Livro ‘No reino das Sombras’ por Hélio Couto

Desvendando o mistério dos mistérios, o segredo do segredo, o oculto e o ocultado

Tudo que é reprimido para o inconsciente torna-se o que Jung chamou de Sombra psicológica. A Sombra passa então a controlar todas as atitudes e comportamentos da pessoa. Para evitar isso é necessário não reprimir o conteúdo que vem para a consciência, ele deve ser elaborado, resolvido e integrado. Desta forma não criamos a Sombra, estaremos livres para decidirmos o que queremos fazer e não seremos conduzidos cegamente pela vida a fora sem consciência dos nossos atos.

Editora: Linear B Editora Ltda (18 janeiro 2019); ISBN-10: 8555381673; ISBN-13: 978-8555381676

Leia trecho do livro

INTRODUÇÃO

A Sombra psicológica contém tudo aquilo que é reprimido e que vai para o inconsciente. Tanto os sentimentos negativos, quanto as autossabotagens. Inveja, ciúmes, ódio etc., não aceitos conscientemente e não elaborados, são jogados na Sombra. E todo potencial positivo não aproveitado também o é.

Tudo que está na Sombra teima em vir à tona para ser resolvido, implementado, curado e integrado na personalidade. A Sombra é uma energia viva que precisa ser composta e integrada. Quanto mais ela é reprimida, mais controlará a vida da pessoa. Isso ocorrerá até que os atos falhos sejam tantos que a pessoa tenha de dar atenção à Sombra. Quando isso demora para ser resolvido, problemas como os emocionais, profissionais, relacionamentos etc., se acumulam.

Todo tipo de problema tem sua raiz na Sombra.

Deve-se saber que todo ser foi emanado para ser feliz e toda atitude contrária ao fluxo da vida cria Sombra. A vida não admite ser contida e as questões aparecerão seguidamente até que a Sombra seja resolvida.

Portanto de nada adianta reprimir os sentimentos, ideias, atitudes, comportamentos, tabus, preconceitos etc. Continuamente eles aparecerão no dia a dia, na vida da pessoa, como problemas e oportunidades, até que a pessoa entre no fluxo da vida.

I. No Reino das Sombras • O Mistério

O tema que abordaremos neste capítulo é o Reino das Sombras, o mistério.

Essa série abarcará todas as variáveis envolvidas com que se convencionou chamar de a sombra no psiquismo humano. Esse assunto é dá mais extrema importância. Se isso não é entendido, aceito, não há solução para nenhum problema humano, simplesmente.

Esse é um assunto que é o mistério dos mistérios, é o segredo do segredo, é oculto e ocultado, por quê? Nada dará certo sem que isso seja equacionado. Não haverá prosperidade. Não haverá nada que seja bom, produtivo, feliz, realizador. Não haverá crescimento, evolução, nada. Nada frutificará se a sombra não for equacionada e resolvida.

Assim, aquelas questões todas que aparecem ao longo do tempo, do porquê que não acontece nada, “porque que não ganho dinheiro, porque não tenho prosperidade, porque deu tudo errado e porque que começou e andou no primeiro mês e depois não andou mais ou no terceiro e depois não andou mais e não anda há 50 anos ou eu sempre me saboto quando chega no valor x de salário ou de renda, quando bate naquele valor tudo se perde, volta tudo à estaca zero e começa de novo e quando chega naquele valor, volta tudo à estaca zero” e assim ad infinitum e aí aparecem as dúvidas cruéis. “Por que será que acontece isso? Quais são as crenças que estão gerando isso e que eu não enxergo qual é? Por que eu quero crescer e como que não cresce? Como que eu não sei e como que eu não acesso o inconsciente?”, e assim por diante.

Milhares e milhares de livros pelo mundo todo são sobre as questões do crescimento, as questões da evolução, as questões da iluminação e assim por diante. Há centenas e milhares de publicações se somarmos as várias línguas mais importantes. Isso ocorre porque o assunto do crescimento, da evolução, da iluminação e tudo mais relacionado é sempre a ordem do dia, desde seis mil anos atrás.

Há tempos o problema é esse e por mais incrível que seja, a causa está na frente da pessoa. Ela não quer enxergar e toda problemática é essa. Tudo que se reprime é jogado para a sombra. Pensamentos, sentimentos, situações, traumas, tabus, preconceitos, pessoais e coletivos, ciúme, inveja, raiva, ressentimento, ódio, pensamentos considerados impuros de acordo com certa civilização, com cada cultura, aquilo que é desprezível, que se sente e não pode sentir, não deve sentir, então o que se faz? Joga na sombra. E isso acontece desde a mais tenra idade. Joga consciente ou inconscientemente sem nenhuma razão de ser. É a chamada racionalização.

Pergunta-se porque se jogou algo na sombra, para a sombra, 1.500 desculpas racionalizadas e jogou para debaixo do tapete. E as projeções? Tudo que é projetado. Todo ser humano projeta. Ele não pode ver no exterior o que não tem dentro dele, é por isso que uma pessoa honesta não enxerga o ladrão que está na sua frente e os honestos são passados para trás seguidamente por causa disso, porque eles não enxergam a desonestidade no outro. Todos os humanos são honestos e bonzinhos para este. E sai pelo mundo e dá de cara com a realidade. O que ele faz? Ele joga tudo isso para a sombra também. Tudo aquilo que é projetado é o que está dentro da pessoa. A projeção é a primeira coisa para trabalhar a sombra. É preciso ver o que a pessoa está projetando e racionalizando. E é preciso tomar extremo cuidado ao mexer, tocar de leve na sombra do outro, é preciso pisar em ovos. Na medida em que você toca de leve em uma questão qualquer, que está na sombra do outro, a possibilidade de surtar é gigantesca e quando surta, reprime mais ainda e vira contra você, que ousou tocar levemente numa questão da sombra.

Deste modo tem-se uma ideia da problemática que é ser terapeuta, seja em qualquer área da terapia. Tocou na sombra, o ser desaparece. Se isso não é equacionado, isto é, conscientizado, trazido para o consciente, não existe solução para mais nada e isso vale para o lado pessoal, coletivo e planetário. E há vários tipos de sombras que analisaremos no decorrer dos próximos capítulos.

Neste capítulo entenderemos que a sombra existe.

A sombra é algo absolutamente concreto, que está lá no fundo do nosso psiquismo, o que costumamos chamar de inconsciente. Em termos gerais, a sombra está viva e inteligente, cheia de energia pulsando, e o que ela quer é vir à tona. Expressar-se, ajudar. A sombra quer ajudar a pessoa, ela faz parte da pessoa.

O consciente, inconsciente, a sombra, o ego, tudo isso é um todo, é um conjunto, é uma unidade. A sombra é a pessoa. Deixo claro para que não se pense que o ego é uma terceira pessoa, é a mesma, mas com a sombra. O ego é a pessoa, consciente, “eu, fulano de tal, RG número tal”, isto é o ego, a sombra do fulano de tal, RG, ela e o sujeito são uma coisa só.

Não há como escapar da sombra. Ela é tudo aquilo que a pessoa reprime, joga para baixo, que ela não quer perceber, não quer aceitar, não quer trabalhar, não quer conscientizar. E muito mais fácil reprimir, esquecer e interpretar os traumas que acontecem, o que causa um problema terrível. Quando se interpreta um trauma, faz-se de acordo com o ego, e muda completamente o significado do trauma. Esse trauma passa a dominar a vida da pessoa para todo o sempre, enquanto ele não vem à tona, enquanto ele não é aceito, enquanto não se trabalha com ele, se elabora, se resolve, se entrega e decide.

Feito isto corretamente, ninguém será dominado pela sombra. Há um medo enorme em trabalhar com a sombra, acreditando que será dominado por ela, é o contrário! Se você trabalhar com a sombra, você, consciente, é que domina a situação, se tiver a conscientização sobre o fato, sobre a sombra, se deixar a conscientização vir. Se algo aconteceu e não se conscientiza, virará sombra, mas quando, ao contrário, se conscientiza torna-se luz. Deste modo a luz poderá entrar. Quando se nega a luz, vira sombra.

Desta forma, quando se fala de iluminação espiritual falamos em algo que na prática significa olhar a sombra, trazer a sombra à tona, resolvê-la, isso é o que ilumina. Se ao contrário, jogar luz em cima de tudo, a sombra fica mais sombra. Atrás de nós, na parede, existe uma sombra, mas se colocarmos um holofote enorme jogando luz, o que acontecerá com a sombra atrás? Ficará mais forte. Não existe maneira de jogar luz atrás na sombra. A luz entra pelo ego, pelo consciente, é o ego que decide se alimenta ou não a sombra, se o ego aceitar aquilo que veio para a consciência, de um jeito ou de outro, não haverá sombra, será irrisório, ínfimo, não controlará mais a pessoa. Se a sombra não é resolvida, ela cresce e passa a dominar toda a vida da pessoa, sem que ela perceba e muitas vezes a pessoa não quer perceber. É um círculo vicioso, a sombra domina tudo, domina os relacionamentos, os negócios, literalmente tudo. Bate o carro seguidamente, um acidente atrás do outro, um problema atrás do outro, uma demissão atrás da outra, uma falência atrás da outra e assim sucessivamente. Nada dá certo e aí vem o mistério do porquê que não dá certo. Pensam “só pode ser culpa dos outros, é culpa do fulano ou beltrano, do parente, do sistema, da conjunção cósmica etc.” Pode-se criar todos os motivos que quiser, assim projeta-se em tudo porque não está dando certo, porque não se ganha dinheiro etc.

E, na verdade, a solução está única e exclusivamente dentro do ego da pessoa, bastando enxergar a sombra. Já foi dito há muito tempo que a consciência cura. A explicação é essa. O que cura a sombra? A consciência. Quando vem para a consciência, curou. Aceitou, olhou, trabalhou e curou, o que curou a sombra? A consciência.

Não foi a força de vontade de ninguém que curou o sintoma, a consequência, não foi o ego que curou. Foi a consciência que curou. O fato da pessoa ter tomado consciência. Quando falamos para soltar que anda, não põe pressão, não põe a ansiedade, não põe controle, quer dizer que é para deixar fluir. Isso vem sendo repetido há dois mil e 400 ou 50o anos. Solta! Só não explicaram o porquê que solta e dá certo.

Explicaremos porque soltar dá certo.

Se a pessoa solta, ela para de deixar a sombra controlar. Imaginaram, há 2.400 anos, ter que dar uma explicação detalhadíssima sobre a sombra, falar para as pessoas, “meu filho, solta, deixa que anda sozinho, não fica segurando, não põe pressão, é só deixar que a vida flui”, isso é o taoísmo, isso é o zen, focado no aqui e agora. As coisas andam. Quando focou no aqui e agora, parou, a sombra parou. A pessoa está reprimindo o tempo todo. A sombra não é tonta, não fica dormindo, não sai de férias. A sombra trabalha 24 horas por dia, principalmente, quando você dorme, aí ela vem à tona, aparece e aí sonhos e pesadelos etc. Desta forma a sombra está mais livre para poder transmitir o que ela quer para o consciente, via sonhos, é um jeito de transmitir. Um outro jeito é bater o carro, que também representa uma mensagem.

A sombra tenta o tempo todo vir, para falar, para expor, para se comunicar, para resolver, para ajudar. Como já disse, a sombra é a própria pessoa. Ela não tem nenhum interesse em prejudicar o portador dela mesma. “Vamos lá acabar com ele”, para quê? Vai acabar com a própria sombra. Se o sujeito morrer, morre a sombra. Assim, há o instinto de sobrevivência da sombra. É um ser, uma parte inteligente, autoconsciente que quer se expressar, que foi jogada para baixo, e como faz? E um ser vivo com energia, uma tremenda energia. Pouco a pouco a sombra passa a controlar a vida inteira da pessoa, tudo.

A sombra tem uma enorme energia e de onde está saindo essa energia? Da energia vital do ser, não tem um outro lugar de onde tirar. O ser gasta a energia que ele teria de vida, de muitos anos, porque a sombra está gastando. Quem está gastando na prática é o ser, é o ego dele. O ser está reprimindo tudo e quanto mais ele reprime, mais energia a sombra precisa e vai tirar do próprio ser, vai sacar da conta corrente do próprio, enquanto a solução disso é o óbvio, aceitar o que tem na sombra, parar de jogar coisas para a sombra e no final das contas transcender a sombra. Essa é a solução final. Transcender a sombra.

Jung falou sobre a tensão dos opostos, longamente, e que o ser, para poder viver, teria que se equilibrar nesta tensão. De um lado temos a sombra total e do outro lado temos o ego, a consciência. Ele opta pela consciência ou opta pela sombra. Por exemplo, “se eu passar tal pessoa para trás nos negócios, eu ganho muito mais, mas aí eu posso ter problemas ou terei problemas lá na frente, não, então é melhor eu não passar para trás, fazer um negócio justo”, aí quando ele fala e ele pensa assim vou fazer um negócio justo, ele pula para a consciência. Assim, agindo com consciência, a consciência do ser fica evidente. E, portanto, ele tem consciência de que poderia passar para trás ou já passou para trás n vezes. Do lado da consciência, ele sabe que terá problemas. Terá e tem débitos a resolver, porque passou um monte de gente para trás, bom, criou um carma. Desta forma, do lado da consciência há sofrimento e do lado da sombra há também sofrimento.

Entenderam o dilema explicado por Jung? E essa é mais uma das razões pela qual não se estuda Jung no mundo. Do lado da consciência sofre-se porque há consciência e do lado da sombra sofre-se porque é do lado da sombra, está reprimido, não pode fazer, não pode se expressar, não pode nada, logo está prisioneiro. Sofre-se prisioneiro e sofre-se livre. Pronto, um dilema deste, o que acontece? Na prática quando este dilema existencial vem à tona e ele vem à tona, inevitavelmente, quando o bebezinho chega aqui e numa determinada hora ele pensa, “penso, logo existo”, ponto. Nesta hora o bebê já joga para a sombra. Então o ser, seja lá em que idade for, o que ele faz quando descobre a tensão dos opostos? Roubar ou não roubar, matar ou não matar e assim por diante. Está lá na tensão e o que normalmente se faz é jogar o dilema para a sombra.

Ser ou não ser, isso está em toda a literatura, no teatro, nas músicas, nas artes, nas esculturas, toda a arte é sobre este dilema. O ser resolve o dilema temporariamente jogando-o para a sombra. Temporariamente joga tudo para a sombra, esquece e toca a vida. Sumiu a sombra, é o que o ego pensa. O problema sumiu, jogado lá para debaixo ou ele fica na consciência e aí ele tem que equacionar a sombra que criou, no passado, porque a sombra não sumiu.

Assim, o fato de estar do lado da consciência não fez a sombra sumir. “Aí, agora, eu estou iluminado, pronto, tudo resolvido.” Isto é uma tremenda repressão da sombra. A sombra só é resolvida quando ela é aceita, quando ela é vista, quando ela é trabalhada, quando há um diálogo com ela, quando tem absoluta consciência dela e aí se toma as decisões em virtude da sombra, do que veio à tona, somente assim ela desaparece. Somente colocar luz em cima não vai fazer a sombra desaparecer, na verdade a sombra cresce.

O que falamos no parágrafo acima deixa muita gente de cabelo em pé, porque isto fira a visão romântica da vida, tira a visão cor de rosa de que tudo, por um passe de mágica, pode ser resolvido. O sujeito, ou sai da sombra ou a sombra toma conta da vida dele e fala “não, eu quero passar para o lado da consciência”, então venha, pronto, passou, a sombra andante. E aí a sombra chega do lado da consciência e pensa que está completamente livre da própria sombra, tudo resolvido. Isto é autoengano, literalmente, autoengano.

Quando se falou, há dois mil anos atrás, visite os presos, cuide dos doentes, ajude, dê comida a quem tem fome etc. estava implícito nisto que foi dito, há dois mil anos, que a pessoa só conseguiria fazer isto se equacionasse a própria sombra. Ponto. Perceberam? Isso é de uma extrema inteligência. Em vez de ter que fazer uma longa elaboração da sombra, é muito mais simples e prático “ajude, ame o inimigo, ore por ele”.

Como orar pelo inimigo? Como ajudar o inimigo se a pessoa não resolveu a própria sombra? Uma das consequências de resolver a própria sombra é o aparecimento da compaixão. Quando se equaciona a sombra é que aparece a compaixão, antes é ódio, jogado para a sombra. Só pode ter real compaixão pela criação quem equacionou uma enorme parte da sombra, sempre tem um resquício faz parte da questão da psique.

É impossível amar sem resolver a questão da sombra. E aí os problemas aparecem. E os problemas persistem, por quê? Porque a sombra está intacta e sendo alimentada o tempo todo, a repressão continua o tempo todo.

Uma menina de sete anos escuta a mãe falar para ela: “vai na esquina, vê se eu estou lá”. Uma criança de sete anos, na santa inocência, o que faz? Obedece a mãe. Vai na esquina ver se a mãe está lá e a mãe não está, lógico, a criança volta e fala com a mãe, “mãe eu fui na esquina e você não está lá.” E a mãe não responde. Aí a criança fica pensando. De vez em quando a mãe fala assim, “vai catar coquinho”, aí a criança pergunta, “onde tem coquinho?”, ou fique quieta aí no canto, aí a criança fica lá quietinha porque deram a ordem, sei lá porque razão tem que ficar quieta, fica lá, imóvel, uma estátua.

O que vocês acham que acontece no psiquismo dessa criança tendo que elaborar uma coisa dessas? A mãe mandou ir na esquina ver se ela está lá, foi, não está, voltou e não dá resposta, não dá explicação. O que faz? Joga para a sombra. Aonde tem coquinho? Não tem resposta, joga para a sombra. “Fique quieta aí”, sem nenhuma razão, o porquê. Por que será? Joga para a sombra. Uma outra menina, mais ou menos de cinco a sete anos, o pai vai embora, um dia ele sai de casa e vai embora e não volta nunca mais, aí a menina pensa, sente uma insegurança total, ela não pode confiar nem no pai dela, sumiu. Será que tem dinheiro para comer? Será que tem dinheiro para pagar o aluguel? Será que? Será que? Pavor. Tudo isso na cabeça da criança lá de sete anos, cinco, que faz? Joga para a sombra.

E continua a vida. Durante a vida, problema aqui, problema ali, outro aqui, outro ali, só problemas, problemas, problemas. E quanto ganha essa pessoa trabalhando? Só uma quantia suficiente para sobreviver. Pode fazer um trabalho aqui, pode fazer outro, pode empreender, pode fazer o que quiser, não sai do valor x. Já viram esse filme antes, né? Que a renda não sai de um patamar.

Com o passar dos anos, a menina arruma um outro trabalho e vai trabalhando. Ela é competente, inteligente, tudo mais, só que a sombra está lá dominando. Insegurança, perda. Medo de perder qualquer coisa, então aquele medo se espalha por todo o psiquismo. A menina não tem mais só medo de que o pai vá embora, agora tem medo de tudo e para não sofrer a perda, o que ela faz? Ela não ganha. Ela não é feliz, porque pode perder. Aquela perda fundamental lá dos cinco, seis, sete anos de idade virou e permeou tudo, a lógica da sombra. Desta forma, ela não sai de um patamar de renda, faça o que for. E tudo é limitado e dá problema etc., mas num novo trabalho, vai trabalhando, trabalhando, trabalhando, trabalhando, sem perceber a menina, um dia, ganha muito, ganha o que nunca ganhou na vida e como não comprou bilhete de loteria, não haveria risco algum em ganhar, ela poderia, a sombra poderia ficar lá estável, naquele valor x, mas aí eis que triplicou o valor x, sem que ela percebesse. Quando a menina viu, tinha triplicado o ganho, mas aí a sombra falando “isso aqui é uma ilusão, esquece, toca para frente”, então, ao ver quanto iria receber, ainda não tinha acontecido nada, nenhum evento tinha vindo à tona, a sombra amorteceu. Não tinha caído a ficha de que ganharia o triplo do que vinha ganhando. Bom, a menina vai e recebe um cheque. Quando vê o valor do cheque, que é real, que não é o número num papelzinho, viu o cheque, a sombra se agitou, foi ao banco, depositou e a sombra se revirou. A sombra continua embaixo, continua reprimindo, com medo de perder. Ela não pode ganhar, porque pode perder e acontece o imponderável. O cheque é devolvido por erro de assinatura. Imagina. O banco nem pergunta para o emissor do cheque se ele havia emitido o mesmo. O cheque é devolvido sem nenhuma consulta.

A menina percebe quando o cheque foi devolvido por assinatura. Nesta hora ela percebe a sombra, nesta hora a ficha caiu de que ela faz tudo para não ganhar, para não correr o risco de perder. Como a psique reagiu a um insight desse? Como foi ter a sombra vindo à tona nesta questão? A menina chorou a noite inteira, literalmente, a noite inteira chorando porque ganhou, porque ganhou o triplo, pânico, dor, surto, porque ganhou o triplo do que ganhava e pior, pode continuar ganhando de novo e de novo. A sombra surta. Só que no dia seguinte, a luz se fez, ela entendeu exatamente essa sombra, o que ela fez com cinco, seis, sete anos de idade? O que ela reprimiu e que não tinha razão de ser, que ela pode ganhar, sem limite.

Agora há uma transformação total porque agora ela aceita que pode ganhar, que não perderá e que não há risco de perder. Resolvido. Vejam bem, isto não aconteceu por um trabalho interno, para conscientemente olhar a sombra e resolver tudo. Aconteceu um acidente de percurso. Jogaram-se dados. O dado rolou e triplicou. Quem fez ela ganhar o triplo? A sombra. A sombra fez ganhar o triplo. A sombra está tentando crescer e ela está reprimindo. A menina está botando medo na sombra, “não podemos ganhar, porque podemos perder. A menina perdeu um dia e nem foi culpa dela, mas não importa, a lógica da coisa é reprimir. Queria risco zero de perder, e isso a fez estagnar na vida, parou a vida, literalmente. E continua assim até passar para a próxima vida ou acontece o que citamos, o incontrolável. A menina não tinha ideia do que estava acontecendo. E ganhou. Este é um excelente exemplo.

Nas empresas, temos n situações e n dinâmicas pessoais das corporações. Vejamos um bom exemplo de sombra neste caso. Temos o diretor A. Este diretor dá atenção para todo mundo. Logicamente ele atende vários gerentes e atende o gerente B e atende o C. Atende todo mundo, mas no nosso caso aqui fiquemos com o B e o C. Acontece algo muito interessante. Com o passar do tempo aparece um diretor D. Temos então o diretor A, gerentes, B e C, e agora um diretor D, que aparece de vez em quando. Este diretor D conversa com o gerente C e o gerente C não quer a atenção do D, o gerente C quer a atenção do diretor A, mas isso está no inconsciente dele. Isso não vem à tona, isso é reprimido. Então, o que faz o C? O C reclama, reclama e reclama do D, sem perceber que quer a atenção do A. Todo mundo recebe atenção e visivelmente o B recebe atenção. O diretor chama, e ordena, “faça isso, faça aquilo”, então o C, vendo aquilo, mas tudo isso está reprimido, não é consciente, o C vê a situação, onde o B está recebendo atenção e conversando com o diretor e começa a reclamar do diretor D, “aí ele vem toda hora aqui me perturbar, ele quer coisas”, e reclama de tudo para o gerente B. O C faz isso porque ele quer a atenção do A. Só que não deixa vir à tona a consciência de que quer a atenção do A, perceberam? Quer atenção, mas não deixa vir a consciência de que quer atenção. Esse é um caso muito interessante porque envolve pelo menos quatro personalidades distintas e a dinâmica perfeita, em termos de sombra.


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