O profeta, obra-prima de Khalil Gibran, lançado em 1923, é um livro que inspira por meio de uma filosofia simples: viver bem com os nossos pensamentos, comportamentos e escolhas. Com sábias palavras, o autor propõe uma reflexão sobre a bondade e a beleza da vida. O profeta é uma obra acessível, para ler em todas as fases da vida, pois nos ensina sobre o amor, o trabalho, a alegria, a morte entre outros temas universais, por isso é um livro tão aclamado, com muitas edições e um grande número de leitores. “Quando você ama não deveria dizer, ‘Deus está em meu coração’, mas sim, ‘Eu estou no coração de Deus’. E não pensem que podem direcionar o curso do amor, pois o amor, se lhes acharem dignos, determinará ele próprio o seu curso. O amor não tem outro desejo senão o de cumprir a si mesmo.” (Gibran)
Páginas: 140 páginas; Editora: Martin Claret; Edição: 1 (17 de agosto de 2013); ISBN-10: 8572329897; ISBN-13: 978-8572329897; ASIN: B00H7MYCGM
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Sobre o autor: Gibran Khalil Gibran (1883-1931) foi um ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa. Nasceu na cidade de Bsharri, no norte do Líbano, mas emigrou para Boston, nos Estados Unidos, com a mãe e os irmãos durante a infância. Foi nos Estados Unidos que começou a se interessar por arte, porém sua mãe e seu irmão incentivaram-no a retornar à sua terra natal aos quinze anos para que conhecesse melhor sua herança cultural. Em 1902, ao voltar aos Estados Unidos, Gibran começou a publicar textos em árabe, que chamaram a atenção da comunidade local, e a expor seus quadros, o que lhe deu a oportunidade de estudar em Paris. Seus primeiros livros foram escritos em árabe. Fazem parte dessa produção inicial obras como A música (1905), As ninfas do vale (1906), Asas partidas (1912), Uma lágrima e um sorriso (1914), A procissão (1919) e Temporais (1920). A partir de 1918, Gibran começou a escrever em inglês, publicando obras de sucesso como O precursor (1920), O profeta (1923), Areia e espuma (1926), Os deuses da Terra (1931) e A voz do mestre (1958). Esta última, uma obra póstuma. Gibran morreu em 1931, aos 48 anos, em Nova York, vítima de cirrose e tuberculose.
Leia trecho do livro
Todo conteúdo original (em inglês; 1923) é de autoria de Gibran Khalil Gibran e se encontra em domínio público (exceto nos EUA). A tradução do inglês é de Rafael Arrais (2013).
Texto revisado segundo as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Organização e comentários: Rafael Arrais. Ilustrações de Gibran Khalil Gibran.
Esta é uma edição de Textos para Reflexão Para conhecer outras obras, visite o blog: textosparareflexao.blogspot.com
Design e diagramação: Ayon
Copyright © 2013 por Rafael Arrais (eBook para eReaders v1.o)
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Introdução
Gibran não era um filósofo no sentido transcendental da palavra. Não trouxe uma nova doutrina, uma nova interpretação do universo. Era um filósofo no sentido humano da palavra, um pensador, um guia. E trouxe o que talvez mais falte a era atual, tão rica e tão pobre ao mesmo tempo: uma nova fé no homem, uma nova fé na vida. Gibran redescobriu o papel do coração. (Mansour Challita)
Seu nome completo é Gibran Khalil Gibran. Assim assinava em árabe. Em inglês, preferiu a forma reduzida e ligeiramente modificada de Kahlil Gibran. No Brasil é usualmente conhecido por Khalil Gibran. Entre seus amantes, apenas Gibran basta.
Nasceu em 1883 na cidade de Bsharri, situada nas montanhas do Líbano. Com sua família (a mãe, o irmão e duas irmãs; o pai permanece em Bsharri) emigra para os Estados Unidos em 1894, fixando moradia em Boston. Anos mais tarde retorna ao Líbano para completar seus estudos árabes.
De volta a Boston, perde sua mãe e seu irmão, e começa a escrever poemas e meditações e a colaborar para publicações voltadas à comunidade árabe. Seu estilo novo, cheio de musicalidade, imagens e símbolos, logo desperta a atenção não apenas dos outros imigrantes como também dos círculos intelectuais norte-americanos.
Além de escrever, também desenha e pinta num estilo místico que lhe é próprio (as ilustrações desta edição são dele). Assim, pouco a pouco vai conquistando notoriedade como artista plástico e escritor.
Já consagrado e residindo em Nova York desde 1910, Gibran morre naquela cidade, em 1931, em decorrência de uma crise pulmonar.
* * *
O Profeta, escrito originalmente em árabe e, depois, em inglês, é a obra mais profunda, conhecida e bem sucedida de Gibran. Já foi traduzida para mais de 30 idiomas e lida por milhões de pessoas em todo o mundo. Dentre estas há, quem sabe, milhares que o elegeram um livro de cabeceira, para onde retornam cada vez que sentem saudades da primavera.
Gibran, afinal, entendia da Alma, do Amor e das Estações…
Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor. Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera. Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão; Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão… Dá-me aflauta e canta! O canto é o pasto das mentes, e o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor.
Na floresta não existe ignorante ou sábio. Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam. O saber humano é ilusório como a cerração dos campos que se esvai quando o sol se levanta no horizonte… Dá-me aflauta e canta! O canto é o melhor saber, e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas.
Na floresta só existe lembrança dos amorosos. Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram, seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos. Conquistador entre nós é aquele que sabe amar… Dá-me aflauta e canta! E esquece a injustiça do opressor; Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue.
Na floresta não há crítico nem censor. Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro, a águia não diz: “Que estranho.” Sábio entre nós é aquele que julga estranho apenas o que é estranho… Ah, dá-me aflauta e canta! O canto é a melhor loucura e o lamento da flauta sobrevive aos ponderados e aos racionais.
Na floresta não existem homens livres ou escravos. Todas as glórias são vãs como borbulhas na água. Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro, não diz: ‘Ele é desprezível e eu sou um grande senhor.” Dá-me aflauta e canta! Que o canto é glória autêntica, e o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil.
Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade. Quando o leão ruge não dizem: “Ele é temível.” A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço do pensamento, e o direito dos homens fenece como folhas de outono… Dá-me aflauta e canta! O canto é a força do espírito, e o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis.
Na floresta não há morte nem apuros. A alegria não morre quando se vai a primavera. O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração; Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos… Dá-me aflauta e canta! O canto é o segredo da vida eterna, e o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência.
Khalil Gibran. Na Floresta.
O Profeta
ALMUSTAFA, o eleito e amado, que era uma aurora em seu próprio dia, residiu por doze anos na cidade de Orphalese, esperando pelo retorno do navio que o levaria de volta a ilha onde nasceu.
E no décimo segundo ano, ao sétimo dia de Ailul, o mês da colheita, ele subiu num monte onde podia observar o mar além das muradas da cidade e se deparou com o navio chegando através da névoa.
Então os portais de seu coração se abriram, e sua alegria alçou voo sobre o mar. E fechou os olhos, orando no silêncio de sua alma.
Porém, na medida em que descia do monte, uma tristeza se aproximou, e ele pensou em seu coração:
“Como poderei ir embora em paz e sem pesar? Não, não será sem um ferimento na alma que deixarei esta cidade.
Longos foram os dias de angústia que passei dentro de seus muros, e longas foram as noites de solidão; e quem pode se separar de sua angústia e de sua solidão sem lamento?
Muitos foram os fragmentos do espírito que deixei espalhados nestas ruas, e muitas são as crias do meu desejo que caminham nuas por entre suas colinas, e eu não posso me afastar delas sem uma dor e um pesar.
Não é de um simples traje que eu hoje me dispo, mas de uma pele que arranco com minhas próprias mãos.
Tampouco é um mero pensamento que deixo para trás, mas um coração adocicado pela fome e pela sede.
Ainda assim, não posso mais me demorar.
A maré que tudo clama para si clama por mim, e eu preciso embarcar.
Pois permanecer, embora as horas queimem pela noite, seria me congelar e cristalizar, e estar delimitado num molde.
De bom grado levaria comigo tudo o que aqui está. Mas como isso poderia ser feito?
Uma voz não pode carregar consigo a língua e os lábios que lhe deram asas. É sozinha que ela deve buscar ao éter.
E igualmente só, sem o seu ninho, deve a águia voar rumo ao sol.”
Então, quando atingiu o sopé do monte, se virou novamente para o mar e observou o seu navio se aproximando do porto, e pôde ver um grupo de marinheiros na proa. Eram os homens de sua terra natal.
E sua alma gritou por eles, e ele lhes disse:
“Filhos de minha mãe ancestral, ó cavaleiros das ondas, com que frequência vocês têm navegado em meus sonhos.
E agora vocês vêm em meu despertar, que é o meu sonho mais profundo.
Estou pronto para viajar, e minha ânsia pela navegação está de velas abertas, esperando pelo vento.
Irei inspirar apenas uma vez mais neste ar calmo, e dedicarei apenas um único olhar amoroso para o que ficou.
E então deverei me juntar a vocês, um navegante entre navegantes.
E você, ó vasta maré, mãe adormecida,
Que sozinha é a paz e a liberdade para o rio e para o córrego,
Somente mais uma curva fará este riacho, apenas mais um murmúrio nesta clareira,
E então desaguarei em você, uma gota ilimitada num oceano ilimitado.”
E enquanto caminhava, observou a distância aos homens e mulheres abandonando suas hortas e vinhedos e correndo para os portões da cidade.
E ouviu suas vozes chamando seu nome, e anunciando a chegada do seu navio de um lado ao outro dos campos.
E ele disse para si mesmo:
“Acaso será o dia da separação o mesmo do encontro?
E acaso deverá ser dito que o meu anoitecer era em realidade a minha aurora?
E o que deverei oferecer aquele que largou sua enxada no meio do campo, ou aquele que deixou parada a roda de sua espremedeira [de uva]?
Deverá o meu coração se converter numa árvore cheia de frutos para que eu os possa colher e lhes distribuir?
E deverão meus desejos fluírem como uma fonte para que eu possa encher seus copos?
Serei uma harpa para ser dedilhada pela mão do onipotente, ou uma flauta para que o seu sopro me atravesse?
Eu sou um buscador de silêncios, e que tesouros haverei encontrado neles que eu possa lhes passar adiante com confiança?
Se este é meu dia de colheita, em que campos terei plantado as sementes, e em que estações esquecidas?
Se esta é realmente a hora em que devo levantar minha lanterna, não será minha a chama que haverá de nela brilhar.
Vazia e apagada deverei erguer minha lanterna, e o guardião da noite a preencherá com óleo e a acenderá”.
Estas coisas ele disse usando palavras. Mas muito do que havia em seu coração sequer foi dito, pois ele mesmo era incapaz de traduzir em palavras os seus segredos mais profundos.
E quando ele adentrou a cidade todo o povo veio ao seu encontro, e todos clamavam o seu nome como uma só voz.
E os anciãos da cidade se aproximaram e lhe disseram:
“Não nos deixe, não nos deixe.
Você foi um meio-dia em nosso crepúsculo, e sua juventude nos abasteceu de sonhos para sonhar.
Você não é mais um estranho entre nós, nem um hóspede, mas nosso filho e bem amado.
Não obrigue nossos olhos a sofrerem a fome de sua face.”
E os sacerdotes e as sacerdotisas lhe falaram:
“Não deixe que as ondas do mar nos separem agora, para que todos esses anos que passou conosco não se tornem mera memória.
Você caminhou entre nós como espírito, e a sua sombra têm sido uma luz a iluminar nossas faces.
Nós temos lhe amado muito. Mas nosso amor foi silencioso, e têm sido encoberto com véus.
Porém, agora ele clama por sua presença e deseja revelar-se.
Pois assim tem sido com o amor, que só reconhece sua profundidade na hora da separação.”
E outros vieram e lhe suplicaram. Mas ele não lhes respondeu. Ele apenas baixou sua cabeça, e aqueles que estavam próximos puderam ver suas lágrimas escorrerem até seu peito.
E, caminhando junto ao povo, chegou à grande praça em frente ao templo.
Então, uma mulher chamada Almitra saiu do santuário. Ela era uma vidente.
E ele a observou com enorme carinho, pois foi ela quem primeiro o procurou e acreditou em suas palavras quando ele era ainda um recém-chegado na cidade.
E ela o saudou, dizendo:
“Ó Profeta de Deus em busca do infinito, por muito tempo você sondou o horizonte a espera de seu navio.
E agora que ele finalmente chegou, você deve partir.
Profunda é a sua nostalgia pela terra de suas memórias e a morada de seus desejos mais grandiosos; e mesmo nosso amor seria incapaz de lhe aprisionar, nem nossas necessidades poderiam lhe reter.
Uma coisa, no entanto, lhe pedimos: antes que parta, fale para nós e nos ofereça um pouco da sua verdade.