A principal reflexão que Felipe Cunha desenvolve em seu livro Economia Colaborativa, recriando significados coletivos é sobre em que grau o surgimento da Economia Colaborativa está catalisando uma profunda reforma cultural em direção ao Commons. Será que as pessoas estão se organizando para administrar coletivamente os recursos comuns sem a necessidade de intermediários, governos ou empresas? Outro ponto abordado no livro é que, apesar da Economia Colaborativa já ter um papel promissor para mudanças culturais, muitas sombras a acompanham como, por exemplo, a desregulamentação e direitos do trabalhoc...
Editora: Bambual Editora LTDA (5 de fevereiro de 2020) Idioma: Português Isbn: 9788594461056 Encadernação: Brochura Formato: 15,5 x 23 x 1 Páginas: 224 Ano de edição: 2020 Edição: 1ª
Leia Trecho do livro
A Tatiana, Nico e Bento
Desvendando o Quebra-cabeças
Felipe Cunha escolheu para si uma tarefa árdua. Encara o desafio de falar sobre um movimento que se propõe a repensar as maneiras como produzimos, consumimos, aprendemos, financiamos e nos relacionamos — desde o nível individual até a escala da sociedade —, a Economia Colaborativa.
Para isso, navega por temas como cultura, Teoria Integral, significados coletivos, autopoiesis, Enlivenment e o Comum, organizando ideias que estão no ar, trazendo concretude para conceitos abstratos e explorando aquilo que muitas vezes fica escondido.
No fim, temos formado dentro de nossas cabeças um grande quebra-cabeças com uma imagem clara, que tem dupla função: é, ao mesmo tempo, uma fotografia e um mapa.
Uma fotografia importante do momento atual, mostrando em detalhes a experiência daqueles que dão vida a esse movimento. Os exemplos apresentados não têm nada de ficção. Funcionam, assim, como registro histórico. Se no futuro alguém quiser saber o que aconteceu aqui e agora, poderá recorrer a este livro. Já valeria a pena por isso, mas vai além.
É também um mapa do terreno, de tudo que está ao redor. Felipe entende que nada é por acaso e que ele não surgiu isolado, solto no mundo. Assim como tudo na vida, ele é fruto de seu tempo e para entendê-lo é preciso compreender os processos que nos trouxeram até aqui. Uma vez desenhado o passado, o mapa segue sendo construído, tentando compreender para onde estamos indo.
Assim é montado o quebra-cabeças que ganha corpo neste livro. Mais do que compreender cada peça isolada, cada exemplo, empresa, experiência ou conceito, é preciso entender o todo, a conexão entre as partes. E essa figura, formada a partir desse esforço, que serve como ferramenta para quem quer compreender melhor o mundo em que vivemos. Nossa fotografia e nosso mapa.
Além do estudo das peças e das relações entre elas, é necessário preparar uma superfície adequada para a montagem desse quebra-cabeças. O estudo do Comum é essa base conceitual que nos permite organizar cada ideia apresentada.
Talvez a grande revolução do nosso tempo seja justamente discutir aquilo que é comum entre nós. Nos apegamos a um debate sobre o que é público (administrado pelo Estado) e o que é privado (administrado por um indivíduo ou organização), mas esquecemos de um debate maior sobre o que é particular (o que diz respeito somente ao indivíduo) e o que é comum (o que diz respeito a todos nós).
Afinal, quando uma empresa compra um terreno onde há uma grande fonte de água e ali começa um processo de degradação e poluição, o debate pode ser travado apenas pelo ponto de vista do que é privado? Aquele bem natural, apesar de estar localizado em uma propriedade controlada por uma única entidade, diz respeito a todos nós. Em alguma medida, influencia a vida de todos nós. É comum.
Não é fácil falar sobre o assunto. Os desdobramentos são virtualmente infinitos e é, de fato, multo complexo lidar com bens comuns na escala de uma sociedade global. É fácil administrar uma fonte de água quando a nossa tribo tem cinquenta ou cem pessoas, mas muito difícil quando tem milhares ou milhões. Na medida em que aumentamos a nossa conectivídade, aumentamos a complexidade do debate sobre o Comum — e nos afastamos dele.
Felipe consegue navegar pelo assunto com clareza, mas sem deixar de fora a sutileza. Define termos claros, trabalha com conceitos concretos e conecta as ideias de grandes pensadores sem negligenciar sua contribuição pessoal. Avança de maneira assertiva, sempre se certificando de que o leitor possui as ferramentas necessárias para acompanhá-lo.
Talvez “coerência” seja a palavra mais importante para que tudo isso se torne possível. Felipe navega pelos temas com tranquilidade porque vive essas ideias na prática. Todos esses conceitos, teorias e ideias fazem parte do seu dia a dia, seja no trabalho, nos estudos ou na vida pessoal. Quando o autor não apenas é um estudioso do assunto, mas também vive aplicando tudo aquilo sobre o que escreve, a obra ganha uma dimensão de realidade.
Felipe sabe disso e não se coloca em uma posição falaciosa de observador neutro, sem viés, sem vida própria, que apenas analisa os movimentos de fora. Ao trazer os conceitos para dentro de sua vida e a sua experiência para dentro de sua obra, ele se posiciona como parte daquilo que descreve.
Expressa suas ideias através da lente de sua experiência e posícíona o leitor dentro de sua perspectiva. Não se contenta em apenas tirar a fotografia, mas busca deixar claro de onde e por quais pontos de vista ela está sendo tirada.
É com essa pessoalidade que o livro aborda também as sombras desses movimentos. Não é fácil, exige coragem de quem analisa e escreve. O autoelogío é muito comum entre todos aqueles que constroem novas narrativas, que inovam em qualquer área, mas Felipe não foge do debate difícil.
Encara e escancara muitas das dificuldades, das incoerências e inoperâncías da Economia Colaborativa porque sabe que só assim podemos refletir, aprender e crescer. O amadurecimento vem também do olhar atento na direção daquilo que não é ideal.
Por fim, é preciso destacar a importância de um trabalho produzido no Brasil, por uma pessoa brasileira, a partir das experiências construídas aqui. O mundo é complexo, tem nuances, sutilezas e diferentes contextos. Não basta copiar e colar o conhecimento produzido lá fora.
Podemos beber em fontes estrangeiras, mas produzir conteúdo autoral, próprio e genuinamente brasileiro é um requisito fundamental para o fortalecimento do ecossistema local.
O Brasil não apenas faz parte desse movimento, mas pode ser liderança. Em muitos aspectos, somos um país propício para o desenvolvimento da Economia Colaborativa. Podemos puxar a fila. É isso que Felipe faz, com muito mérito.
TÉO BENJAMIM
Estudioso da Economia Colaborativa e
consultor de financiamento coletivo pelo Bando