Um livro emocionante sobre família, do autor best-seller Carpinejar Nesta obra, Carpinejar mergulha em sua própria intimidade ao se lembrar de seus pais. Faz confissões, desabafos sinceros e também aconselha todos aqueles que ainda têm pai e mãe vivos a valorizá-los, tudo isso de maneira poética e verdadeira. A inevitabilidade da morte permeia a obra, com reflexões sobre o que podemos fazer para lidar com ela de modo a torná-la menos dolorosa. O tom de arrependimento também se faz presente, em meio às memórias do autor. Livro emocionante com o qual todos vão se identificar. Inclui texto de orelha do ator Paulo Betti.
Editora: Bertrand Brasil; 14ª edição (12 abril 2018); Páginas: 112 páginas; ISBN-10: 8528622940; ISBN-13: 978-8528622942; ASIN: 2B07BJ91JY1
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Biografia do autor: Fabrício Carpinejar é poeta, jornalista e mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS, além de coordenador e professor do curso de Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos. Filho do casal de poetas Maria Carpi e Carlos Nejar, nasceu na cidade gaúcha de Caxias do Sul em 1972. Recebeu diversos prêmios, entre eles o Maestrale/San Marco (2001), Açorianos (2001 e 2002), Cecília Meireles (2002), Olavo Bilac (2003) e Prêmio Erico Verissimo (2006). Carpinejar foi traduzido ao alemão e assinou contratos na Itália e na França. Participou de antologias no México, Colômbia, Índia e Espanha, e vem sendo aclamado por escritores do porte de Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes, Ignácio de Loyola Brandão e Antonio Skármeta como um dos principais nomes da poesia brasileira contemporânea.
Leia trecho do livro
Apresentação
Não quero mais ter razão na vida, só quero ter amor.
Eu teimava com meus pais, adorava ganhar uma discussão deles, me vangloriava de ser moderno, transgressor e rebelde, plantava sempre assuntos polêmicos como pena de morte e aborto nas rodas de almoço e jantar, táticas para denunciar o conservadorismo dos dois. Batia a porta, fechava a cara, gritava como um sindicalista lutando por melhores condições dentro de casa. E eles pediam que eu tivesse calma, que não faltasse com a educação, que não levantasse da mesa sem terminar a refeição, pois não adiantava reclamar da injustiça do mundo se não limpava o meu prato.
No fundo, eles me aceitavam do jeito que era, eu que jamais os aceitei como eles eram. Eu era o intransigente. Possuído pelos argumentos, não percebia um detalhe esclarecedor: se eu podia pensar diferente era porque meus pais me deram liberdade. Eles me permitiram crescer com os meus ideais. Por que não tolero as suas convicções distintas?
Perdi muito tempo pela vaidade das ideias. Perdi muito tempo do afeto paterno e materno. O que importa é estar junto para o que der e vier. Família não é para concordar, mas para apoiar qualquer que seja o caminho adotado.
Fui descobrindo que não estava sendo um bom filho. Até era um bom pai, um bom marido, um bom amigo, mas filho, não. Deixava os meus pais por último para telefonar e visitar. Eles podiam esperar. Será?
Acreditamos que os pais são eternos, imutáveis, que estarão próximos quando surgir a necessidade. Mas eles adoecem e morrem. É uma fatalidade inevitável, não há como parar a idade, recuar o fim.
Se é certo que os pais um dia vão adoecer e partir, por que não organizamos a nossa vida para acolhê-los? Por que não assumimos sua gestação? Por que não reduzimos o ritmo da carreira para darmos sentido para os seus últimos dias?
Não há como subornar o limite fisico, mas é possível mudar o limite psicológico e sentimental. Pois há filhos que abortam seus pais dentro do coração, e os enterram precocemente, antes mesmo do velório. Abandonam os pais no asilo. Largam os pais para a temeridade violenta da solidão.
Fundamos a cumplicidade com os pais por um equívoco: a necessidade. Não deveríamos procurá-los só quando precisamos. É transformar o amor em interesse, é converter a ternura em assistencialismo. São os nossos infinitos provedores financeiros e emocionais, nosso SOS, nossa ligação direta com o céu. Jamais invertemos a perspectiva e trocamos de lugar: o que eles desejam?
Filhos demoram para a empatia. Caminhamos com um ano, falamos com até dois anos, levamos décadas para avançar na generosidade.
Meus pais foram envelhecendo, foram se fragilizando, foram precisando mais de mim. E como não precisava tanto deles, ocupado com o meu trabalho e as minhas relações, tornei-me ausente. Um ausente egoísta, que empurrava os problemas para os irmãos e não pretendia se incomodar com a velhice e a saúde dos meus guardiões.
Saudade que não é praticada vira ressentimento. Palavra que não é dita se isola em orgulho. Hoje eu vejo o tamanho do meu despreparo.
Este livro é uma tentativa desesperada de ser mais pai de meu pai, mais pai de minha mãe, e devolver um pouco do que recebi deles na infância. Pelo menos, serve como um pedido de desculpa.
Minha mãe vai encolhendo. Cada vez mais baixo a cabeça para receber sua benção. Ela levanta o braço direito com esforço para alcançar minha testa, indecisa entre buscar uma escada e pisar na ponta dos pés.
Sempre que me despeço dela, recebo sua proteção. Sou sua prateleira de água benta. Não existe tchau sem o sinal da cruz e a reverência à maternidade.
Eu disse que minha mãe vai encolhendo, mas sua generosidade só vem alargando. Preocupa-se como o filho escritor se vira. Telefona nas manhãs, com a voz calma de feriado em dias úteis. Entrega semanalmente sorvete de pistache em meu apartamento, o nosso contrabando de doce.
Os pais diminuem de tamanho, arqueiam as costas, para serem os nossos bebês.
Eu já posso dar colo para a mãe, ela já cabe em meu peito, ela já entra no berço dos braços, ela já pode morar em meu ventre, ela não tem idade porque se misturou à minha vida.
Tão pequenina, tão amada. Seu corpo se apequena porque a alma não para de crescer.
Minha mãe vai encolhendo. Cada vez mais baixo a cabeça para receber sua benção. Ela levanta o braço direito com esforço para alcançar minha testa, indecisa entre buscar uma escada e pisar na ponta dos pés.
Sempre que me despeço dela, recebo sua proteção. Sou sua prateleira de água benta. Não existe tchau sem o sinal da cruz e a reverência à maternidade.
Eu disse que minha mãe vai encolhendo, mas sua generosidade só vem alargando. Preocupa-se como o filho escritor se vira. Telefona nas manhãs, com a voz calma de feriado em dias úteis. Entrega semanalmente sorvete de pistache em meu apartamento, o nosso contrabando de doce.
Os pais diminuem de tamanho, arqueiam as costas, para serem os nossos bebês.
Eu já posso dar colo para a mãe, ela já cabe em meu peito, ela já entra no berço dos braços, ela já pode morar em meu ventre, ela não tem idade porque se misturou à minha vida.
Tão pequenina, tão amada. Seu corpo se apequena porque a alma não para de crescer.
É uma criança sábia, anda em linha reta pela calçada, devagar, nunca se desviando da rota traçada, um passarinho que poderia voar e não usa as asas para não esnobar os humanos, um passarinho no fio elétrico invisível de Deus.
Minha mãezinha, mãezinha mesmo. O diminutivo é imensidão.
Quando eu me separei aos 30 anos e voltei para a residência materna, não me senti derrotado, não me senti fracassado, não me senti humilhado. Eu me veria assim se não tivesse sua retaguarda. Sair de casa não é sair da família.
Foi uni período que finalmente pude aproveitá-la desprovido do ranço adolescente. Experimentei uma sortuda repescagem daquelas tardes trancado no quarto.
Antes, jovem cabeludo e rebelde, eu apenas discutia, brigava e me interessava em sumir de perto. Naquele tempo de luto do amor, unia vez adulto, fazia questão de escutar suas teorias sobre poesia e desfrutava do silêncio da cumplicidade para cicatrizar as feridas e as palavras. Tomávamos chimarrão e brincávamos de recitar versos um para o outro.
— Alguns são autores, mas todas as pessoas são poetas — esclarecia ela.
O entardecer e o amanhecer têm hoje os cabelos brancos da minha mãezinha.
Derrota é perder quem amamos antes do fim, pelo fracasso de nossa comunicação. O resto é agradecimento.