Livro ‘O Livro das Virtudes’ por William Bennett

"O Livro das Virtudes": Uma obra atemporal, organizada por William J. Bennett e enriquecida por toques brasileiros, é uma leitura prazerosa para toda a família.

O livro das virtudes é daquelas obras que todo mundo deveria ter em casa. De leitura fácil e prazerosa, seus dois volumes reúnem textos de muitas épocas e muitos lugares. As antologias foram organizadas por William J. Bennett, e as versões da Nova Fronteira ganharam toques brasileiros com a edição de Luiz Raul Machado para o primeiro volume e de Ana Maria Machado para o segundo. Foram incorporados textos de língua portuguesa que revelassem as virtudes e que se adequassem ao espírito da obra. Este é um boxe para a família, para o leitor jovem ou maduro, para ser lido, relido, contado. São livros atemporais, que voltam agora às livrarias em uma edição belíssima, para deixar o público ainda mais encantado.

Páginas: 1328 páginas; Editora: Nova Fronteira (29 de abril de 2019); ISBN-10: 8520944094; ISBN-13: 978-8520944097; ASIN: B06ZXS7VR3

Clique na imagem para ler o livro

Leia trecho do livro

NOTA O EDITOR

OS ENTENDIMENTOS PARA ESTA EDIÇÃO de O livro das virtudes permitiram algumas modificações importantes com vistas ao leitor brasileiro.

Em primeiro lugar, o corte de textos que fossem mais pertinentes ao leitor norte-americano. Com isso, pudemos fazer uma edição menor — a original tem mais de oitocentas páginas — e nos ater a textos com ressonância mais universal. Páginas muito bonitas, como algumas canções e poesias, tiveram que ser excluídas. Mantivemos as que possuem traduções consagradas em língua portuguesa e que tivemos possibilidade de utilizar.

Em segundo lugar, o organizador da antologia e sua agência literária permitiram e incentivaram a inclusão de alguns textos de língua portuguesa que ilustrassem as virtudes e que se adequassem ao espírito do livro. Escolhemos algumas joias de nossa literatura, para deleite dos leitores brasileiros.

Toda escolha implica omissões e é amplamente discutível. O que nos conforta é a afirmação do próprio organizador quando diz que esta não é uma antologia definitiva.

O livro das virtudes é um tesouro de histórias que ajudam a compreender algumas qualidades essenciais à formação ética de cidadãos. São histórias eternas que vêm de diversas épocas, dos mais variados lugares, das mais diferentes culturas. São poemas, fábulas, lendas, contos de fada, relatos biográficos, cartas, discursos. No caso desta antologia, a grande maioria faz parte do acervo da civilização ocidental.

Às vezes, os autores se perdem no anonimato ou se confundem, tal a permanência destas histórias. O caso das fábulas é particularmente ilustrativo. William Bennett selecionou, por exemplo, algumas fábulas de Esopo. Estas historietas que terminam com uma pequena lição atravessaram séculos. La Fontaine as reescreveu em finos versos franceses. Bocage e outros poetas as traduziram com economia e precisão para um maravilhoso português. Na escolha das traduções, procuramos mostrar as várias possibilidades de se contar as mesmas histórias.

Tivemos o privilégio de poder lançar mão de traduções belas e competentes para textos clássicos incluídos neste livro. Por exemplo, os trechos de Shakespeare e Wilde na versão de Barbara Heliodora e os contos dos irmãos Grimm na de Ana Maria Machado.

Para traduções especialmente feitas para esta edição, utilizamos o trabalho de Angela Lobo de Andrade, Bali Lobo de Andrade, Luiz Raul Machado, Maria Angela Villela e Ricardo Silveira, cujos textos estão identificados no final pelas respectivas iniciais.

Para a transcrição de textos bíblicos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, utilizamos a versão A Bíblia na linguagem de hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil.

Este é um livro para a família, para o leitor jovem ou maduro, para ser lido ou contado. Uns descobrirão aqui lendas que não conheciam. Outros recordarão textos que os encantaram na meninice. Certamente será ponto de partida para novas leituras, em busca das obras originais, dos textos na íntegra, de outros livros que poderiam constar de uma antologia como esta. Nosso objetivo estará, assim, alcançado. Afinal, consideramos a leitura também uma virtude.

INTRODUÇÃO À EDIÇÃO NORTE AMERICANA

ESTE LIVRO SE DESTINA a auxiliar na eterna tarefa da formação moral.

As histórias, poemas, ensaios e outros escritos apresentados aqui têm o objetivo de alimentar a cultura moral. Este livro pretende mostrar aos pais, professores, jovens e crianças o que as virtudes são e como aparecem na prática.

A grande maioria das pessoas compartilha do respeito por certos traços fundamentais do caráter: honestidade, compaixão, coragem e perseverança. São virtudes. Como não nascemos com esses conhecimentos, precisamos aprender o que são. Podemos apreender e apreciar esses traços por meio da leitura. Podemos convidar os jovens a discernir as dimensões morais de histórias, eventos históricos, vidas heroicas. Existem excelentes histórias sobre o bem e o mal que devemos conhecer. Este livro reúne algumas das melhores, das mais antigas e mais comoventes.

A literatura e a história são verdadeiras fontes de educação moral.

Estas e outras histórias são fascinantes. Nenhum recurso moderno, nem mesmo a televisão, supera as boas histórias que começam com “Era uma vez…”.

Elas ajudam a ancorar a criança na cultura, em sua história e suas tradições. E as âncoras e os ancoradouros morais nunca foram tão necessários.

Contar estas histórias é também um ato de renovação. Convidamos crianças e jovens a entrarem num mundo em comum, um mundo de ideais compartilhados. Nessa comunidade oferecemos a tarefa constante de preservar os princípios, os ideais e as noções de bondade e grandeza que nos são caras.

O leitor verá, no decorrer deste livro, que não abordamos assuntos como guerra nuclear, aborto, engenharia genética ou eutanásia. Para alguns, isso pode ser um desapontamento. Mas o fato é que a formação do caráter dos jovens é uma tarefa diferente e prioritária à discussão das difíceis controvérsias éticas atuais. Todas as áreas têm suas complexidades e controvérsias. E sua ética. Todas as áreas têm seus fundamentos. E seus valores. Este é um livro de fundamentos. Este livro oferece histórias, poemas e ensaios do acervo da história e da literatura humanas. Articula a compreensão comum e a visão clássica das virtudes. Destina-se a todos, de todos os credos políticos e religiosos, e lhes fala num nível mais fundamental que raça, sexo ou qualquer outra categoria. Fala a seres humanos e agentes morais.

Ao organizar este livro, aprendi muitas coisas. Para começar, a pesquisa do material foi uma redescoberta estimulante e esclarecedora para mim. Recordei belas histórias esquecidas. E, graças às recomendações de amigos e professores e à competente intrusão de meus colegas neste projeto, vim a ler histórias que não conhecia.

Estas histórias falam de moralidade e de virtude como parte central da natureza humana; não como algo para se ter, mas para ser, a coisa mais importante que se pode ser. Percorrer estes capítulos é se colocar, via imaginação, em tempo e lugar diferentes, num tempo em que não havia dúvidas de que as crianças são seres essencialmente morais e espirituais e que a tarefa central da educação é a virtude. Este livro é uma espécie de antídoto para algumas distorções do tempo em que vivemos. Espero que os pais descubram que a leitura deste livro com, ou para, os filhos irá aprofundar, em si mesmos e nos filhos, o entendimento da vida e da moralidade. Se atingir esse louvável objetivo, o livro terá compensado o esforço.

São necessários ainda alguns comentários adicionais. Embora intitulado O livro das virtudes — e os capítulos sejam organizados por virtudes —, é também um livro dos vícios. Muitas histórias ilustram o reverso de uma virtude.

Ao recontar essas histórias, estou mais interessado na lição moral que na histórica. Nas mais antigas, a linha entre lenda e história é indistinta.

Além disso, devo enfatizar que este livro não é absolutamente uma antologia definitiva das melhores histórias morais. É muito extenso o filão da literatura infantil, da nossa e de outras culturas, e mal arranhei a superfície.

Este volume não se destina a ser lido do começo ao fim. É, antes, um livro para folhear, marcar passagens favoritas, ler alto para a família, recordar uma história aqui e ali. Os capítulos podem ser lidos em qualquer ordem; há alguns dias em que precisamos mais de uma virtude que de outra.

Livro 'O Livro das Virtudes' de William Bennett

NA DISCIPLINA, o indivíduo se torna “discípulo” de si mesmo. É seu próprio professor, treinador, técnico e orientador.

Platão dividiu a alma em três partes, ou funções — razão, paixão e desejo —, e disse que o comportamento correto resulta da harmonia entre esses elementos. Santo Agostinho procurou entender a alma hierarquizando as diversas formas de amor, em seu famoso ordo amoris: amor a Deus, ao próximo, a si mesmo e aos bens materiais. Sigmund Freud dividiu a psique em id, ego e superego. E vemos William Shakespeare observando os conflitos da alma, a luta entre o bem e o mal, em obras imortais como Rei Lear, Macbeth, Otelo e Hamlet. O problema volta sempre ao equilíbrio da alma.

Mas a questão da ordem correta da alma não se atém ao domínio sublime da filosofia e do drama. Ela está no cerne da perfeita conduta no cotidiano. Aprendemos a organizar a alma da mesma maneira que aprendemos a resolver problemas de matemática e a jogar futebol — com a prática.

O caso de Demóstenes, contemporâneo de Aristóteles, ilustra o tema. Demóstenes tinha grande ambição de se tornar orador, mas tinha limitações naturais da fala. A vontade firme é essencial, mas insuficiente. Segundo Plutarco, “sua pronúncia inarticulada e gaguejante foi superada e tornou-se mais distinta porque ele treinou falar com pedras na boca”. Aumentando o problema que desejamos superar desenvolvemos o poder necessário para vencer a dificuldade inicial. Demóstenes usou estratégia semelhante no treinamento da voz, que “ele disciplinou declamando versos e fazendo discursos quando estava quase sem fôlego, correndo ou subindo montanhas”.

JUSTIÇA

Olavo Bilac (1865 – 1918)

Chega à casa, chorando, o Oscar. Abraça
Em prantos a Mamãe.
“Que foi, meu filho?”
—“Sucedeu-me, Mamãe, uma desgraça!
Outros, no meu colégio, com mais brilho,
Tiveram prêmios, livros e medalhas…
Só eu não tive nada!”
—“Mas por que não trabalhas?
Por que é que, a uma existência dedicada
Ao trabalho e ao estudo,
Preferes os passeios ociosos?
Os outros, filho, mais estudiosos,
Pelas suas lições desprezam tudo…
Pois querias então que, vadiando,
Os outros humilhasses,
E que, os melhores prêmios conquistando,
Mais que os outros brilhasses?
Para outra vez, ao teu prazer prefere
O estudo! e o prêmio alcançarás sem custo:
E aprende: mesmo quando isso te fere,
preciso ser justo!”

O REI E O FALCÃO

Adaptação de James Baldwin

Gengis Khan foi um grande rei e guerreiro.

Conduziu seu exército à China e à Pérsia, e conquistou muitas terras. Em todos os países, falava-se de seus feitos ousados e dizia-se que desde Alexandre, o Grande, não houvera rei igual.

Certa manhã, longe das guerras, saiu cedo de casa a fim de passar o dia caçando na floresta. Muitos amigos foram com ele. Todos, carregando seus arcos e flechas, seguiam felizes em suas montarias. Acompanhavam-nos os serviçais, conduzindo os cães pela retaguarda.

O grupo mostrava-se muito bem disposto. Seus gritos e risadas retumbavam na floresta. Esperavam abater muitos animais, que levariam para casa ao final do dia.

O rei levava ao punho seu falcão predileto, pois naquela época essa ave era treinada para a caça. A uma ordem do dono, o pássaro alçava voo, e do alto vasculhava a floresta. Ao avistar um cervo ou uma lebre, mergulhava velozmente sobre a presa, qual uma flecha.

O dia inteiro passaram Genghis Khan e seus caçadores a cavalgar pela floresta. Não encontraram, porém, tanta caça quanto esperavam.

O rei prosseguia lentamente. Conhecia uma fonte de águas límpidas em alguma paragem perto da trilha. Se ao menos pudesse encontrá-la naquele momento! Mas os dias quentes do verão haviam secado todos os córregos da montanha.

Mas eis que, para sua alegria, avistou um pouco de água escorrendo pela beira de uma pedra. Haveria de encontrar a fonte logo acima. Na estação chuvosa, as águas corriam ligeiras naquele ponto; mas agora gotejavam lentamente.

O rei apeou da montaria. Tirou do embornal um cálice de prata. Começou a aparar as gotas que caíam lentamente da pedra.

A água demorava para encher o cálice; e o rei tinha tanta sede que mal podia esperar. Finalmente, estava quase cheio. Levou-o aos lábios e estava prestes a sorver o primeiro gole.

De repente, um zunido cruzou os ares e o cálice foi derrubado de suas mãos. A água derramou-se toda.

O rei procurou ver quem fizera aquilo. Fora seu falcão amestrado.

O pássaro voou de um lado para outro algumas vezes e acabou pousando nas pedras, perto da fonte.

O rei pegou o cálice e tornou a recolher as gotas de água.

Desta vez não esperou tanto tempo. Quando estava pela metade, levou-o à boca. Mas antes que o cálice lhe tocasse os lábios, o falcão deu outro mergulho, derrubando o objeto.

Desta vez o rei começou a ficar zangado. Empreendeu mais uma tentativa, e pela terceira vez o falcão o impediu de beber.

O rei ficou bastante irritado e gritou:

— Como te atreves a fazer isso? Se eu pusesse minhas mãos em ti, torcer-te-ia o pescoço!

Mais uma vez, o rei encheu o cálice. Porém, antes de levá-lo à boca, sacou da espada.

— Agora, senhor Falcão, é a última vez — disse ele.

Mal proferira as palavras, o falcão mergulhou e derrubou-lhe das mãos o cálice. Mas o rei já esperava por isso. De um golpe, acertou o pássaro em pleno voo.

E logo o pobre falcão jazia aos pés do dono, sangrando até morrer.

— É o que mereces por teus caprichos — disse Genghis Khan.

Entretanto, ao procurar o cálice, encontrou-o caído entre duas pedras, onde não conseguia alcançar.

— Mesmo assim, vou beber desta fonte — disse consigo mesmo. E pôs-se a galgar a parede íngreme da rocha para chegar até o lugar de onde a água escorria. A tarefa era árdua; e quanto mais subia, mais sede sentia.

Por fim, atingiu o local. E havia, de fato, uma nascente; mas o que era aquilo dentro da poça, ocupando-lhe quase todo o espaço? Uma enorme serpente morta, e das mais venenosas.

O rei parou. Esqueceu-se da sede. Pensou apenas no pobre pássaro morto ali no chão.

— O falcão salvou-me a vida! — gritou. — E o que fiz em troca? Era meu melhor amigo, e eu o matei.

Desceu a escarpa. Tomou cuidadosamente o pássaro nas mãos e o colocou no embornal. Subiu na montaria e partiu ligeiro, dizendo consigo:

— Aprendi hoje uma triste lição, que é nunca fazer coisa alguma com raiva.

(RS)

O MENINO E A JARRA

Adaptada de Esopo

O menino viu na mesa uma jarra cheia de nozes. Pensou com seus botões: “Ah, que bom! Aposto que, se mamãe estivesse aqui, ela me dava. Vou pegar uma porção.” Assim pensou, assim fez. Mas quando tentou tirar a mão cheia de nozes viu que estava presa no bocal da jarra. Largar as nozes, nem pensar. Tentou, tentou e nada. Começou a chorar. A mãe chegou:

— O que é que há?

— Não consigo tirar a mão da jarra.

— Se você não fosse tão guloso, podia pegar uma ou duas e não ia ter problema.

— Como era fácil! Eu podia ter pensado nisso antes.

(LRM)

A GALINHA DOS OVOS DE OURO

Jean de La Fontaine, adaptado por Maria Helena Rouanet

A avareza perde tudo por querer tudo ganhar. Para comprovar isso, basta lembrarmos do homem que tinha uma galinha. A cada dia, segundo a fábula, essa galinha botava um ovo de ouro.

Convencido de que havia um verdadeiro tesouro dentro do corpo da ave, o seu dono a matou e descobriu que, por dentro, ela era como qualquer outra galinha cujos ovos não lhe davam lucro algum.

Com isso, ele próprio destruiu o maior bem que possuía. Bela lição para todos os que são gananciosos: nos últimos tempos, quanta gente não tem ficado pobre da noite para o dia simplesmente por querer ficar cada vez mais rica?

MOSCAS E MEL

Esopo

Do pote de mel
A gota caiu.

A mosca chegou,
Lambeu e lambeu
E se lambuzou.

A perna prendeu,
A asa caiu.

Lutou e lutou
Até que morreu.

Moral

Por que destruir
A si no prazer?

(L&M)

O SR. VINAGRE E A SORTE

Adaptação de James Baldwin

Há muito tempo, vivia um pobre homem cujo nome verdadeiro foi esquecido. Era velho e pequenino, e tinha o rosto enrugado; por isso, os amigos o chamavam de sr. Vinagre.

Sua mulher também era velha e pequenina, e moravam os dois numa cabana, velha e pequenina, nos fundos de um pequeno lote, há muito abandonado.

Um dia, enquanto varria a cabana, a sra. Vinagre usou tanta força que a porta, velha e pequenina, desabou.

Ela ficou assustada. Saiu correndo da casa e gritou:

— João! João! A casa está desabando. Vamos ficar sem um teto para nos proteger.

O sr. Vinagre aproximou-se da casa e olhou para a porta. Em seguida, disse:

— Não se preocupe, querida. Vista seu abrigo e vamos partir em busca da sorte. A sra.

Vinagre colocou então um chapéu, e o sr. Vinagre pôs a porta sobre a cabeça, e eles partiram.

Pôs-se a subir numa árvore e lá improvisou uma cama, encaixando a porta sobre os galhos. A sra. Vinagre subiu em seguida, e deitaram-se os dois.

— É melhor ficarmos sobre a casa do que ela sobre nós — disse ele. Mas a mulher já dormia profundamente e não o escutou.

Escureceu rapidamente, e o sr. Vinagre também caiu no sono. À meia-noite, ele foi acordado por um barulho lá embaixo.

Ergueu-se e ficou prestando atenção.

— Aqui tem dez partes de ouro para você, José — ouviu ele. — E dez para você, Paulo. Eu ficarei com o restante.

O sr. Vinagre olhou para baixo. Viu três homens sentados no chão. Havia uma lamparina acesa perto deles.

— Ladrões! — gritou, assustado, e pulou para um galho mais alto.

Ao pular, desencaixou dos galhos a porta, que caiu no chão com estardalhaço, e a sra. Vinagre foi junto.

Os ladrões tomaram tamanho susto que saíram correndo atabalhoadamente e desapareceram na floresta escura.

— Machucou-se, querida? — perguntou o sr. Vinagre.

A Mulher respondeu:

— Eu, não! Mas quem haveria de dizer que a porta iria desabar no meio da noite? E temos aqui uma bela lamparina acesa, a iluminar nosso recanto.

O sr. Vinagre desceu da árvore. Pegou a lamparina e fitou-a. Mas o que seriam aquelas coisinhas brilhantes espalhadas pelo chão?

— Moedas de ouro! Moedas de ouro! — gritou. Pegou uma delas e olhou-a contra a luz.

— Encontramos nossa sorte! Encontramos nossa sorte! — gritou a sra. Vinagre. E começou a pular de alegria.

Puseram-se a juntar o ouro. Havia cinquenta moedas; eram todas brilhantes, amarelas e bem redondinhas.

— Que sorte a nossa! — disse o sr. Vinagre.

— Que sorte a nossa! — disse a sra. Vinagre.

Os dois sentaram-se no chão e ficaram olhando para o ouro até o amanhecer.

A sra. Vinagre disse, então:

— Bem, João, vamos fazer o seguinte: vá até a cidade e compre uma vaca. Vou tirar o leite para fazer manteiga, e nada mais nos faltará.

— É uma boa ideia — disse o sr. Vinagre.

E logo partiu, ficando a mulher a esperá-lo à beira da estrada.

O sr. Vinagre passeou pela rua da cidade, à procura do que comprar. Depois de algum tempo, chegou um fazendeiro com uma vaca gorda e bonita.

— Ah, se essa vaca fosse minha — disse o sr. Vinagre —, eu seria o homem mais feliz do mundo.

— É uma vaca muito boa — disse o fazendeiro. — Bem — disse o sr.

Vinagre —, dou-lhe estas cinquenta moedas de ouro por ela.

O fazendeiro sorriu e estendeu a mão para receber o dinheiro.

— Pode ficar com ela — disse ele. — Gosto de agradar aos amigos.

O sr. Vinagre tomou do cabresto e saiu com ela, passeando para cima e para baixo na rua.

— Sou o homem mais sortudo do mundo, pois veja só como todos olham para mim e minha vaca.

Porém, no fim da rua havia um homem tocando gaita de foles. Ele parou para ouvi-lo. Doce melodia!

— Ora, é a música mais bela que já ouvi — disse o sr. Vinagre. — E veja só como as crianças aproximam-se dele e jogam-lhe moedinhas! Se essa gaita fosse minha, eu seria o homem mais feliz do mundo.

— Pois vendo-a, então — disse o gaiteiro.

— Vende, mesmo? Mas não tenho dinheiro; dou-lhe, portanto, esta vaca em troca.

— Pode ficar com a gaita — disse o gaiteiro. — Gosto de agradar aos amigos.

O sr. Vinagre pegou a gaita de foles, e o gaiteiro foi-se embora levando a vaca consigo.

— Vamos ouvir um pouco de música — disse o sr. Vinagre.

Todavia, por mais que tentasse, não conseguia tocar. Todo som que produzia não passava de ruídos dissonantes.

As crianças, em vez de atirar-lhe moedinhas, riam-se dele. Fazia frio, e, enquanto tentava tocar o instrumento, seus dedos enregelavam-se. Ficou pensando que teria sido melhor ter ficado com a vaca.

Mal partira de volta para casa, passou por ele um homem com luvas nas mãos.

— Ah, se essas lindas luvas fossem minhas — disse ele —, eu seria o homem mais feliz do mundo.

— Quanto pretende pagar por elas? — perguntou-lhe o homem.

— Não tenho dinheiro, mas dou-lhe esta gaita de foles — respondeu o sr. Vinagre.

— Bem — disse o homem —, pode ficar com elas, pois gosto de agradar aos amigos.

O sr. Vinagre entregou o instrumento e colocou as luvas nas mãos enregeladas.

— Que sorte a minha! — ia dizendo a caminho de casa.

Logo suas mãos estavam aquecidas, mas a estrada era ruim e a caminhada, difícil. Estava muito cansado, quando chegou ao sopé de uma colina íngreme.

— Como conseguirei chegar lá em cima? — disse ele.

Naquele momento, surgiu um homem descendo a colina em sua direção. Trazia na mão um cajado, que o ajudava a descer.

— Meu amigo — disse o sr. Vinagre —, se eu tivesse esse cajado para me ajudar a subir a colina, seria o homem mais feliz do mundo.

— Quanto pretende pagar por ele? — perguntou o homem.

— Não tenho dinheiro, mas dou-lhe este par de luvas bem quentes — disse o sr. Vinagre.

— Bem — disse o homem —, pode ficar com ele, pois gosto de agradar aos amigos.

As mãos do sr. Vinagre estavam bastante aquecidas. Entregou, então, as luvas para o homem e pegou o cajado para ajudar na caminhada.

— Que sorte a minha! — dizia ele, enquanto esforçava-se para concluir a subida.

No topo da colina, parou para descansar. Mas, enquanto pensava na sorte que tivera durante o dia inteiro, ouviu alguém gritar seu nome. Levantou o olhar e avistou apenas um papagaio verde, pousado num galho de árvore.

— Sr. Vinagre! Sr. Vinagre! — dizia o pássaro.

— Pois não? — indagou o sr. Vinagre.

— Que estupidez! Que estupidez! — respondeu o pássaro. — O senhor partiu em busca da sorte e a encontrou. Depois, trocou-a por uma vaca, e esta por uma gaita de foles, e a gaita por um par de luvas, e as luvas por um cajado que poderia ter apanhado em qualquer canto da estrada. Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Que estupidez! Que estupidez!

O sr. Vinagre ficou muito zangado com isso. Atirou o cajado contra o papagaio com toda a força. Mas o pássaro repetia apenas “Que estupidez! Que estupidez!”, e o cajado foi parar no alto da árvore, onde o homem não o alcançaria.

O sr. Vinagre prosseguiu lentamente, pois tinha muito no que pensar. A mulher o esperava à beira da estrada e, ao avistá-lo, foi logo gritando:

— Onde está a vaca? Onde está a vaca?

— Bem, não sei direito onde ela está — disse o sr. Vinagre; e contou-lhe toda a história.

Conta-se que ela lhe disse coisas que o agradaram bem menos do que as que lhe dissera o papagaio, mas isso fica entre o sr. e a sra. Vinagre, e não interessa a mais ninguém.

— Não estamos em situação pior do que estávamos ontem — disse o sr. Vinagre. — Vamos voltar para casa e cuidar da nossa velha cabaninha.

Colocou outra vez a porta sobre a cabeça e partiu. E a sra. Vinagre o acompanhou.

(RS)


Tags: ,