O minimalismo é a arte de saber quanto é suficiente. O minimalismo digital aplica essa ideia ao nosso uso da tecnologia. Ele é o segredo para vivermos uma vida focada em um mundo cada vez mais caótico. Neste livro oportuno e esclarecedor, o autor do best-seller Trabalho Focado apresenta uma filosofia para o uso de tecnologia que já melhorou inúmeras vidas. Minimalistas digitais estão ao nosso redor. São pessoas tranquilas e felizes, que estendem longas conversas sem olhares furtivos para seus smartphones. Eles se perdem em um bom livro, em um projeto de carpintaria ou em uma corrida matinal sem pressa. Divertem-se com amigos e familiares sem o desejo obsessivo de documentar a experiência...
Capa comum: 304 páginas Editora: Editora Alta Books; Edição: 1 (10 de setembro de 2019) Idioma: Português ISBN-10: 8550807664 ISBN-13: 978-8550807669 Dimensões do produto: 14 x 1 x 21 cm Peso de envio: 200 g
Leia trecho do livro
Para Julie:
minha amiga, minha musa,
minha diva arguta
Agradecimentos
A ideia de escrever este livro nasceu em uma praia deserta, em uma ilha nas Bahamas, durante as últimas semanas de 2016. Na época, eu já estava no processo de fazer pesquisas para um livro sobre um assunto completamente diferente. Mas, como mencionei na introdução, a essa altura comecei a ouvir os leitores do meu último livro, Trabalho Focado, que lutavam com o papel das novas tecnologias em suas vidas pessoais. Eu não conseguia afastar a ideia de que esse tópico era rico demais para ser ignorado — a urgência com a qual as pessoas discutiam sugeria que ele era muito mais do que apenas dicas tecnológicas mais inteligentes, mas algo que toca a aspiração humana universal de cultivar uma vida boa.
Com tempo de sobra em férias e quilômetros de praia vazia para passear (chegamos antes da temporada agitada), decidi dedicar alguns pensamentos a uma pergunta simples: se eu escrevesse um livro sobre isso, como seria? Depois de alguns dias de peregrinação contemplativa, uma expressão convincente surgiu em minha mente: minimalismo digital. Daí, comecei a fazer anotações efusivamente, e surgiu o esboço de uma filosofia.
Meu primeiro passo para validar a ideia foi apresentá-la a minha esposa, Julie, que, além de ser minha melhor amiga e mãe incansável de nossos três filhos, é minha principal parecerista para todas as coisas relacionadas à minha carreira de escritor. Sua resposta entusiasmada me motivou a continuar. Ao voltar para casa, enviei uma nota à minha agente literária de longa data e mentora, Laurie Abkemeier, sondando a ideia de pausarmos meu então atual projeto para abordar primeiro a nova ideia. Ela concordou e me ajudou imensamente pelo difícil processo de direcionar minhas ideias soltas para uma proposta de livro bem focada, e depois lançá-la no universo editorial de forma que ele compartilhasse minha empolgação. Sou incrivelmente grato por seus esforços incansáveis durante esse período exaustivo.
Sou também grato à minha editora, é claro, Niki Papadopoulos, da Portfolio, bem como a Adrian Zackheim, fundador e editor, por assumir este projeto e acreditar no seu potencial. A orientação de Niki foi inestimável para me ajudar a transformar os primeiros rascunhos do manuscrito em algo forte e convincente. Também agradeço a Vivian Roberson, da Portfolio, por sua ajuda perspicaz em polir o manuscrito e conduzi-lo pela produção, e a Tara Gilbride, por liderar os esforços publicitários para este livro. Trabalhar com toda a equipe da Portfolio foi nada menos que um prazer. Como autor, não poderia ter pedido uma experiência melhor.
Introdução
Em setembro de 2016, o influente blogueiro e crítico Andrew Sullivan escreveu um artigo de sete mil palavras para a revista New York intitulado “Já fui um ser humano”. O subtítulo era alarmante: “Um bombardeio infinito de notícias, fofocas e imagens nos tornou maníacos viciados em informação. Essa situação me fragmentou e vai fragmentar você também.”
O artigo foi amplamente compartilhado. Admito, no entanto, que, quando o li pela primeira vez, não compreendi totalmente o aviso de Sullivan. Sou uma das poucas pessoas da minha geração que nunca teve uma conta de mídia social e não costumo passar muito tempo navegando na internet. Como resultado, meu telefone desempenha um papel relativamente secundário em minha vida — fato que me excluía da massa abordada pelo artigo. Em outras palavras, eu sabia que as inovações da era digital exerciam um papel cada vez mais invasivo na vida de muitas pessoas, mas eu não tinha uma compreensão visceral do que isso significava. Isto é, até tudo mudar.
No início de 2016, lancei o livro Trabalho Focado [publicado no Brasil em 2018 pela Alta Books]. Ele aborda o valor subestimado do foco intenso e como a ênfase do mundo profissional em ferramentas de comunicação digital — como chamo aplicativos, serviços ou sites que possibilitam às pessoas interagir por meio de redes digitais — distrativas impede as pessoas de atingirem o ápice de sua produtividade. Quando o público do meu livro se formou, comecei a ouvir mais e mais meus leitores. Alguns me enviaram mensagens, enquanto outros me cercavam após apresentações públicas — mas muitos me fizeram a mesma pergunta: e quanto à vida pessoal? Eles concordaram com minha discussão sobre as distrações na vida profissional; mas, como me explicaram, sentiam-se ainda mais angustiados com a maneira como as novas tecnologias parecem drenar o sentido e a satisfação de suas vidas pessoais. Isso me chamou a atenção e me atirou inesperadamente em uma reflexão profunda sobre as promessas e os perigos da vida digital moderna.
Quase todos com quem conversei acreditavam no poder da internet e reconheciam que ela pode e deve ser uma força que aprimora suas vidas. Eles não queriam necessariamente abandonar o Google Maps nem o Instagram, mas achavam que a relação que mantinham com a tecnologia era insustentável — a ponto de pensar que, se não fizessem uma transformação urgente, eles também se fragmentariam como sujeitos.
Um termo que ouvi com frequência nessas conversas sobre a vida digital moderna foi exaustão. Isso não significa que todo aplicativo ou site seja particularmente ruim quando considerado de forma isolada. Como muitas pessoas esclareceram, a questão era o impacto geral de ter muitas porcarias brilhantes diferentes sugando insistentemente sua atenção e manipulando seu humor. O problema decorrente dessa atividade frenética não são seus detalhes em si, mas o fato de ela estar cada vez mais fora de controle. Poucos querem perder tanto tempo online, mas essas ferramentas são programadas para cultivar os vícios comportamentais. O desejo inadiável de verificar o Twitter ou atualizar o Reddit torna-se um cacoete que particiona o tempo em pedaços muito pequenos para possibilitar a presença absoluta que uma vida intencional exige.
Como descobri em minha pesquisa subsequente e discuto no primeiro capítulo, algumas dessas características que causam dependência são acidentais (poucos previram até que ponto as mensagens de texto dominariam sua atenção), enquanto muitas são bastante propositais (o uso compulsivo é a base para muitos planos de negócios das mídias sociais). Mas, qualquer que seja sua fonte, essa atração irresistível pelas telas tem levado as pessoas a sentirem que estão perdendo cada vez mais autonomia ao decidir para o que direcionar sua atenção. Ninguém, é claro, alistou-se para essa perda de controle. As pessoas baixaram aplicativos e configuraram suas contas por boas razões, apenas para descobrir, com uma ironia um tanto cruel, que esses serviços minavam os mesmos valores que os tornaram atraentes: elas se inscreveram no Facebook para manter contato com amigos em todo o mundo e depois acabaram incapazes de estender uma conversa com o amigo sentado do outro lado da mesa.
Também descobri o impacto negativo dessa atividade online irrestrita no bem-estar mental. Muitas pessoas com quem conversei ressaltaram a capacidade das mídias sociais de manipular seu humor. A exposição constante às representações das vidas minuciosamente organizadas de seus amigos gera sentimentos de inadequação — especialmente durante períodos em que já estão se sentindo insatisfeitas — e, para os adolescentes, propicia uma maneira cruelmente eficaz de os marginalizar publicamente.
Além disso, como demonstrado durante as eleições presidenciais nos Estados Unidos de 2016 e suas consequências, a discussão online parece acelerar o trânsito das pessoas a extremos emocionalmente carregados e esgotantes. O filósofo da tecnologia Jaron Lanier argumenta convincentemente que a primazia da raiva e do ultraje online é, em certo sentido, uma característica inevitável desse meio: em um mercado carente de atenção, as emoções mais sombrias atraem mais globos oculares do que os pensamentos positivos e construtivos. Para os heavy users de internet, a interação reiterada com essas emoções soturnas se torna uma fonte de negatividade — um preço alto, que muitos sequer percebem que estão pagando, para sustentar sua conectividade compulsiva.
Enfrentar essas preocupações angustiantes — do uso exagerado e viciante dessas ferramentas, a sua capacidade de reduzir a autonomia, diminuir a felicidade, estimular os instintos mais sombrios e distrair-se de atividades mais valiosas — abriu meus olhos para a relação tensa que tantos agora mantêm com as tecnologias que dominam nossa cultura. Em outras palavras, isso me fez compreender muito melhor o que Andrew Sullivan quis dizer quando lamentou: “Já fui um ser humano.”
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Essa experiência de conversar com meus leitores convenceu-me de que o impacto da tecnologia na vida pessoal merecia uma investigação mais profunda. Comecei a pesquisar e escrever mais seriamente sobre o assunto, tentando entender melhor seus contornos e buscar os raros exemplos daqueles que conseguem extrair algo significativo dessas novas tecnologias sem perder o controle.*
Logo no início dessa exploração ficou claro que o relacionamento de nossa cultura com essas ferramentas é complicado pelo fato de elas misturarem prejuízos a benefícios. Smartphones, internet sem fio onipresente, plataformas digitais que conectam bilhões de pessoas são inovações triunfantes! Poucos críticos sérios acham que recuar para uma era pré tecnológica seria melhor. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas estão cansadas de sentir que se tornaram escravas de seus dispositivos. Essa realidade cria um cenário emocional caótico, no qual você simultaneamente valoriza sua capacidade de descobrir fotos inspiradoras no Instagram, enquanto se preocupa com a capacidade desse aplicativo de invadir as horas da noite em que costumava conversar com seus amigos ou ler.
A solução mais típica para essas complicações é sugerir truques e conselhos moderados. Talvez se tirar férias das tecnologias, deixar seu smartphone longe da cama à noite ou desativar as notificações e decidir ficar mais atento, você consiga preservar todos os benefícios que o atraíram para essas novas tecnologias minimizando seus piores impactos. Entendo o apelo dessa abordagem moderada, pois ela alivia a necessidade de tomar decisões difíceis no que diz respeito à sua vida digital — você não precisa abrir mão de nada, perder benefícios, incomodar amigos nem sofrer transtornos graves.
No entanto, como tem ficado cada vez mais óbvio para os que tentaram fazer pequenas correções desse tipo, força de vontade, truques e resoluções vagas não são suficientes para domesticar a propensão que as novas tecnologias têm de invadir seu ambiente cognitivo — o poder viciante de seu design e as pressões culturais que o sustentam são fortes demais para que uma abordagem fragmentária seja bem-sucedida. No meu trabalho sobre esse tópico, convenci-me de que o necessário é uma filosofia de uso da tecnologia bem formulada, enraizada em seus valores profundos, que conceda respostas claras a perguntas sobre quais ferramentas e como usá-las, e, igualmente importante, que permita ignorar com segurança todo o resto.
Existem muitas filosofias que satisfazem esses objetivos. Em um extremo, há os neoludistas, que defendem o abandono da maioria das novas tecnologias. Em outro, os entusiastas do eu quantificado, que incorporam meticulosamente os dispositivos digitais a todos os aspectos de suas vidas com o objetivo de otimizar a existência. Das diferentes filosofias que estudei, no entanto, houve uma em particular que se destacou como uma resposta superior àqueles que querem crescer em nosso atual momento de sobrecarga tecnológica; eu a chamo de minimalismo digital. Ela aplica a crença de que menos é mais em nossa relação com as ferramentas digitais.
sse princípio não é novo. Muito antes de Henry David Thoreau exaltar “Simplicidade, simplicidade, simplicidade”, Marco Aurélio perguntara: “Percebe como você tem que fazer poucas coisas para viver uma vida satisfatória e digna?” O minimalismo digital simplesmente adapta essa ideia clássica ao papel da tecnologia em nossas vidas modernas. Contudo, o impacto dessa simples adaptação é profundo. Neste livro, você encontrará muitos exemplos de minimalistas digitais que experimentaram mudanças significativamente positivas, reduzindo impiedosamente o tempo que perdiam online para se concentrar em um pequeno número de atividades verdadeiramente úteis. Como os minimalistas digitais passam
Esse princípio não é novo. Muito antes de Henry David Thoreau exaltar “Simplicidade, simplicidade, simplicidade”, Marco Aurélio perguntara: “Percebe como você tem que fazer poucas coisas para viver uma vida satisfatória e digna?” O minimalismo digital simplesmente adapta essa ideia clássica ao papel da tecnologia em nossas vidas modernas. Contudo, o impacto dessa simples adaptação é profundo. Neste livro, você encontrará muitos exemplos de minimalistas digitais que experimentaram mudanças significativamente positivas, reduzindo impiedosamente o tempo que perdiam online para se concentrar em um pequeno número de atividades verdadeiramente úteis. Como os minimalistas digitais passam muito menos tempo conectados do que os colegas, é fácil pensar que seu estilo de vida é extremo, mas eles argumentam que essa percepção está invertida: extremo é o tempo que todos os outros perdem olhando para suas telas. O segredo para se desenvolver em nosso mundo altamente tecnológico, eles aprenderam, é passar muito menos tempo usando a tecnologia.
* * *
O objetivo deste livro é legitimar o minimalismo digital, incluindo uma investigação detalhada do que ele demanda e por que funciona, e depois ensiná-lo a adotar essa filosofia se decidir que é o melhor para você.
Para fazer isso, dividi o livro em duas partes. Na Parte 1, descrevo os fundamentos filosóficos do minimalismo digital, começando com um exame acurado das forças que têm tornado a vida digital de tantas pessoas cada vez mais intolerável, antes de passar para uma discussão minuciosa da filosofia do minimalismo digital, que engloba meus motivos para argumentar por que ele é a solução ideal para esses problemas.
A Parte 1 se encerra com a apresentação do método que sugiro para adotar essa filosofia: a faxina digital. Como argumentei, é necessária uma ação agressiva para transformar fundamentalmente seu relacionamento com a tecnologia. A faxina digital faz esse trabalho incisivo.
O processo demanda o afastamento das atividades online opcionais por 30 dias. Durante esse período, você se livrará dos ciclos de dependência que muitas ferramentas digitais incutem e redescobrirá as atividades analógicas que proporcionam uma satisfação mais profunda. Você vai passear, conversar com amigos pessoalmente, envolver-se com sua comunidade, ler livros e olhar para as nuvens. Mais importante ainda, a faxina lhe dará espaço para refinar sua compreensão das coisas que mais valoriza. No final dos 30 dias, você retomará um pequeno número de atividades online cuidadosamente escolhidas, que acredite que proporcionarão benefícios expressivos para as atividades que valoriza. Dando seguimento ao processo, você fará o melhor para tornar essas atividades intencionais o cerne de sua vida online — deixando para trás a maioria dos outros comportamentos que distraem e que costumavam fragmentar seu tempo e captar sua atenção. Essa faxina age como uma redefinição drástica: você entra no processo como maximalista em frangalhos e o deixa como minimalista intencional.
No último capítulo da Parte 1, vou orientá-lo na implementação de sua faxina digital. Para isso, eu me baseio extensivamente em um experimento que realizei no início do inverno de 2018, no qual mais de 1.600 pessoas concordaram em implementar uma faxina digital sob minha orientação e relatar a experiência. Você lerá as histórias desses participantes e descobrirá quais estratégias funcionaram bem para eles e quais armadilhas encontradas você deve evitar.
A Parte 2 deste livro examina mais de perto algumas ideias que o ajudarão a cultivar um estilo de vida minimalista digital sustentável. Nesses capítulos, discuto questões como a importância da solidão e a necessidade de cultivar um tempo livre de qualidade para substituir o tempo agora dedicado ao uso impensado de dispositivos. Proponho e defendo a afirmação talvez controversa de que seus relacionamentos se fortalecerão se você parar de clicar em “Curtir” e de deixar comentários em postagens nas mídias sociais e se tornar menos acessível por mensagens de texto. Também apresento, com propriedade, a perspectiva da resistência da atenção — um movimento informal de indivíduos que usam as ferramentas de alta tecnologia e procedimentos operacionais rigorosos para tirar proveito dos produtos da economia da atenção digital evitando se tornarem vítimas de seu uso compulsivo.
Todos os capítulos da Parte 2 se encerram com uma coleção de práticas, táticas concretas preparadas para ajudá-lo a agir conforme as grandes ideias de cada capítulo. Como novato no minimalismo digital, entenda as práticas da Parte 2 como uma caixa de ferramentas destinada a respaldar seus esforços para instituir um estilo de vida minimalista que funcione para suas circunstâncias específicas.
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Em Walden, Thoreau escreveu a agora famosa frase: “A grande maioria dos homens leva uma vida de calado desespero.” Citada com menos frequência, a réplica otimista que segue no parágrafo seguinte é:
Eles realmente pensam que não há escolha. Mas a natureza, alerta e saudável, lembra que o sol nasce indistintamente. Nunca é tarde demais para abandonar nossos preconceitos.
Nosso atual relacionamento com as tecnologias do mundo hiperconectado é insustentável e nos aproxima do calado desespero que Thoreau observou tantos anos atrás. Mas, como também nos lembra, “o sol nasce indistintamente”, e ainda somos capazes de mudar essa situação. Para fazer isso, no entanto, não podemos permitir passivamente que o emaranhado indomável de ferramentas, entretenimentos e distrações que a era da internet oferece dite como passamos nosso tempo nem como nos sentimos. Em vez disso, devemos tomar medidas para tirar proveito dessas tecnologias ao mesmo tempo em que evitamos suas desvantagens. Precisamos de uma filosofia que devolva o comando de nosso cotidiano às nossas aspirações e valores, ao mesmo tempo em que destitua os caprichos primordiais e os modelos de negócios do Vale do Silício desse papel; uma filosofia que aceite as novas tecnologias, mas não se seu preço for a desumanização sobre a qual Andrew Sullivan nos alertou; uma filosofia que priorize os valores de longo prazo em detrimento da satisfação momentânea.
Essa filosofia, em outras palavras, é o minimalismo digital.
*Alguns consideram leviano o fato de eu não ter uma experiência pessoal profunda na qual me embasar. “Como você pode criticar as mídias sociais se nunca as usou?” é uma das contestações mais comuns que ouço em resposta à minha defesa pública sobre essas questões. Essa afirmação tem sua parcela de verdade; mas, como reconheci em 2016, quando comecei esta investigação, meu alheamento é vantajoso. Ao abordar nossa cultura tecnológica a partir de uma perspectiva diferente, talvez eu seja mais capaz de distinguir suposições de verdades e identificar o uso significativo da manipulação.
PARTE 1
Fundamentos
1
Corrida Armamentista Torta
NÃO NOS INSCREVEMOS PARA ISSO
Eu me lembro da primeira vez que ouvi falar do Facebook: era primavera de 2004. Eu estava no último ano da faculdade e comecei a perceber que meus amigos cada vez mais falavam sobre um site chamado thefacebook.com. A primeira pessoa a me mostrar um perfil do Facebook foi Julie, minha namorada na época e atual esposa.
“Lembro que era novidade”, disse-me ela recentemente. “Ele nos foi apresentado como uma versão virtual do diretório de calouros, algo que poderíamos usar para procurar os namorados ou namoradas de conhecidos.”
A palavra-chave dessa lembrança é novidade. O Facebook não chegou com a promessa de transformar radicalmente o ritmo das esferas social e cívica de nossas vidas. Era apenas uma diversão entre tantas outras. Na primavera de 2004, meus conhecidos que haviam se inscrito no thefacebook.com muito provavelmente passavam mais tempo jogando Snood (um quebra-cabeça no estilo de Tetris inexplicavelmente popular) do que atualizando seus perfis ou cutucando os amigos virtuais.
“Era interessante”, resumiu Julie, “mas com certeza não parecia que dedicaríamos boa parte de nosso tempo a ele”.
Três anos depois, a Apple lançou o iPhone, provocando a revolução dos dispositivos móveis. O que muitos esquecem, no entanto, é que a “revolução” original prometida por esse dispositivo também era muito mais modesta do que o impacto que criou. Os smartphones reformularam a experiência das pessoas no mundo, fornecendo uma conexão constante a uma matriz murmurante de tagarelice e distração. Em janeiro de 2007, quando Steve Jobs apresentou o iPhone durante sua famosa palestra sobre o Macworld, a visão era muito mais modesta.
Uma das principais vantagens do iPhone original é que integrou o iPod ao celular, evitando a necessidade de levar dois dispositivos. (E é assim que me lembro de considerar os benefícios do iPhone quando foi anunciado.) Nesse contexto, quando Jobs fez a demonstração de um iPhone no palco durante seu discurso, passou os primeiros oito minutos analisando seus recursos de mídia e concluiu: “É o melhor iPod que já fizemos!”
Outra grande vantagem do dispositivo foi o modo como aprimorou as chamadas telefônicas. Foi uma grande notícia à época a Apple ter forçado a AT&T a abrir seu sistema de correio de voz, permitindo uma interface melhor ao iPhone. No palco, Jobs estava também evidentemente apaixonado pela simplicidade com que era possível correr a tela pelos números de telefone e pelo fato de o teclado de discagem ser exibido virtualmente e não na forma de botões permanentes.
“O aplicativo matador está fazendo ligações”, exclamou Jobs, aplaudido durante sua palestra. Só aos 33 minutos dessa famosa apresentação é que ele consegue destacar recursos como mensagens de texto aprimoradas e acesso à internet móvel que dominam a forma como usamos esses dispositivos.
Para confirmar que essa visão limitada não era uma peculiaridade do roteiro de Jobs, conversei com Andy Grignon, um dos membros originais da equipe de desenvolvimento do iPhone. “Era para ser um iPod que fizesse ligações telefônicas”, confirmou. “Nossa principal missão era fazer com que tocasse música e fizesse ligações telefônicas.” Como Grignon então me explicou, Steve Jobs inicialmente desconsiderou a ideia de que o iPhone se tornaria mais um computador móvel de uso geral, executando uma grande variedade de aplicativos de terceiros. “No segundo em que permitirmos que algum programador idiota escreva algum código que o trave”, disse Jobs a Grignon certa vez, “será bem no momento que o usuário precisará ligar para a emergência”.
Quando o iPhone foi lançado, em 2007, não havia AppStore, notificações de mídias sociais, fotos instantâneas para o Instagram, nem motivo para verificar notificações várias vezes durante o jantar — e, para Steve Jobs, isso não era problema, tampouco para os milhões que compraram o primeiro smartphone na época. Tal como aconteceu com os primeiros adeptos do Facebook, poucos previram o quanto nossa relação com a reluzente nova ferramenta mudaria nos anos seguintes.
* * *
O drástico impacto das novas tecnologias, mídias sociais e smartphones no modo como vivemos no século XXI é mundialmente aceito. Há muitas maneiras de retratar essa mudança. Acho que o crítico social Laurence Scott faz isso de maneira bastante eficaz quando descreve a moderna hiperconexão como “um momento estranhamente insosso se existir apenas em si”.
O objetivo das observações citadas anteriormente, no entanto, é enfatizar o que muitos também esquecem: que essas mudanças, além de serem massivas e transformacionais, também foram inesperadas e não planejadas. Em 2004, um estudante que criou uma conta no thefacebook.com para procurar colegas de classe, provavelmente não previa que o usuário moderno dedicaria, em média, duas horas por dia em mídias sociais e serviços de mensagens similares, com quase a metade do tempo dedicado exclusivamente aos produtos do Facebook.
Da mesma maneira, um primeiro adepto que adquiriu um iPhone em 2007 por recursos de música ficaria menos entusiasmado se soubesse que, dentro de uma década, verificaria compulsivamente o dispositivo — cerca de 85 vezes por dia — uma “questão” que hoje sabemos não ter sido considerada por Steve Jobs quando preparava sua famosa palestra.
Essas mudanças nos invadiram rapidamente, antes de termos a oportunidade de recuar e perguntar o que realmente queríamos dos rápidos avanços da última década. Adicionamos novas tecnologias à periferia de nossa experiência por motivos menores, em seguida acordamos em uma manhã e descobrimos que haviam colonizado o núcleo de nosso cotidiano. Em outras palavras, não optamos pelo mundo digital em que estamos atualmente entrincheirados: tropeçamos e caímos nele.
Com frequência, essa nuance é muitas vezes diluída em conversas culturais que abordam essas ferramentas. Em minha experiência, quando as preocupações sobre novas tecnologias são discutidas em público, os defensores da tecnologia vão no sentido contrário, conduzindo a discussão para termos práticos — fornecendo estudos de caso, por exemplo, de um artista em dificuldades que encontra público através das mídias sociais*, ou o WhatsApp conectando um soldado em guerra com a família. Eles concluem que é incorreto descartar essas tecnologias sob a premissa de que são inúteis; uma tática que normalmente é suficiente para encerrar o debate.
Os defensores das tecnologias estão certos em suas alegações, mas perdem um pouco do foco. A utilidade percebida dessas ferramentas não é o terreno sobre o qual nossa crescente cautela se baseia. Se você perguntar ao usuário comum de mídias sociais, por exemplo, por que usar o Facebook, o Instagram ou o Twitter, ele pode fornecer respostas razoáveis. Cada um desses serviços provavelmente oferece algo útil que seria difícil encontrar em outro lugar: a capacidade, por exemplo, de acompanhar as fotos de bebê do filho de um parente ou de usar uma hashtag para monitorar um movimento de base.
A fonte de nosso mal-estar não é evidente nesses estudos de casos específicos, mas se torna visível quando confrontamos a realidade mais ampla de como essas tecnologias conseguiram se expandir para além dos propósitos menores originais. Cada vez mais, elas ditam como nos comportar e sentir e, de certa forma, nos coagem a usá-las mais do que achamos que é saudável, muitas vezes às custas de outras atividades que consideramos úteis. O que nos deixa desconfortáveis, em outras palavras, é esse sentimento de perder o controle — um sentimento que se justifica diariamente em uma série de maneiras, como quando nos distraímos com o smartphone ao dar banho nos filhos ou perdemos a capacidade de aproveitar um bom momento sem um desejo frenético de documentá-lo para um público virtual.
Não é uma questão de utilidade, mas de autonomia.
A próxima pergunta, obviamente, é como nos metemos nessa confusão. Em minha experiência, a maioria das pessoas que enfrentam dificuldades em se afastar de suas vidas online não são fracas ou estúpidas. São profissionais de sucesso, estudantes esforçados, pais amorosos. Elas são organizadas e estão acostumadas a perseguir objetivos difíceis. No entanto, de alguma forma, os aplicativos e sites acenando por detrás da tela do smartphone e do tablet — únicos entre as muitas tentações a que resistem diariamente — conseguem invadir perniciosamente suas vidas além de seus papéis originais.
Isso se deve principalmente ao fato de que muitas dessas novas ferramentas não são tão inocentes quanto parecem. As pessoas não sucumbem às telas porque são preguiçosas, mas porque bilhões de dólares foram investidos para fazer com que isso seja inevitável. Anteriormente, observei que parecemos ter tropeçado em uma vida digital que não escolhemos. Como argumento a seguir, é mais preciso dizer que fomos empurrados pelas empresas de dispositivos de última geração e pelos conglomerados da economia da atenção, que descobriram haver grandes fortunas à sua espera em uma cultura dominada por gadgets e aplicativos.
fim da amostra…