel nessa revolução admirável, levando a cabo minhas crenças ideológicas. A dúvida desapareceu; meu papel era claro. Olhando para trás, fico impressionado como minhas ações – reações – no fundo eram estereotipadas. Eu não conseguia racionalmente aceitar as premissas da religião conforme as entendia. Então, recorri a sonhos de utopia política e poder pessoal. A mesma armadilha ideológica pegou milhões de outras pessoas nos séculos recentes.
Aos dezessete anos saí da minha cidade natal. Fui para uma cidade próxima onde frequentei uma pequena faculdade, que oferecia os dois primeiros anos de graduação. Lá me envolvi em política universitária – que era mais ou menos de esquerda naquela época – e fui eleito para o conselho diretor da faculdade. O conselho era composto por pessoas política e ideologicamente conservadoras: advogados, médicos e empresários. Eles todos eram bem (ou pelo menos, praticamente) formados, pragmáticos, confiantes, francos; todos tinham conquistado algo de valor e difícil. Era impossível não admirá-los mesmo que eu não compartilhasse da posição política deles. Essa admiração me incomodou.
Participei de vários congressos de partidos de esquerda como estudante politizado e funcionário ativo do partido. Esperava igualar-me aos líderes socialistas. A esquerda tinha uma longa e honrosa história no Canadá e atraía algumas pessoas realmente competentes e preocupadas. Contudo, eu não conseguia desenvolver muito respeito pelos numerosos ativistas de baixo escalão do partido que encontrava nessas reuniões. Parece que eles viviam para reclamar. Quase sempre não tinham carreira, nem família, nem educação completa – nada senão ideologia. Eram rabugentos, irritáveis e pequenos em cada sentido da palavra. Tive que encarar a imagem invertida do problema encontrado no conselho diretor: eu não admirava muitos dos indivíduos que acreditavam nas mesmas coisas que eu. Essa complicação adicional aprofundou minha confusão existencial.
Meu colega de quarto na faculdade, um cínico perspicaz, mostrou-se cético com relação às minhas crenças ideológicas. Ele dizia que o mundo não podia ser completamente encapsulado dentro das fronteiras da filosofia socialista. Eu tinha mais ou menos chegado a esta conclusão por conta própria, mas não tinha admitido tanto em palavras. Em seguida, li O Caminho Para Wigan Pier, de George Orwell. Esse livro me solapou de vez – não apenas minha ideologia socialista, mas minha fé nas posições ideológicas em si. No famoso ensaio que conclui o livro (escrito para – e muito para a tristeza do – Clube do Livro de Esquerda Britânico), Orwell descreveu a grande falha do socialismo e o motivo do seu frequente fracasso em atrair e manter o poder democrático (pelo menos na Grã-Bretanha). Orwell disse essencialmente que os socialistas, no fundo, não gostavam dos pobres. Eles simplesmente odiavam os ricos.[2] Imediatamente entendi toda sua ideia. A ideologia socialista serviu para mascarar ressentimento e ódio, alimentados pelo fracasso. Muitos dos ativistas do partido que eu tinha encontrado usavam os ideais da justiça social para racionalizar a busca por vingança pessoal.
Quem é culpado por eu ser pobre, inculto ou não admirado? Obviamente, os ricos, bem estudados e respeitados. Não é conveniente, então, que as demandas da vingança e da justiça abstrata se encaixem? Então era correto obter recompensa daqueles mais afortunados que eu.
É óbvio que meus colegas socialistas e eu não estávamos dispostos a ferir ninguém. Pelo contrário. Estávamos dispostos a melhorar as coisas, mas íamos começar com outras pessoas. Acabei por perceber a tentação nesta lógica, a falha óbvia, o perigo, mas também consegui ver que ela não caracterizava o socialismo exclusivamente. Qualquer um que estivesse disposto a mudar o mundo transformando os outros deveria ser tratado com suspeita. As tentações dessa posição eram muito grandes para resistir.
Não era a ideologia socialista que representava o problema na época, mas a ideologia em si, a qual dividia o mundo de modo simplista, entre os que pensavam e agiam de modo adequado e os que não. A ideologia permitia que o crente se escondesse de suas próprias fantasias e desejos desagradáveis e inadmissíveis. Essas percepções afetaram minhas crenças (até mesmo minha fé nas crenças) e os planos que eu tinha formulado com base nessas crenças. Eu já não conseguia mais distinguir quem era bom e quem era mau, por assim dizer – então eu não sabia mais quem apoiar ou contra quem lutar. Esta situação se confirmou bastante incômoda, tanto pragmática quanto filosoficamente. Eu queria ser um advogado corporativo – tinha feito o teste de admissão da Faculdade de Direito e dois anos de cursos preparatórios. Eu queria aprender os caminhos dos meus inimigos e seguir uma carreira política. Esse plano se desintegrou. O mundo obviamente não precisava de mais um advogado e eu não achava mais que sabia o suficiente para me disfarçar de líder.
Simultaneamente me desencantei com o estudo de ciência política, minha área anterior. Adotei esta disciplina para aprender mais sobre a estrutura das crenças humanas (e pelos motivos práticos previamente descritos orientados à carreira). Parecia muito interessante para mim quando eu estava no colegial, onde fui introduzido à história da filosofia política. Quando me mudei para o campus da Universidade de Alberta, contudo, meu interesse desapareceu. Fui ensinado que as pessoas eram motivadas por forças racionais; que as crenças e ações humanas eram determinadas por pressões econômicas. Essa explicação não me pareceu suficiente. Eu não conseguia acreditar (e ainda não acredito) que os produtos – “recursos naturais”, por exemplo – tinham valor intrínseco e autoevidente. Na ausência deste, o valor das coisas tinha que ser social ou culturalmente (ou até mesmo individualmente) determinado. Esse ato de determinação me pareceu moral – me pareceu resultar da filosofia moral adotada pela sociedade, cultura ou pessoa em questão. O que as pessoas valorizavam economicamente simplesmente refletia o que elas acreditavam ser importante. Isso significava que a motivação real tinha que se encontrar no domínio do valor, da moralidade. Os cientistas políticos que estudei não viam isso ou não consideravam relevante.
Minhas convicções religiosas, mal formadas para início de conversa, desapareceram quando muito jovem. Minha confiança no socialismo (isto é, na utopia política) desapareceu quando percebi que o mundo não era meramente um local de economia. Minha fé na ideologia foi embora quando comecei a ver que a identificação ideológica em si representava um problema profundo e misterioso. Eu não conseguia aceitar as explicações teóricas que meu campo de estudo escolhido tinha para oferecer e não tinha mais motivos práticos para continuar na minha direção original. Terminei meu bacharelado de três anos e saí da universidade.
Todas as minhas crenças – que tinham emprestado ordem ao caos da minha existência, pelo menos temporariamente – tinham se comprovado ilusórias; eu não conseguia mais ver sentido nas coisas. Fiquei à deriva; não sabia o que fazer nem o que pensar.
Mas e os outros? Em algum lugar havia evidência de que os problemas que eu agora enfrentava tinham sido resolvidos por alguém de alguma maneira aceitável? O comportamento habitual e as atitudes dos meus amigos e familiares não ofereciam solução alguma. Meus conhecidos não estavam mais resolutamente direcionados ao objetivo ou satisfeitos do que eu. Suas crenças e modos de ser pareciam simplesmente disfarçar a dúvida frequente e a inquietude profunda. Mais preocupante, no plano mais geral, algo realmente insano estava acontecendo. As grandes sociedades do mundo estavam freneticamente construindo uma máquina nuclear de capacidades inimaginavelmente destrutivas. Alguém ou algo estava fazendo planos terríveis. Por quê? Pessoas teoricamente normais e bem adaptadas realizavam seus negócios de modo trivial como se nada importasse. Por que eles não estavam perturbados? Eles não prestavam atenção? Eu não prestava?
Minha preocupação com a insanidade social e política geral e o mal do mundo – sublimada pela paixão temporária pelo socialismo utópico e pela maquinação política – retornou com uma vingança. A misteriosa Guerra Fria cada vez mais ocupou a vanguarda da minha consciência. Como as coisas puderam chegar a esse ponto?
A história é um hospício
ela revirou todas as pedras
e uma leitura cuidadosa dela
lhe deixa pouco desconhecido
Eu não conseguia entender a corrida nuclear: o que poderia valer a pena arriscar uma aniquilação – não apenas do presente, mas do passado e do futuro? O que poderia justificar a ameaça de destruição total?
Desprovido de solução, a mim pelo menos foi concedida a dádiva de um problema. Voltei para a universidade e comecei a estudar psicologia.
Visitei uma prisão de segurança máxima nos arredores de Edmonton sob a supervisão de um professor adjunto excêntrico da Universidade de Alberta. Ele realizava o tratamento psicológico dos detentos. A prisão estava cheia de assassinos, estupradores e ladrões à mão armada. No meu primeiro reconhecimento, acabei na academia, perto da sala de pesos. Eu usava uma capa de lã comprida, datada por volta de 1890, que tinha comprado em Portugal, e um par de botas de couro altas. O psicólogo que me acompanhava desapareceu inesperadamente e me deixou sozinho. Logo eu estava cercado de homens desconhecidos, alguns dos quais extremamente grandes e mal-encarados. Um em particular ficou gravado em minha memória. Ele era extremamente musculoso e tinha o peito tatuado. Tinha uma cicatriz horrorosa que ia da clavícula até o torso. Talvez fosse de uma cirurgia de coração. Ou uma ferida de machado. De qualquer forma, o ferimento teria matado um homem menor – alguém como eu.
Alguns prisioneiros, que não estavam particularmente bem vestidos, ofereceram trocar suas roupas pela minha. Não me pareceu uma boa troca, mas eu não sabia exatamente como recusar. O acaso salvou-me na forma de um baixinho, magricela e barbudo. Ele disse que o psicólogo tinha pedido para eu acompanhá-lo. Ele era apenas um, e muitos outros, (muito maiores) naquele momento, cercavam a mim e a minha capa.
Então, aceitei o que ele disse. Saímos da academia de ginástica e entramos no pátio da prisão enquanto ele, o tempo todo, falava baixo, mas razoavelmente, sobre algo sem importância (não me recordo do tema). Eu continuamente olhava de relance as portas da academia enquanto nos afastávamos. Por fim, meu supervisor apareceu e me chamou. Deixamos o prisioneiro barbudo e fomos ao escritório. O psicólogo me disse que o baixinho aparentemente inofensivo, que me tinha escoltado para fora da academia, tinha assassinado dois policiais após forçar os dois a cavarem suas próprias covas. Um dos policiais tinha filhos pequenos e implorou por sua vida em nome deles enquanto cavava – pelo menos conforme o testemunho do próprio assassino.
Fiquei realmente chocado.
É óbvio que eu já tinha lido sobre essas coisas – mas isso nunca tinha sido tão real para mim. Eu nunca tinha encontrado alguém, mesmo tangencialmente, afetado por algo assim e com certeza não tinha encontrado ninguém que tivesse de fato feito algo tão terrível. Como é que o homem com quem eu tinha conversado – aparentemente tão normal (e aparentemente tão irrelevante) – pode ter feito uma coisa tão horrível?
Algumas das disciplinas que eu estudava nesta época eram dadas em grandes auditórios, onde os alunos se sentavam em fileiras inclinadas, uma após a outra. Em uma dessas – Introdução à Psicologia Clínica, apropriadamente suficiente – senti uma compulsão recorrente. Eu me sentava em uma cadeira atrás de alguém de modo aleatório e ouvia o professor. Em algum momento da palestra, infalivelmente eu sentia o desejo de enfiar a ponta da minha caneta no pescoço da pessoa na minha frente. Esse impulso não era enorme – felizmente – mas suficientemente poderoso para me perturbar. Que tipo de pessoa terrível teria tal impulso? Não eu. Nunca fui agressivo. Sempre fui o menor e o mais jovem entre meus colegas de classe.
Voltei ao presídio por volta de um mês após minha primeira visita. Durante minha ausência, dois prisioneiros tinham atacado um suspeito de ser informante. Eles o seguraram ou amarraram e esmagaram uma de suas pernas com um cano de chumbo. Fiquei chocado de novo, mas desta vez tentei algo diferente. Tentei imaginar, realmente imaginar, como eu teria que ser para fazer tal coisa. Eu me concentrei nessa tarefa por dias a fio – e tive uma revelação assustadora. O aspecto verdadeiramente horrível dessa atrocidade não se encontrava na sua impossibilidade ou chance remota, conforme inocentemente assumia, mas na sua facilidade. Eu não era muito diferente dos prisioneiros violentos – não qualitativamente diferente. Eu podia fazer o que eles podiam (embora não tivesse feito).
Essa descoberta realmente me transtornou. Eu não era quem pensava ser. Contudo, o desejo de enfiar uma caneta em alguém surpreendentemente desapareceu. Em retrospecto, eu diria que o desejo comportamental tinha se manifestado em conhecimento explícito – tinha sido traduzido da emoção e imagem para a realização concreta – e não tinha mais “motivo” para existir. O “impulso” só tinha ocorrido por causa da pergunta que eu tentava responder: “Como é que os homens podem fazer coisas terríveis para os outros?” Eu queria dizer outros homens, é claro – homens maus – mas pelo menos eu tinha feito a pergunta. Eu não tinha motivo para achar que receberia uma resposta previsível ou pessoalmente sem sentido.
Ao mesmo tempo, algo estranho estava acontecendo com minha capacidade de conversar. Sempre gostei de me envolver em discussões, independente do tópico. Eu achava que isso era um tipo de jogo (não que isso seja singular). Mas subitamente eu não conseguia conversar – ou melhor, eu não tolerava mais ouvir minha conversa. Comecei a ouvir uma “voz” dentro da minha cabeça, comentando minhas opiniões. Toda vez que eu dizia algo, ela dizia algo – algo crítico. A voz utilizava um refrão padrão em um tom um tanto quanto enfadonho e pragmático:
Você não acredita nisso.
Isso não é verdade.
Você não acredita nisso.
Isso não é verdade.
A “voz” aplicava esses comentários a quase toda frase que eu dizia.
Eu não conseguia entender o que fazer com isso. Sabia que a fonte do comentário fazia parte de mim, mas esse conhecimento só aumentou minha confusão. Qual parte precisamente era eu – a parte que falava ou a parte que criticava? Se fosse a que falava, então qual era a que criticava? Se fosse a que criticava – bom, então: como tudo que eu dizia podia ser praticamente falso? Na minha ignorância e confusão, decidi experimentar. Tentei apenas dizer coisas que meu crítico interno deixava passar sem contestar. Isso significava que eu realmente tinha que ouvir o que estava dizendo, que falava com muito menos frequência e que quase sempre parava no meio de uma frase, me sentia constrangido e reformulava meus pensamentos. Logo percebi que me sentia muito menos agitado e mais confiante quando só dizia coisas às quais a “voz” não se opunha. Isso causou um alívio definitivo. Meu experimento tinha sido um sucesso; eu era a parte que criticava. Apesar disso, levou muito tempo para eu me reconciliar com a ideia de que quase todos os meus pensamentos não eram reais, não eram verdadeiros – ou pelo menos não eram meus.
Tudo que eu “acreditava” eram coisas que eu considerava boas, admiráveis, respeitáveis, corajosas. Contudo, não eram minhas coisas – eu as tinha roubado. Eu tinha absorvido a maior parte delas de livros. Por ter entendido essas coisas abstratamente, eu presumia que tinha direito sobre elas – presumia que podia adotá las como se fossem minhas: presumia que elas eram eu. Minha cabeça estava entupida de ideias dos outros; entupida de argumentos que eu não conseguia refutar de maneira lógica. Eu não sabia que um argumento irrefutável não é necessariamente verdadeiro, nem que o direito de se identificar com certas ideias tinha que ser conquistado.
Eu estava lendo algo de Carl Jung nessa época que me ajudou a entender o que eu sentia. Foi Jung que formulou o conceito de persona: a máscara que “dissimulava a individualidade”.[3] A adoção dessa máscara, segundo Jung, permitia que cada um de nós – e aqueles ao nosso redor – acreditasse que fossemos autênticos. Jung disse:
Quando analisamos a persona, nós retiramos a máscara e descobrimos que o que parecia ser individual é, no fundo, coletivo; em outras palavras, a persona era apenas uma máscara da psique coletiva. Fundamentalmente, a persona não é nada real: ela é um compromisso entre o individual e a sociedade com relação àquilo que uma pessoa deveria aparentar ser. Essa pessoa recebe um nome, um título, exercita uma função, ela é isso ou aquilo. Em certo sentido, tudo isso é real, já em relação à individualidade essencial da persona envolvida, isso é apenas uma realidade secundária, uma formação de compromisso, para fazer os outros, com frequência, terem uma parcela maior do que ela. A persona é uma semelhança, uma realidade bidimensional.[4]
Apesar da minha facilidade verbal, eu não era real. Foi dolorido admitir.
Comecei a ter sonhos absolutamente insuportáveis. Até então, meus sonhos tinham sido relativamente monótonos pelo que me lembro; além disso, nunca tive uma imaginação visual particularmente boa. Não obstante, meus sonhos tornaram-se tão horríveis e tão emocionalmente arrebatadores que eu quase sempre tinha medo de dormir. Tive sonhos tão vívidos quanto a realidade. Eu não conseguia escapar deles ou ignorá-los. Em geral, eles rodeavam um tema único: a guerra nuclear e uma total devastação – em torno dos piores males que eu, ou algo em mim, poderia imaginar:
Meus pais viviam em uma casa padrão estilo rancho, em um bairro classe média, em uma cidade pequena ao Norte de Alberta. Eu estava sentado no porão escuro desta casa, na sala de estar, assistindo à TV com minha prima Diane, que era na verdade – concretamente – a mulher mais linda que eu já tinha visto. Um repórter de repente interrompeu o programa. A imagem e o som da TV se distorceram e a tela ficou estática. Minha prima levantou-se e foi verificar o cabo atrás da TV. Ela tocou o cabo e começou a convulsionar e espumar pela boca, congelada, em pé, por uma corrente intensa.
Um clarão de luz de uma janela pequena inundou o porão. Corri para cima. Não havia nada na parte térrea da casa. Ela tinha sido completa e asseadamente esvaziada, restando apenas o piso, que agora servia de teto do porão. Chamas vermelhas e laranjadas enchiam o céu por todo o horizonte. Pelo que eu podia ver, nada foi deixado, exceto ruínas pretas esqueléticas grudadas aqui e ali: nenhuma casa, nenhuma árvore, nenhum sinal de outros seres humanos ou de qualquer vida. A cidade inteira, e tudo ao seu redor na pradaria, tinha sido completamente destruída.
Começou a chover lama intensamente. A lama manchava tudo e deixava a terra marrom, úmida, plana e opaca e o céu plúmbeo, até mesmo cinza. Poucas pessoas em agonia e espantadas começaram a se reunir. Elas carregavam latas de comida amassadas e sem rótulos, contendo apenas cogumelo e vegetais, e permaneceram na lama, exaustas e desgrenhadas. Cachorros surgiram da parte inferior das escadas do porão onde tinham inexplicavelmente firmado residência. Eles estavam em pé, apoiados nas patas traseiras. Eram magros como galgos e tinham focinhos pontudos. Pareciam criaturas de ritual – como Anúbis, das tumbas egípcias. Carregavam pratos com pedaços de carne queimada e queriam trocar a carne pelas latas. Eu peguei um prato. Nele havia um pedaço redondo de carne de 10 cm de diâmetro por 2 de espessura, mal cozido, oleoso, com uma medula óssea no meio. De onde isso veio?
Tive um pensamento horrível. Desci as escadas correndo para ver minha prima. Os cachorros tinham-na matado e ofereciam a carne dela aos sobreviventes do desastre.
Tive sonhos apocalípticos dessa intensidade duas ou três vezes por semana durante um ano ou mais, enquanto assistia às aulas na universidade e trabalhava – como se nada fora do comum estivesse acontecendo na minha cabeça. Entretanto, algo com o qual eu não tinha nenhuma familiaridade estava acontecendo. Eu estava sendo afetado simultaneamente pelos eventos em dois “planos”. No primeiro plano, estavam as ocorrências normais, previsíveis, diárias que eu compartilhava com as pessoas. No segundo plano, contudo, (único para mim, ou assim eu pensava) existiam imagens horrorosas e estados emocionais intoleravelmente intensos. Este mundo idiossincrático, subjetivo – que as pessoas normalmente tratavam como ilusório –, parecia-me naquela época, encontrar-se de alguma forma atrás do mundo que todos conheciam e consideravam como real. Mas o que significava real? Quanto mais perto eu olhava, menos compreensíveis as coisas ficavam. Onde estava o real? Qual era o fundo disso tudo? Eu sentia que não conseguiria viver sem saber.
Meu interesse pela Guerra Fria transformou-se em uma verdadeira obsessão. Eu pensava na preparação suicida e homicida daquela guerra a cada minuto de todos os dias, desde quando acordava até quando ia para a cama. Como essa condição surgiu? Quem era responsável?
Sonhei que estava correndo por um estacionamento de shopping center, tentando escapar de algo. Eu corria pelos carros estacionados, abria uma porta, rastejava pelo banco da frente, abria outra e ia para o próximo. De repente, as portas de um carro se fecharam. Eu estava no banco do passageiro. O carro começou a andar sozinho. Uma voz disse com firmeza: “Não tem como escapar daqui”. Eu estava numa viagem, indo para um lugar aonde não queria ir. Eu não era o motorista.
Fiquei muito deprimido e ansioso. Eu tinha pensamentos ligeiramente suicidas, mas geralmente desejava que tudo simplesmente sumisse. Eu queria deitar e afundar no meu sofá literalmente até aparecer só o meu nariz – como o snorkel de um mergulhador acima da superfície da água. Minha consciência das coisas era intolerável.
Uma noite, cheguei em casa tarde de uma festa da faculdade, chateado e com raiva. Peguei uma tela e umas tintas. Fiz um esboço grosseiro e tosco de um Cristo crucificado – ofuscante e demoníaco – com uma naja enrolada na cintura nua, como um cinto. O quadro me perturbou – atingiu-me, apesar do meu agnosticismo, como sacrílego. Mas eu não sabia o que ele significava ou por que eu o tinha pintado. De onde ele tinha vindo?[5] Eu não prestava atenção em ideias religiosas há anos. Escondi o quadro embaixo de algumas roupas velhas no meu guarda-roupa e me sentei no chão com as pernas cruzadas. Abaixei minha cabeça. Ficou claro para mim naquele momento que eu não tinha nenhum entendimento real de mim ou dos outros. Tudo que eu acreditava sobre a natureza da sociedade e a minha própria se tinha comprovado falso, aparentemente o mundo tinha enlouquecido e alguma coisa estranha e assustadora estava acontecendo na minha cabeça. James Joyce disse: “A história é um pesadelo do qual estou tentando acordar”.[6] Para mim, a história era literalmente um pesadelo. Naquele momento, mais do que qualquer outra coisa, eu queria acordar e fazer os meus sonhos desaparecerem.
Desde então, tento achar um sentido na capacidade humana, na minha capacidade, para o mal – particularmente para aqueles males associados à crença. Comecei a procurar sentido nos meus sonhos. Afinal de contas, eu não podia ignorá-los. Talvez estivessem tentando me dizer algo? Eu não tinha nada a perder em admitir essa possibilidade. Li a Interpretação dos Sonhos, de Freud, e achei útil. Freud pelo menos levou o assunto a sério – mas eu não podia considerar meus sonhos como satisfações de desejos. Além disso, eles pareciam de uma natureza mais religiosa que sexual. Eu sabia vagamente que Jung tinha desenvolvido um conhecimento especializado sobre mito e religião, então comecei a examinar seus escritos. Seu pensamento recebia pouco crédito dos acadêmicos que eu conhecia, mas eles não estavam particularmente preocupados com sonhos. Eu não conseguia deixar de me preocupar com os meus. Eram tão intensos que pensei que pudessem me enlouquecer. (Qual era a alternativa? Acreditar que os erros e as dores que eles me causavam não eram reais?)
Na maior parte do tempo, eu não conseguia entender aonde Jung queria chegar. Ele defendia uma ideia que eu não conseguia apreender, falando uma língua que eu não compreendia. De vez em quando, entretanto, eu conseguia entender suas afirmações completamente. Ele ofereceu esta observação, por exemplo: “Deve ser admitido que o conteúdo arquetípico do inconsciente coletivo com frequência pode assumir formas horríveis e grotescas nos sonhos e nas fantasias, de modo que mesmo o racionalista mais duro na queda não está imune a pesadelos devastadores e medos assombrosos”.[7]
A segunda parte desta afirmação certamente parecia se aplicar a mim, embora a primeira (“os conteúdos arquetípicos do inconsciente coletivo”) permanecia misteriosa e obscura. Mesmo assim, era promissor. Jung pelo menos reconheceu que as coisas que estavam acontecendo comigo podiam acontecer. Além disso, ele ofereceu algumas dicas das suas causas. Então continuei lendo. Logo me deparei com uma hipótese em que estava uma solução potencial para meus problemas – ou pelo menos a descrição de um lugar para eu procurar a solução:
A elucidação psicológica de imagens […] (sonho e fantasia) que não podem ser repassadas em silêncio ou cegamente ignoradas, de modo lógico, leva às profundezas da fenomenologia religiosa. A história da religião no seu sentido mais amplo (incluindo, portanto, mitologia, folclore e psicologia primitiva) é uma casa do tesouro para formas arquetípicas das quais o doutor pode traçar paralelos úteis e comparações esclarecedoras, com o intuito de acalmar e esclarecer uma consciência toda desnorteada. É absolutamente necessário fornecer estas imagens fantásticas que emergem tão estranhas e ameaçadoras perante o olho da mente com algum tipo de contexto, com o objetivo de torná las mais inteligíveis. A experiência tem mostrado que a melhor maneira de fazer isso é por meio de material mitológico comparativo.[ 8]
O estudo de “material mitológico comparativo” na verdade fez meus sonhos horríveis desaparecerem. A cura forjada por esse estudo, contudo, foi comprada a preço de uma transformação completa e frequentemente dolorosa: o que eu acredito sobre o mundo agora – e consequentemente como eu ajo – está em tamanho desacordo com o que eu acreditava quando mais jovem que eu pudesse muito bem ser uma pessoa completamente diferente.
Descobri que as crenças fazem o mundo, de uma maneira tão real – que as crenças são o mundo, em um sentido mais que metafísico. Contudo, essa descoberta não fez de mim um relativista moral; pelo contrário, fiquei convencido de que o mundo em que se acredita é organizado; que há absolutos morais universais (embora eles sejam estruturados de tal modo que uma faixa diversa de opinião humana permanece tanto possível quanto benéfica). Acredito que os indivíduos e as sociedades que desprezam esses absolutos – por ignorância ou oposição deliberada – estão condenados à miséria e possível dissolução.
Aprendi que os significados dos substratos mais profundos dos sistemas de crença podem tornar-se explicitamente compreensíveis, mesmo para o pensador racional cético – e que, assim representados, podem ser vivenciados como fascinantes, profundos e necessários. Aprendi por que as pessoas fazem guerra – por que o desejo de manter, proteger e expandir o domínio da crença motiva até mesmo os atos mais incompreensíveis da opressão e crueldade estimulados por grupos – e o que poderia ser feito para melhorar essa tendência, apesar da sua universalidade. Aprendi, finalmente, que o aspecto terrível da vida poderia de fato ser uma precondição necessária para a existência da vida – e que, consequentemente, é possível considerar esta precondição como compreensível e aceitável. Espero poder conduzir os leitores deste livro às mesmas conclusões, sem exigir qualquer “suspensão de julgamento crítico” irracional – com exceção do que for necessário para inicialmente encontrar e considerar os argumentos que apresento, os quais podem ser resumidos:
O mundo pode ser validamente interpretado como um fórum de ação, bem como um lugar de coisas. Nós descrevemos o mundo como um lugar de coisas, usando os métodos formais da ciência. Contudo, as técnicas de narrativa – mito, literatura e drama – retratam o mundo como um fórum de ação. As duas formas de representação têm sido desnecessariamente definidas em discordância, porque ainda não formamos um quadro claro dos seus respectivos domínios. O domínio da primeira é o mundo objetivo – o que é, a partir da perspectiva da percepção intersubjetiva. O domínio da última é o mundo do valor – o que é e o que deveria ser, a partir da perspectiva da emoção e da ação.
O mundo como um fórum de ação é composto essencialmente de três elementos constitutivos, que tendem a se manifestar em padrões típicos de representação metafórica. O primeiro é o território inexplorado – a Grande Mãe, natureza, fonte criativa e destrutiva e local de repouso final de todas as coisas determinadas. O segundo é o território explorado – o Grande Pai, cultura, protetor e tirânico, sabedoria ancestral cumulativa. O terceiro é o processo que medeia entre o território inexplorado e o explorado – o Filho Divino, o indivíduo arquetípico, Palavra exploratória criativa e o adversário vingativo. Estamos adaptados a este mundo de personagens divinos, tanto quanto ao mundo objetivo. Esta adaptação implica o fato de que o ambiente é, na “realidade”, um fórum de ação bem como um lugar de coisas.
A exposição desprotegida ao território inexplorado produz medo. O indivíduo é protegido de tal medo como consequência da imitação ritual do Grande Pai – como consequência da adoção da identidade de grupo, que restringe o significado das coisas, e confere previsibilidade às interações sociais. Contudo, quando a identificação com o grupo se torna absoluta – quando tudo deve ser controlado, quando o desconhecido não tem mais permissão para existir – o processo exploratório criativo dramaticamente aumenta a probabilidade de agressão social.
A rejeição do desconhecido é equivalente à “identificação com o diabo”, o equivalente mitológico e adversário eterno do herói exploratório criador do mundo. Essa rejeição e identificação resultam do orgulho luciferiano, que diz: tudo que sei é tudo que preciso saber. Esse orgulho é uma hipótese totalitária da onisciência – é a adoção do lugar de Deus por “razão” – o inferno – é algo que inevitavelmente gera uma condição de ser pessoal e social imperceptível a partir do inferno. Este se desenvolve por causa da exploração criativa – impossível, sem reconhecimento (humilde) do desconhecido – constitui o processo que constrói e mantém a estrutura adaptativa protetora que dá vida a muito do seu significado aceitável.
“A identificação com o diabo” amplifica os perigos inerentes à identificação em grupo, o que tende voluntariamente ao entorpecimento patológico. A lealdade ao interesse pessoal – significado subjetivo – pode servir de antídoto à tentação esmagadora, constantemente apresentada pela possibilidade de negação da anomalia. O interesse pessoal – significado subjetivo – revela-se na junção do território explorado com o inexplorado e é indicativo da participação no processo que assegura a continuidade da adaptação saudável do indivíduo e da sociedade.
A lealdade ao interesse pessoal é equivalente à identificação com o herói arquetípico – o “salvador” – que sustenta sua associação com a Palavra criativa em face da morte, e apesar da pressão do grupo para se conformar. A identificação com o herói serve para diminuir a valência motivacional insustentável do desconhecido; além disso, ela fornece ao indivíduo uma posição que simultaneamente transcende e mantém o grupo.
Resumos similares precedem cada capítulo (e subcapítulo). Lidos como uma unidade, eles compreendem um quadro completo, mas comprimido do livro. Eles devem ser lidos primeiramente após este prefácio. Desta maneira, o todo do argumento que estou oferecendo poderia rapidamente auxiliar a compreensão das partes.