Lara Jean guarda suas cartas de amor em uma caixa azul-petróleo que ganhou da mãe. Não são cartas que ela recebeu de alguém, mas que ela mesma escreveu. Uma para cada garoto que amou — cinco ao todo. São cartas sinceras, sem joguinhos nem fingimentos, repletas de coisas que Lara Jean não diria a ninguém, confissões de seus sentimentos mais profundos. Até que um dia essas cartas secretas são misteriosamente enviadas aos destinatários, e de uma hora para outra a vida amorosa de Lara Jean sai do papel e se transforma em algo que ela não pode mais controlar. “Lara Jean, com seu humor e inocência, confere uma individualidade singular a esta charmosa história de amor.” Publishers Weekly. “Os leitores vão se lembrar das irmãs Song e dos garotos de suas vidas mesmo depois de virar a última página deste belo romance.” School Library Journal
Editora: Intrínseca; 1ª edição (15 maio 2015); ASIN: 320 páginas; ISBN-13: 978-8580577266; ISBN-10: 8580577268; ASIN: B00X4R0S0I
Leia trecho do livro
Para Susan — irmãs Han para sempre
EU GOSTO DE preservar coisas. Não coisas importantes, como baleias, pessoas ou a natureza. Coisas bobas. Sinos de porcelana, do tipo que se compra em lojas de lembrancinhas. Cortadores para massa de biscoito que nunca vou usar, porque, afinal, quem precisa de um biscoito com formato de pé? Fitas para o cabelo. Cartas de amor. De todas as coisas que guardo, acho que posso afirmar que as cartas de amor são meus bens mais preciosos.
Guardo-as em uma caixa de chapéu azul-petróleo, que minha mãe comprou para mim em um brechó no Centro. Não são cartas que outra pessoa escreveu para mim; não tenho nenhuma assim. São cartas que eu escrevi. Uma para cada garoto que amei — cinco ao todo.
Quando escrevo, não reprimo nada. Escrevo como se ele nunca fosse ler. Porque não vai mesmo. Cada pensamento secreto, cada observação cuidadosa, todos os sentimentos que guardei dentro de mim, coloco tudo na carta. Quando termino, fecho o envelope, escrevo o endereço e coloco dentro da caixa de chapéu azul-petróleo.
Não são cartas de amor no sentido mais estrito da palavra. Minhas cartas são de quando não quero mais estar apaixonada. São cartas de despedida. Porque, depois que escrevo, aquele amor ardente para de me consumir. Posso tomar o café da manhã sem me preocupar se ele também gosta de banana com cereal; posso cantar músicas românticas sem estar cantando para ele. Se o amor é como uma possessão, talvez minhas cartas sejam meu exorcismo. As cartas me libertam. Ou pelo menos deveriam.
1
Josx é o namorado de Margot, mas acho que eu poderia dizer que minha família toda é apaixonada por ele. É difícil saber quem o ama mais. Antes de ele ser namorado de Margot, era só Josh. E estava sempre por peito. Eu digo “sempre”, mas acho que isso não é bem verdade. Ele se mudou para a casa ao lado da nossa cinco anos atrás, mas parece que faz muito mais tempo.
Meu pai adora Josh porque ele é menino, e meu pai vive cercado de meninas. Estou falando sério: ele passa o dia todo cercado por mulheres. Meu pai é ginecologista e obstetra, e também pai de três filhas, então são só garotas, garotas, garotas o dia inteiro. Ele compartilha com Josh o amor por quadrinhos, e os dois também saem juntos para pescar. Meu pai tentou nos levar para pescar uma única vez, mas eu chorei quando meus sapatos ficaram sujos de lama, Margot chorou quando o livro dela molhou, e Kitty chorou porque ainda era um bebê.
Kitty adora Josh porque ele joga cartas com ela e não fica entediado. Ou pelo menos finge não ficar entediado. Eles fazem acordos: se eu ganhar a próxima rodada, você tem que preparar um sanduíche de creme de amendoim crocante com pão torrado, sem a casca, para mim. Essa é Kitty. Em algum momento o creme de amendoim crocante acaba, e Josh diz que é uma pena, mas ela terá que escolher outra coisa. Porém, Kitty enche tanto o saco dele que ele sai e compra, porque Josh é assim.
Se eu tivesse que dizer por que Margot o ama, provavelmente diria que é porque todos nós amamos.
Estamos na sala, e Kitty está colando figuras de cachorros em uma cartolina enorme. Tem papel e pedaços de papel cortado por toda a parte ao redor dela. Cantarolando baixinho, ela diz:
— Quando papai me perguntar o que quero de Natal, vou dizer: “Pode escolher qualquer uma dessas raças e estamos quites.” Margot e Josh estão no sofá; eu estou deitada no chão, assistindo à tevê. Josh fez uma tigela grande de pipoca, e estou concentrada em comê-la, de punhado em punhado.
Começa um comercial de perfume: uma garota corre pelas ruas de Paris usando um vestido frente única roxo, fino como papel de seda. O que eu não daria para ser essa garota de vestido fino como papel de seda correndo por Paris na primavera! Eu me sento tão de repente que engasgo com um grão de milho que não estourou. Entre acessos de tosse, digo:
— Margot, vamos nos encontrar em Paris nas minhas férias!
Já posso me imaginar girando com um macaron de pistache em uma das mãos e um de framboesa na outra.
Os olhos de Margot se iluminam.
— Você acha que papai vai deixar?
— Claro, é cultura. Ele tem que deixar.
Mas eu nunca viajei de avião sozinha. E também nunca saí do país. Será que Margot iria me buscar no aeroporto ou eu teria que encontrar o albergue sozinha?
Josh deve ter visto a preocupação repentina no meu rosto, porque diz:
— Não se preocupe. Seu pai vai deixar se eu for com você.
Eu me alegro.
— É! Podemos ficar em albergues e comer pão e queijo o dia inteiro.
— Podemos visitar o túmulo do Jim Morrison! — diz Josh.
— Podemos ir a uma parfumerie e criar nossos próprios perfumes! — digo, e Josh ri com deboche.
— Hã, tenho certeza de que “criar nossos próprios perfumes” em uma parfumerie custaria a mesma coisa que uma semana no albergue. — Ele cutuca Margot. — Sua irmã tem mania de grandeza.
— Ela é a mais elegante de nós três — concorda Margot.
— E eu? — choraminga Kitty.
— Você? — Eu faço um som debochado. — Você é a garota menos elegante da família Song. Tenho que implorar para você lavar os pés à noite, e nem estou falando de tomar banho.
O rosto de Kitty se contrai e fica vermelho.
— Eu não estava falando disso, sua pateta. Estava falando sobre Paris.
Faço um gesto distraído com a mão.
— Você é nova demais para ficar em um albergue.
Ela vai até Margot e sobe no colo dela, apesar de ter nove anos e ser grande demais para ficar no colo das pessoas.
— Margot, você vai me deixar ir, não vai?
— Talvez pudesse ser uma viagem de férias em família — sugere Margot, beijando a bochecha dela. — Você, Lara Jean e papai poderiam ir juntos.
Eu franzo a testa. Não era essa a viagem para Paris que eu estava imaginando. Por cima da cabeça de Kitty, Josh faz movimentos labiais: “Conversamos depois.” Eu faço um sinal discreto de positivo.
Mais tarde, na mesma noite, Josh já foi embora. Kitty e nosso pai estão dormindo. Margot e eu ficamos na cozinha. Ela está sentada à mesa, no computador; sento ao lado dela, fazendo bolinhas de massa de biscoito e passando na canela e no açúcar. Decidi preparar biscoitos como uma oferta de paz para Kitty. Mais cedo, quando fui dar boa-noite, ela me deu as costas e não quis falar comigo porque ainda está convencida de que vou tentar cortá-la da viagem a Paris. Meu plano é colocar um prato ao lado de seu travesseiro, para ela acordar com o cheiro de biscoitos recém-assados.
Margot está quieta demais, e então, do nada, ela olha para mim e dispara:
— Terminei com Josh hoje. Depois do jantar.
A bola de massa de biscoito cai dos meus dedos na tigela de açúcar.
— Já estava na hora — completa ela.
Os olhos de Margot não estão vermelhos; acho que ela não chorou. Sua voz está calma e firme. Qualquer pessoa que olhasse para ela pensaria que está tudo bem. Porque Margot sempre parece bem, mesmo quando não está.
— Não entendo por que você precisava terminar com ele. Você não é obrigada a terminar só porque vai para a faculdade.
— Lara Jean, eu vou para a Escócia, não para a Universidade da Virgínia. Saint Andrews fica a mais de seis mil quilômetros daqui. — Ela empurra os óculos para ajeitá-los no nariz. — Qual seria o sentido?
Não consigo acreditar que Margot está falando isso.
— O sentido é que é o Josh. Josh, que ama você mais do que qualquer garoto já amou uma garota!
Margot revira os olhos. Ela acha que estou sendo dramática, mas não estou. E verdade, Josh a ama tanto assim. Ele jamais olharia para outra garota.
— Sabe o que mamãe me disse unia vez? — indaga ela, de repente.
— O quê?
Por um momento, esqueço Josh. Porque, não importa o que eu esteja fazendo, se Margot e eu estivermos no meio de uma discussão ou se eu estiver prestes a ser atropelada por um carro, sempre vou parar para ouvir uma história sobre minha mãe. Qualquer detalhe, qualquer lembrança que Margot tenha, eu também quero ter. Mas estou melhor do que Kitty. Ela não tem nenhuma lembrança da nossa mãe que não tenha vindo de nós. Contamos tantas histórias para ela, tantas vezes, que passaram a ser dela. «Lembram aquela vez…”, começa Kitty. E aí, conta a história como se tivesse estado presente e não fosse apenas um bebezinho.
— Ela me aconselhou a não ir para a faculdade namorando. Disse que não queria que eu fosse aquela garota chorando ao telefone com o namorado e dizendo não para as oportunidades, em vez de sim.
A Escócia é o sim de Margot, acho. Distraidamente, pego uni punhado de massa de biscoito e enfio na boca.
— Você não devia comer massa de biscoito crua.
Eu a ignoro.
— Josh nunca impediria você de fazer alguma coisa. Ele não é assim. Lembra quando você decidiu concorrer a presidente do corpo estudantil e ele ajudou na campanha? Josh é seu maior fã!
Quando falo isso, os cantos da boca de Margot se curvam para baixo, e eu me levanto e a abraço. Ela afasta a cabeça e sorri para mim.
— Eu estou bem — garante ela. Mas não está, eu sei que não.
— Não é tarde demais, sabe. Você pode ir até lá agora e dizer a ele que mudou de ideia.
Margot balança a cabeça.
— Acabou, Lara Jean. — Eu a solto, e ela fecha o laptop. — Quando vai sair a primeira fornada? Estou com fome.
Eu olho para o timer magnético em formato de ovo na geladeira.
— Mais quatro minutos. — Sento à mesa e digo: — Não ligo para o que você diz, Margot. Esse não é o fim de vocês dois. Você o ama demais.
Margot balança a cabeça.
— Lara Jean — começa, com sua voz paciente, como se eu fosse uma criança, e ela, uma mulher sábia de quarenta e dois anos.
Coloco uma colherada de massa de biscoito debaixo do nariz dela, que hesita antes de abrir a boca. Dou para ela como se ela fosse um bebê.
— Espere para ver, você e o Josh vão voltar logo, logo.
Mas, enquanto falo, sei que não é verdade. Margot não é o tipo de garota que termina e volta por impulso; quando decide uma coisa, é aquilo mesmo. Sem enrolação, sem arrependimento. É como ela disse: acabou, simplesmente acabou.
Eu queria (e esse é um pensamento que tive muitas, muitas vezes, tantas que até perdi a conta) ser mais parecida com Margot. Porque às vezes parece que nunca vai acabar para mim.
Mais tarde, depois de lavar a louça e colocar os biscoitos em um prato ao lado do travesseiro de Kitty, vou para o quarto. Não acendo a luz. Vou até a janela. A luz de Josh ainda está acesa.
2
NA MANHÃ SEGUINTE, Margot está fazendo o café e eu estou colocando o cereal nas tigelas, então digo a coisa em que passei a manhã toda pensando. — Você sabe que papai e Kitty vão ficar muito chateados, não sabe?
Quando Kitty e eu estávamos escovando os dentes, pouco antes, fiquei tentada a contar tudo, mas ela ainda estava com raiva de mim pelo que eu disse ontem, então fiquei quieta. Ela nem mencionou os biscoitos, embora eu saiba que os comeu, porque só sobraram migalhas no prato.
Margot solta uni suspiro profundo.
— Então devo ficar com Josh por causa de você, do papai e da Kitty?
— Não, só estou avisando.
— Ele não viria muito aqui, depois que eu fosse embora.
Eu franzo a testa. Não passou pela minha cabeça que Josh pararia de vir aqui em casa depois que Margot viajasse. Ele já tinha o costume de vir bem antes de eles virarem um casal, não vejo por que iria parar.
— Talvez ele venha — digo. — Ele adora a Kitty.
Ela aperta o botão para ligar a cafeteira. Eu a observo com muita atenção, porque Margot sempre fez o café, e, agora que ela vai embora (só faltam seis dias), é melhor eu aprender. De costas para mim, ela responde:
— Talvez eu nem conte para eles.
— Hã, acho que eles vão perceber quando ele não aparecer no aeroporto, Gogo. — Gogo é meu apelido para Margot. — Quantas xícaras de água você botou aí? E quantas colheradas de pó de café?
— Vou anotar tudo para você — garante Margot. — No caderno.
Temos um caderno ao lado da geladeira. Foi ideia de Margot, claro. Nele estão todos os números importantes, os horários do nosso pai e das caronas de Kitty.
— Não se esqueça de colocar o número da nova tinturaria.
— Já coloquei. — Margot corta unia banana para colocar no cereal; cada fatia é perfeitamente fina. — Além do mais, Josh não iria ao aeroporto com a gente. Você sabe o que eu acho de despedidas.
Margot faz uma careta como quem diz: Argh, emoções.
Eu sei.
* * *
Quando Margot decidiu fazer faculdade na Escócia, eu me senti traída. Apesar de saber que isso ia acontecer, porque é claro que ela faria faculdade em algum lugar distante. E é claro que ela faria faculdade na Escócia e estudaria antropologia, porque ela é Margot, a garota dos mapas, dos livros de viagem e dos planos. É claro que ela nos deixaria um dia.
Ainda estou com raiva, ao menos um pouco. Só um pouquinho. Obviamente, sei que não é culpa dela. Mas ela vai para tão longe, e sempre dissemos que seríamos as irmãs Song para sempre. Margot primeiro, eu no meio e Kitty por último. Na certidão de nascimento, ela é Katherine; para nós, é só Kitty. Somos as três irmãs Song. Éramos as quatro garotas Song com minha mãe, Eve Song. Evie para meu pai, mamãe para nós, Eve para o resto do mundo. Song é, era, o sobrenome dela. Nosso sobrenome é Covey, com a sílaba tônica no final. Mas o motivo de sermos as irmãs Song, e não as irmãs Covey, é que minha mãe dizia que seria uma garota Song para o resto da vida, e Margot acredita que nós também deveríamos ser. Todas temos Song como nome do meio, e nossa aparência é mais de Song do que de Covey, de qualquer modo, mais coreana do que caucasiana. Pelo menos, Margot e eu; Kitty se parece mais com nosso pai, tem o mesmo cabelo castanho-claro. As pessoas dizem que eu me pareço mais com ela, mas acho que é Margot, com as maçãs do rosto altas e os olhos escuros, quem se parece mais. Faz quase seis anos, e às vezes parece que ela estava aqui ontem. Às vezes parece que só existiu nos meus sonhos.
Ela havia encerado o piso naquela manhã; estava brilhando, e a casa cheirava a limão e limpeza. O telefone começou a tocar na cozinha, ela foi correndo atender e escorregou. Bateu a cabeça no chão e ficou inconsciente, mas depois acordou e disse que estava bem. Foi o intervalo lúcido. E assim que chamam. Pouco tempo depois, reclamou de dor de cabeça, foi se deitar no sofá e não acordou mais.
Foi Margot quem a encontrou. Ela só tinha doze anos, mas cuidou de tudo: ligou para a emergência, ligou para nosso pai e me deixou cuidando de Kitty, que só tinha três anos. Eu liguei a televisão para Kitty, no quarto de brinquedos, e fiquei com ela. Foi tudo o que fiz. Não sei o que teria feito se Margot não estivesse lá. Apesar de ela ser só dois anos mais velha do que eu, eu a admiro mais do que a qualquer outra pessoa.
Quando descobrem que meu pai é viúvo e tem três filhas, as pessoas balançam a cabeça, admiradas, como se dissessem: Como ele consegue? Como cuida de tudo sozinho? A resposta: Margot. Ela é organizada por natureza, com suas etiquetas, seus planejamentos e suas divisões em fileiras regulares e perfeitas.
Margot é uma boa garota, e acho que Kitty e eu estamos seguindo seu exemplo. Nunca colei, nem fiquei bêbada, nem fumei um cigarro, nem mesmo tive um namorado. Nós brincamos com papai e dizemos o quanto ele tem sorte de sermos tão boas, mas a verdade é que nós é que tivemos sorte. Ele é um ótimo pai. E se esforça muito. Nem sempre nos entende, mas tenta, e é isso que importa. As três irmãs Song têm um pacto silencioso: tornar a vida o mais fácil possível para nosso pai. Por outro lado, talvez não seja tão silencioso assim, porque quantas vezes já ouvi Margot dizer: “Shhh, fique quieta, papai está cochilando antes de ter que voltar para o hospital” ou “Não incomode papai com isso, você não consegue resolver sozinha?”.
Já perguntei a Margot como ela acha que seriam as coisas se nossa mãe não tivesse morrido. Será que passaríamos mais tempo com o lado coreano da família, e não só o Dia de Ação de Graças e o Ano-Novo? Ou…
Margot acha que não faz sentido ficar imaginando. Nossa vida é essa; especular não vai mudar nada. Ninguém pode nos dar respostas. Eu tento, tento muito, mas é difícil aceitar esse jeito de pensar. Estou sempre imaginando e especulando sobre outros caminhos.
* * *
Nosso pai e Kitty descem na mesma hora. Margot serve uma xícara de café para ele, e eu coloco leite no cereal de Kitty. Ponho a tigela na frente dela, mas Kitty me ignora, pega um iogurte na geladeira e o leva para a sala, para comer vendo tevê. Ela ainda está chateada.
— Vou ao mercado mais tarde, então façam uma lista do que precisarem — pede papai, tomando um grande gole de café. — Acho que vou comprar uns bifes para o jantar. Podemos usar a grelha do quintal. Compro um para Josh também?
Olho para Margot. Ela abre a boca, depois a fecha.
— Não, compre só o suficiente para nós quatro — diz, por fim.
Lanço para ela um olhar de reprovação, mas ela me ignora. Nunca vi Margot perder a coragem antes, mas acho que, nas questões do coração, não dá para prever como uma pessoa vai se comportar.
3
ESTAMOS NOS ÚLTIMOS dias de verão. Nossos últimos dias com Margot. Talvez não seja tão ruim ela ter terminado com Josh; assim temos mais tempo só para nós, as irmãs. Tenho certeza de que ela deve ter pensado nisso. Tenho certeza de que era parte do plano.
Estamos saindo do nosso bairro de carro quando vemos Josh passar correndo. Ele entrou para a equipe de atletismo no ano passado, e agora está sempre correndo por aí. Kitty grita o nome dele, mas as janelas estão fechadas, e não ia adiantar mesmo, porque ele finge não ouvir.
— Vamos dar a volta — pede Kitty para Margot. — Talvez ele queira vir com a gente.
— Este dia é só das irmãs Song — digo a ela.
Passamos o resto da manhã na Target, comprando coisas de última hora: mix de nozes e frutas secas com mel para o voo, desodorante e elástico de cabelo. Deixamos Kitty empurrar o carrinho, para ela poder fazer aquele negócio de dar uma corridinha e subir na parte de trás como se estivesse conduzindo uma carruagem. Mas Margot só a deixa fazer isso umas duas vezes antes de mandá-la parar, para não irritar os outros clientes.
Em seguida, voltamos para casa e almoçamos salada de frango com uvas verdes, e então está quase na hora da competição de natação de Kitty. Preparamos sanduíches de presunto e queijo e salada de frutas e levamos o laptop de Margot para assistirmos a uns filmes, porque competições de natação podem demorar bastante. Também fazemos um cartaz com a inscrição Vai, Kitty!. Desenho um cachorro nele. Papai acaba não conseguindo chegar à competição a tempo porque está fazendo um parto, e, quando se trata de desculpas, essa é uma das melhores. (Era menina, e escolheram o nome Patricia Rose, em homenagem às duas avós. Meu pai sempre descobre os nomes para mim. É a primeira coisa que pergunto quando ele chega em casa depois de uni parto.)
Kitty está tão empolgada por ter ganhado dois prêmios de primeiro lugar e um de segundo que se esquece de perguntar por Josh até estarmos no carro, voltando para casa. Ela está no banco de trás com a toalha enrolada no cabelo como um turbante e as fitas do prêmio penduradas nas orelhas como brincos. Então se inclina para a frente e diz:
— Ei! Por que Josh não foi à competição?
Posso ver Margot hesitar, então respondo por ela. Talvez a única coisa em que eu seja melhor do que Margot é em mentir.
— Ele teve que trabalhar na livraria hoje. Mas queria muito ter vindo.
Margot estica a mão por cima da caixa de câmbio e aperta a minha com gratidão.
Kitty faz beicinho.
— Essa foi a última competição da temporada! Ele prometeu que ia me ver nadar.
— Foi de última hora — explico. — Ele não conseguiu fugir do trabalho porque um dos colegas teve uma emergência.
Kitty assente, contrariada. Por mais nova que seja, ela entende de emergências
— Vamos tomar sorvete — declara Margot, de repente.
Kitty se alegra, e a emergência imaginária de Josh é esquecida.
— Isso! Quero uma casquinha! Posso pedir casquinha com duas bolas? Quero de menta com pedaços de chocolate e de amendoim crocante. Não, tutti-frutti e brownie. Não, espere…
Eu me viro no banco.
— Você não consegue terminar as duas bolas e a casquinha. Talvez até consiga comer as duas bolas, mas não a casquinha.
— Consigo sim. Hoje eu consigo. Estou morrendo de fome.
— Tudo bem, mas é melhor você comer tudo.
Eu balanço o dedo para ela e falo como se fosse uma ameaça, o que a faz revirar os olhos e rir. Quanto a mim, vou pedir o de sempre: cereja com pedaços de chocolate e casquinha recheada.
Margot entra no drive-thru e, enquanto esperamos nossa vez, eu digo: — Aposto que não tem essa sorveteria na Escócia. — Não deve ter mesmo — responde ela.
— Você só vai voltar aqui no Dia de Ação de Graças.
Margot olha direto para a frente.
— Natal — corrige ela. — O feriado de Ação de Graças é curto demais para um voo tão longo, lembra?
Kitty faz beicinho.
— O Dia de Ação de Graças vai ser um saco.
Eu fico erra silêncio. Nunca tivemos um Dia de Ação de Graças sem Margot. Ela sempre prepara o peru, os brócolis gratinados e as cebolas cremosas.
Eu faço as tortas (de abóbora e de noz-pecã) e o purê de batatas. Kitty experimenta tudo e arruina a mesa. Não sei assar peru. Além disso, nossas duas avós estarão presentes, e Nana, a mãe do nosso pai, gosta mais de Margot. Ela diz que Kitty a deixa exausta e que eu sou sonhadora demais.
De repente, entro em pânico e fica difícil respirar. Não estou dando mais a mínima para o sorvete de cereja com pedaços de chocolate. Não consigo imaginar um Dia de Ação de Graças sem Margot. Não consigo imaginar nem a próxima segunda-feira sem ela. Sei que a maioria das irmãs não se dá bem, mas sou mais próxima de Margot do que de qualquer outra pessoa no inundo. Como poderemos ser as irmãs Song sem Margot?
4
MINHA AMIGA mais antiga, Chris, fuma, fica com garotos que não conhece e já foi suspensa duas vezes. Em uma delas, teve que comparecer ao tribunal por evasão escolar. Eu nem sabia o que era evasão escolar antes de conhecê-la. Se quiser saber, é quando você falta tanta aula que fica muito encrencado.
Tenho certeza de que, se Chris e eu nos conhecêssemos hoje, não seríamos amigas. Somos tão diferentes quanto duas pessoas podem ser. Mas nem sempre foi assim. No sexto ano, Chris gostava de papéis de carta, festas do pijama e de passar a noite acordada vendo filmes do John Hughes, como eu. Mas, no oitavo ano, ela começou a fugir depois que meu pai dormia para se encontrar com garotos que tinha conhecido no shopping. Eles a traziam de volta antes do amanhecer. Eu ficava acordada a noite toda, morrendo de medo de ela não conseguir chegar antes de o meu pai acordar. Mas ela sempre voltava a tempo.
Chris não é o tipo de amiga com quem se conversa todas as noites ou almoça todos os dias. Ela é como um gato de rua, vem e vai quando quer. Não fica presa a um lugar ou uma pessoa. As vezes, fico dias sem ver Chris, e de repente, no meio da noite, ouço uma batida na janela do quarto e é ela, empoleirada na magnólia. Eu já deixo a janela destrancada só por precaução.
Chris e Margot não se suportam. Chris acha Margot muito estressada, e Margot acha que Chris é meio bipolar. Ela acha que Chris me usa; Chris acha que Margot me controla. Acredito que as duas estão uni pouco certas. Mas o mais importante é que Chris e eu nos entendemos bastante, e isso conta bem mais do que as pessoas pensam.
* * *
Chris me liga quando estamos a caminho de casa; ela diz que a mãe está insuportável e que vai passar umas horinhas lá em casa e será que temos algo para beliscar?
Chris e eu estamos na sala dividindo um pote com restos de nhoque quando Margot chega, depois de deixar Kitty no churrasco de fim de temporada da equipe de natação.
— Ah, oi. — Em seguida, ela vê o copo de Coca Diet de Chris na mesa de centro sem o descanso de copo. — Será que você pode usar o porta-copos, por favor?
Assim que Margot sobe a escada, Chris exclama:
— Meu Deus! Por que sua irmã é tão babaca?
Coloco um descanso de copo debaixo do copo dela.
— Você está achando todo inundo babaca hoje.
— É porque todo inundo é. — Chris revira os olhos para o teto e exclama: — Ela precisa relaxar mais!
Do quarto, Margot grita:
— Eu ouvi isso!
— Era o objetivo! — responde Chris, raspando o último nhoque do pote.
Eu suspiro.
— Ela vai embora logo, logo. Passou tão rápido…
Chris dá uma risadinha debochada.
— E Josh vai, tipo, acender uma vela para ela todas as noites até ela voltar para casa?
Eu hesito. Apesar de não ter certeza se ainda é um segredo, tenho certeza de que Margot não iria querer que Chris soubesse de sua vida pessoal. Então apenas respondo:
— Não sei.
— Espere aí. Ela deu um pé na bunda dele?
Com relutância, assinto.
— Mas não fale nada para ela. Ela ainda está muito triste.
— Margot? Triste? — Chris cutuca as unhas. — Margot não possui emoções como o resto de nós, humanos.
— Você só não a conhece direito. Além do mais, nem todo mundo pode ser como você.
Ela abre um sorriso largo. Chás tem incisivos afiados, o que faz com que sempre pareça meio faminta.
— É verdade.
Chris é emoção pura. Grita por qualquer coisa. Ela diz que às vezes é preciso extravasar as emoções no grito; se você não fizer isso, elas gangrenam. Outro dia, ela gritou com uma senhora no mercado por pisar sem querer no pé dela. Acho que ela não corre perigo nenhum de suas emoções gangrenarem. — Só não consigo acreditar que ela vai embora.
De repente, sinto vontade de chorar.
— Ela não está morrendo, Lara Jean. Não precisa ficar toda sentimental. — Chris puxa um fio solto no short vermelho. Ele é tão curto que, quando ela está sentada, dá para ver a calcinha, que é vermelha para combinar com o short. — Na verdade, acho que vai ser bom para você. Já estava na hora de você começar a cuidar da própria vida e parar de ouvir tudo que a rainha Margot diz. Você vai começar o segundo ano, garota. É agora que a coisa fica boa. Beije uns garotos, viva um pouco!
— Eu já vivo bastante — digo.
— É, no asilo.
Chris dá uma risadinha, e eu olho com raiva para ela.
Margot começou a trabalhar como voluntária na Comunidade de Aposentados Belleview quando tirou a carteira de motorista; o trabalho dela era organizar o happy hour dos residentes. Eu ajudava às vezes. Nós servíamos amendoins em tigelas e bebidas, e às vezes Margot tocava piano, mas normalmente era Stormy quem cuidava disso. Stonny é a diva de Belleview. Ela bota ordem no galinheiro. Gosto de ouvir as histórias dela. E da sra. Mary; ela pode não ser tão boa de papo por causa da demência, mas me ensinou a tricotar.
Tem uni novo voluntário lá agora, mas sei que, para os residentes de Belleview, quanto mais gente melhor, porque a maioria recebe poucas visitas. Eu devo voltar logo; sinto falta de ir lá. E não gosto nem um pouco de ver Chris debochando disso.
— Aquelas pessoas viveram mais do que todos que conhecemos juntos — digo a ela. — Tem uma senhora, Stormy, que trabalhou na USO! Ela recebia cem cartas por dia de soldados apaixonados por ela. E um veterano que perdeu a perna unia vez mandou uma aliança de diamante!
Chris parece interessada de repente.
— Ela ficou com a aliança?
— Ficou — admito.
Eu acho errado ela ter ficado com a aliança, já que não tinha intenção de se casar com ele, mas ela a mostrou para mim, e era linda. Tinha um diamante cor-de-rosa, muito raro. Aposto que vale muito dinheiro agora.
— Essa Stormy parece ser foda — diz Chris, a contragosto.
— Que tal você visitar Belleview comigo? — sugiro. — Podemos ir para o happy hour. O sr. Perelli adora dançar com as garotas novas. Ele vai ensinar você a dançar o foxtrote.
Chris faz uma cara horrível, como se eu tivesse sugerido um passeio pelo lixão da cidade.
— Não, obrigada. Que tal eu levar você para dançar? — Ela indica o teto com o queixo. — Agora que sua irmã está indo embora, podemos nos divertir de verdade. Você sabe que eu sempre me divirto.
É verdade, Chris sempre se diverte. Às vezes até um pouco demais, mas é diversão de qualquer jeito.