Livro que inspirou o filme dirigido por Luca Guadagnino, aclamado nos festivais de Berlim, Toronto, do Rio, no Sundance e um dos principais candidatos ao Oscar de 2018. A casa onde Elio passa os verões é um verdadeiro paraíso na costa italiana, parada certa de amigos, vizinhos, artistas e intelectuais de todos os lugares. Filho de um importante professor universitário, o jovem está bastante acostumado à rotina de, a cada verão, hospedar por seis semanas na villa da família um novo escritor que, em troca da boa acolhida, ajuda seu pai com correspondências e papeladas. Uma cobiçada residência literária que já atraiu muitos nomes, mas nenhum deles como Oliver. Elio imediatamente, e sem perceber, se encanta pelo americano de vinte e quatro anos, espontâneo e atraente, que aproveita a temporada para trabalhar em seu manuscrito sobre Heráclito e, sobretudo, desfrutar do verão mediterrâneo…
Editora: Intrínseca; 1ª edição (5 janeiro 2018); Páginas: 288 páginas; ISBN-10: 8551002732; ISBN-13: 978-8551002742; ASIN: B0786MJLWX
Para Albio,
alma de mi vida
PARTE 1
Se não depois, quando?
“Até depois!”
As palavras, a voz, a atitude.
Eu nunca tinha ouvido alguém dizer “até depois” para se despedir. Parecia brusco, seco, desdenhoso, pronunciado com a indiferença velada de uma pessoa que talvez não se importe se vai revê-lo ou saber de você novamente.
É a primeira lembrança que tenho dele, e parece que ainda hoje consigo ouvi-lo. “Até depois!”
Fecho os olhos, pronuncio as palavras e estou de volta à Itália, tantos anos atrás, descendo a entrada arborizada, observando-o sair do táxi com uma camisa azul esvoaçante, o colarinho bem aberto, óculos escuros, chapéu de palha, muita pele à mostra. De repente ele está apertando minha mão, me entregando sua mochila, tirando a bagagem do porta-malas do táxi, perguntando se meu pai está em casa.
Poderia ter começado bem ali, naquele momento: a camisa, as mangas arregaçadas, os calcanhares escapando das alpargatas desgastadas, ansiosos para tocar o caminho de cascalho quente que levava à nossa casa, cada passo como se já perguntasse: Para onde fica a praia?
O hóspede da vez. Mais um chato.
Então, quase sem pensar, e já de costas para o carro, ele acena com a mão livre e solta um Até depois! desatento para o outro passageiro, com quem provavelmente dividiu a corrida ao sair da estação. Sem dizer seu nome, sem fazer uma gracinha que suavizasse o incômodo da parada, nada. A despedida típica dele: rápida, ousada e direta — pode escolher o adjetivo, para ele tanto faz.
Pode esperar, pensei, é exatamente assim que ele vai se despedir de nós quando for embora. Com um Até depois! abrupto e despreocupado.
Até lá, nós teríamos que suportá-lo durante seis longas semanas.
Fiquei totalmente intimidado. Ele era do tipo inacessível.
Talvez eu fosse gostar dele. Do queixo aos calcanhares. Então, em alguns dias, aprenderia a odiá-lo. O mesmo homem cuja foto no formulário de inscrição havia se destacado meses antes com promessas de afinidade imediata.
Receber hóspedes no verão era o modo como meus pais ajudavam jovens escritores a revisar um manuscrito antes da publicação. Por seis semanas, todo verão, eu tinha que desocupar meu quarto e me mudar para o quarto ao lado no corredor, muito menor, que um dia pertencera ao meu avô. Durante os meses de inverno, quando estávamos na cidade, aquele cômodo temporariamente virava um quartinho de ferramentas, depósito e sótão onde, diziam, meu avô, meu homônimo, ainda rangia os dentes no sono eterno. Os hóspedes de verão não precisavam pagar nada, podiam usufruir de toda a casa e praticamente fazer tudo o que quisessem, desde que passassem por volta de uma hora por dia ajudando meu pai com sua correspondência e papelada em geral. Eles se tornavam parte da família e, depois de quinze anos fazendo isso, tínhamos nos acostumado à enxurrada de cartões-postais e presentes que recebíamos não só perto do Natal, mas durante todo o ano, enviados por pessoas leais a nós e que, quando estavam na Europa, saíam de seu caminho o quanto fosse preciso para passar um ou dois dias em B. com a própria família e fazer uma visita nostálgica ao velho alojamento.
Durante as refeições, sempre havia mais dois ou três convidados, às vezes vizinhos ou parentes, às vezes colegas, advogados, médicos, os ricos e famosos que davam uma passada para ver meu pai a caminho de suas casas de veraneio. Às vezes até abríamos a sala de jantar para um ou outro casal de turistas que tinha ouvido falar da antiga villa e queria apenas entrar para dar uma olhada. Pessoas que ficavam encantadas quando as convidávamos para comer conosco e lhes pedíamos que nos contassem tudo a seu respeito. Mafalda, avisada em cima da hora, era obrigada a redistribuir a comida. Meu pai, reservado e tímido, amava ter um especialista precoce de qualquer área que mantivesse a conversa fluindo em algumas línguas, enquanto o sol quente de verão, depois de algumas taças de rosatello, trazia a inevitável sonolência da tarde. Chamávamos a tarefa de labuta prandial — e, depois de um tempo, a maioria dos nossos hóspedes também.
Pode ser que tenha começado logo que ele chegou, durante um daqueles almoços tediosos, quando sentou-se ao meu lado e finalmente percebi que, apesar do leve bronzeado adquirido durante a breve estadia na Sicília no início do verão, as palmas de suas mãos tinham a mesma cor da pele clara e macia da sola de seus pés, de seu pescoço e da parte interna dos antebraços, que praticamente não haviam sido expostos ao sol. Quase um rosa-claro, a pele reluzente e macia como a barriga de um lagarto. Íntima, pura, intocada, como o rosto corado de um atleta ou a insinuação do alvorecer em uma noite de tempestade. Dizia coisas sobre ele que eu jamais pensaria em perguntar.
Pode ser que tenha começado durante aquelas horas intermináveis depois do almoço, quando todos ficavam à toa dentro e fora da casa usando roupas de banho, corpos esparramados por toda parte, matando o tempo à espera de que alguém finalmente sugerisse que fôssemos até as pedras dar um mergulho. Parentes, primos, vizinhos, amigos, amigos de amigos, colegas ou qualquer pessoa que aparecesse no portão perguntando se podia usar nossa quadra de tênis — todos eram bem-vindos para relaxar, nadar e comer e, se ficassem tempo suficiente, usar a casa de hóspedes.
Ou talvez tenha começado na praia. Ou na quadra de tênis. Ou durante a primeira caminhada juntos no primeiro dia, quando pediram que eu lhe mostrasse a casa e os arredores e — uma coisa levou à outra — consegui levá-lo para além do antigo portão de ferro fundido e do interminável terreno baldio em direção aos trilhos abandonados que costumavam ligar B. a N.
— Tem alguma estação de trem abandonada por aqui? — perguntou ele, olhando através das árvores sob o sol escaldante, provavelmente tentando fazer a pergunta certa para o filho do proprietário.
— Não, nunca teve estação aqui. O trem simplesmente parava quando as pessoas pediam.
Ele estava curioso a respeito do trem; os trilhos eram muito estreitos. Era um trem de dois vagões com a insígnia real, expliquei. Mas, desde a época em que minha mãe passava o verão na cidade quando jovem, a estrutura servia de casa para alguns ciganos. Eles haviam levado os dois vagões descarrilhados mais para longe da praia. Ele queria vê-los?
— Depois, talvez. Uma indiferença cortês, como se tivesse percebido minha preocupação despropositada em agradá-lo e estivesse me dispensando de imediato.
Só que me afetou.
Em vez de ir ver o trem, ele queria abrir uma conta em um dos bancos de B., e depois visitar a tradutora italiana que sua editora na Itália tinha contratado para seu livro.
Decidi levá-lo de bicicleta.
A conversa sobre duas rodas não foi melhor do que a pé. No caminho, paramos para beber alguma coisa. O bar-tabacaria estava totalmente escuro e vazio. O dono limpava o chão com um produto que exalava um forte cheiro de amônia. Saímos o quanto antes. Um melro-preto solitário, empoleirado em um pinheiro mediterrâneo, cantou algumas notas que foram logo abafadas pelo canto das cigarras.
O que as pessoas fazem por essas bandas?
Nada. Esperam o verão acabar.
O que as pessoas fazem no inverno, então?
Ri da resposta que estava prestes a dar. Ele captou o espírito da coisa e disse:
— Não me diga… Esperam o verão chegar, certo?
Eu gostava quando liam meus pensamentos. Ele se acostumou à labuta prandial mais rápido do que os hóspedes anteriores.
— Na verdade, no inverno fica tudo muito cinza e escuro. A gente vem no Natal. Fora isso, é uma cidade fantasma.
— E o que mais vocês fazem no Natal por aqui além de torrar castanha e beber gemada?
Ele estava fazendo piada. Ofereci o mesmo sorriso de antes. Ele entendeu, não disse nada, nós rimos.
Perguntou o que eu fazia. Eu jogava tênis. Nadava. Saía à noite. Corria. Transcrevia músicas. Lia.
Ele disse que também corria. Logo cedo. Onde as pessoas costumavam correr? No calçadão, principalmente. Eu podia levá-lo até lá, se quisesse.
A resposta me atingiu em cheio, bem quando eu estava começando a gostar dele:
— Depois, talvez.
Eu tinha deixado a leitura por último em minha lista, pensando que, pela atitude deliberada e insolente que vinha demonstrando até o momento, seria a última na dele. Horas depois, ao descobrir que ele tinha acabado de escrever um livro sobre Heráclito e que a “leitura” provavelmente não era algo insignificante em sua vida, percebi que precisava voltar atrás de um jeito inteligente e insinuar que meus reais interesses correspondiam aos dele. O que me inquietou, no entanto, não foi a manobra sofisticada necessária para me redimir. Foi a incômoda desconfiança que senti ao finalmente perceber, tanto ali como na conversa despreocupada perto dos trilhos do trem, que o tempo todo, sem que parecesse, sem nem mesmo admitir, eu já estava tentando — sem sucesso — conquistá-lo.
Quando me ofereci — porque todos os visitantes amavam a ideia — para levá-lo à igreja de São Tiago e subir até o topo do campanário que apelidamos de “de morrer”, eu devia ter pensado antes em uma resposta à altura. Pensei que conseguiria convencê-lo apenas levando-o lá e deixando que assimilasse a vista da cidade, do mar, da eternidade. Só que não. Depois!
Mas talvez tenha começado bem mais tarde do que acredito, sem que eu percebesse. Você vê a pessoa, mas não a enxerga de verdade, ela simplesmente está por ali. Ou até enxerga, mas nada bate, nada “chama a atenção” e, antes mesmo que você perceba uma presença ou algo incômodo, as seis semanas que lhe foram oferecidas já passaram e a pessoa já foi embora ou está prestes a ir, e você fica lutando para aceitar algo que, sem que você soubesse, vinha ganhando forma bem debaixo do seu nariz, trazendo consigo todos os sintomas daquilo que só pode ser chamado de desejo. Como eu não percebi? Você se pergunta. Sei reconhecer o desejo — desta vez, no entanto, tinha passado completamente despercebido. Eu me saía com meu sorriso misterioso, que fazia o rosto dele se iluminar toda vez que lia meus pensamentos, mas tudo o que eu queria era pele, apenas pele.
Durante o jantar na terceira noite, senti que ele me olhava fixamente enquanto eu falava sobre As sete últimas palavras do redentor na cruz, de Haydn, que estava transcrevendo para o violão. Eu tinha dezessete anos e, por ser o mais novo à mesa e ter menos chance de ser ouvido, desenvolvera o hábito de inserir o máximo de informação no mínimo de palavras. Eu falava rápido, o que dava às pessoas a impressão de que estava sempre agitado e atropelando as palavras.
Quando terminei de explicar a transcrição, percebi o olhar penetrante que vinha da minha esquerda. Aquele olhar me deixou entusiasmado e orgulhoso; ele estava claramente interessado… ele gostava de mim. Não seria tão difícil assim, então. Mas quando finalmente virei na direção dele, encontrei um olhar frio, gélido — ao mesmo tempo hostil e vítreo, beirando a crueldade.
Meu mundo caiu. O que eu tinha feito para merecer aquilo? Queria que ele fosse gentil comigo de novo, que risse comigo como fizera dias antes nos trilhos abandonados, ou quando expliquei naquela mesma tarde que B. era a única cidade na Itália onde a corriera, a linha de ônibus regional, levava Cristo rapidamente e passava sem parar. Ele riu na hora e reconheceu a referência ao livro de Carlo Levi. Eu gostava de como nossas mentes pareciam caminhar lado a lado, como adivinhávamos de imediato as palavras que o outro queria usar mesmo que desistisse no último instante.
Ele seria um vizinho difícil. Melhor ficar longe, pensei. E pensar que quase me deixei levar pela pele de suas mãos, pelo torso, por seus pés que nunca haviam tocado uma superfície áspera… e por seus olhos, que, quando lançavam aquele outro olhar, mais gentil, eram como o Milagre da Ressurreição. Nunca era possível observá-los por tempo suficiente, mas era preciso insistir para descobrir por que não.
Eu devo ter retribuído com um olhar igualmente perverso.
Durante dois dias, nossas conversas terminaram de forma repentina.
Na longa varanda compartilhada por nossos quartos, indiferença total: só um paliativo oi, bom dia, que clima agradável, palavras breves.
Então, sem explicação, as coisas voltaram ao normal.
Eu queria ir correr de manhã? Não, na verdade não. Bem, vamos nadar então.
Hoje, a dor, a curiosidade, a atração do novo, a promessa de tanto êxtase pairando quase ao alcance das mãos, a falta de jeito perto de pessoas que posso interpretar mal e que não quero perder e cujos passos preciso antecipar o tempo todo, as artimanhas desesperadas que uso com qualquer pessoa que desperta meu desejo e cujo desejo quero despertar, as barreiras que criei entre mim e o mundo e que eram não só uma, mas várias camadas de painéis japoneses, o impulso de embaralhar e desembaralhar o que nunca esteve realmente cifrado — tudo isso teve início no verão em que Oliver veio para nossa casa. Está gravado em cada música que foi sucesso naquele verão, em cada romance que li durante e após sua estadia, em tudo, do cheiro do alecrim em dias quentes ao canto frenético das cigarras à tarde — cheiros e sons com os quais cresci e convivi durante todos os verões anteriores àquele, mas que de repente se transformaram e adquiriram nuances diferentes, para sempre coloridos pelos acontecimentos daquele verão.
Biografia do autor: André Aciman nasceu em Alexandria, Egito. É ensaísta, romancista e pesquisador da literatura do século XVII. Seus textos foram publicados em veículos de destaque, como The New Yorker, The New York Times e The Paris Review. Doutor em literatura comparada pela Universidade Harvard, foi professor na Universidade de Princeton e atualmente leciona no The Graduate Center em Nova York, Estados Unidos, onde vive com a família.