Uma história fascinante da matemática através das biografias de 25 grandes pioneiros. Apesar das origens aparentemente místicas de seus elementos, a matemática não surge num vácuo: ela é criada por pessoas. Algumas delas com impressionante originalidade e clareza mental, responsáveis por descobertas revolucionárias. São matemáticos pioneiros, desbravadores, visionários e altamente significativos. Ian Stewart nos apresenta a vida e a obra de 25 deles - homens e mulheres, antigos e modernos, de todas as partes do mundo - começando na Grécia Antiga de Arquimedes e chegando aos dias de hoje, com representantes de tendências novas como a geometria fractal de Mandelbrot...
Capa comum: 328 páginas Editora: Zahar; Edição: 1 (11 de julho de 2019) ISBN-10: 8537818380 ISBN-13: 978-8537818381 Dimensões do produto: 22,8 x 15,6 x 2 cm
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Introdução
TODAS AS ÁREAS DA CIÊNCIA conseguem rastrear suas origens até as distantes névoas da história, mas na maioria das disciplinas a história é qualificada por expressões como “agora sabemos que isso estava errado”, ou “isso seguia linhas corretas, mas a visão atual é diferente”. O filósofo grego Aristóteles, por exemplo, achava que um cavalo trotando nunca pode estar totalmente fora do chão, o que Eadweard Muybridge refutou em 1878 usando uma fileira de câmeras ligadas a fios demarcatórios. As teorias do movimento de Aristóteles foram totalmente derrubadas por Galileu Galilei e Isaac Newton, e suas teorias sobre a mente não apresentam nenhuma relação com a psicologia e a neurociência modernas.
A matemática é diferente. Ela resiste. Quando os antigos babilônios descobriram como resolver equações quadráticas — provavelmente por volta de 2000 a.C., embora as primeiras evidências tangíveis datem de 1500 a.C. —, o resultado nunca se tornou obsoleto. Estava correto, e eles sabiam por quê. E é correto ainda hoje. Nós expressamos o resultado em símbolos, mas o raciocínio é idêntico. Há uma linha ininterrupta de pensamento matemático que percorre todo o caminho, saindo do amanhã até lá atrás na Babilônia. Quando Arquimedes calculou o volume da esfera, não utilizou símbolos algébricos e não pensou num número específico π , como agora fazemos. Ele exprimiu seu resultado geometricamente, em termos de proporções, como era a prática grega na época. Não obstante, sua resposta é imediatamente reconhecível como equivalente aos 4/3 π r 3 atuais.
Para sermos corretos, algumas antigas descobertas fora da matemática também tiveram vida longa. O princípio de Arquimedes, afirmando que um objeto desloca seu próprio peso de líquido, é uma delas; a sua lei da alavanca é outra. Algumas partes da física e da engenharia gregas também continuam vivas. Mas nessas disciplinas a longevidade é a exceção, enquanto na matemática ela está mais perto da regra. Os Elementos de Euclides, apresentando uma base lógica para a geometria, ainda resistem a um exame meticuloso. Seus teoremas continuam verdadeiros e muitos deles ainda são úteis. Em matemática, nós seguimos adiante, mas sem descartar nossa história.
Antes que você comece a pensar que a matemática vive enterrando a cabeça no passado, preciso ressaltar duas coisas. Uma é que a importância percebida de um método ou de um teorema pode mudar. Áreas inteiras da matemática saíram de moda ou tornaram-se obsoletas à medida que as fronteiras foram se alterando ou novas técnicas assumiram o comando. Mas elas ainda são verdadeiras, e de vez em quando uma área obsoleta renasce, em geral por causa de uma recém-descoberta ligação com outra área, uma nova aplicação ou um importante avanço na metodologia. A segunda é que, à medida que os matemáticos foram desenvolvendo sua disciplina, eles não somente seguiram adiante, mas também inventaram um volume gigantesco de matemática nova, importante, bela e útil.
Dito isso, o ponto básico permanece inconteste: uma vez que um teorema matemático foi corretamente provado, torna-se algo sobre o qual podemos construir estruturas — para sempre. Mesmo que nosso conceito de prova tenha se restringido consideravelmente desde o tempo de Euclides, para nos livrarmos de premissas não declaradas, ainda assim podem preencher o que agora vemos como lacunas, e os resultados continuam valendo.
ESTE LIVRO INVESTIGA o processo quase místico que traz nova matemática à existência. A matemática não surge num vácuo, mas é criada por pessoas. Entre elas há algumas com impressionante originalidade e clareza mental, aquelas que associamos a grandes e revolucionárias inovações — as pioneiras, desbravadoras, que se diferenciam. Historiadores explicam corretamente que a obra dos grandes depende de um vasto elenco de apoio, contribuindo com minúsculas porções e pedaços para o grande quebra-cabeça geral. Questões importantes ou frutíferas podem ser enunciadas por pessoas relativamente desconhecidas; ideias de primeira grandeza podem ser tenuemente percebidas por quem carece de capacidade técnica para transformá-las em métodos e pontos de vista novos e poderosos. Newton observou que “estava de pé sobre os ombros de gigantes”. Em certa medida ele estava sendo sarcástico; vários desses gigantes (especialmente Robert Hooke) queixavam-se de que Newton não estava de pé sobre seus ombros, e sim pisando em seus calos, sem dar-lhes o justo crédito, ou assumindo o crédito em público, apesar das contribuições deles para seus escritos. No entanto, Newton falou a verdade: suas grandes sínteses de movimento, gravidade e luz dependeram muitíssimo dos insights dos seus predecessores intelectuais. Que tampouco eram exclusivamente gigantes. Gente comum também desempenhou um papel significativo.
Entretanto, os gigantes sobressaem, abrindo caminho, enquanto a maioria de nós apenas os segue. Por meio da vida e das obras de um conjunto de personagens significativos, podemos compreender como a nova matemática é criada, quem a criou e como essas pessoas viveram. Penso neles não só como pioneiros que nos mostraram o caminho, mas também como desbravadores que abriram picadas possíveis de se percorrer através do emaranhado matagal que se alastra pela extensa selva do pensamento matemático. Eles passaram grande parte do seu tempo debatendo-se em pântanos e espinhais, mas vez por outra deparavam com uma Cidade Perdida dos Elefantes ou um Eldorado, descobrindo preciosas joias ocultas no meio do mato. Penetraram regiões do pensamento antes desconhecidas para a humanidade.
Na verdade, eles criaram essas regiões. A selva matemática não é como a floresta Amazônica ou o Congo africano. O desbravador matemático não é um David Livingstone abrindo uma trilha ao longo da Zâmbia ou indo atrás da nascente do Nilo. Livingstone “descobria” coisas que já estavam lá. De fato, os habitantes locais sabiam que estavam lá. Mas, naqueles tempos, os europeus interpretavam “descobrir” coisas como “europeus trazendo coisas para a atenção de outros europeus”. Os desbravadores matemáticos não apenas exploram uma selva preexistente. Num certo sentido, eles criam a selva à medida que seguem adiante; como se novas plantas brotassem para a vida no seu rastro, logo se tornando mudas, depois árvores. Contudo, tem-se a sensação de que é como se houvesse uma selva preexistente, porque não dá para escolher quais plantas brotarão para a vida. Você escolhe por onde caminhar, mas não pode “descobrir” um aglomerado de árvores de mogno se o que ali aparece é a vegetação de mangue.
Acho que essa é a fonte da ainda popular visão platônica acerca das ideias matemáticas: que as verdades matemáticas “realmente” existem, mas o fazem numa forma ideal em algum tipo de realidade paralela, que sempre existiu e sempre existirá. Segundo essa visão, quando provamos um novo teorema simplesmente descobrimos o que estava ali o tempo todo. Não acho que o platonismo faça sentido literal, mas ele descreve acuradamente o processo da pesquisa matemática. Você não pode escolher: tudo que você pode fazer é sacudir os arbustos e ver se cai alguma coisa. Em What is Mathematics, Really?, Reuben Hersh oferece uma visão mais realista da matemática: ela é um constructo mental humano compartilhado. Sob esse aspecto, é como o dinheiro. Dinheiro não são “realmente” disquinhos metálicos, pedaços de papel ou números num computador; ele é um conjunto compartilhado de convenções sobre como podemos trocar disquinhos metálicos, pedaços de papel e números num computador entre si e por outros produtos.
Hersh escandalizou alguns matemáticos, que se concentraram na expressão “constructo humano” e reclamaram que a matemática não é, de maneira alguma, arbitrária. O relativismo social não a fragmenta. Isso é verdade, mas Hersh explicou com perfeita clareza que a matemática não é qualquer constructo humano. Nós optamos por abordar o último teorema de Fermat, mas não podemos escolher se ele é verdadeiro ou falso. O constructo humano que é a matemática está sujeito a um rigoroso sistema de restrições lógicas, e algo é adicionado ao constructo apenas se respeitar essas restrições. Potencialmente, as restrições nos permitem distinguir verdade de falsidade, mas não descobrimos qual delas se aplica declarando em voz alta que somente uma delas é possível. A grande questão é: qual delas? Perdi a conta do número de vezes que alguém atacou alguma controversa peça de matemática da qual não gostava ressaltando que matemática é tautologia: tudo de novo é consequência de coisas que já sabemos. Sim; é, sim. O novo está implícito no velho. Mas o trabalho árduo vem quando se quer explicitá-lo. Pergunte a Andrew Wiles; não adianta dizer a ele que o estado do último teorema de Fermat sempre esteve predeterminado pela estrutura lógica da matemática. Ele passou sete anos descobrindo qual é esse estado. Até que se faça isso, ser predeterminado serve tanto quanto perguntar a alguém o caminho para a Biblioteca Britânica e lhe dizerem que fica na Grã-Bretanha.
ESTA NÃO É UMA história organizada de toda a matemática, mas tentei apresentar os tópicos matemáticos que surgem de maneira coerente, de modo que os conceitos se estruturem sistematicamente à medida que o livro avança. De forma geral, isso requer apresentar tudo em ordem quase cronológica. A ordem cronológica por tópico seria impossível de se ler, porque estaríamos saltando perpetuamente de um matemático a outro, então, ordenei os capítulos por data de nascimento e forneci ocasionais referências cruzadas.
Meus desbravadores são 25 no total, antigos e modernos, homens e mulheres, orientais e ocidentais. Suas histórias pessoais começam na Grécia Antiga, com o grande geômetra e engenheiro Arquimedes, cujas realizações abrangeram desde a obtenção do valor aproximado de π e o cálculo da área e do volume de uma esfera até o parafuso de Arquimedes para bombear água, e a garra de Arquimedes, máquina semelhante a um guindaste para destruir navios inimigos. Em seguida vêm três representantes do Extremo Oriente, onde teve lugar a principal atividade matemática da Idade Média: o erudito chinês Liu Hui, o matemático persa Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, cujos trabalhos nos deram as palavras “algoritmo” e “álgebra”, e o indiano Madhava de Sangamagrama, pioneiro nas séries infinitas para funções trigonométricas, redescobertas no Ocidente por Newton um milênio depois.
A principal atividade na matemática voltou à Europa durante o Renascimento italiano, onde encontramos Girolamo Cardano, um dos maiores patifes a agraciar o panteão matemático. Jogador e agitador, Cardano também escreveu um dos mais importantes textos de álgebra já impressos, praticou medicina e levou uma vida saída diretamente dos tabloides. E também fazia horóscopos. Em contraste, Pierre de Fermat, famoso pelo “último teorema”, era advogado com uma paixão pela matemática que frequentemente o levou a negligenciar o trabalho na área do direito. Ele tornou a teoria dos números um campo reconhecido da matemática, mas também contribuiu para a óptica e desenvolveu alguns precursores do cálculo. Este último foi materializado por Newton, cuja obra-prima é Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, geralmente abreviado como Principia. Nele, Newton enunciou suas leis do movimento e da gravidade e as aplicou ao movimento do sistema solar. Newton marca um ponto de inflexão em física matemática, transformando-a num estudo matemático organizado naquilo que denominou o “sistema do mundo”.
Por um século depois de Newton, o foco da matemática passou para a Europa continental e a Rússia. Leonhard Euler, o mais prolífico matemático da história, escreveu importantes trabalhos em ritmo jornalístico, ao mesmo tempo sistematizando áreas da matemática numa série de livros-texto elegantes, claramente redigidos. Nenhum campo da matemática escapou ao seu exame. Euler chegou a antecipar algumas das ideias de Joseph Fourier, cuja investigação da transmissão do calor levou a uma das mais importantes técnicas no manual moderno da engenharia: a análise de Fourier, que representa uma onda periódica em termos das funções trigonométricas básicas “seno” e “cosseno”. Fourier também foi o primeiro a compreender que a atmosfera desempenha um importante papel no equilíbrio térmico da Terra.
A matemática entra na era moderna com as incomparáveis pesquisas de Carl Friedrich Gauss, forte concorrente a maior matemático de todos os tempos. Gauss começou na teoria dos números, selou sua reputação em mecânica celeste ao prever o reaparecimento do recém-descoberto asteroide Ceres e fez importantes progressos referentes a números complexos, ajuste de dados segundo quadrados mínimos, e geometria não euclidiana, embora não tenha publicado nada sobre esta última, por recear que estivesse à frente demais de seu tempo, podendo parecer ridículo. Nikolai Ivanovich Lobachevsky foi menos tímido e publicou extensivamente acerca de uma geometria alternativa à de Euclides, agora chamada geometria hiperbólica. Ele e Janós Bolyai são atualmente reconhecidos como os fundadores de direito da geometria não euclidiana, que pode ser interpretada como a geometria natural de uma superficie com curvatura constante. Gauss, no entanto, estava correto em acreditar que essa ideia estava adiante de seu tempo, e nem Lobachevsky nem Bolyai foram apreciados enquanto viveram. Encerramos a era com a história trágica do revolucionário Évariste Galois, morto aos vinte anos num duelo por causa de uma moça. Ele fez importantes progressos em álgebra, levando à atual caracterização do conceito vital de simetria em termos de grupos de transformações.
Um novo tema agora adentra a história, uma trilha desbravada pela primeira mulher matemática que encontramos. Referimo-nos à matemática da computação. Augusta Ada King, condessa de Lovelace, atuou como assistente de Charles Babbage, um indivíduo determinado que entendeu o poder potencial das máquinas de calcular. Ele concebeu a máquina analítica, um computador programável feito de catracas e engrenagens, hoje a geringonça central de muitas obras de ficção científica. Ada é amplamente reconhecida como a primeira programadora de computador, embora a alegação seja controversa. O tema do computador prossegue com George Boole, cujas leis do pensamento assentaram o formalismo matemático fundamental para a lógica digital dos computadores atuais.
À medida que a matemática vai ficando mais diversificada, o mesmo ocorre com o nosso relato, abrindo caminho para nos embrenharmos em novas regiões da selva sempre crescente. Bernhard Riemann foi brilhante em desvendar ideias simples, gerais, por trás de conceitos aparentemente complexos. Suas contribuições incluem as fundações da geometria, especialmente suas “variedades”, curvas das quais depende a revolucionária teoria da gravitação de Albert Einstein, a relatividade geral. Mas também deu passos enormes na teoria dos números primos relacionando a teoria dos números à análise complexa por meio da “função zeta”. A hipótese de Riemann, acerca dos zeros dessa função, é um dos maiores e mais importantes problemas não resolvidos de toda a matemática, com um prêmio de US$1 milhão para quem encontrar a solução.
Em seguida vem Georg Cantor, que mudou a maneira como os matemáticos pensam os alicerces de sua disciplina introduzindo a teoria dos conjuntos, tendo definido análogos infinitos dos números de contagem 1, 2, 3, …, o que levou à descoberta de que alguns infinitos são maiores que outros — num sentido rigoroso, significativo e útil. Como muitos inovadores, Cantor foi mal compreendido e ridicularizado durante a vida.
Nossa segunda mulher matemática entra agora em cena, a prodigiosamente talentosa Sofia Kovalevskaia. Sua vida foi bastante complicada, entrelaçada com a política revolucionária russa e os obstáculos que a sociedade dominada por homens erigia no caminho das mulheres intelectuais brilhantes. Ë admirável que ela tenha conseguido chegar a alguma coisa na matemática. Na verdade, fez importantes descobertas na solução de equações diferenciais parciais, no movimento de um corpo rígido, na estrutura dos anéis de Saturno e na refração da luz por um cristal.
A história agora ganha ritmo. Por volta da virada do século XIX, um dos mais destacados matemáticos do mundo foi o francês Henri Poincaré. Aparentemente excêntrico, na verdade era muitíssimo perspicaz. Reconheceu a importância da nascente área da topologia — “a geometria da folha de borracha”, na qual as formas podem ser continuamente distorcidas — e a estendeu de duas para três dimensões e mais. Aplicou-a a equações diferenciais, estudando o problema dos três corpos para a gravitação newtoniana. Isso o levou a descobrir a possibilidade do caos determinista, comportamento aparentemente aleatório num sistema não aleatório. Ele também chegou perto de descobrir a relatividade especial antes de Einstein.
Como contraparte germânica de Poincaré temos David Hilbert, cuja carreira se divide em cinco períodos distintos. Primeiro, ele adotou uma linha de pensamento que se originou em Boole, sobre “invariantes” — expressões algébricas que permanecem as mesmas apesar de mudanças em coordenadas. Desenvolveu então um tratamento sistemático e áreas centrais na teoria dos números. Depois disso, revisitou os axiomas de Euclides para a geometria, achou-os insuficientes e introduziu axiomas adicionais para preencher as lacunas lógicas. A seguir, passou para lógica e fundações matemáticas, iniciando um programa para provar que a matemática pode ser colocada numa base axiomática, e que esta é consistente (nenhuma dedução lógica pode levar a uma contradição) e completa (toda afirmação pode ser provada ou refutada). Finalmente, voltou-se para a fisica matemática, chegando perto de bater Einstein na relatividade geral e introduzindo a noção de espaço de Hilbert, central para a mecânica quântica.
Emmy Noether, a nossa terceira e última mulher matemática, viveu numa época em que a participação feminina nos temas acadêmicos ainda era vista com maus olhos pela maioria dos homens. Ela começou, como Hilbert, na teoria dos invariantes e mais tarde trabalhou como colega dele. Hilbert fez vigorosas tentativas para quebrar o telhado de vidro e assegurar-lhe uma posição acadêmica estável, com parcial sucesso. Emmy Noether desbravou a trilha da álgebra abstrata, sendo pioneira no estudo de estruturas axiomáticas atuais, como grupos, anéis e campos. Também provou um teorema vital relacionando as simetrias das leis da fisica a grandezas conservadas, tais como a energia.
A essa altura a história já passou para o século XX. Para mostrar que a grande capacidade matemática não está confinada às classes educadas do mundo ocidental, acompanhamos a vida e a carreira do gênio autodidata indiano Srinivasa Ramanujan, que cresceu na miséria. Sua misteriosa capacidade de intuir fórmulas estranhas mas verdadeiras só foi rivalizada, se tanto, por gigantes como Euler e Carl Gustav Jacobi. O conceito de prova de Ramanujan era nebuloso, mas ele era capaz de achar fórmulas com que ninguém teria sonhado. Seus artigos, cadernos e anotações ainda hoje são garimpados em busca de novas maneiras de pensar.
Dois matemáticos com inclinação filosófica nos conduzem de volta às fundações da matéria e sua relação com a computação. Um deles é Kurt Gõdel, cuja prova de que qualquer sistema axiomático para a aritmética deve ser incompleto ou indecidível demoliu o programa de Hilbert para provar o oposto. O outro é Alan Turing, cujas investigações sobre as capacidades de um computador programável levaram a uma prova mais simples e mais natural desses resultados. Ele é obviamente famoso por quebrar códigos em Bletchley Park, durante a Segunda Guerra Mundial. Também propôs o teste de Turing para inteligência artificial e, após a guerra, trabalhou em padrões de pelagem animal. Era gay e morreu em circunstâncias trágicas e misteriosas.
Decidi não incluir nenhum matemático vivo, mas terminar com dois matemáticos modernos falecidos recentemente, um dedicado à matemática pura e outro à aplicada (mas também pouco ortodoxo). Este último é Benolt Mandelbrot. Ele é amplamente conhecido por seu trabalho com fractais, formas geométricas que possuem estrutura detalhada em todas as escalas de ampliação. Os fractais muitas vezes modelam a natureza muito melhor que as tradicionais superfícies lisas, como esferas e cilindros. Embora vários outros matemáticos tenham trabalhado com estruturas que agora vemos como fractais, Mandelbrot deu um grande salto ao reconhecer seu potencial como modelos do mundo natural. Ele não era um tipo de matemático adepto de comprovar teoremas; em vez disso, tinha uma apreensão visual intuitiva da geometria, o que o levou a perceber relações e a enunciar conjecturas. Era também uma espécie de showman, um enérgico promotor de suas ideias. Isso não o tornava simpático a alguns na comunidade matemática, mas não se pode agradar a todos.
Finalmente, escolhi um matemático (puro) de matemáticos. William Thurston. Ele também tinha uma profunda apreensão intuitiva da geometria, num sentido mais amplo e profundo que Mandelbrot. Era capaz de fazer matemática das provas de teoremas, como os melhores deles, porém, à medida que sua carreira avançava, ele tendia a se concentrar nos teoremas e esboçar as provas. Em particular, trabalhou em topologia, observando uma inesperada ligação com a geometria não euclidiana. Eventualmente, esse círculo de ideias motivou Grigori Perelman a provar uma fugidia conjectura em topologia, atribuída a Poincaré. Seus métodos também provaram uma conjectura mais geral de Thurston, que fornece inesperadas percepções em todas as variedades tridimensionais.
No CAPÍTULO FINAL, pinço alguns dos fios que se entretecem através das 25 histórias desses indivíduos surpreendentes e analiso o que eles nos ensinam acerca dos matemáticos pioneiros — quem são eles, como trabalham, de onde tiram suas ideias malucas, o que os leva, em primeiro lugar, a ser matemáticos.
Por enquanto, porém, só quero acrescentar duas advertências. A primeira é que necessariamente fui seletivo. Não há espaço para biografias abrangentes, para vasculhar em detalhe tudo em que meus desbravadores trabalharam, nem para entrar em detalhes refinados de como suas ideias evoluíram e como interagiram com seus colegas. Em vez disso, tentei oferecer uma seleção representativa de suas descobertas e conceitos mais importantes — ou interessantes —, com detalhes históricos suficientes para pintar um quadro sobre eles como pessoas e situá-los em sua sociedade. Para alguns matemáticos da Antiguidade, até isso é muito superficial, porque poucos registros sobre suas vidas (muitas vezes não há nenhum documento original sobre seu trabalho) sobreviveram.
A segunda é que os 25 matemáticos que escolhi não são, de forma alguma, as únicas figuras significativas no desenvolvimento da matemática. Fiz minhas escolhas por muitas razões: a importância da matemática, o interesse intrínseco da área, o apelo da história humana, o período histórico, a diversidade e aquela qualidade fugaz, o “equilíbrio”. Se seu matemático favorito foi omitido, a razão mais provável é a limitação de espaço, associada ao desejo de escolher representantes que estejam amplamente distribuídos na variedade tridimensional cujas coordenadas sejam geografia, período histórico e gênero. Acredito que todo mundo no livro mereça plenamente sua inclusão, embora um ou dois possam ser controversos. Não tenho dúvida alguma de que muitos outros poderiam ter sido escolhidos com justificativa comparável.
1. Não perturbem meus círculos
ARQUIMEDES
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