O QUE DEVERÍAMOS SABER SOBRE AS PESSOAS QUE NÃO CONHECEMOS. Ao apontar como nossas ideias preconcebidas afetam nossas interações com os outros, Malcolm Gladwell, autor dos best-sellers Fora de série e O ponto da virada, escreveu um guia valioso para tempos de intolerância e crise. "Gladwell é um brilhante explicador do comportamento humano." – The Week Como Fidel Castro conseguiu enganar a CIA durante décadas? Por que Neville Chamberlain pensou que podia confiar em Hitler? Por que os casos de ataques sexuais nas universidades estão crescendo? Neste livro, Malcolm Gladwell apresenta uma análise surpreendente da maneira como interagimos com as pessoas que não conhecemos...
Capa comum: 320 páginas ISBN-10: 8543108950 ISBN-13: 978-8543108957 Dimensões do produto: 22.86 x 15.49 x 1.78 cm Editora: Editora Sextante; 1ª Edição (25 novembro 2019)
Leia trecho do livro
Para Graham Gladwell,
1934–2017
N O T A D O A U T O R
Há muitos anos, quando meus pais vieram me visitar em Nova York, decidi acomodá-los no hotel Mercer. Foi uma pequena travessura. O Mercer é chique e exclusivo, o tipo de lugar onde os famosos se hospedam. Meus pais – principalmente meu pai – eram indiferentes a esse tipo de coisa. Ele não assistia à televisão, não ia ao cinema nem ouvia música popular. Devia achar que a People era uma revista sobre antropologia. As áreas de conhecimento dele eram específicas: matemática, jardinagem e a Bíblia.
Cheguei ao hotel para levar os dois para jantar fora e perguntei ao meu pai como tinha sido seu dia. “Maravilhoso!”, disse ele. Tinha passado a tarde conversando com um homem no lobby. Fazer isso era típico do meu pai. Ele gostava de falar com estranhos.
– Sobre o que vocês conversaram? – indaguei.
– Jardinagem! – respondeu meu pai.
– E qual era o nome dele?
– Ah, não faço ideia. Mas o tempo todo as pessoas vinham até ele, tiravam fotos e pediam para ele assinar pedaços de papel.
Se por acaso alguma celebridade de Hollywood estiver lendo isto e se lembrar de ter conversado com um senhor inglês barbudo muito tempo atrás no lobby do hotel Mercer, por favor, entre em contato comigo.
E para todos os demais, aqui vai uma lição. Às vezes as melhores conversas são aquelas em que os estranhos continuam sendo estranhos.
I N T R O D U Ç Ã O
“Saia do carro!”
1.
Em julho de 2015, uma jovem afro-americana chamada Sandra Bland foi de carro de Chicago, onde morava, até uma cidadezinha uma hora a oeste de Houston, no Texas. Estava indo fazer uma entrevista de emprego na Universidade Prairie View A&M, onde se formara alguns anos antes. Ela era alta e tinha uma presença marcante, com uma personalidade que combinava com seu tipo físico. Fizera parte da sororidade Sigma Gamma Rho e havia tocado na banda marcial. Também fora voluntária numa organização para idosos. Regularmente postava vídeos curtos e inspiradores no YouTube identificados como “Sandy Speaks”, que costumavam começar com “Bom dia, meus lindos Reis e Rainhas”.
Estou acordada hoje simplesmente louvando a Deus, dando graças ao Seu nome. Agradecendo-Lhe não apenas por ser meu aniversário, mas pelo crescimento, pelas diversas coisas que Ele fez em minha vida neste último ano. Apenas rememorando meus 28 anos de vida e tudo que Ele tem me revelado. Embora eu tenha cometido alguns erros, definitivamente tenha feito besteira, Ele continua me amando, e quero que meus Reis e Rainhas saibam que Ele continua amando vocês também.
Bland conseguiu o emprego em Prairie View. Ficou eufórica. Planejava conciliar o trabalho com um mestrado em ciência política. Na tarde de 10 de julho, ela deixou a universidade para fazer compras de supermercado e, ao dobrar à direita para a rodovia que circunda o campus, foi parada por um policial. Seu nome era Brian Encinia: branco, cabelos escuros curtos, 30 anos. Ele foi educado – pelo menos no início. Informou que ela não sinalizara a mudança de pista. Fez algumas perguntas. Ela respondeu. Então Bland acendeu um cigarro e Encinia pediu que ela o apagasse.
A interação entre eles foi registrada pela câmera de vídeo do painel do carro dele e pelo celular dela, e já foi vista milhões de vezes no YouTube.
Bland: Estou no meu carro. Por que tenho que apagar o cigarro?
Encinia: Bem, você pode sair do carro agora.
Bland: Eu não tenho que sair do meu carro.
Encinia: Por favor, saia do veículo.
Bland: Só porque estou…
Encinia: Saia do veículo.
Bland: Você não tem o direito de exigir isso. Não, você não tem esse direito.
Encinia: Saia do veículo.
Bland: Você não tem o direito. Você não tem o direito de fazer isso.
Encinia: Eu tenho o direito, sim, agora saia ou vou tirar você. Bland: Eu me recuso a falar com você a não ser para me identificar. [ruído] Estou sendo retirada do carro porque não dei seta?
Encinia: Saia ou vou tirar você. Estou dando uma ordem legal. Saia do carro agora ou eu mesmo vou tirar você.
Bland: E eu vou ligar para o meu advogado.
Encinia: Vou arrancar você daí. [Enfia o braço dentro do carro]
Bland: Ok, você vai me arrancar do carro? Ok, tudo bem.
Encinia: [chamando reforço] 2547.
Bland: Vamos fazer isto.
Encinia: Sim, vamos. [Tenta puxar Bland]
Bland: Não toque em mim!
Encinia: Saia do carro!
Bland: Não toque em mim! Não toque em mim! Não estou presa e você não tem o direito de me retirar do meu carro.
Encinia: Você está presa!
Bland: Estou presa? Por quê? Por quê? Por quê?
Encinia: [Para o rádio] 2547 Condado FM 1098. [inaudível] Mande outra unidade. [Para Bland] Saia do carro! Saia do carro agora!
Bland: Por que estou sendo detida? Você está tentando me dar uma multa porque eu não…
Encinia: Eu disse saia do carro!
Bland: Por que estou sendo detida?
Encinia: Estou dando uma ordem legal. Vou arrastar você desse carro.
Bland: Você está ameaçando me arrastar para fora do meu próprio carro?
Encinia: Saia do carro!
Bland: E depois você vai me [inaudível]?
Encinia: Vou acertar você! Saia! Agora! [Pega a arma imobilizadora e aponta para Bland.]
Bland: Uau. Uau. [Bland sai do carro.]
Encinia: Saia. Agora. Saia do carro agora!
Bland: Você está fazendo tudo isso só porque não dei seta?
Bland foi presa e encarcerada. Três dias depois, suicidou-se em sua cela.
2.
O caso de Sandra Bland aconteceu em meio a um estranho período na vida pública americana. Esse período começou em agosto de 2014, quando um negro de 18 anos chamado Michael Brown foi morto a tiros por um policial em Ferguson, no Missouri. Brown acabara de, supostamente, furtar um maço de charutos de uma loja de conveniência. Os anos seguintes viram um caso após o outro envolvendo a violência da polícia contra negros. Houve revoltas e protestos por todo o país. Surgiu o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), movimento de luta por direitos civis. Por um tempo, os americanos só falavam sobre isso. Em Baltimore, um jovem negro chamado Freddie Gray foi detido por portar um canivete e entrou em coma no compartimento traseiro da van da polícia. Perto de Minneapolis, um jovem negro chamado Philando Castile teve o carro parado por um policial e inexplicavelmente levou sete tiros enquanto procurava seus documentos. Na cidade de Nova York, um negro chamado Eric Garner foi abordado por um grupo de policiais – sob a suspeita de estar vendendo cigarros ilegalmente – e estrangulado até a morte na luta subsequente. Em North Charleston, na Carolina do Sul, um negro chamado Walter Scott foi parado por causa de um defeito na luz traseira do veículo, saiu correndo do carro e foi fuzilado pelas costas por um policial branco. Scott foi morto em 4 de abril de 2015. Sandra Bland havia dedicado a ele um episódio de “Sandy Speaks”.
Bom dia, meus lindos Reis e Rainhas… Não sou racista. Cresci em Villa Park, em Illinois. Eu era a única menina negra entre as líderes de torcida… Povo negro, vocês não terão sucesso neste mundo enquanto não aprenderem a interagir com gente branca. Quero que os brancos entendam que os negros estão fazendo o máximo que podem… E não tem como não ficarmos furiosos quando vemos situações em que fica claro que a vida do negro não importou. Para aqueles que questionam por que ele estava fugindo, bem, pelas notícias que temos visto ultimamente, você pode ficar parado, se entregar à polícia e ainda assim ser morto.
Três meses depois, ela também estava morta.
Falando com estranhos é uma tentativa de entender o que de fato aconteceu próximo à rodovia naquele dia no interior do Texas.
Por que escrever um livro sobre uma abordagem policial mal executada? Porque o debate gerado por aquela sequência de casos foi profundamente insatisfatório. Um lado levou a discussão para a questão do racismo – olhando para o caso a uma altura de 3 mil metros. O outro lado examinou cada detalhe de cada caso com uma lupa. Como era a personalidade do policial? O que ele fez, exatamente? Um lado viu a floresta, mas não as árvores. O outro viu as árvores, mas não a floresta. Cada lado estava certo à sua maneira. O preconceito e a incompetência contribuem muito para explicar a disfunção social nos Estados Unidos. Mas o que você faz com qualquer um desses diagnósticos além de prometer, com toda a sinceridade, esforçar-se mais da próxima vez? Existem maus policiais. Existem policiais preconceituosos. Os conservadores preferem a primeira interpretação; os liberais, a última. No fim, os dois lados se anulam mutuamente. Policiais continuam matando pessoas, mas essas mortes já não dominam o noticiário. Talvez você nem se lembre mais de Sandra Bland. Nós esquecemos essas controvérsias após um intervalo razoável e partimos para outras coisas.
Eu não quero partir para outras coisas.
3.
No século XVI, houve quase 70 guerras envolvendo as nações e os Estados da Europa. Os dinamarqueses combateram os suecos. Os poloneses combateram os Cavaleiros Teutônicos. Os otomanos combateram os venezianos. Os espanhóis combateram os franceses – e assim por diante. Se havia um padrão no conflito incessante, era que as batalhas envolveram, em sua esmagadora maioria, vizinhos. Você lutava contra as pessoas do outro lado da fronteira, que sempre estiveram ali. Ou lutava contra alguém dentro de suas próprias fronteiras: a Guerra Otomana de 1509 se deu entre dois irmãos. Na maior parte da história humana, os encontros – hostis ou não – raramente foram entre povos estranhos. As pessoas que você encontrava e combatia muitas vezes acreditavam no mesmo Deus que você, construíam seus prédios e organizavam suas cidades da mesma maneira que você, travavam suas guerras com as mesmas armas, de acordo com as mesmas regras.
No entanto, o conflito mais sangrento do século XVI não se enquadrou em nenhum desses padrões. Quando o conquistador espanhol Hernán Cortés encontrou o soberano asteca Montezuma II, nenhum dos lados conhecia qualquer coisa sobre o outro.
Cortés desembarcou no México em fevereiro de 1519 e aos poucos abriu caminho para o interior, avançando sobre a capital asteca de Tenochtitlán. Quando Cortés e seu exército chegaram, ficaram estupefatos. Tenochtitlán era extraordinária – bem maior e mais impressionante do que qualquer das cidades que Cortés e seus homens tinham conhecido na Espanha. Uma cidade sobre uma ilha, ligada à terra firme por pontes e cruzada por canais. Possuía amplos bulevares, aquedutos elaborados, mercados vibrantes, templos construídos com estuque branco brilhante, jardins públicos e até um zoológico. Era impecavelmente limpa – o que, para alguém criado na imundície das cidades europeias medievais, deve ter parecido algo quase milagroso.
“Quando vimos tantas cidades e aldeias construídas na água e outras grandes cidades em terra seca, ficamos espantados e dissemos que aquilo era como os encantamentos descritos em Amadís”, recordou Bernal Díaz del Castillo, um dos oficiais de Cortés. “E alguns de nossos soldados se perguntaram se as coisas que víamos não seriam um sonho. […] Não sei como descrever aquilo, vendo coisas de que nunca se ouviu falar, nunca foram vistas antes, nem sequer sonhadas.”
Os espanhóis foram saudados nos portões de Tenochtitlán por um grupo de chefes astecas, depois levados até Montezuma. Ele era uma figura de grandeza quase surreal, transportado numa liteira enfeitada com ouro e prata e adornada com flores frescas e pedras preciosas. Um dos cortesãos avançava à frente do cortejo, varrendo o chão. Cortés desceu do seu cavalo. Montezuma foi abaixado de sua liteira. Cortés, sendo espanhol, avançou para abraçar o líder asteca – apenas para ser impedido pelos acompanhantes de Montezuma. Ninguém abraçava Montezuma. Em vez disso, os dois homens fizeram uma reverência um para o outro.
– Vós sois ele? Vós sois Montezuma?
Montezuma respondeu:
–Sim, sou ele.
Nenhum europeu jamais pusera os pés no México. Nenhum asteca jamais conhecera um europeu. Cortés nada sabia sobre os astecas, apenas ficara atônito com sua riqueza e a cidade extraordinária que haviam construído. Montezuma nada sabia sobre Cortés, exceto que havia se aproximado do reino asteca com grande audácia, munido de armas estranhas e animais grandes e misteriosos – cavalos – que os astecas nunca tinham visto.
Não é de admirar que o encontro entre Cortés e Montezuma tenha fascinado os historiadores por tantos séculos. Naquele momento – 500 anos atrás –, quando exploradores começaram a atravessar oceanos e realizar expedições ousadas para territórios até então desconhecidos, uma espécie inteiramente nova de encontro emergiu. Cortés e Montezuma quiseram conversar, embora nada soubessem um sobre o outro. Quando Cortés indagou a Montezuma “Vós sois ele?”, não disse essas palavras especificamente. Cortés falava somente espanhol. Teve que levar dois intérpretes consigo. Um deles era uma índia chamada Malinche, que havia sido capturada pelos espanhóis alguns meses antes. Ela sabia a língua asteca nauatle e maia, a língua do território mexicano onde Cortés iniciara sua jornada. Cortés também tinha em seu comboio um sacerdote espanhol chamado Gerónimo del Aguilar, que sofrera um naufrágio no Iucatã e aprendera maia em sua permanência por lá. Assim, Cortés falava com Aguilar em espanhol. Aguilar traduzia em maia para Malinche. E Malinche traduzia o maia em nauatle para Montezuma – e quando Montezuma respondeu “Sim, sou ele”, a longa cadeia de tradução funcionou ao contrário. O tipo de interação simples, cara a cara, com que ambos conviveram por toda a vida subitamente tornou-se complicado. Cortés foi conduzido a um dos palácios de Montezuma – um lugar que Aguilar descreveu depois como tendo “inúmeros aposentos, antecâmaras, corredores esplêndidos, colchões com mantos amplos, travesseiros de couro e fibras de árvores, bons cobertores e túnicas de peles brancas admiráveis”. Após o jantar, Montezuma reuniu-se com Cortés e seus homens e fez um discurso. Imediatamente, a confusão começou. Da forma como os espanhóis interpretaram as observações de Montezuma, o rei fosse asteca um deus, estava * fazendo a materialização uma concessão de uma espantosa: velha profecia acreditava segundo que Cortés a qual uma divindade exilada um dia retornaria do leste. E estava, portanto, submetendo-se a Cortés. Dá para imaginar a reação do conquistador espanhol: aquela cidade magnífica agora era efetivamente sua.
A ideia de que Montezuma considerou Cortés um deus foi completamente desmentida pela historiadora Camilla Townsend, entre outros. Townsend argumenta que se tratou provavelmente de um mal entendido, resultante do fato de que a índia nauatle usou a palavra teotl para se referir a Cortés e seus homens, que o espanhol traduziu como deus. Mas Townsend argumenta que usaram aquela palavra somente porque eles “tinham que chamar os espanhóis de algo e não estava claro o que aquele algo deveria ser. […] No universo nauatle como existira até aquele momento, uma pessoa sempre era rotulada pela aldeia ou cidade-estado de onde vinha ou, mais especificamente, pelo papel social que desempenhava (um coletor de impostos, príncipe, servo). Aquelas pessoas novas não se enquadravam em nada.”
Mas foi realmente o que Montezuma quis dizer? O nauatle, a língua dos astecas, possuía um tom reverencial. Uma figura real como Montezuma falaria numa espécie de código, de acordo com uma tradição cultural em que os poderosos projetavam seu status por meio de uma elaborada falsa humildade. A palavra em nauatle para nobre, observa o historiador Matthew Restall, é quase idêntica à palavra para criança. Quando um soberano como Montezuma falava de si mesmo como pequeno e fraco, estava na verdade sutilmente chamando a atenção para o fato de que era estimado e poderoso.
Restall escreve:
A impossibilidade de traduzir adequadamente aquela língua é óbvia. O falante era com frequência obrigado a dizer o oposto do que de fato tinha em mente. O sentido real ficava embutido no uso da linguagem reverencial. Despojada dessas nuances na tradução e distorcida pelo uso de vários intérpretes, […] não apenas era improvável que uma fala de Montezuma fosse entendida de forma precisa, como era provável que seu sentido seria deturpado. Neste caso, o discurso de Montezuma não era sua rendição; era a aceitação da rendição dos espanhóis.
Você deve se lembrar, graças às aulas de história no colégio, de como terminou o encontro entre Cortés e Montezuma. O soberano asteca foi feito refém por Cortés, depois assassinado. Os dois lados entraram em guerra. Cerca de 20 milhões de astecas pereceram, quer diretamente pelas mãos dos espanhóis, quer indiretamente pelas doenças trazidas com eles. Tenochtitlán foi destruída. A incursão de Cortés no México marcou o início de uma era de expansão colonial catastrófica. E também introduziu um padrão novo e nitidamente moderno de interação social. Hoje em dia o tempo todo entramos em contato com pessoas cujas crenças, perspectivas e antecedentes são diferentes das nossas. O mundo moderno não são dois irmãos brigando pelo controle do Império Otomano. São Cortés e Montezuma batalhando para se entenderem mutuamente por meio de vários níveis de intérpretes. Falando com estranhos discute por que somos tão ruins nesse ato de interpretação.
Cada um dos capítulos deste livro é dedicado a compreender um aspecto diferente do problema com pessoas desconhecidas. Os exemplos foram tirados dos noticiários. Talvez você tenha ouvido falar de alguns deles. Na Universidade Stanford, no norte da Califórnia, um estudante do primeiro ano chamado Brock Turner conheceu uma mulher em uma festa e terminou a noite sob custódia da polícia. Na Universidade Estadual da Pensilvânia, Jerry Sandusky, o ex-treinador assistente do time de futebol americano, foi considerado culpado de pedofilia, e o presidente da instituição, além de dois de seus principais auxiliares, considerados cúmplices de seus crimes. Você lerá sobre uma espiã que passou anos nos mais altos níveis do Pentágono sem ser descoberta, sobre o homem que derrubou o gestor de fundos hedge Bernie Madoff, sobre a falsa condenação da estudante americana Amanda Knox e sobre o suicídio da poeta Sylvia Plath.
Em todos esses casos, as partes envolvidas dependiam de um conjunto de estratégias para traduzir as palavras e intenções umas das outras. E, em cada um deles, algo deu muito errado. Neste livro, quero entender essas estratégias – analisá-las, criticá-las, pesquisar sua origem, descobrir como corrigi-las. Ao final, retornarei a Sandra Bland, porque existe algo no encontro à margem da rodovia que deveria nos assombrar. Pense em quão difícil foi. Sandra Bland não era alguém que Brian Encinia conhecesse da vizinhança. Aquilo teria sido fácil: Sandy! Tudo bem? Da próxima vez tome mais cuidado. Em vez disso, você tem Encinia do Texas e Bland de Chicago, um homem e uma mulher, um branco e uma negra, um policial e uma civil, um armado e outra desarmada. Eram estranhos um para o outro. Se fôssemos mais ponderados como sociedade – se estivéssemos dispostos a nos engajarmos num exame de consciência sobre como abordamos e interpretamos as pessoas que não conhecemos –, ela não teria acabado morta numa cela de prisão do Texas.
Mas, para começar, tenho duas perguntas – dois enigmas sobre estranhos –, começando com uma história contada anos atrás por um homem chamado Florentino Aspillaga em uma sala de interrogatórios na Alemanha.
fim da amostra…