Livro ‘Precisamos falar sobre a morte’ por Kathryn Mannix

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HISTÓRIAS E REFLEXÕES SOBRE A ARTE DE VIVER E MORRER. “Este é um livro sobre a morte, mas também sobre a alegria. Não há muitos livros que fazem você mudar a maneira como vê o mundo. Este é um deles. Ele vai fazer você querer viver e amar melhor. Vai fazer você querer ser mais gentil e apreciar cada momento precioso de sua preciosa vida.” ― The Sunday Times. Neste livro único e transformador, Kathryn Mannix, médica pioneira em cuidados paliativos, mostra o poder terapêutico de abordar a morte não com ansiedade, mas com abertura, clareza e compreensão. “Este livro contém histórias baseadas em acontecimentos reais. A intenção é permitir que o leitor ‘vivencie’ o que acontece quando as pessoas se aproximam do fim da vida: como lidam com isso; como vivem; o que mais importa para elas; como o processo da morte evolui; o que é um leito de morte; como as famílias reagem…

Páginas: 320 páginas; Editora: Editora Sextante; Edição: 1 (9 de setembro de 2019); ISBN-10: 8543108322; ISBN-13: 978-8543108322; ASIN: B07WWXGL83

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Leia trecho do livro

INTRODUÇÃO

Pode parecer estranho que, após dedicar metade da vida a fazer companhia a pessoas à beira da morte, alguém deseje passar ainda mais tempo contando as histórias delas. E pode parecer presunçoso da minha parte oferecer essas histórias na esperança de que os leitores desejem acompanhar a morte de estranhos ao longo destas páginas. Entretanto, é exatamente isso que este livro vai fazer.

Durante toda a minha carreira na medicina, ficou claro para mim que levamos conosco nossas ideias e expectativas a cada vez que nos encontramos diante das Grandes Questões. Nós enxergamos todas as nossas experiências – seja o nascimento, a morte, o amor, a perda ou a transformação – através dos filtros daquilo que já conhecemos. O problema é que, embora o nascimento, o amor e até mesmo o luto sejam amplamente discutidos, a morte em si tem se tornado um tabu cada vez mais absoluto. Sem saber o que nos espera, reproduzimos o que vimos em experiências indiretas: televisão, filmes, romances, redes sociais e noticiários. Essas versões sensacionalistas e ao mesmo tempo banalizadas do processo de morrer e da própria morte substituíram o que, no passado, era uma experiência comum: observar as pessoas ao seu redor morrerem; presenciar a morte com frequência suficiente para reconhecer seus padrões; acostumar-se com a decadência física e até desenvolver certa familiaridade com os rituais do fim da vida.

Essa rica sabedoria perdeu-se na segunda metade do século XX. Melhores cuidados com a saúde; novos tratamentos, como uso de antibióticos, a hemodiálise e a quimioterapia; alimentação mais balanceada; programas de imunização e outras descobertas mudaram radicalmente a experiência humana e ofereceram uma esperança de cura, ou pelo menos um adiamento da morte, algo que antes era impossível. Isso gerou uma mudança de comportamento: em vez de ficar em casa esperando a morte chegar, pessoas doentes são levadas a hospitais e recebem tratamento. A expectativa de vida aumentou; muitos recuperam-se de suas doenças e vivem por mais tempo.

No entanto, mesmo que positivos, esses avanços só conseguem nos curar até determinado ponto; tudo que ultrapassa o limite de salvar alguém para fazê-lo viver “suficientemente bem” é inócuo. Nesse caso, a tecnologia é mobilizada para criar um novo ritual no leito de morte que, na verdade, é um triunfo da negação sobre a experiência. A taxa de mortalidade permanece 100%; além disso, o padrão dos últimos dias de vida e a forma como morremos continuam inalterados. A diferença é que perdemos a familiaridade que tínhamos com esse processo; perdemos o vocabulário e os códigos de conduta que nos serviram tão bem em tempos passados, quando a morte era reconhecida como inevitável. Em vez de morrer em um quarto familiar que evoca boas lembranças, cercados por pessoas que amamos, nos despedimos da vida em ambulâncias, salas de emergência e unidades de terapia intensiva, separados de nossos entes queridos pelos equipamentos de preservação da vida.

Este é um livro sobre acontecimentos reais. Tudo que está descrito aqui realmente aconteceu com alguém em algum momento ao longo de quarenta anos. Para preservar o anonimato dos envolvidos, quase todos os nomes foram alterados, assim como profissões e, algumas vezes, gênero ou etnia. Como são histórias, não casos médicos, há situações em que várias experiências estão reunidas numa única narrativa individual, de modo a retratar aspectos específicos da jornada. Muitas das situações podem parecer familiares porque, apesar dos esforços para desviar nosso olhar, a morte é inevitável e estes relatos sempre encontrarão paralelos na vida real.

Como trabalhei com cuidados paliativos a maior parte da minha carreira, a maioria destas histórias é sobre pessoas que tiveram acesso a especialistas dessa área. Em geral, isso significa que todos os sintomas físicos desafiadores foram atenuados e quase sempre controlados, assim como os sintomas emocionais. Os cuidados paliativos não dizem respeito apenas à espera da morte: pessoas com todo tipo de diagnóstico, em qualquer fase da doença, deveriam ter acesso a um excelente gerenciamento de sintomas sempre que necessário. Essa é a grande missão da medicina paliativa. A maioria dos nossos pacientes, no entanto, está nos últimos meses de vida, o que nos dá uma perspectiva especial sobre como as pessoas vivem quando sabem que estão morrendo. Foi essa parte da nossa experiência que procurei transmitir por meio destas histórias: o modo como as pessoas à beira da morte seguem vivendo enquanto o fim não chega.

Em geral, ofereço ao leitor meus olhos e ouvidos, meu lugar ao lado da cama, minha perspectiva dos acontecimentos. As pessoas cujas histórias conto aqui nos deixaram lições sob a forma de presentes. Se houver erros, são inteiramente meus.

É hora de falar sobre a morte. Este livro é a minha maneira de estimular a conversa.

LEIA A BULA

Em geral, os medicamentos vêm com uma bula que diz: “Use conforme prescrição médica.” Isso nos ajuda a obter o benefício desejado pelo médico e a evitar sub ou superdosagens. O profissional que prescreveu o remédio deve ter explicado para que servia e indicado uma posologia; caberá ao paciente escolher se deve ou não seguir o conselho médico. Quase sempre, a bula também inclui uma advertência, para garantir que os pacientes conheçam quaisquer possíveis riscos.

Se eu descrever para que serve este livro e que tipo de posologia eu tinha em mente, talvez isso ajude você a decidir a melhor forma de mergulhar nele. E, sim, também há uma advertência.

Este livro contém histórias baseadas em acontecimentos reais. A intenção é permitir que o leitor “vivencie” o que acontece quando as pessoas se aproximam do fim da vida: como lidam com isso; como vivem; o que mais importa para elas; como o processo da morte evolui; o que é um leito de morte; como as famílias reagem. É um pequeno vislumbre de um fenômeno que ocorre todos os dias em algum lugar perto de nós. Como estive diante da morte milhares de vezes, concluí que, de maneira geral, há pouco a temer e muito a preparar. Infelizmente, costumo encontrar pacientes e famílias que acreditam no oposto: que a morte é terrível e que falar sobre ela ou preparar-se para ela será insuportavelmente triste ou assustador.

O objetivo deste livro é permitir que as pessoas se familiarizem com o processo da morte. Para tanto, as histórias foram agrupadas por temas, começando com as que descrevem o processo e a evolução da morte e as diversas maneiras como as pessoas reagem a ela.

As histórias podem ser lidas fora de ordem por leitores que gostam de percursos aleatórios, mas há uma progressão: inicio com conceitos mais concretos, como mudanças físicas, padrões de comportamento ou tratamento de sintomas, seguindo em direção a abstrações, como a assimilação do sentido da impermanência humana e de como avaliamos, no final, o que de fato importa para nós.

Este livro também traz, embora não em ordem cronológica, um relato da minha transição de estudante ingênua e assustada para médica experiente e (relativamente) calma. Minha vida tem sido enriquecida de maneira incomensurável pelo trabalho com equipes clínicas formadas por colegas qualificados, muitos dos quais aparecem nestas histórias. Eles me apoiaram e atuaram como mentores, modelos e guias ao longo de minha carreira. Tenho profunda consciência de que nossa força reside no trabalho em equipe, que sempre nos torna mais poderosos do que a soma de nossas individualidades.

Agora, a advertência: estas histórias provavelmente o levarão a pensar não apenas nos protagonistas, mas em si mesmo, na sua vida, nos seus entes queridos e nas suas perdas. É provável que se sinta triste, embora o objetivo seja o de lhe oferecer informações e assunto para reflexão.

No final de cada seção, há sugestões de tópicos para você pensar e, se possível, discutir com alguém de sua confiança. Baseei essas recomendações no que se conhece hoje sobre pesquisas clínicas, nas maneiras como vi pessoas e famílias lidarem com doenças graves e morte e nas lacunas que encontrei; se tivessem sido preenchidas, essas lacunas talvez tivessem transformado a última parte da vida e as despedidas em etapas muito menos desafiadoras.

Peço desculpas se o deixar triste, mas espero que você também se sinta reconfortado e inspirado. Desejo que tenha menos medo e fique mais inclinado a planejar e conversar sobre a morte. Escrevi este livro porque, com a finitude em mente, tenho a esperança de que todos nós possamos viver melhor… além de morrer melhor.


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