Um dos maiores desafios da educação no século XXI está em formar e atualizar nossos professores, especialmente no que diz respeito à sua formação continuada. Além da formação inicial e da experiência própria, é necessário que todo docente reflita com frequência sobre sua prática cotidiana e que entre em contato com leituras que o ajudem a se aperfeiçoar como ser humano, cidadão e profissional. Para que sua formação seja realmente continuada, a coleção O Valor do Professor apresenta 12 temas que o acompanharão durante 12 meses. Em cada volume da coleção, capítulos breves abordam questões relativas ao cuidado consigo mesmo, à pesquisa, à didática, à ética e à criatividade...
Capa comum: 128 páginas Editora: Autêntica; Edição: 1 (29 de janeiro de 2020) Idioma: Português ISBN-10: 8551307509 ISBN-13: 978-8551307502 Dimensões do produto: 20,8 x 13,6 x 1 cm Peso de envio: 181 g
Leia trecho do livro
Sobre a coleção O valor do professor
Um dos maiores desafios da educação no século XXI está em formar e atualizar nossos professores, especialmente no que diz respeito à sua formação continuada. Além da formação inicial e da experiência própria, é necessário que todo docente reflita com frequência sobre sua prática cotidiana e que entre em contato com leituras que o ajudem a se aperfeiçoar como ser humano, cidadão e profissional.
Para que sua formação seja realmente continuada, a coleção O valor do professor apresenta 12 temas que o acompanharão durante 12 meses. Em cada volume da coleção, capítulos breves abordam questões relativas ao cuidado consigo mesmo, à pesquisa, à didática, à ética e à criatividade. São trinta capítulos, um para cada dia do mês, acompanhados por sugestões práticas e bibliografia para aprofundamento.
Em Uma pedagogia do corpo, título de estreia da coleção, descobrimos que o corpo é uma pedagogia a ser lida, entendida e praticada. Ele não apenas fala, mas, sobretudo, nos ensina a ensinar. Analisando as diferentes dimensões do corpo (a voz, a coluna, os pés, o cérebro, a audição, os gestos etc.), podemos potencializar significativamente nossa capacidade de comunicação e nossa presença, desenvolvendo competências fundamentais para desempenhar melhor a tarefa docente.
Introdução
O corpo docente
A princípio, a expressão “corpo docente” faz pensar no conjunto de professores que trabalha num estabelecimento de ensino.
Mas esse aspecto institucional da vida dos professores não é o nosso foco agora. Antes ainda de designar um grupo específico de profissionais (uma corporação), a palavra “corpo” remete ao campo da anatomia. O corpo é a estrutura material de um organismo vivo.
O corpo humano, com sua impressionante complexidade, possui uma série de funções mecânicas, físicas e bioquímicas, além de inúmeras possibilidades cinéticas e estéticas. Essas funções e a atualização constante dessas possibilidades são os sinais visíveis de que uma pessoa está viva.
Para além do que ensinam a anatomia, a fisiologia e a química orgânica, o corpo é também a primeira manifestação da pessoa inteira.
O que sentimos, pensamos e desejamos “por dentro” evidencia-se “por fora”, em nosso corpo. Se eu experimento alegria ou raiva, medo, entusiasmo ou decepção, é no corpo que tudo isso transparece.
Ou, melhor dizendo, eu sou o meu corpo, e então eu estarei alegre “por dentro” e corporalmente alegre, ou assustado “por dentro” e corporalmente assustado, ou com raiva, decepcionado, perplexo, entusiasmado “por dentro” e corporalmente com raiva, decepcionado, perplexo, entusiasmado.
Da cabeça aos pés
A expressão “corpo docente” designa o próprio corpo do professor.
Estamos falando aqui de um corpo que ensina e avalia, que aprende e educa, que orienta e é orientado.
Mais do que mero instrumento “usado” para o ato de ensinar, é o corpo do docente que vai ensinar, educar, orientar, avaliar.
Os professores ensinam (e aprendem) da cabeça aos pés.
É claro que, sob uma visão não materialista da vida, o espírito tem prioridade sobre a matéria, mas acontece que somos seres corporais e espirituais, e o único modo de acessarmos o mundo espiritual é por meio da realidade material, de coisas palpáveis, de sinais visíveis, de sons, cheiros e sabores.
O nosso modo de aprender e ensinar, de obter conhecimento, de ter ideias e elaborar raciocínios é sempre espiritual e corporal. Vemos o invisível através do visível. O que está oculto nas palavras, seu significado, fica patente na letra impressa, ou audível na palavra pronunciada. E, por meio da imaginação, criamos imagens mentais que nos ajudam a entender o que é incorpóreo.
Uma premissa a se estabelecer aqui e agora é a de que n ão cabe a afirmação de que somos “espíritos” presos dentro da matéria. Para os antigos filósofos gregos – e Platão foi um dos maiores expoentes dessa visão –, o corpo era a sepultura da alma. Tal ideia parecia confirmada pela própria semelhança entre as palavras gregas sôma (“corpo”; dela deriva o termo “somático”) e sêma (“sepultura”, “túmulo”).
O espírito estaria sendo punido por seus erros, pagando por suas dívidas ontológicas e morais dentro desta prisão corporal.
De acordo com uma diferente concepção antropológica (não platônica e, recentemente, muito bem desenvolvida pela filosofia personalista e por alguns pensadores, como Gabriel Marcel), nosso corpo compõe uma só realidade com o nosso espírito, com o princípio vital que anima toda a nossa estrutura material.
Segundo essa concepção, em que eu sou meu corpo (e não simplesmente tenho um corpo ou sou dono de um corpo), o corpo docente, portanto, não é uma máquina “pilotada” por um mestre interior, mas é mediante o próprio corpo docente, visível, material, que temos acesso ao invisível: informações, ideias, conceitos, valores.
Isso põe em evidência a importância da voz, dos gestos, dos movimentos, das feições do rosto, da postura física, do modo de andar etc.
Na arte de ensinar, precisamos cuidar do corpo, pois é com o corpo que praticamos essa arte.
Certa vez, uma professora ia entrando em sala de aula, quando foi abordada pela diretora da escola. “Ei! Você vai entrar assim?”, perguntou a diretora, segurando-a pelo braço. “Assim como?”, disse a professora, sem saber o que poderia haver de errado. “Assim, sorrindo?!”, respondeu, assustada, a diretora, para quem o sorriso era um claro sintoma de fraqueza…
O sorriso é a manifestação física de uma experiência espiritual. Manifestação e experiência se conjugam na mesma pessoa que sorri. O sorriso docente expressa uma doação interior que enche de alegria quem se entrega de corpo e alma à tarefa de ensinar.
O corpo docente, portanto, precisa ser cuidado para que possa ensinar melhor. É esse o nosso foco aqui. E, para nos acercarmos adequadamente desse tema, precisaremos fazer algumas perguntas e, a partir delas, traçar alguns caminhos ao longo das próximas páginas.
Como entender melhor o corpo docente para cuidar melhor dele e, dessa forma, ensinar melhor?
O que significa eu ser um corpo docente?
Como suscitar as energias do corpo para ensinar com mais disposição e lucidez?
O que fazer, que atitudes tomar, que hábitos desenvolver para cuidar melhor do corpo docente?
Ensinar é uma ação que realizamos com tudo o que somos, pondo em atividade todos os nossos recursos e possibilidades. Para trabalharmos na docência, é imprescindível estarmos física , mental e espiritualmente preparados, atentos, bem-dispostos.
Corpos que dormiram mal ensinam mal.
Corpos mal alimentados têm dificuldade para ensinar com criatividade.
Corpos adoecidos ou maltratados precisam recuperar-se para que a tarefa docente seja realizada com empenho e prazer.
Minhas decisões profissionais como professor, no sentido de realizar alguma ação docente, exigem que o meu corpo “acompanhe” essas decisões, e as ações e reações do meu corpo devem, em tese, estar em sintonia com meu modo de interpretar o mundo e de engajar-me na ação docente.
Tal harmonização será um dos efeitos importantes do cuidado com o corpo.
Mais do que meu “amigo”, meu corpo sou eu mesmo em minha dimensão material, por cuja saúde eu sou responsável, cujas energias devo ativar e manter, e cujo aspecto estético merece a minha atenção e desvelo.
Não é de forma alguma aceitável que uma pessoa diga que vai “esquecer” do seu corpo, como se isso provasse alguma superioridade intelectual, moral ou religiosa.
O corpo não é algo que eu possa colocar de lado, porque não é “algo”, não é um “acessório” mais ou menos útil.
O meu corpo sou eu.
Cuidando do meu corpo, estou cuidando de mim mesmo enquanto pessoa em sentido pleno.
Assim como não podemos considerar virtuoso o descuido do próprio corpo, n ão será egoísmo mantê-lo ágil , forte e flexível. Será, na verdade, uma demonstração de legítimo amor-próprio. E esse amor-próprio na vida dos professores é condição sine qua non para a boa realização do seu ofício de ensinar.
Cuidar do meu corpo é cuidar de mim – e cuidar de mim é cuidar das minhas aulas.
As antigas e modernas sabedorias procuram ouvir o que o corpo diz, pois o que ele comunica é o que eu mesmo , no fundo, estou dizendo. A linguagem do corpo é a minha linguagem pessoal.
Pode ocorrer, e de fato ocorre, que eu diga uma coisa “da boca para fora”, e meu corpo diga algo diferente. Afirmo, por exemplo, que “estou feliz”, e meu corpo sinaliza o contrário, demonstrando que “estou infeliz”. Essa desconexão, não percebida e não sanada, causa ainda mais infelicidade.
A incongruência entre o “dentro” e o “fora” recomenda que cuidemos de nós mesmos de modo integral.