O Tao Te Ching (Dào Dé Jing), o Livro do Caminho e da Virtude, apresenta nesta edição, seus 81 capítulos traduzidos diretamente do chinês e comentados pelo Mestre Wu Jyh Cherng, fundador da Sociedade Taoista do Brasil. A interpretação aqui publicada é o resultado de palestras proferidas pelo mestre ao longo de vinte anos, no Rio de Janeiro e em São Paulo, para seus discípulos e alunos do Brasil. O Tao Te Ching é um texto profundo e simples. A profundidade é o próprio Caminho do Mistério que a obra ensina a alcançar e a simplicidade conduz à naturalidade que orienta o indivíduo para viver no planeta em consonância com as leis do macrocosmo. Suas palavras representam a estrutura central do Taoismo, e os comentários do Mestre Cherng oferecem a decifração necessária de conceitos fundamentais da filosofia e do misticismo encontrados nas suas mensagens…
Páginas: 400 páginas; Editora: Mauad; Edição: 1ª (31 de dezembro de 2010); ISBN-10: 8574783595; ISBN-13: 978-8574783598; ASIN: B01L2TE7A6
Leia trecho do livro
AGRADECIMENTOS
Este trabalho é dedicado ao meu mestre, Sr. Maa Ho Yang, ao qual sou muito grato por tudo que me ensinou.
Wu Juh Cherng
Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos à Andréa de Moraes, Mônica Simas e Francisco Mourão pela atenciosa revisão.
Wu Juh Cherng
INTRODUÇÃO
O Tao Te Ching é um texto profundo e ao mesmo tempo simples porque apresenta por meio da linguagem aquilo que se experimenta na sua ausência. A profundidade é o próprio caminho do mistério, a experiência do sagrado que corresponde à vivência espiritual. A simplicidade, um dos três tesouros 1dos ensinamentos de Lao Tse, conduz à naturalidade que orienta o indivíduo no macrocosmo. Portanto, a leitura do Tao Te Ching implica um desafio: esvaziar-se e ser natural como a água que flui no vale. O desvendamento do texto deve fluir gradualmente, levando à contemplação de suas palavras. Se estas não parecem suficientemente claras, isso se deve ao fato de a sociedade contemporânea, na qual prolifera o pensamento, dificultar a ampliação da consciência. Nesse contexto, a contemplação já é por si um ato transgressor.
Esta tradução do Tao Te Ching, diretamente do chinês para o português, resgata a tradição taoísta e oferece a decifração necessária de conceitos fundamentais, respeitando a estrutura original do texto em chinês clássico em detrimento de frases mais convencionais em língua portuguesa. Desse modo, o leitor pode estabelecer nexos, coordenar e reconstituir relações entre os conceitos, traduzindo-os em experiências e proporcionando à leitura a suave alegria da vivência de um ensinamento.
Reverenciado como escritura sagrada pelos mistérios que revela, o ensinamento contido neste livro corresponde a uma tradição que integra filosofia, ciência e religião à experiência.
1 Os três tesouros segundo a tradição taoísta são: humildade, simplicidade e afetividade.
O termo taoísta é formado por dois ideogramas chineses: Tao que significa caminho, exprimindo a idéia de origem de todas as coisas; e Diao que significa ensinamento. Portanto, taoísmo corresponde à tradição que vem do passado, que revela a origem. Por isso, o Caminho da Imortalidade, objetivo dos taoístas, é denominado Via do Retorno, indicando a volta ao princípio. Nesse caminho, a virtude se efetiva através da mediação de consciência e da compreensão dinâmica do universo para resgatar a ordem natural da vida.
A escola taoísta tem como base o estudo de três obras, simbolizadas na imagem de uma árvore. A raiz é o I Ching – O Livro das Mutações, o tronco é o Tao Te Ching – Livro do Caminho e da Virtude e a flor é o Nan Hua Ching – O Livro da Flor do Sul. O Tao Te Ching é a estrutura central do taoísmo.
Lao Tse revela um ensinamento que abrange o tempo infinito. Lao Tse corresponde à transmissão e conservação da tradição taoísta na imagem do mestre, manifestação do absoluto.
Segundo o cânon taoísta, Lao Tse nasceu na província de Na Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano Ken-Tzen da era Wu-Tin (no período entre 1324 – 1408 A.C.). As circunstâncias do seu nascimento foram extraordinárias. De acordo com a tradição, sua gestação demorou oitenta e um anos. Lao Tse foi concebido quando sua mãe engoliu uma pérola de luz, transformação da Transparência Sublime 2 em sopro, através da essência do Sol. Seu pai era um famoso alquimista da dinastia San que ascencionou com mais de cem anos, envolvido pelos dragões celestiais. Sua mãe era considerada a encarnação do Sopro Yin do Céu-Anterior, sendo ao mesmo tempo sua mestra. Lao Tse nasceu do lado esquerdo das costelas da sagrada mãe, no jardim da família sob uma árvore de nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por isso, recebeu o nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande da ameixeira). Lao Tse tem também sentido de Senhor do Fim e do Princípio, já que velho representa o fim enquanto filho representa o início.
Segundo o cânon taoísta, Lao Tse nasceu na província de Na Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano Ken-Tzen da era Wu-Tin (no período entre 1324 – 1408 A.C.). As circunstâncias do seu nascimento foram extraordinárias. De acordo com a tradição, sua gestação demorou oitenta e um anos. Lao Tse foi concebido quando sua mãe engoliu uma pérola de luz, transformação da Transparência Sublime 2em sopro, através da essência do Sol. Seu pai era um famoso alquimista da dinastia San que ascencionou com mais de cem anos, envolvido pelos dragões celestiais. Sua mãe era considerada a encarnação do Sopro Yin do Céu-Anterior, sendo ao mesmo tempo sua mestra. Lao Tse nasceu do lado esquerdo das costelas da sagrada mãe, no jardim da família sob uma árvore de nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por isso, recebeu o nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande da ameixeira). Lao Tse tem também sentido de Senhor do Fim e do Princípio, já que velho representa o fim enquanto filho representa o início.
Sua juventude foi vivida no condado de K´u localizado entre Long San (Monte Dragão) e Guo Sue (Rio Guo). Quando o imperador tirano Zhou assumiu o poder, Lao Tse mudou-se para a região sul do Chi San, no território do Rei Wen, fundador da dinastia Chou. Foi convidado pelo rei Wen para ser responsável pela biblioteca real. Mais tarde, foi nomeado para o cargo de historiador real, permanecendo como tal até o 19º dia da quinta lua do 25º ano da era do rei Zhao, quando solicitou dispensa e retornou à sua terra natal, acompanhado do escudeiro Shü Jia. No mesmo ano, Lao Tse iniciou sua grande viagem para o ocidente, com intuito de chegar aos reinos da atual Índia, Afeganistão e Itália. Durante a viagem, permaneceu algum tempo na fronteira de Yü Men e aceitou o oficial-chefe da fronteira como discípulo. Ditou-lhe vários escritos, entre eles o Tao Te Ching. Muitos anos depois, teve sua ascensão no deserto de Gobi, durante a qual emanou raios de luz em cinco cores, transformando-se em corpo de luz dourada e desaparecendo no céu. Após sua ascensão, Lao Tse habitou o Tai Wei Gon (Palácio da Sublime Sutileza) do Céu-Anterior e dividiu seu corpo para retornar novamente à terra, encarnado como filho único do senhor
2 A Transparência Sublime (Tai Chin): a Transparência de Jade (Yü Chin) e a Transparência Superior (São Chin) formam o conceito teológico de Absoluto taoísta.
Li Po Yang da província Shu. Na sua nova jornada veio acompanhado do dragão azul do Imperador Celestial Chin Hua, transformado em carneiro azul. Depois de uma longa peregrinação, seu discípulo Yi Shi, o oficial da fronteira, foi atraído por um carneiro de pêlo azul dourado. Yi Shi encontrou, na aldeia da família Li, a nova encarnação de Lao Tse. Diante de seu discípulo, a criança Lao Tse, de três anos de idade, revelou sua verdadeira imagem. Seu corpo cresceu, transformando-se em luz dourada branca. Cercado de inúmeros imortais celestiais, Lao Tse pronunciou mais um ensinamento: o Tratado Maravilhoso do Princípio Solar do Tesouro do Espírito (Ling Bao Yuan Yang Miao Ching). Após concluir seu ensinamento, os duzentos membros da família Li ascencionaram seguidos por Lao Tse e Yi Shi. Isso aconteceu no dia 28 de abril de 1118 A.C.
Depois do segundo nascimento e ascensão, Lao Tse ainda retornou inúmeras vezes para transmitir os ensinamentos e para ordenar as novas tradições. Por isso, é chamado pelos taoístas como Sublime Patriarca do Caminho.
Lao Tse propõe a apreensão do mistério: suas palavras superam a própria forma, o próprio texto. O desvendamento gradual do ensinamento, aqui oferecido, tenta trazer a apreensão daquilo que, para ele, constitui exatamente o indizível.
Wu Juh Cherng
CRÉDITOS:
Wu Jyh Cherng – nascido em Taiwan – República da China, é Sacerdote Taoísta da Ordem Ortodoxa-Unitária. Especialista em ritos, alquimia, I Ching e medicina Taoísta. Autor de Tai Chi Chuan – Alquimia dos Movimentos e I Ching – Alquimia dos números.
Se você tiver interessado em conhecer mais sobre o taoísmo ou conhecimentos afins, entre em contato com a Sociedade Taoísta do Brasil. No Rio de Janeiro na Rua Cosme Velho, 355, Cosme Velho – (0xx21) 2225-2887/2205-1272. Em São Paulo na Rua Ágata, 49, Aclimação – (0xx11) 3271 1647.
CAPÍTULO 1
O caminho que pode ser expresso não é o Caminho constante
O nome que pode ser enunciado não é O Nome constante
Sem-Nome é o princípio do céu e da terra
Com-Nome é a mãe de dez mil coisas
Assim, a constante não-aspiração3 é contemplar as Maravilhas4
E a constante aspiração5 é contemplar o Orifício6
Ambos são distintos em seus nomes mas têm a mesma origem
O comum entre os dois se chama Mistério7
O Mistério dos Mistérios é o Portal para todas as Maravilhas
3 Não-aspiração: significa a ausência de intenção.
4 MIAO: Maravilha, significa as manifestações do Caminho.
5 Aspiração: significa a manutenção da vontade.
6 CHIAO: tem dois sentidos, 1º) Luz, Claridade ou Cor Branca; 2º) Orifício, Cova ou Abertura.
7 SHUEN: tem dois sentidos, 1º) Mistério; 2º) Cor Negra. SHUEN é a convergência e a anulação dos opostos.
CAPÍTULO 2
Quando os seres sob o céu reconhecem o belo como belo
Então isso já se tornou um mal
E reconhecendo o bem como bem Então já não seria um bem
A existência e a inexistência geram-se uma pela outra
O difícil e o fácil completam-se um ao outro
O longo e o curto estabelecem-se um pelo outro
O alto e o baixo inclinam-se um pelo outro
O som e a tonalidade são juntos um com o outro
O antes e o depois seguem-se um ao outro
Portanto
O Homem Sagrado8 realiza a obra pela não-ação9
E pratica o ensinamento através da não-palavra10
Os dez mil seres fazem, mas não para se realizar
Iniciam a realização mas não a possuem
Concluem a obra sem se apegar
E justamente por realizarem sem apego
Não passam
8 SEM ZEN: Homem Sagrado. Originado no conceito da sagração do homem, que tem sentido de união da Consciência Pura com a Vida Infinita.
9 WU WEI: Não-Ação; tem sentido de ação sem intenção.
10 WU YEN: Não-Palavra; tem sentido de palavra sem intenção.
CAPITULO 3
Não valorizando os tesouros, mantém-se o povo alheio à disputa
Não enobrecendo a matéria de difícil aquisição, mantém-se o povo alheio à cobiça
Não admirando o que é desejável, mantém-se o coração alheio à desordem
O Homem Sagrado governa
Esvazia seu coração11
Enche seu ventre12
Enfraquece suas vontades13
Robustece seus ossos
Mantém permanentemente o povo sem conhecimentos e desejos
Faz com que os de conhecimento não se encorajem e não ajam Sendo assim
Sendo assim
Nada fica sem governo
11 SHIN: Coração tem sentido de razão, emoção e intenção.
12 FU: Ventre tem sentido de vitalidade.
13 DZE: Vontades tem sentido de desejos.
CAPITULO 4
O Caminho é o Vazio14
E seu uso jamais o esgota
É imensuravelmente profundo e amplo, como a raiz dos dez mil seres
Cegando o corte
Desatando o nó
Harmonizando-se à luz
Igualando-se à poeira
Límpido como a existência eterna
Não sei de quem sou filho
Venho de antes do Rei Celeste15
4 CHUN: Vazio ou Harmonia. Vazio é a Natureza do Caminho; Harmonia é a Manifestação do Caminho.
15 HSIAN TI: HSIAN significa Imagem ou Forma; TI significa Rei. “HSIAN TI” é o nome atribuído ao Rei Celeste – Deus Onipotente criador de todas as formas.
CAPITULO 5
O céu e a terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha16
O Homem Sagrado não é bondoso
Trata os homens como cães de palha
O espaço entre o céu e a terra assemelha-se a um fole
É um vazio que não distorce
Seu movimento é a contínua criação
O excesso de conhecimento conduz ao esgotamento
E não é melhor do que manter-se no centro17
16 DZOU GO: Cão de Palha representa no sacrifício o desapego do ser.
17 CHUN: Centro, Meio ou Interior.
CAPITULO 6
O Espírito do Vale18 nunca morre
Isso se chama Orifício Misterioso19
A porta do Orifício Misterioso é a raiz do céu e da terra
Seja suave e constante
Usufruindo sem se apressar
18 GU SHIEN: GU significa Vale; SHEN significa Espírito. Espírito do Vale representa a Conciencia do Vazio.
19 SHUEN SHUE: SHUE significa Orificio. Orificio Misterioso é o espaço onde o universo se cria e se destrói. É o SHUEN GUAN (Portal Negro) da alquimia taoísta.
CAPITULO 7
O céu é constante, a terra é duradoura
O que permite a constância e a duração do céu e da terra
É o não criar para si
Por isso são constantes e duradouros
Assim
O Homem Sagrado deixa seu corpo para trás e o Corpo20 avança
Além do corpo, o Corpo permanece
Através do não-corpo, conclui o Corpo
20 SZE: O Corpo aqui tem sentido de corpo espiritual.
CAPITULO 8
A bondade sublime é como a água21
A água, na sua bondade, beneficia os dez mil seres sem preferência
Permanece nos lugares desprezados pelos outros
Por isso assemelha-se ao Caminho
Viva com bondade na terra
Pense com bondade, como um lago
Conviva com bondade, como irmãos
Fale com a bondade de quem tem palavra
Governe com a bondade de quem tem ordem
Realize com a bondade de quem é capaz
Aja com bondade todo o tempo
Não dispute, assim não haverá rivalidade
21 SUE: Água. No I Ching, é o primeiro elemento da natureza, representa o princípio. Na alquimia taoísta corresponde ao Sopro Primordial.
CAPÍTULO 9
O que é mantido cheio não permanece até o fim
O que é intencionalmente polido não é um tesouro eterno
Uma sala cheia de ouro e jade é difícil de ser guardada
Riqueza e nobreza somadas à arrogância
Trazem para si a própria culpa
Concluir o nome, terminar a obra, retirar o corpo
Este é o Caminho do Céu
CAPITULO 10
Quem conduz a realização do corpo por abraçar a unidade
Pode tornar-se indivisível
Quem respira com pureza por alcançar a suavidade
Pode tornar-se criança
Quem purifica através do conhecimento do mistério
Pode tornar-se imaculado
Ame o povo e governe o reino através do não-conhecimento22
Ilumine e clareie os quatro cantos através da não-ação
Abra e feche a porta do céu através da ação feminina
O que gera e cria
Gera mas sem se apossar
Age sem querer para si
Cultiva mas sem dominar
Chama-se Misteriosa Virtude23
22 WU DZE: Não-Conhecimento tem sentido de conhecimento sem engenhosidade e malícia.
23 SHUEN TE: Misteriosa Virtude tem sentido de virtude oculta – um bem que ao é reconhecível pelos outros.
CAPÍTULO 11
Trinta raios convergem ao vazio do centro da roda
Através dessa não-existência
Existe a utilidade do veículo
A argila é trabalhada na forma de vasos
Através da não-existência
Existe a utilidade do objeto
Portas e janelas são abertas na construção da casa
Através da não-existência
Existe a utilidade da casa
Assim, da existência vem o valor
E da não-existência, a utilidade
CAPITULO 12
As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível24
Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido
Os bens de difícil obtenção tornam a caminhada do homem prejudicada
Por isso, o Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim, afasta este e escolhe aquele
24 A relação entre cor, nota (musical) e sabor com os Cinco Movimentos:
Madeira = Azul = Mi = Ácido
Fogo = Vermelho = Sol = Amargo
Terra = Amarelo = Dó – Doce
Metal = Branco = Ré = Picante
Água = Preto = Lá = Salgado
CAPITULO 13
O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo
O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo ficamos assustados
Ao perdê-lo ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”
O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo” ?
A razão de eu ter esta “grande preocupação” é ter um corpo
Se não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?
Por isso
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste o mundo pode confiar
CAPÍTULO 14
Aquilo que se olha e não se vê, chama-se invisível
Aquilo que se escuta e não se ouve, chama-se inaudível
Aquilo que se abraça e não se possui, chama-se impalpável
Estes três não podem ser revelados
Por isso se fundem e se tornam um
Enquanto superior não é luminoso
Enquanto inferior não é vago
O Constante que não pode ser nomeado
É o retorno à não-existência
É a expressão da não-expressão
É a imagem da não-existência
A isso se chama indeterminado
Encarando-o, não se vê sua face
Seguindo-o, não se vê suas costas
Quem mantém o Caminho Ancestral
Poderá governar a existência presente
Quem conhece o Princípio Ancestral
Encontrará a ordem do Caminho
CAPÍTULO 15
Os bons realizadores da antiguidade eram sutis
Maravilhosos, misteriosos e despertados
Eram profundos e não podiam ser compreendidos
E justamente por não poderem ser compreendidos
É preciso esforçar-se para ilustrá-los
Receosos como quem atravessa um rio no inverno
Cautelosos como quem teme seus vizinhos
Reservados como o hóspede
Solúveis como o gelo fundente
Genuínos como a madeira bruta
Vazios como os vales
Entorpecidos como as águas turvas
O turvo, através da quietude, torna-se gradualmente límpido
O quieto, através do movimento, torna-se gradualmente criativo
Aquele que resguarda este
Caminho não tem desejo de se enaltecer
E justamente por não se enaltecer, mesmo envelhecido, pode voltar a criar
CAPÍTULO 16
Alcançando o extremo vazio e permanecendo na quietude da extrema quietude
Os dez mil seres se manifestam simultaneamente
E, através disso, contemplamos o seu retorno25
Apesar da diversidade dos seres
Cada um deles pode retornar a sua raiz
O regresso à raiz se chama quietude
Quietude se chama retornar a viver
Retornar a viver se chama constância
Conhecer a constância se chama iluminação
Desconhecer a constância é a impropriedade que provoca o infortúnio
Quem conhece a constância é abrangente
Quem é abrangente pode ser coletivo
O coletivo tem o poder da criação
A criação tem o poder do céu
O céu tem o poder do Caminho
O Caminho tem o poder do eterno
Assim,
Mesmo perdendo o corpo, não irá perecer
25 FU: Retorno – Hexagrama FU do I Ching, representa, no auge da quietude, o nascimento da atividade.
CAPÍTULO 17
Do supremo, o inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que o sucede, intimidade ou admiração
Do estado seguinte, temor ou desprezo
Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança
Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo achará que surgiu por si, naturalmente
CAPÍTULO 18
Quando se perde o Grande Caminho
Surgem a bondade e a justiça26
Quando aparece a inteligência Surge a grande hipocrisia
Quando os seis parentes27 não estão em paz
Surgem o amor filial e o amor paternal
Quando há desordem e confusão no reino
Surge o patriota
26 São duas das cinco virtudes do taoísmo: bondade, justiça, sabedoria, polidez e fidelidade.
27 Seis Parentes: mãe-filho representa a relação superior-inferior, irmão-irmão representa a relação em mesmo nível, marido-esposa representa a relação interno-externo.
CAPÍTULO 19
Anule o sagrado e abandone a inteligência
E o povo cem vezes se beneficiará
Anule a bondade e abandone a justiça
E o povo retornará ao amor filial e ao amor paternal
Anule a engenhosidade e abandone o interesse
E não haverá mais ladrões nem roubos
Se estas três frases ditas não são o suficiente
Então faça existir aquilo em que se possa confiar
Encontrando e abraçando a simplicidade
Reduzindo o egoísmo e diminuindo os desejos
CAPÍTULO 20
No ensinamento pela supressão não há preocupações
Entre aceitar e repudiar qual a diferença?
Entre apreciar e desprezar qual a distância?
O que os homens temem, poderiam não temer?
Abandone isso antes que se esgote!
Os homens se agitam como um festejo na grande prisão
Ou como subir à varanda na primavera
Meu corpo não tem expressão
Como uma criança antes de nascer
Como a estrela Kuei28 que não tem onde se apoiar
As pessoas todas possuem em excesso
Somente eu aparento estar perdendo
Sou como um ignorante que tem o coração puro
Os medíocres vivem lúcidos
Somente eu aparento estar confuso
Os medíocres vivem lúcidos
Somente eu estou introspectivo
Indefinido como uma infinita noite silenciosa
As pessoas todas têm um ego
Somente eu o ignoro considerando-o precário
O que quero que me distinga dos demais
É valorizar o alimentar-se da Mãe29
28 KUEI: Alfa da constelação Ursa Maior. Representa o Espírito Primordial dos seres.
29 “Alimentar-se da Mãe” refere-se a alimentar-se daquilo que antecede tudo, é o Sopro Uno do Céu- Anterior da alquimia taoísta.
Fim da Amostra…