Considerada uma das obras-primas da literatura mística mundial e, por muitos, uma prosa em verso, cheia de inspiração espiritual, A Voz do Silêncio toca-nos, não pela exposição de fatos reunidos de livros, mas por ser um apelo aos sentidos mais divinos de nossa natureza. Em si, esta obra é uma das melhores fontes disponíveis de ensinamentos teosóficos e um dos livros mais inspiradores do mundo.
Páginas: 104 páginas; Editora: Pensamento; Edição: 1 (23 de março de 2010); ISBN-10: 8531516129; ISBN-13: 978-8531516122; ASIN: B00ZRWZHTK
Leia trecho do livro
Sumário
Parte 1
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO DE 1939
por Atya Manda (A. J. Hamcrstcr)
Capa
Folha de rosto
Créditos Introdução à Edição de 1939
1. Um livro vivo
2. Em Fontainebleau
3. Em Jersey
4. Em Londres
5. O Budismo de H. P. B.
6. O Budismo dos Mestres
7. O Budismo do Mahâyâna
8. Os Lamas Tibetanos A Presente Edicão de jubileu
10. Anotações
I. Bodhidharma
II Escolas Esotérica e Exotérica
III. Pratyeka Budha e Bodhisattva
IV. Naljor
V. Álaya
VI. A Estrutura do Poema
…
Introdução à. Edição de 1939
I. UM LIVRO VIVO
Faz exatamente cinquenta anos que A Voz do Silêncio foi publicada pela primeira vez. Desde então muitas edições têm se sucedido rapidamente, não menos que catorze apenas com os editores originais.
Alguns livros nascem mortos, alguns são de vida curta, e outros alcançam certa medida de popularidade e duram sua geração, porém com razão se tem considerado uma alta ambição esperar-se que um livro seja lido por duas gerações. Poucos escritores o conseguem, e menos ainda são os que escrevem para os séculos. As obras de H. P. Blavatsky já lograram a distinção da penúltima categoria, e estou certo de que por fim lograrão conseguir a mais elevada meta ambicionada.
Mas à proporção que os anos avançam, as introduções podem auxiliar a tornar os livros das primeiras gerações mais rapidamente aceitáveis à nossa. Por essa razão esta edição de jubileu foi suprida de uma introdução, a fim de que a geração mais jovem possa melhor compreender o valor deste tesouro de ensinamentos teosóficos, vendo-o colocado em seu curso histórico.
Uma vez apresentada a autora por seu nome completo, daqui em diante me referirei a ela apenas por suas iniciais. São duas as razões. Urna é que ela descrevia o seu livro no frontispício como “traduzido e anotado por H. P. B.”; a outra é que no exemplar de apresentação feita por ela a si mesma, conservado nos Arquivos de Adyar, ela escreveu na folha em branco: H P. B. a H. P. Blavatoky, sendo a última a forma externa, que servia de veículo à primeira. É com H. P. B. que temos principalmente que ver em todo ensino teosófico, em seu sentido mais profundo.
Dois ciclos menores de sete anos haviam se passado desde a fundação da Sociedade Teosófica em Nova York, a 17 de novembro de 1875. Um trabalho hercúleo fora executado por H. P. B. nesses primeiros catorze anos; para iluminar a tenebrosa ignorância do mundo, havia ela escrito, além de inúmeros artigos, as obras monumentais Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta. Chegara a hora de fazer soar a nova nota. A Sociedade Teosófica estava florescendo, seus membros aumentavam, seus ensinamentos se espalhavam, e mais e mais gente ingressava no movimento. Surgiu uma dupla necessidade, em primeiro lugar a de um compêndio dos ensinamentos, mais fácil de manusear e assimilar do que seus dois livros gigantes em vários volumes; em segundo lugar, a de um guia na vida prática, para que o pensamento pudesse cristalizar-se em ação, a teoria em prática.
Ambas as necessidades foram supridas pela publicação em 1889 de A Chave da Teosofia e A Voz do Silêncio, cada qual de máxima valia em sua própria esfera. A primeira, a obra mais compreensiva e sistemática de H. P. B., e a segunda, um dos livros mais inspiradores do mundo. Foi o seu último esforço neste mundo, o último serviço prestado Àqueles cujo porta-voz ela era, e à Sua obra para elevação moral e mental da humanidade. Embora fisicamente próxima de seu fim, as faculdades mentais de H. P. B. permaneceram sempre inalteradas. Sua morte dois anos depois não foi um lento expirar, mas um súbito salto para uma nova existência.
2. Em Fontainebleau
Os últimos anos de sua vida Foram vividos em Londres, na Landsdowne Road, 17, com folgas ocasionais — antes, visitas, pois ela jamais cessou por um momento suas atividades pela Teosofia — no país ou no continente. Foi durante uma estada em Fontainebleau, perto de Paris, que teve lugar a produção da Voz do Silêncio. Enquanto ocupada em escrevê-lo, ela foi ali visitada por Annie Besant, que havia se filiado à Sociedade Teosófica no ano anterior, e estava acompanhada de Herbert Burrows, seu fiel cooperador em suas atividades sociais. Ao que estes dois, pertencentes ao grupo de discípulos de H. P. B., escreveram no registro de suas visitas, devemos os vislumbres sobre a escrita real do livro, apresentados abaixo. Esses vislumbres nos darão uma vívida impressão da autora e de seu livro, por ocasião de escreve-lo, segundo a observação ocular das testemunhas.
O mais antigo registro é o de Herbert Burrows, escrito no ano da morte da autora, em 1891: “Da H. P. B. autêntica, só conseguimos vislumbres ocasionais. De seu vasto e profundo conhecimento, o que poderíamos falar? Apenas nos alcançaram sempre ondulações desse conhecimento, mas essas formariam um oceano comum. Provavelmente jamais saberemos todos os motivos de sua recente encarnação. Em 1889 Annie Besant e eu estivemos com ela na França, na Floresta de Fontainebleau, e nesse interim ela fez conosco uma revisão da parte manuscrita da Voz do Silêncio. Remontando a esse tempo, recordo-me de que as passagens que mais a impressionaram foram as que descrevem a trabalhosa ascensão da alma peregrina. No exemplar do livro que me deu e que nunca me deixou, ela escreveu: ‘A Herbert Burrows, meu velho amigo de uma outra e melhor encarnação; de sua sempre amorosa H. P. B.’. Pode ser que nessas palavras se oculte parte da chave da vida que ambos conhecemos” [1]
A parte lida por H. P. B. aos seus dois visitantes é indubitavelmente o terceiro fragmento, intitulado “Os Sete Portais”, e é com efeito a mais impressiva. Mais tarde veremos que ela ainda o deu a ler a outro visitante, do que podemos seguramente concluir que, em sua opinião, esta era a sua obra mais profunda, como na opinião de seu visitante era “a maior joia de toda a nossa literatura teosófica”.
O que pensou Annie Besant sobre isso? Temos a felicidade de ter também a sua opinião registrada, em duas versões. A mais antiga e mais curta se encontra em sua Autobiografia, vinda à luz dois anos depois da morte de H. P. B.: “Eu fora convocada a ir a Paris para assistir, juntamente com Herbert Burrows, ao grande Congresso Trabalhista realizado ali de 15 a 20 de julho, e ambos passamos um ou dois dias em Fontainebleau, em companhia de H. P. Blavatsky, que havia se retirado para o exterior a fim de passar urnas semanas em descanso. Ali vi sua tradução dos maravilhosos fragmentos de O Livro dos Preceitos de Ouro, agora tão amplamente conhecido sob o nome de A Voz do Silêncio. Ela o escreveu rapidamente, sem qualquer cópia material diante de si, e à tarde me fez lê-lo em voz alta para verificar se o ‘inglês era decente’. Ali estava Herbert Burrows, e Sra. Candler, uma leal teósofa norte-americana, e sentamo-nos em volta de H. P. B., enquanto eu lia. A tradução estava em perfeito e formoso inglês, fluente e musical; apenas uma ou duas palavras nos pareceram poder alterar-se, e ela nos fitava qual uma criança assustada, admirada de nossos elogios — elogios que qualquer um com senso literário endossaria se lesse esse esquisito poema em prosa”. [2]
Dois anos depois, em 1895, Annie Besant fez um relato mais completo numa de suas conferências. Havendo primeiro falado da Doutrina Secreta de H. P. B., a conferencista prosseguiu: “Agora resta outro ponto acerca de outro livro seu, que é para mim de um interesse todo especial —A Voz do Silêncio — um livro que podeis conhecer. Coincidiu ser escrito enquanto eu estava com ela em Fontainebleau. É um pequeno livro, e o que vou dizer se cingirá apenas ao livro: não falo das anotações, que foram feitas depois. O livro é o que podemos chamar um poema em prosa em três capítulos. Escreveu-o em Fontainebleau, e a maior parte foi escrita enquanto eu estive com ela; eu me sentava na sala enquanto ela o escrevia. Sei que não o escreveu recorrendo a quaisquer livros; escreveu-o seguramente, hora após hora, exatamente como se estivesse escrevendo de memória ou lendo-o, mas sem nenhum livro. Ela produziu, de tarde, esse manuscrito que eu a vi escrever estando sentada a seu lado, e pediu-me e a outros que corrigíssemos o seu inglês, alegando que o havia escrito tão rapidamente que estava certa de que a redação era má. Não o alteramos senão em algumas palavras, e o livro permanece como um espécime de obra literária maravilhosamente bela, sem incluir o resto. … O livro é, como disse, urna prosa em verso, cheia de inspiração espiritual, cheia de alimento para o coração, estimulando as mais sublimes virtudes e contendo os mais nobres ideais. Não é uma salada feita de iguarias de várias fontes, mas um todo ético e coerente. Move-nos, não pela exposição de fatos reunidos de livros, mas por um apelo aos instintos mais divinos de nossa natureza; em si, ele é a melhor testemunha da fonte de sua origem. [3]
3. Em Jersey
A visita a Fontainebleau ocorreu na segunda quinzena de julho de 1889. Agora vamos ao mês de agosto, quando G. R. S. Mead; outro de seus discípulos imediatos e fiéis auxiliares no trabalho, e o último de seus secretários particulares, teve a oportunidade de dar-nos outro vislumbre do progresso da obra. H. P. B. havia regressado à Inglaterra, e permanecia em Jersey, donde “um telegrama urgente” convocou a vinda de Mead, e para onde ele voou, por certo, achando…? Deixemo-lo descrever em suas próprias palavras: “Que calorosa saudação havia na varanda daquela mansão, que era um favo de mel, e que azáfama para ter tudo confortável para o recém-chegado! Quase sempre me constituiu surpresa que a principal das acusações assacadas contra H. P. B. houvesse sido as de fraude e simulação. Por minha própria experiência, ela foi sempre superconfiante nos outros e pródiga em sua franqueza. Como um dos exemplos, nem bem eu cheguei, ela me passou o punhado de todos os seus papéis e comecei a trabalhar numa pilha de correspondência, que de outro modo teria permanecido sem resposta até o dia do juízo; pois o que ela mais detestava era ter de responder cartas. Um dia, pouco depois de minha chegada, H. P. B. entrou em minha sala com um manuscrito, que me estendeu, dizendo: ‘Leia isso, velho, e diga-me o que você pensa a respeito.’ Era o manuscrito da terceira parte da Voz do Silêncio, e enquanto eu o lia, ela permanecia sentada e fumava seus cigarros, batendo o pé no assoalho, como era seu hábito frequente. Eu o fui lendo, esquecendo a sua presença na beleza e sublimidade do tema, até que ela quebrou meu silêncio com, ‘Está bem?’. Eu lhe disse que era a maior joia em toda a nossa literatura teosófica, e tentei, contra meus hábitos, traduzir em palavras o entusiasmo que eu sentia. Mas mesmo então H. P. B. não estava satisfeita com a sua obra, e expressou a maior apreensão de que houvesse falhado em fazer justiça ao original em sua tradução, e de que dificilmente poderia convencer-se de que se um dos exemplos, nem bem eu cheguei, ela me passou o punhado de todos os seus papéis e comecei a trabalhar numa pilha de correspondência, que de outro modo teria permanecido sem resposta até o dia do juízo; pois o que ela mais detestava era ter de responder cartas. Um dia, pouco depois de minha chegada, H. P. B. entrou em minha sala com um manuscrito, que me estendeu, dizendo: ‘Leia isso, velho, e diga-me o que você pensa a respeito.’ Era o manuscrito da terceira parte da Voz do Silêncio, e enquanto eu o lia, ela permanecia sentada e fumava seus cigarros, batendo o pé no assoalho, como era seu hábito frequente. Eu o fui lendo, esquecendo a sua presença na beleza e sublimidade do tema, até que ela quebrou meu silêncio com, ‘Está bem?’. Eu lhe disse que era a maior joia em toda a nossa literatura teosófica, e tentei, contra meus hábitos, traduzir em palavras o entusiasmo que eu sentia. Mas mesmo então H. P. B. não estava satisfeita com a sua obra, e expressou a maior apreensão de que houvesse falhado em fazer justiça ao original em sua tradução, e de que dificilmente poderia convencer-se de que se havia saído bem. Esta era uma de suas principais características. Nunca estava confiante em seus trabalhos literários, e prazerosamente ouvia toda crítica, mesmo de pessoas que deviam manter-se silenciosas. De maneira estranha, ela se sentia sempre mais temerosa por seus melhores artigos e trabalhos, e mais confiante em seus escritos polêmicos .” [4].
4. Em Londres
Nossa última testemunha é uma correspondente norte-americana, que a visitou na Landsdowne Road, 17, na primeira ou segunda semana de setembro seguinte. O Coronel Olcott, numa viagem à Europa, havia chegado em Londres no dia 4, e permanecia com H. P. B. na Landsdowne Road, “uma dessas largas e belas ruas — informa-nos nossa correspondente — que se encontram nas vizinhanças do Hyde Park, onde cada casa é um lar, e um lar que podia satisfazer nobremente. Bem conservados jardins ou quintais de verdes arbustos dão um toque de graça aos edifícios de estrutura de pedra que ali se usam. ‘Oui, Madame, entrez, s’il vaus plait’, foi a resposta cordial à pergunta, ‘Madame Blavatsky está; posso vê-la?’. Introduzida na primeira sala à esquerda, onde uma mesa grande e móveis indicavam sinais de uso — talvez uma sala de jantar, quem sabe uma sala de recepção, e às vezes de estudos, pois sobre a mesa havia diversos papéis e escritos — eu esperei por mais ordens. Após alguns minutos, abriu-se uma porta de duas folhas e me vi face a face com um cavalheiro de grande físico, rosto afável, barba maravilhosa, um cavalheiro de maneiras e aparência tão únicas, que involuntariamente exclamei: ‘Coronel Olcott.’ — ‘Exatamente, e a senhora é minha compatriota. Sente-se.’ Apenas há alguns dias ele havia chegado em Londres, procedente da índia; os minutos voavam à medida que ele falava do trabalho, e apenas foi interrompido por uma porta que se abria, anunciando a entrada de Madame Blavatsky. Como descrevê-la? Seria impossível! Uma impressão geral de bondade, de poder, de maravilhosos predicados, é tudo quanto me resta na mente, neste momento. Ela se locomovia com dificuldade, pois sofria muito de reumatismo, mas, rindo, afirmava, enquanto se sentava numa poltrona: já enganei os médicos e a morte tantas vezes que, dizem eles, eu espero enganar também este reumatismo, mas não é coisa fácil.’
— Mas ainda escreve, Madame?
— Por certo, escrevo como sempre. — E o Coronel Olcott, interrompendo: — Que importa um pouco de reumatismo, contanto que ele não lhe atinja o cérebro nem os escritos?
E todos nós rimos. Falamos de Teosofia e de sua rápida expansão, de seus cooperadores, do Dr. Buck, de Cincinatti, cujo retrato estava pendurado bem acima de minha cabeça, e cujo bem conhecido rosto parecia sorrir uma saudação de boas-vindas a todos nós.
— Viu anunciada esta obra, Madame? E colocou-me nas mãos as primeiras provas de seu novo livro, A Chave da Teosofia. Eu não o tinha, e ela acrescentou que seria publicado muito logo, como também um livro muito menor que acabara de terminar, A Voz do Silêncio. Ao manifestar minha surpresa diante da soma de seus escritos, bem corno de seus imensos conhecimentos revelados, o Coronel Olcott observou: ‘Trabalho com Madame Blavatsky há vários anos, e sei muito bem disso. Ela é uma locomotiva a vapor para escrever. E quando lhe digo que ao escrever Ísis sem Véu, com seu vasto número de citações de antigos escritos, ela tinha acesso apenas a uma pequena estante de livros comuns; se acreditar no que lhe digo, ela lê na luz astral tão claramente como em páginas abertas. Todo este tempo percebi que um par de olhos liam meus próprios pensamentos, e que um rosto oposto a mim, que podia tornar-se a qualquer momento tão imóvel como uma esfinge, estava no momento muito amável e animado. Não posso conceber nenhuma personalidade tão expressiva e de força de vontade tão indomável quanto Madame Blavatsky’. A sala onde nos achávamos sentados estava impregnada de sua individualidade. Estava cheia de tudo que sugeria pensamento, refinamento, trabalho literário, interesse por amigos, mas não sobrava lugar para mera exibição de inúteis ornamentos. A mesa, com o coronel Olcott num lado e ela no outro, estava lotada de papéis e livros, e as paredes cobertas de fotografias. E aqui, no coração da agitada cidade, vive e trabalha a Fundadora da Sociedade Teosófica.” [5]
É o último vislumbre que temos da Voz do Silêncio antes de sair do prelo, o que ocorreu antes do fim do mês. Em dezembro o editor interino de The Theosophis’t menciona Coronel Olcott “há algum tempo” lhe escrevera para noticiar na revista ambos, A Chave e A Voz. No entanto, os primeiros exemplares não haviam chegado ainda a Adyar. A reportagem sobre os dois livros só apareceu no número de fevereiro seguinte. [6] Foi o mais precioso livro de H. P. B., e o último que ela viu impresso.
Foi publicado simultaneamente numa edição inglesa e outra norte-americana, como se evidencia das duas marcas diferentes, “Adyar Madras”, em uma; “New York”, na outra. Esta última é de papel mais encorpado. Existem dois exemplares com o autógrafo da edição norte-americana em Adyar, um no Arquivo e outro na Biblioteca. O primeiro é a apresentação de H. P. B. a si própria; o outro, à Sra. P. Sinnett.
5. O Budismo De H. P. B
Tanto quanto as circunstâncias de sua gênese, conheçamos agora a matéria geral do livro, que é budista na forma e no conteúdo.
Alguns anos atrás apareceu uma edição “sob os auspícios da Sociedade Chinesa de Pesquisas Budistas” [7], que continha um retrato e alguns versos abençoadores do falecido Tashi Lama do Tibete (1883-1937), “escritos de seu próprio punho para esta reedição”. Até que ponto é verdadeiro que o livro foi efetivamente “endossado” por Sua Serena Santidade, “como sendo a única exposição autêntica em inglês da Doutrina do Coração do Budismo Mahayana“, como assegurava um escritor [8] não o sabemos, mas parece não restar dúvida de que teve a aprovação geral do falecido Chefe Espiritual da Igreja Tibetana. Uma outra Autoridade da Igreja Tibetana, o falecido Lama Kazi Dawa-Samdup, era também de opinião que, “a despeito das críticas adversas assacadas contra as obras de H. P. Blavatsky, há nelas provas internas adequadas de conhecimentos privativos de sua autora com as mais elevadas instruções lamaísticas, em que ela declarava haver sido iniciada” [9].
Agora que uma tal declaração de iniciação na sabedoria tibetana é de novo atribuída a H. P. B., convém notar como considerava ela uma afirmação similar feita no século anterior por Arthur Lillie, o qual, ao contrário do Lama Dawa-Samdup, não acreditava em tal declaração, mas queria mais precisas “informações sobre os sete anos de iniciação de Madame Blavatsky”. A resposta de H. P. B., datada de 3 de agosto de 1884, foi: “O humilde indivíduo deste nome jamais ouviu falar em iniciação durando sete anos. Talvez a palavra ‘iniciação’ — com aquela exatidão da explicação dos termos esotéricos que tão proeminentemente caracteriza o autor de Buda e Budismo Primitivo queira dizer ‘introdução’? Se assim for, então lhe direi explicitamente que vivi em diferentes períodos tanto no Pequeno Tibete como no Grande Tibete, e que estes períodos combinados somam mais de sete anos. Detive-me nos conventos lamaicos! Visitei Tzigadze, o território de Tdashoo Hlumpo e suas vizinhanças, e… fui mais além, e mesmo a lugares do Tibete jamais visitados por outros europeus” [10]
O conhecimento e inclinações de H. P. B. pelo Budismo datam de sua adolescência, quando era ainda moça. Em outra resposta ao mesmo ataque de Arthur Lillie, de 10 de setembro de 1884, ela escreveu: “Estou plenamente familiarizada com o Lamaísmo dos budistas tibetanos. Passei meses e anos de minha infância entre os calmucos lamaístas de Astracã, e com o seu sumo sacerdote. Embora heréticos em sua terminologia religiosa, os calmucos conservam ainda os mesmos termos, idênticos aos dos outros lamaístas do Tibete. Eu havia visitado Semipalatinsk e as montanhas Urais em companhia de um tio meu, que tem propriedades na Sibéria, bem como na fronteira dos países mongólicos, onde reside o ‘Lama Tarachan’. Fiz numerosas excursões além das fronteiras, e sabia tudo sobre Lamas e Tibetanos antes de meus quinze anos” [11]. E numa carta a A. P. Sinnet, em 1886, ela nos diz que “quando (eu tinha) onze anos, minha avó me levou a viver em sua companhia; morava em Saratóvia quando meu avô foi Governador, e antes disso em Astracã, onde ele tinha muitos milhares (alguns 80 ou 100.000) de budistas calmucos sob sua jurisdição” [12].
Todas essas viagens em sua juventude e depois, em países budistas, culminaram em 25 de maio de 1880, no pansil aceito por H. P. B. em Galle [13], juntamente com o seu colaborador, H. S. Olcott. Pode ser que este ato público tenha sido em parte uma demonstração cavalheiresca, para ajudar a causa dos budistas no Ceilão em sua luta contra os poderes privilegiados das Igrejas Anglicana e Católica Romana, porém também temos a palavra do Mestre de que não foi somente isto. E as reminiscências acima em nenhum caso deixam qualquer dúvida de que toda a vida de H. P. B. havia sido atraída para a crença e filosofia budistas. Sua sinceridade em receber o pansil está provada por seu escrito poucos meses depois (agosto de 1880) ao correspondente na França: “Sou budista até as pontas de meus dedos, e isso tenho dito durante anos”. Isso é confirmado pelo Coronel Olcott, que escreveu: “Tínhamos anteriormente nos declarado budistas muito antes, na América, tanto particular como publicamente, de sorte que isto (receber o pansil) era apenas uma confirmação formal de nossas anteriores profissões de fé”.
Antes, em outubro de 1878, H. P. B. havia negado categoricamente que fosse budista: “Não abracei a ‘crença budista, nem por convicção nem por qualquer outra razão. É verdade que encaro a filosofia de Gautama Buda como o sistema mais sublime, o mais puro, e acima de tudo, o mais lógico de todos. Mas o sistema tem sido distorcido durante os séculos pela ambição e fanatismo dos sacerdotes, e tornou-se uma religião popular. As formas e os processos do culto exotérico ou popular desse sistema se assemelham demasiado estreitamente aos da igreja romana, que os tem servilmente plagiado, para jamais me converter a ele”. No entanto, nem bem haviam decorrido dois anos, publicamente ela “abraçou a crença budista”. Todavia, está muito claro que o seu Budismo nunca poderia ser o de qualquer “sistema eclesiástico”, ou igreja do Sul ou do Norte. “Assim, se o repórter (contra quem ela dirigira sua negativa) houvesse simplesmente dito que eu pertencia à religião que Buda havia inspirado, ao invés de me apresentar ao público como uma budista girando a Roda da Lei — ele apenas teria dito a verdade”. [14]
Também o Coronel Olcott, em sua maneira abrupta e honesta, torna bem claro que não havia nada de sectarismo na profissão de fé budista sua e de H. P. B. “Ser um budista regular — escreveu — é uma coisa, e ser um corrompido sectário budista moderno, é muito outra. Falando por ela e por mim, posso dizer que se o Budismo contivesse um simples dogma que fôssemos compelidos a aceitar, não teríamos tomado o pansil nem permanecido budistas dez minutos. Nosso Budismo era o do Mestre-Adepto Gautama Buda, o qual era idêntico à Religião Sabedoria dos Upanishads arianos, e a alma de todas as antigas religiões do mundo. Em resumo, nosso Budismo era uma filosofia, não um credo” [15]
Em abril de 1883, numa carta dirigida a outro membro na França, H. P. B. alude a si e a outros como “nós, budistas da Escola Esotérica Arhat” [16], e ao seu Budismo tal qual o testificado pelo Mestre numa carta de dezembro de 1883, em que Ele traça um paralelo, bem como um contraste, entre os dois maiores ocultistas dos primórdios do movimento teosófico: “UpasiKlca (Madame B) e Subba Row, embora discípulos do mesmo Mestre, não seguiram a mesma Filosofia — uma budista e outro advaitista. Muitos preferem chamar-se budistas, não porque a palavra se vincule ao sistema eclesiástico edificado sobre as ideias básicas da filosofia de nosso Senhor Gautama Buda, mas por causa da palavra sânscrita Buddhi: sabedoria, iluminação; e como um silencioso protesto aos vãos rituais e cerimônias vazias, que em casos demasiadamente numerosos têm gerado as maiores calamidades”.
6. O BUDISMO DOS MESTRES
Isto nos leva a perguntar se os Mestres (de quem H. P. B. derivava e a quem referia todo o conhecimento que era seu) pertenciam a qualquer “sistema eclesiástico” específico, ou igreja. Restringir-nos-emos aos Mestres M. e K. H., os instigadores reais do movimento teosófico, de quem também emanaram As Cartas do Mahatma. Esta última citação mostra, para começar, a ampla mentalidade dos Mestres e Sua transcendência das estreitas limitações religiosas. Eles têm discípulos do Hinduísmo ou Budismo, do Cristianismo ou Maometismo, ou de qualquer outra denominação ou seita. “É uma ocorrência de todos dias encontrar estudantes pertencentes a diferentes escolas de pensamento oculto sentarem-se lado a lado aos pés do mesmo Guru”, escreve o mesmo Adepto [17]. Eles se recusam a confinar-se exclusivamente a qualquer dos credos raciais, religiosos ou filosóficos conhecidos da humanidade, nem mesmo ao Advaitismo, embora este e o Budismo se enfileirem decidida e igualmente entre as maiores dádivas espirituais dos grandes instrutores do Mundo para a humanidade. Disse H. P. B.: “Após muitos estudos que pudemos dedicar-lhes, chegamos à firme convicção de que o Vedantismo e o Budismo eram duas filosofias sinônimas, quase idênticas, em espírito, se não na prática e interpretação. O sistema Vedanta é apenas Budismo transcendental, ou por assim dizer, espiritualizado, enquanto que o Budismo é o Vedantismo racional ou mesmo radical. Entre esses dois permanece a filosofia Sânkhya. [18]
Da maior escola do Budismo do Norte, a dos Madhyamikas, fundada por Nagárjuna, Kerne também disse que sua filosofia constituía “a contraparte budista, ou antes, a adaptação da Vedanta escolástica” [19]. De maneira semelhante, o Professor Radhakrishnan declara que “a filosofia de Nagárjuna não difere da interpretação advaitista dos conceitos do Upanishad” [20]. De sorte que não é de admirar quando ouvimos dos lábios do Mestre K. H. que “nem M. nem eu… jamais fomos advaitas” [21], e contudo nossa Instrução a respeito da vida una é idêntica a do advaitista em relação a Parabrahm”[22]. E tal se dá, sem dúvida, com todos os princípios fundamentais. Estes são idênticos aos mais profundos ensinamentos filosóficos e religiosos das escolas e das igrejas, porém livres das limitações raciais e sectárias com que geralmente as sobrecarregam as instituições humanas.
Há uma aparente discrepância entre as declarações acima em As Cartas do Mahatma, de que nenhum dos dois Mestres é advaitino e a seguinte passagem extraída de uma carta de H. P. B. ao Coronel Olcott, de 25 de novembro de 1885. Transcrevo-a diretamente do original que se acha no Arquivo de Adyar: “O Mestre (M) é um perfeito vedantino advaitista, tanto quanto S(ubba) R(ow), e o Mah. K. H. é um autêntico Esoterista da Escola Budista. Como homens, podem diferir na sua maneira de apresentá-la; como Mahatmas eles concordam. Só há uma Verdade.” A única solução a esta discrepância é, por certo, que de um ponto de vista o Advaitismo e o Budismo diferem, mas do outro, como vimos, são uma e a mesma coisa.
Mas, embora os Mestres estejam livres de qualquer tinta de sectarismo, contudo eles pertencem externamente a pelo menos uma religião ou igreja específica: a fé budista e a igreja lamaica tibetana. Por causa destas relações particulares, bem como pelo fato de que o Buda foi o maior dos Instrutores do Mundo, e sua doutrina um dos mais puros ensinamentos espirituais, é notável nas cartas dos Mestres certa predileção pelo Budismo, ou talvez melhor, uma determinada preeminência concedida ao Budismo antes e acima de outras religiões: Hinduísmo, Maometismo, Zoroastrismo ou Cristianismo. É supérfluo dizer que esta predileção não é tanto pelos ensinamentos exotéricos quanto pelo Budismo Esotérico.
A expressão particular, citada acima, de uma das cartas de H. P. B., “nós, budistas da Escola Esotérica Arhat”, encontra eco nas palavras do Mestre M., ditadas a H. P. B. e comunicadas por ela: “nós, os discípulos dos verdadeiros Arbab do Budismo Esotérico e Sang-gyas”, que é Samyak-Sambuddha, o “Buda da Perfeição”, tal como A Voz do Silêncio traduz o termo. O próprio Mestre vai a ponto de chamar a este Budismo Esotérico, “a única filosofia verdadeira na terra” [23]. E o Maháchohan vai ainda mais longe em seu louvor. Depois de mencionar “as doutrinas esotéricas de Buda”, mais adiante refere o Mestre K. H. haver ele dito que “mesmo o Budismo exotérico é o caminho mais seguro para conduzir os homens a uma verdade esotérica” [24]. H. P. B. dá-nos a razão desta preferência de uma religião particular sobre todas as demais, ao explicar que embora o Budismo exotérico, como toda outra religião, tenha também perdido “muito de sua vitalidade interna”, contudo essa religião sofreu isso “menos do que qualquer outra” [25].
O BUDISMO DO MAHÂYÁNA
O Budismo Esotérico, “a única filosofia verdadeira sobre a terra!” — é uma frase bem digna de se considerar. É deste Budismo Esotérico que os Mestres se declaram partidários, não dos “sistemas eclesiásticos” Hinayana ou Mahâyâna, como de qualquer outra seita ou escola particular do Budismo, embora indubitavelmente os Sutras do Mahâyâna pareçam mais próximos de uma verdadeira exposição das doutrinas budistas esotéricas, a julgar pela preferência com que em suas cartas os Mestres os citam diretamente ou as parafraseiam em suas próprias palavras.
Talvez baste um exemplo. O Budismo do Hinayana nega categoricamente a existência de uma alma permanente, seja em conexão ou à parte do corpo. Todavia, o Mestre cita de um “livro budista do Norte” as seguintes palavras de Buda aos seus seguidores: “Mendicantes! lembrai-vos de que dentro do homem não existe princípio permanente de espécie alguma, e que somente o discípulo instruído que adquire sabedoria dizendo, “eu sou”, sabe o que está dizendo” [26]. O budista do Sul, concordando inteiramente com as palavras acima grifadas, não como se acha implícito na segunda metade da sentença. Ainda menos, portanto, a posterior elucidação que o Mestre dá desta passagem, por outra citação apanhada de um “livro do Norte”. Diz Buda: “Tendes que vos libertar inteiramente dos objetos da impermanência componentes do corpo para que vosso corpo se torne permanente. … Mas é tão só quando houverem desaparecido todas as aparências externas que restará um único
principio de vida, que subsiste independente de todos os fenômenos externos” [27]
Em seu incompetente (para dizer o mínimo) livre, Quem Ecreveu as Cartas de Mahatma? (1936), os irmãos Hare asseguram que fizeram “cuidadosas pesquisas no Mahaparinibbana Sutta, mas não puderam descobrir ali nenhuma passagem correspondente à curiosa citação do Mahatma (p. 113). Contudo eles tiveram acesso à Série de Escrituras Budistas Chinesas de Beal (p. 109). Por que pesquisar a citação do Mestre apenas no livro páli do Sul, ao invés de fazê-lo no Paranimana Sutra em sânscrito do Norte? É a este Sutra que o Mestre se refere expressamente, e do qual ele tira diretamente a citação, segundo a tradução de Beal dos chineses. Compare-se o texto do Mestre, dado acima, com o seguinte do libro de Beal (p. 184): Assim fala o Buda: “Por ter o Tathagata se libertado inteiramente dos objetos da impermanência componentes do corpo, por isso mesmo o seu corpo é permanente. … Desaparecidas todas as aparências externas, resta tão só aquele único princípio de vida verdadeiro, que subsiste independente de todos os fenômenos externos”. As demais sentenças no texto do Mestre foram evidentemente adicionadas por ele à guisa de comentário [28].
Os irmãos Hare declaram que neste texto o Mestre “faz Buda desdizer sua doutrina de Anatta, ensinada em toda a sua vida”, da qual o Mestre em algum lugar se confessa um aderente (p. 111). Esta doutrina proclama a ausência de alma ou o não eu de todos os fenômenos. Mas quem poderá dizer que neste ponto o ensino do Hinayana se aproxima mais da verdade do que o do Mahâyâna? Em todo caso, o próprio Mestre parece achar o segundo mais em harmonia com o Budismo Esotérico.
Para focalizar ainda mais este ponto, oferecerei outra passagem extraída do mesmo Makaparinirvana Sutra (Beal, p. 180). Diz o Buda: “O nobre juventude! quando o mundo, cansado de tristezas, se afasta e se separa da causa de todas essas tristezas, então, por esta voluntária rejeição, permanece o que chamo o verdadeiro eu; e é deste que explicitamente declaro a doutrina de que é permanente, pleno de alegria, pessoal e puro .
À visão de um budista do Hinayana A Voz do Silêncio seria, com efeito, um amontoado de heresias, tão essencialmente é o seu conteúdo uma produção do Mahâyâna. Está cheio de Alma e de Eu, como o mostrará um rápido exame do índice. Por exemplo, as palavras do Instrutor ao Eu liberto daquele que se tornou Arhat (vs. 90):
E agora o teu Eu está perdido no EU;
tu mesmo em TI MESMO,
imerso n’AQUELE EU,
do qual primitivamente irradiaste.
Uma tal glorificação e apoteose do EU seria inteiramente inaceitável a um budista do Sul.
Durante demasiado tempo tem estado o Ocidente sob a impressão de que o Budismo do Hinayana é o herdeiro mais importante e mais autêntico dos ensinamentos de Gautama. Isto não é verdadeiro, nem como fato nem como teoria. Essa impressão foi criada pelo entusiasmo dos eruditos ocidentais que primeiro entraram em contato mais sério com o Budismo através das fontes páli. Mas chegou a hora de se compreender que, tanto em extensão de países e número de fiéis, como em profundidade cie filosofia, o Budismo do Mahâyâna superou o seu irmão. Entre os que trabalham pela expansão de ideias mais claras sobre este ponto, o mais destacado é o professor Daisetz Teitaro Suzuki1221. Seus livros auxiliarão materialmente o estudante a compreender melhor A Voz do Silêncio.
8. OS LAMAS TIBETANOS
…
PRIMEIRO FRAGMENTO
A VOZ DO SILÊNCIO
Estas instruções são para aqueles que não conhecem os perigos dos Iddhi inferiores.
Aquele que quiser ouvir a voz de Nada, o Som sem som, e compreendê-la, terá de aprender a natureza do Dharana.
Tendo-se tornado indiferente aos objetos da percepção, deve o aluno procurar o Raja dos sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que acorda a ilusão.
A Mente é a grande assassina do Real.
Que o discípulo mate o assassino.
Porque quando para si mesmo a sua própria forma parece irreal, como o parecem, ao acordar, todas as formas que ele vê em sonhos; quando deixar de ouvir os muitos, poderá divisar o Um – o som interior que mata o exterior.
Então, e só então, abandonará ele a região de Asat, o falso, para chegar ao reino de Sat, o verdadeiro.
Antes que a Alma possa ver, deve ser conseguida a harmonia interior, e os olhos da carne tornados cegos a toda a ilusão.
Antes que a Alma possa ouvir, a imagem (o homem) tem de se tornar surda aos rugidos como aos segredos, aos gritos dos elefantes em fúria como ao sussurro prateado do pirilampo de ouro.
Antes que a Alma possa compreender e recordar, ela deve primeiro unir-se ao Falador Silencioso, como a forma que é dada ao barro se uniu primeiro ao espírito do escultor.
Porque então a Alma ouvirá e poderá recordar-se.
E então ao ouvido interior falará
A Voz do Silêncio
e dirá:
Se a tua Alma sorri ao banhar-se ao sol da tua vida; se a tua Alma canta dentro da sua crisálida de carne e de matéria; se a tua Alma chora dentro do seu castelo de ilusão; se a tua Alma se esforça por quebrar o fio de prata que a liga ao Mestre; sabe, ó discípulo, que a tua Alma é da terra.
Quando ao tumulto do mundo a tua Alma que desabrocha dá ouvidos; quando à voz clamorosa da grande ilusão a tua Alma responde; quando se assusta ao ver as lágrimas quentes da dor, quando a ensurdecem os gemidos da angústia, quando a Alma se retira, como a tartaruga tímida, para dentro da concha da personalidade, sabe, ó discípulo, que do seu Deus silencioso a tua Alma é um sacrário indigno.
Quando, já mais forte, a tua Alma vai saindo do seu retiro seguro; quando, deixando o sacrário protetor, estende o seu fio de prata e avança; quando, ao contemplar a sua imagem nas ondas do espaço, ela murmura, “Isto sou eu” – declara, ó discípulo, que a tua Alma está presa nas teias da ilusão.
Esta terra, discípulo, é a sala da tristeza, onde existem, pelo caminho das duras provações, armadilhas para prender o teu Eu na ilusão chamada “a grande heresia”.
Esta terra, ó discípulo ignaro, não é senão a triste entrada para aquele crepúsculo que precede o vale da verdadeira luz – essa luz que nenhum vento pode apagar, e que arde sem óleo nem pavio.
Diz a grande Lei: “Para te tornares o conhecedor da Personalidade Total, tens primeiro de conhecer a Personalidade”. Para chegares ao conhecimento dessa Personalidade, tens de abandonar a personalidade à não-personalidade, o ser ao não-ser, e poderás então repousar entre as asas da Grande Ave. Sim, suave é o descanso entre as asas daquilo que não nasce, nem morre, mas é o AUM através de eras eternas.
Cavalga a Ave da Vida, se queres saber.
Abandona a tua vida, se queres viver.
Três salas, ó cansado peregrino, conduzem ao fim dos trabalhos. Três salas, ó conquistador de Mara, te trarão através de três estados até ao quarto, e daí até aos sete mundos, os mundos do descanso eterno.
Se queres saber os seus nomes, escuta-os e aprende-os.
O nome da primeira sala é Ignorância – Avidya. É a sala em que viste a luz, em que vives e hás de morrer.
O nome da segunda sala é a Sala da Aprendizagem. Nela a tua Alma encontrará as flores da vida, mas debaixo de cada flor uma serpente enrolada.
O nome da terceira sala é Sabedoria, para além da qual se estende o mar sem praias de Akshara, a fonte indestrutível da onisciência.
Se queres atravessar seguramente a primeira sala, que o teu espírito não tome os fogos da luxúria que ali ardem pela luz do sol da vida.
Se queres atravessar seguramente a segunda, não pares a aspirar o perfume das suas flores embriagantes.
Se queres ver-te livre das peias cármicas, não procures o teu Guru nessas regiões mayávicas.
Os sábios não se demoram nas regiões de prazer dos sentidos. Os sábios não dão ouvidos às vozes musicais da ilusão.
Procura aquele, que te dará o ser, na Sala da Sabedoria, a sala que está para além, onde todas as sombras são desconhecidas e onde a luz da verdade brilha como uma glória imorredoura.
Aquilo que é incriado está dentro de ti, discípulo, assim como está naquela sala. Se queres possuí-lo, e unir as duas coisas, tens de despir os teus negros trajes de ilusão. Abafa a voz da carne, não deixes que qualquer imagem dos sentidos se entreponha entre a sua luz e a tua, para que assim as duas se fundam em uma. E, tendo aprendido a tua Ajnana, abandona a Sala da Aprendizagem. Essa sala é perigosa pela sua beleza pérfida, e só é precisa para a tua provação. Acautela-te Lanu, não vá a tua Alma, entontecida pelo brilho ilusório, demorar-se e enredar-se na sua luz enganadora.
Esta luz brilha na jóia do grande enganador (Mara). Enfeitiça os sentidos, cega o espírito e deixa o descuidado naufragado e sozinho.
A borboleta atraída para a chama da tua lâmpada noturna está condenada a ficar morta no azeite. A alma incauta, que não pode defrontar-se com o demônio escarninho da ilusão, voltará ao mundo escrava de Mara.
Olha as hostes das Almas. Vê como elas pairam sobre o mar tempestuoso da vida humana, e como, exaustas, sangrando, de asas quebradas, caem, uma após outra, nas ondas encapeladas. Batidas pelos ventos ferozes, perseguidas pelos vendavais, são arrastadas para os sorvedouros e somem-se pelo primeiro grande vértice que encontram.
Se, passando pela Sala da Sabedoria, queres chegar ao vale da felicidade, fecha, discípulo, os teus sentidos à grande e cruel heresia da separação, que te afasta dos outros.
Que aquilo que em ti é de origem divina não se separe, engolfando-se no mar de Maya, do Pai Universal (a Alma), mas que o Poder de Fogo se retire para a câmara interior, a câmara do coração, e o domicílio da Mãe do Mundo.
Então do coração esse poder subirá até à sexta região, à região média, ao lugar entre os teus olhos, quando se toma a respiração da Alma-Única, a voz que enche tudo, a voz do seu Mestre.
É só então que te podes tornar um “que anda nos céus”, que pisa os ventos por cima das ondas, cujo passo não toca nas águas.
Antes que ponhas o pé sobre o degrau superior da escada, da escada dos sons místicos, tens de ouvir de sete maneiras a voz do teu Deus interior.
A primeira é como a voz suave do rouxinol cantando à sua companheira uma canção de despedida.
A segunda vem como o som de um címbalo de prata dos Dhyanis, acordando as estrelas lucilantes.
A terceira é como o lamento melodioso de um espírito do oceano prisioneiro na sua concha.
E a esta segue-se o canto da vina.
A quinta, como o som de uma flauta de bambu, grita aos teus ouvidos. Muda depois para um clamor de trompa.
A última vibra como o rumor surdo de uma nuvem de trovoada.
A sétima absorve todos os outros sons. Eles morrem, e não tornam a ouvir-se.
Quando os seis estão mortos e postos aos pés do mestre, então se entrega o aluno no Único, se torna esse Único e nele vive.
Antes que possas entrar para esse caminho, tens de destruir o teu corpo lunar, e limpar o teu corpo mental, assim como o teu coração.
As águas puras da vida eterna, límpidas e cristalinas, não podem misturar-se com as torrentes lamacentas da tempestade de monção.
O orvalho do céu brilhando ao primeiro raio do sol no coração do lótus, quando cai na terra torna-se uma, gota de lama; vede como a pérola se tornou uma porção de lodo.
Luta com os teus pensamentos desonestos antes que eles te dominem. Trata-os como eles te querem tratar, porque, se os poupas, criarão raízes e crescerão, e repara, esses pensamentos dominar-te-ão até que te matem. Acautela-te, discípulo, não deixes aproximar-se mesmo a sua sombra. Porque ela crescerá, aumentará em tamanho e poder, e então essa coisa escura observará o teu ser antes que te apercebas da presença do monstro hediondo e negro.
Antes que o poder místico te possa fazer um Deus, Lanu, deves ter adquirido a faculdade de matar, quando quiseres, a tua forma lunar.
A pessoa da matéria e a Pessoa do Espírito nunca se podem encontrar. Uma delas tem de desaparecer; não há lugar para ambas.
Antes que a mente da tua Alma possa compreender, deve a flor da personalidade ser esmagada em botão, e o verme dos sentidos destruído até não poder ressurgir.
Não podes caminhar no Caminho enquanto não te tornares, tu próprio, esse Caminho.
Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lótus abre o seu seio para beber o sol matutino.
Que o sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.
Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí fique; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.
Estas lágrimas, ó tu de coração tão compassivo, são os rios que irrigam os campos da caridade imortal. É neste terreno que cresce a flor noturna de Buda, mais difícil de achar, mais rara de ver, do que a flor da árvore Vogay. É a semente da libertação do renascer. Ela sola o Arhat tanto da luta como da luxúria, leva-o através dos campos do ser para a paz e a felicidade que só se conhecem na terra do silêncio e do não-ser.
Mata o desejo; mas se o matares, cuida bem em que ele não renasça da morte.
Mata o amor da vida; mas se matares Tanha (38), que isso não seja pela ânsia da vida eterna, mas para substituir o evanescente pelo eterno.
Não desejes nada. Não te indignes contra o Carma, nem contra as leis imutáveis da natureza. Mas luta apenas com o pessoal, o transitório, o evanescente e o que tem de perecer.
Auxilia a natureza e trabalha com ela; e a natureza ter-te-á por um dos seus criadores, obedecendo-te.
E ela abrirá de par em par diante de ti as portas das suas câmaras secretas, desnudará ao teu ornar os tesouros ocultos nas profundezas do seu seio virgem. Impoluída pela mão da matéria, ela revela os seus tesouros apenas aos olhos do Espírito – os olhos que nunca se fecham, os olhos para os quais não há véu em todos os seus remos.
Então ela te mostrará o meio e a senda, a primeira porta, e a segunda, e a terceira, até à própria sétima porta. E então a meta, para além da qual estão, banhadas pelo sol do Espírito, glórias indizíveis, que só o olhar da Alma pode ver.
Há só uma senda até ao Caminho; só chegado bem ao fim se pode ouvir a Voz do Silêncio. A escada pela qual o candidato sobe é formada por degraus de sofrimento e de dor; estes só podem ser calados pela voz da virtude. Ai de ti, pois, discípulo, se há um único vício que não abandonaste; porque então a escada abaterá e far-te-á cair; a sua base assenta no lodo fundo dos teus pecados e defeitos, e antes que possas tentar atravessar esse largo abismo de matéria, tens de lavar os teus pés nas águas da renúncia. Acautela-te, não vás pousar um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que ousa poluir um degrau com seus pés lamacentos. A lama vil e viscosa secará, tornar-se-á pegajosa, e acabara por colar-lhe o pé ao degrau; e, como uma ave presa no visco do caçador sutil, ele será afastado de todo o progresso ulterior. Os seus vícios tomarão forma e puxá-lo-ão para baixo. Os seus pecados erguerão a voz, como o riso e soluço do chacal depois do sol se por; os seus pensamentos tornar-se-ão um exército e levá-lo-ão consigo, como um escravo cativo.
Mata os teus desejos, Lanu; torna os teus vícios impotentes, até dares o primeiro passo na jornada solene.
Estrangula os teus pecados, torna-os mudos para sempre, antes que ergas um pé para subir a escada.
Faze calar os teus pensamentos e concentra toda a tua atenção sobre o teu Mestre, que tu por enquanto não vês, mas sentes.
Funde num só sentido todos os teus sentidos, se queres tomar-te seguro contra o inimigo. É só por aquele sentido que está oculto no vácuo do teu cérebro, que o caminho íngreme que conduz ao teu Mestre se pode revelar aos olhos indecisos da tua, Alma.
Longa e fatigante é a senda ante ti, ó discípulo. Um único pensamento a respeito do passado que abandonaste puxar-te-á para baixo, e terás novamente de começar a ascensão.
Mata em ti toda a recordação de experiências passadas. Não te voltes para trás ou estás perdido.
Não creias que a luxúria pode alguma vez ser morta se é satisfeita ou saciada, porque isso é uma abominação inspirada por Mara.
É alimentando o vício que ele se expande e torna forte, como o verme que se alimenta no seio da flor.
A rosa tem de tornar a ser o botão, nascido da sua haste paterna, antes que o parasita lhe tenha roído o seio e bebido a seiva da sua vida.
A árvore dourada dá flores de jóia, antes que o seu tronco esteja gasto pela tormenta.
O aluno tem de tornar ao estado de infância que perdeu antes que o primeiro som lhe possa soar ao ouvido.
A luz do único Mestre, a única, eterna, luz dourada do Espírito, derrama os seus raios fulgurantes sobre o discípulo desde o princípio. Os seus raios atravessam as nuvens espessas e pesadas da matéria.
Ora aqui, ora ali, esses raios iluminam-na, como os raios do sol iluminam a terra através das espessas folhas da floresta. Mas, ó discípulo, a não ser que a carne seja passiva, a cabeça lúcida, a Alma firme e pura como um diamante que cintila, o fulgor não chegará à câmara, a sua luz do sol não aquecerá o coração, nem os sons místicos das alturas akashicas chegarão ao ouvido, por atento que ele esteja, no estágio inicial.
A não ser que ouças, não poderás ver.
A não ser que vejas, não poderás ouvir. Ouvir e ver, eis o segundo estágio.
Quando o discípulo vê e ouve, e quando cheira e gosta, com os olhos fechados, os ouvidos fechados, tapados o nariz e a, boca; quando os quatro sentidos se fundem e estão prontos a tornar-se o quinto, aquele do tato interior – então passou ele para o quarto estágio.
E no quinto, á matador dos teus pensamentos, todos estes têm de ser outra vez mortos até não ser possível reanimarem-se.
Retira a tua mente de todos os objetos externos, de todas as vistas externas. Retira as imagens internas, para que não lancem uma sombra negra sobre a luz da tua Alma.
Estás agora em Dharana, o sexto estágio.
Quando tiveres passado para o sétimo, ó bem-aventurado, não mais verás os Três sagrados, porque te terás, tu próprio, tornado esses Três. Tu próprio e a mente, como gêmeos sobre uma linha, a estrela que é o teu guia brilha por cima, nas alturas. Os Três que moram na glória e na felicidade inefáveis, agora perderam os seus nomes no mundo de Maya. Tornaram-se uma só estrela, o fogo que arde mas não queima, o fogo que é o Upadhi da chama.
E isto, ó iogue do sucesso, é aquilo a que os homens chamam Dhyana, o verdadeiro precursor do Samadhi.
E agora a tua personalidade está perdida na Personalidade, tu para contigo próprio imerso naquela Personalidade de onde primeiro irradiaste.
Onde está a tua individualidade, Lanu, onde está o próprio Lanu? É a fagulha perdida no meio do fogo, a gota dentro do oceano, o raio de luz sempre presente tornado o Todo e o fulgor eterno.
E agora, Lanu, tu és o agente e a testemunha, o que irradia e a irradiação, a luz no som, e o som na luz.
Conheces, ó bem-aventurado, os cinco impedimentos. Tu és o seu conquistador, o mestre do sexto, libertador dos quatro modos da verdade – A luz que cai sobre eles brilha de ti, à tu que foste discípulo, mas agora és professor.
E destes modos da verdade:
Não atravessaste tu o conhecimento de toda a dor – primeira verdade?
Não venceste tu o rei dos Maras em Tsi, a porta da reunião – segunda verdade?
Não destruíste tu o pecado à terceira porta, atingindo a terceira verdade?
Não entraste tu para Tau, o caminho que leva ao conhecimento a quarta verdade?
E agora, descansa sob a árvore de Bodhi, que é a perfeição de todo o conhecimento, porque, sabe-o, és possuidor de Samadhi – o estado da visão infalível.
Vê! tornaste-te a luz, tornaste-te o som, és o teu Mestre e o teu Deus. Tu próprio és o objeto da tua busca: a voz sem falha, que ressoa através de eternidades, isenta de mudança, isenta de pecado, os sete sons em um