Em um mundo carregado pela pobreza, violência, perseguição e indiferença, o papa Francisco quer nos ensinar a amar. O amor, segundo sua santidade, é apenas outro nome para justiça. Tem a força para nos unir! Assim como o mal é impositivo e injusto, o bem é contagioso. Em seu novo livro, pede aos fiéis que “não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo!”. Neste evangelho da justiça, papa Francisco nos oferece inspiração para orientar as nossas escolhas e ações diárias por um mundo que preze a dignidade humana e a civilização dos direitos...
Editora: Fontanar; 1ª edição (21 março 2017) Idioma: Português Capa comum: 192 páginas ISBN-10: 8584390634 ISBN-13: 978-8584390632 Dimensões: 22.8 x 16 x 1.2 cm
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Leia trecho do livro
A negatividade é contagiosa, mas também a positividade é contagiosa: não sigam pessoas negativas, mas continuem a irradiar à sua volta luz e esperança! E saibam que a esperança não desilude, nunca desilude!
Telefonema do papa Francisco, 7 de junho de 2014
PARTE I
A JUSTIÇA DO HOMEM
Trabalhemos juntos em prol da justiça e da paz!
Discurso na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, 26 de maio de 2014
A solidariedade
Que todos trabalhemos por esta palavra, que hoje em dia não é bem aceita: “solidariedade”.
Discurso, 27 de julho de 2013
A CULTURA DA SOLIDARIEDADE
O povo brasileiro, sobretudo as pessoas mais simples, pode dar ao mundo uma grande lição de solidariedade. Esta palavra, “solidariedade”, é frequentemente esquecida ou silenciada, porque é incômoda. “Solidariedade”… quase parece um palavrão! Eu queria lançar um apelo a todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e a todas as pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Que cada um, na medida de suas possibilidades e responsabilidades, saiba dar sua contribuição para acabar com tantas injustiças sociais! A cultura do egoísmo, do individualismo, aquela que frequentemente regula nossa sociedade, não é a que constrói e conduz a um mundo mais habitável, mas, sim, a cultura da solidariedade. A cultura da solidariedade é ver no outro não um concorrente ou um número, mas um irmão. E todos somos irmãos!
Queria lhes dizer também que a Igreja, “advogada da justiça e defensora dos pobres, que clamam ao céu diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas” (Documento de Aparecida, 395), deseja oferecer sua colaboração em todas as iniciativas que signifiquem um autêntico desenvolvimento de todo homem e do homem como um todo. Queridos amigos, certamente é necessário dar o pão a quem tem fome; é um ato de justiça. Mas existe também uma fome mais profunda, a fome de uma felicidade que só Deus pode saciar: a fome de dignidade.
O VALOR DA SOLIDARIEDADE
O fenômeno do desemprego — da falta e da perda de trabalho —, que se alastra cada vez mais em vastas áreas do Ocidente, tem ampliado de modo preocupante os limites da pobreza. E não há pobreza material pior, faço questão de frisar, que aquela que não permite ganhar o pão e que priva da dignidade do trabalho. Mas “esse algo que não funciona” não diz respeito apenas ao hemisfério Sul, mas a todo o planeta. Eis então a exigência de “reconsiderar a solidariedade” não mais como simples assistência aos mais pobres, mas como reconsideração global de todo o sistema, como busca de vias para reformá-lo e corrigi-lo de modo coerente com todos os direitos fundamentais do homem, de todos os homens.
A esta palavra “solidariedade”, malvista pelo mundo econômico, como se fosse uma palavra ruim, é preciso conferir novamente a merecida cidadania social. A solidariedade não é um comportamento a mais, não é uma caridade social, mas um valor social. E ela pede a nós sua cidadania. A crise atual não é só econômica e financeira, mas afunda suas raízes numa crise ética e antropológica. Tornou-se normal e um critério decisivo de organização seguir os ídolos do poder, do lucro e do dinheiro, acima do valor das pessoas. Esquecemos que, acima dos negócios, da lógica e dos parâmetros de mercado, estão o ser humano e algo que é devido ao homem: oferecer-lhe a possibilidade de viver dignamente e de participar de modo ativo do bem comum.
Devemos voltar à centralidade do homem, a uma visão mais ética das atividades e das relações humanas, sem receio de perder algo.
SOLIDARIEDADE E COMPARTILHAMENTO
De onde vem a multiplicação dos pães? A resposta está no convite de Jesus aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos…”, “dar”, compartilhar. O que compartilham os discípulos? O pouco de que dispõem: cinco pães e dois peixes. Mas são justamente aqueles pães e aqueles peixes que, nas mãos do Senhor, saciam toda a multidão. E são exatamente os discípulos, confusos diante da incapacidade de seus meios, da pobreza daquilo que podem pôr à disposição, que mandam as pessoas se acomodarem e distribuem — confiando na palavra de Jesus — os pães e os peixes que saciam a multidão. E isso nos indica que, na Igreja e também na sociedade, uma palavra-chave da qual não devemos ter receio é “solidariedade”, ou seja, saber colocar à disposição de Deus aquilo que temos, nossas humildes capacidades, porque é só através da partilha e do dom que nossa vida será fecunda e dará frutos. “Solidariedade”: uma palavra malvista pelo espírito mundano!
O Senhor nos dá o pão, que é Seu corpo, fazendo-se dom. E também experimentamos a “solidariedade de Deus” para com o homem, uma solidariedade que nunca se esgota, uma solidariedade que não cessa de nos surpreender: Deus se faz próximo de nós; humilha-se no sacrifício da cruz, entrando na obscuridade da morte para nos dar Sua vida, que vence o mal, o egoísmo e a morte. Jesus também se entrega a nós na Eucaristia, compartilha o caminho conosco, torna-se alimento, o alimento autêntico que mantém nossa vida, até mesmo nos momentos em que o trajeto se torna árduo, quando os obstáculos diminuem nossos passos. E, na Eucaristia, o Senhor nos faz percorrer Seu caminho, que é servir, partilhar e doar. Com isso, o pouco que temos, o pouco que somos, se for compartilhado, torna-se riqueza, pois o poder de Deus, que é o amor, desce até nossa pobreza para transformá-la.
A SOLIDARIEDADE GERA JUSTIÇA
A Igreja, guiada pelo Evangelho da misericórdia e pelo amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças. Neste versículo se pode entender o pedido de Jesus aos seus discípulos, “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37), que envolve tanto a cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres, como os gestos mais simples e diários de solidariedade para com as misérias muito concretas que encontramos. Embora um pouco desgastada e, por vezes, até mal interpretada, a palavra “solidariedade” significa muito mais do que alguns atos generosos esporádicos; supõe a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, que priorize a vida de todos, e não a apropriação dos bens por parte de alguns.
Ser solidário é uma reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e fazê-los prosperar de modo a servirem melhor ao bem comum, e a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe é devido. Essas convicções e práticas, quando se fazem carne, abrem caminho a outras transformações estruturais e as tornam possíveis. Uma mudança nas estruturas, sem gerar novas convicções e atitudes, tornará essas mesmas estruturas, mais cedo ou mais tarde, corruptas, pesadas e ineficazes.
NINGUÉM É ISENTO DE SOLIDARIEDADE
Ninguém deveria dizer que se mantém longe dos pobres porque suas opções de vida implicam dedicar-se a outras incumbências. Essa é uma desculpa frequente nos meios acadêmicos, empresariais ou profissionais, e até mesmo eclesiásticos. Embora se possa dizer, de maneira geral, que a vocação e missão próprias dos fiéis leigos é a transformação das diversas realidades terrenas para que toda a atividade humana seja transformada pelo Evangelho, ninguém pode se sentir livre da preocupação pelos pobres e pela justiça social: “A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos”. Temo que também essas palavras sejam objeto de alguns poucos comentários, sem verdadeira prática. Apesar disso, tenho confiança na abertura e nas boas disposições dos cristãos e lhes peço que procurem, comunitariamente, novos caminhos para acolher essa renovada proposta.
A FRATERNIDADE
A fraternidade é uma dimensão essencial do homem, um ser relacional. A consciência viva dessa dimensão nos leva a ver e a tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão. Sem tal consciência, torna-se impossível a construção de uma sociedade justa e de uma paz firme e duradoura.
A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre o bem individual e o bem comum. Uma comunidade política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isso. Os cidadãos devem se sentir representados pelos poderes públicos no que diz respeito à sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadãos e instituições interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação de um clima perene de conflito.
Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, que se contrapõe à possibilidade de as pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo se desenvolve socialmente quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difundem de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas — desde os pequenos grupos até aqueles organizados em escala global —, as quais, minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade das pessoas. Tais organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a Criação, revestindo-se de uma gravidade ainda maior caso tenham conotação religiosa.
A dignidade
No trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida.
Evangelii gaudium, n. 192
A CULTURA DA VIDA
As coisas têm preço e podem ser vendidas, mas as pessoas têm dignidade, valem mais do que as coisas e não têm preço. Muitas vezes nos encontramos em situações em que vemos que aquilo que menos vale é a vida. Por isso, a atenção à vida humana na sua totalidade tornou-se, nos últimos tempos, uma verdadeira prioridade do magistério da Igreja, em especial aquela mais desprotegida, ou seja, a vida do portador de deficiência, do enfermo, do nascituro, da criança e do idoso, da vida mais indefesa.
No ser humano frágil, cada um de nós é convidado a reconhecer o rosto do Senhor, que, na sua carne humana, experimentou a indiferença e a solidão às quais frequentemente condenamos os mais pobres, tanto nos países em fase de desenvolvimento como nas sociedades abastadas. Cada criança não nascida, mas injustamente condenada ao aborto, tem o rosto de Jesus Cristo, tem a face do Senhor, que ainda antes de nascer e depois, recém-nascido, experimentou a rejeição do mundo. E cada idoso, ainda que esteja enfermo ou no final de seus dias, tem em si o rosto de Cristo.
Sejam testemunhas e promotores dessa “cultura da vida”. O fato de serem católicos envolve maior responsabilidade: em primeiro lugar, em relação a si mesmos, pelo compromisso de coerência com a vocação cristã, e depois em relação à cultura contemporânea, a fim de contribuir para reconhecer na vida humana a dimensão transcendente, o sinal da obra criadora de Deus, desde o primeiro instante de sua concepção. Trata-se de um compromisso da nova evangelização que muitas vezes exige nadar contra a corrente, pagando pessoalmente. O Senhor conta também com vocês para propagar o “evangelho da vida”.
Não existe uma vida humana mais sagrada que outra, assim como não existe uma vida humana qualitativamente mais importante que outra.
A DIGNIDADE HUMANA É A BASE DA SOCIEDADE
A dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente secundários, adicionados a um discurso político sem perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento. Quantas palavras se tornaram incômodas para esse sistema! Incomoda que se fale em ética, solidariedade mundial, distribuição de bens, defesa de postos de trabalho, dignidade dos fracos, em um Deus que exige um compromisso em prol da justiça. Outras vezes acontece que essas palavras se tornam objeto de uma manipulação oportunista que as desonra. A cômoda indiferença diante dessas questões esvazia nossa vida e nossas palavras de todo significado. A vocação de um empresário é uma nobre tarefa, desde que ele se deixe desafiar por um sentido mais amplo da vida. Isso lhe permite servir verdadeiramente ao bem comum com seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos.
A DIGNIDADE DO TRABALHO
O trabalho é algo maior do que ganhar o pão: o trabalho nos dá dignidade! Quem trabalha é digno, tem uma dignidade especial, uma dignidade pessoal. O homem e a mulher que trabalham são dignos. Quem não trabalha, portanto, não a possui. Mas existem muitas pessoas que desejam trabalhar e não podem. E isso é um peso em nossa consciência, porque, quando a sociedade é organizada de tal modo que nem todos tenham a possibilidade de trabalhar, de ser “ungidos” pela dignidade do trabalho, essa sociedade não está bem; ela não é justa! Vai contra o mesmo Deus que desejou que nossa dignidade começasse aqui. Jesus também trabalhou muito na Terra, na oficina de São José, e trabalhou até seu fim, na cruz. Fez aquilo que o Pai lhe ordenou. Hoje penso nas muitas pessoas que trabalham e possuem essa dignidade… Agradeçamos ao Senhor! E tenhamos consciência de que a dignidade não nos dá poder, dinheiro, cultura. A dignidade é dada pelo trabalho, ainda que a sociedade não permita que todos trabalhem. Alguns sistemas sociais, políticos e econômicos em diversas partes do mundo basearam sua organização na exploração. Quer dizer, escolheram não pagar o justo e tentar obter o máximo lucro a qualquer preço, aproveitando-se do trabalho dos outros, sem, além de tudo, a mínima preocupação com a dignidade deles. Isso vai contra Deus! Chegamos ao ponto em que não percebemos essa dignidade pessoal, essa dignidade do trabalho. Mas hoje a imagem de São José, de Jesus e de Deus trabalhando nos ensina a estrada para andar junto à dignidade.
TRABALHO E DESEMPREGO
O trabalho é uma realidade essencial para a sociedade, as famílias e os indivíduos. Com efeito, o trabalho diz respeito diretamente à pessoa, à sua vida, à sua liberdade e à sua felicidade. O valor primário do trabalho é o bem das pessoas, porque ele enobrece como tal, com suas aptidões e capacidades intelectuais, criativas e manuais. Por isso, o trabalho não tem apenas uma finalidade econômica e lucrativa, mas sobretudo uma finalidade que diz respeito ao homem e à sua dignidade. A dignidade do homem relaciona-se ao trabalho.
Se não há trabalho, essa dignidade é ferida! Quem está desempregado ou subempregado de fato corre o risco de ser colocado à margem da sociedade, de se tornar vítima da exclusão social. As pessoas sem trabalho — penso sobretudo nos muitos jovens hoje sem emprego — muitas vezes caem no desencorajamento crônico, ou pior, na apatia.
O que podemos fazer face ao gravíssimo problema do desemprego que atinge diversos países europeus? É a consequência de um sistema econômico que já não é capaz de criar trabalho, porque deu a prioridade a um ídolo que se chama dinheiro! Portanto, as diversas instâncias políticas, sociais e econômicas estão sendo chamadas a favorecer uma organização diversa, baseada na justiça e na solidariedade.
O trabalho é um bem comum que deve estar à disposição de todos. E preciso enfrentar essa fase de grave dificuldade e de desemprego com os instrumentos da criatividade e da solidariedade. Da criatividade de empresários e artesãos corajosos, que olham para o futuro com confiança e esperança. E da solidariedade entre todos os componentes da sociedade que renunciam a certas coisas e adotam um estilo de vida mais moderado para ajudar os que estão em situação de necessidade.
DIGNIDADE E JUSTIÇA
O sofrimento que resulta da falta de trabalho leva o indivíduo — perdoem-me se isso soar um pouco forte, mas digo a verdade — a se sentir sem dignidade! Onde não há trabalho, não há dignidade! E esse não é um problema unicamente da Sardenha, da Itália ou de alguns países da Europa; é consequência de uma escolha mundial, de um sistema econômico que tem no centro um ídolo que se chama dinheiro.
Deus quis que no centro do mundo não houvesse um ídolo, mas o homem, o homem e a mulher, que levassem o mundo adiante com a força do próprio trabalho.
Mas pensemos num mundo onde os jovens — duas gerações de jovens — não encontram trabalho! Esse mundo não tem futuro. Por quê? Porque eles já não têm dignidade! É difícil ter dignidade sem trabalhar. É nisso que consiste o sofrimento aqui. Este é o pedido, um pedido necessário: trabalho. Trabalho quer dizer dignidade, trabalho significa trazer o pão para casa, trabalho quer dizer amar! Para defender esse sistema econômico idolátrico, chega-se a instaurar a “cultura do descarte”: descartam-se os avós e descartam-se também os jovens. Quanto a nós, devemos dizer não a essa “cultura do descarte”. Temos o dever de dizer: “Queremos um sistema justo! Um sistema que nos faça a todos seguir adiante”. Devemos dizer: “Não queremos esse sistema econômico globalizado, que tanto nos prejudica!”. No centro deve estar o homem e a mulher, como Deus deseja, e não o dinheiro!
O acolhimento
O encontro e o acolhimento de todos, a solidariedade e a fraternidade são elementos que tornam nossa sociedade verdadeiramente humana.
Homilia na XXVIII Jornada Mundial da Juventude,
Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013
ACOLHER E SERVIR
O que significa servir? Servir significa acolher com atenção a pessoa que chega; significa inclinar-se sobre quem é necessitado e lhe estender a mão, sem temor nem receio, mas com ternura e compreensão, como Jesus se inclinou para lavar os pés dos apóstolos. Servir significa trabalhar ao lado dos mais necessitados, estabelecer com eles, antes de tudo, relações humanas, de proximidade, vínculos de solidariedade. “Solidariedade”: essa palavra que assusta o mundo desenvolvido. Procuram não pronunciá-la. “Solidariedade” para eles é quase um palavrão. Mas é a nossa palavra! Servir significa reconhecer e acolher os pedidos de justiça, de esperança, e procurar juntos caminhos concretos de libertação.
Os pobres são também mestres privilegiados do nosso conhecimento de Deus. Sua fragilidade e simplicidade desmascara nosso egoísmo, nossa falsa segurança, nossas pretensões de autossuficiência e nos guiam rumo à experiência da proximidade e da ternura de Deus, para receber em nossa vida seu amor, sua misericórdia de Pai, que, com discrição e confiança paciente, cuida de nós, de todos nós.
“Será que sirvo só a mim mesmo ou sei servir aos outros, como Cristo, que veio para servir e até doar sua vida? Olho nos olhos de quantos pedem justiça ou desvio o olhar, evitando encarar as pessoas?”
OS CONVENTOS, LOCAIS DE ACOLHIMENTO
Caríssimos religiosos e religiosas, os conventos vazios não servem à Igreja para ser transformados em hotéis e gerar dinheiro. Os conventos vazios não são seus; são para a carne de Cristo, que são os refugiados. O Senhor chama a viver com mais coragem e generosidade nas comunidades, nas casas, nos conventos vazios. Certamente não é uma coisa simples; é necessário ter critério, responsabilidade e também coragem. Fazemos muito, mas talvez sejamos chamados a fazer mais, acolhendo e partilhando com decisão o que a Providência nos doou para servir. Superar a tentação da mundanidade espiritual para estarmos próximos das pessoas simples e sobretudo delas. Precisamos de comunidades solidárias que vivam o amor de forma concreta!
Todos os dias, aqui e em outras cidades, muitas pessoas, sobretudo jovens, entram na fila para obter uma refeição. Essas pessoas nos recordam sofrimentos e dramas da humanidade. Mas essa fila também diz para nós, todos nós, que fazer alguma coisa, agora, é possível. Basta bater à porta e dizer: “Estou aqui. Como posso ajudar?”.
CULTURA DO DESCARTE E DO ACOLHIMENTO
Infelizmente, a sociedade está poluída pela cultura do “descarte”, que é oposta à cultura do acolhimento. E as vítimas da cultura do descarte são justamente as pessoas mais desprotegidas, mais frágeis. Ao contrário, nesta casa vejo em ação a cultura do acolhimento. Certamente também aqui nem tudo é perfeito, mas há uma colaboração conjunta para uma vida digna das pessoas com graves dificuldades. Agradeçamos pelo sinal de amor que nos é oferecido: é o sinal da verdadeira civilização, humana e cristã, que é colocar no centro da atenção social e política as pessoas mais desfavorecidas! Mas, por vezes, as famílias têm que se ocupar delas sozinhas. O que fazer? Deste lugar no qual se vê o amor concreto, digo a todos: multipliquemos as obras da cultura do acolhimento, obras antes de tudo animadas por um profundo amor cristão, amor a Cristo Crucificado, à carne de Cristo, obras nas quais se unem o profissionalismo, o trabalho qualificado e justamente retribuído, e o voluntariado, um tesouro precioso.
Servir com amor e ternura as pessoas que precisam de ajuda nos faz crescer em humanidade, porque esses são os verdadeiros recursos de humanidade. São Francisco era um jovem rico, tinha ideais de glória, mas Jesus, na pessoa daquele leproso, lhe falou em silêncio, transformando-o e fazendo-o compreender o que tem valor de fato na vida: não as riquezas, a força das armas, a glória terrena, mas a humildade, a misericórdia, o perdão.
A IGREJA QUE ACOLHE
Na Igreja, o Deus que encontramos não é um juiz cruel, mas o pai da parábola evangélica. Você pode ser como o filho que deixou a casa e se distanciou de Deus. Quando tiver a força de dizer “Quero voltar para casa”, encontrará a porta aberta; Deus vem ao seu encontro porque o aguarda sempre. Deus o aguarda sempre, o abraça, o beija e lhe faz festa. Assim é o Senhor; essa é a ternura do nosso Pai celeste.
O Senhor quer que façamos parte de uma Igreja que abre os braços para todos, de uma Igreja que não é a casa de poucos, mas de todos, onde todos possam ser renovados, transformados e santificados pelo seu amor: os mais fortes e os mais fracos, os pecadores, os indiferentes, os que se sentem desanimados e perdidos. A Igreja oferece a todos a possibilidade de percorrer o caminho da santidade, que é o caminho cristão: ela nos leva a encontrar Jesus Cristo nos sacramentos, especialmente na Confissão e na Eucaristia; nos comunica a palavra de Deus, nos faz viver na caridade, no amor de Deus por todos. Então, interroguemos a nós mesmos: nós nos deixamos santificar? Somos uma Igreja que chama e recebe de braços abertos os pecadores, que incute coragem e esperança, ou somos uma Igreja fechada? Somos uma Igreja na qual se vive o amor de Deus, na qual se presta atenção ao próximo, na qual rezamos uns pelos outros?
“Cada cristão é chamado à santidade” (cf. Constituição Dogmática Lumen gentium, 39-42), e a santidade não consiste antes de tudo em fazer coisas extraordinárias, mas em deixar Deus agir. E o encontro da nossa debilidade com a força de Sua graça; é a confiança em Sua obra que nos permite viver na caridade, fazer tudo com alegria e humildade, para glória de Deus e o serviço ao próximo.
ACOLHER OS IMIGRANTES
Não se pode reduzir o desenvolvimento a um mero crescimento econômico, alcançado, muitas vezes, sem levar em conta os mais fracos e indefesos. O mundo só pode melhorar se o foco se tornar, em primeiro lugar, a pessoa; se a promoção da pessoa for integral, em todas as suas dimensões, inclusive a espiritual; se ninguém for deixado de lado, incluindo os pobres, os doentes, os encarcerados, os necessitados, os estrangeiros (cf. Mt 25,31-46); se da cultura do descarte passarmos para a cultura do encontro e do acolhimento.
Trata-se, então, de vermos a nós, em primeiro lugar, e de ajudar os outros a ver no migrante e no refugiado não só um problema, mas um irmão e uma irmã que devem ser acolhidos, respeitados e amados. Trata-se de uma oportunidade que a Providência nos oferece para contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, de uma democracia mais completa, de um país mais inclusivo, de um mundo mais fraterno e de uma comunidade cristã mais aberta, de acordo com o Evangelho. As migrações podem criar possibilidades para a nova evangelização, abrir espaços para o crescimento de uma nova humanidade, prenunciada no mistério pascal, uma humanidade em que toda terra estrangeira é uma pátria, e em que toda pátria é uma terra estrangeira.
Queridos migrantes e refugiados! Não percam a esperança de que também a vocês está reservado um futuro mais seguro. Que vocês possam encontrar em seu caminho uma mão estendida; que lhes seja permitido experimentar a solidariedade fraterna e o calor da amizade!
O ACOLHIMENTO CRISTÃO
Os cristãos que pedem não devem jamais encontrar portas fechadas. As igrejas não são escritórios onde se apresentam documentos e papéis oficiais quando se pede entrada na graça de Deus. Não precisamos instituir o oitavo sacramento, o da alfândega pastoral! Temos a tentação de nos aproveitar, de nos apropriar do Senhor. Vejamos o caso de uma mãe jovem que vai à igreja, na paróquia, pedir para batizarem seu filho e ouve de um cristão ou de uma cristã: “Não, você não pode, porque não é casada”. Observem essa moça que teve a coragem de ir adiante com sua gravidez e de não abortar: o que encontrou? Uma porta fechada. E assim acontece com muitas pessoas. Esse não é um bom zelo pastoral. Isso afasta do Senhor, não abre portas. Agindo dessa maneira, não fazemos bem às pessoas, ao povo de Deus. Jesus estabeleceu sete sacramentos, e nós, com esse comportamento, estabelecemos o oitavo, o sacramento da alfândega pastoral. Jesus fica indignado, pois quem sofre por isso? Seu povo fiel, as pessoas que tanto o amam. Jesus deseja que todos se aproximem dele. Pensemos no santo povo de Deus, povo simples, que deseja se aproximar de Jesus. E pensemos em todos os cristãos de boa vontade que erram e, ao invés de abrir uma porta, a fecham. Peçamos ao Senhor para que todos que se aproximem da Igreja encontrem as portas abertas a fim de encontrar o amor de Jesus.