Um relato claro e conciso da catástrofe financeira de 2008-9 pelos três homens que arquitetaram as saídas para a crise. Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde decretou a pandemia do novo coronavírus. Ato contínuo, países ao redor do mundo decretaram medidas de isolamento social para proteger a população. Os efeitos econômicos foram imediatos e profundos — e talvez desde a crise de 1929 o mundo não se veja diante de desafio tão abrangente para os governantes. Não por acaso, voltaram ao debate as soluções adotadas no passado para conter tempestades financeiras. A crise de 2008 é sem dúvida o exemplo mais emblemático. Naquele ano, a falta de lastro de papéis ligados ao setor imobiliário levou à falência inúmeros bancos de investimento e mergulhou o mundo num terremoto cujos efeitos são sentidos até hoje. Mas os resultados poderiam ser ainda mais catastróficos não fossem as soluções adotadas pelos “bombeiros”…
Páginas: 272 páginas; Editora: Todavia; Edição: 1 (6 de julho de 2020); ISBN-10: 6556920096; ISBN-13: 978-6556920092; ASIN: B08BT3RDN7
Leia trecho do livro
Dedicamos este livro aos muitos servidores públicos — de ambos os partidos, e tanto do Legislativo quanto do Executivo — que trabalharam de perto conosco na luta contra a crise financeira global. Cabem agradecimentos especiais aos presidentes George W. Bush e Barack Obama por sua liderança e aos funcionários do Federal Reserve, do Tesouro, da FDIC e de outras agências por sua criatividade e pelo trabalho árduo a serviço de nosso país.
Introdução
Infernos financeiros épicos não acontecem com frequência. Normalmente, a turbulência nos mercados financeiros se extingue por si mesma. Os mercados se ajustam, empresas vão à falência e a vida continua. Às vezes, os incêndios financeiros são tão sérios que os formuladores de políticas precisam ajudar a apagá-los. Eles concedem empréstimos quando as empresas precisam de liquidez, ou encontram uma maneira segura de liquidar uma empresa problemática, e a vida continua. É extremamente raro que um incêndio saia de controle e ameace consumir o sistema financeiro e o resto da economia, criando extremo transtorno e privação. Isso aconteceu nos Estados Unidos durante a Grande Depressão, e depois não voltou a acontecer durante 75 anos.
Mas aconteceu novamente em 2008. O governo dos Estados Unidos — dois presidentes sucessivos, o Congresso, o Federal Reserve, o Departamento do Tesouro e milhares de funcionários de várias agências — teve de enfrentar a pior crise financeira em gerações. E nós três estávamos em posições de responsabilidade — Ben S. Bernanke, como presidente do Federal Reserve; Henry M. Paulson Jr., como secretário do Tesouro do presidente George W. Bush; Timothy F. Geithner, como presidente do Federal Reserve Bank de Nova York durante os anos Bush e, depois, secretário do Tesouro durante a presidência de Barack Obama. Ajudamos a formular a reação americana e internacional a uma conflagração que sufocou o crédito mundial, devastou as finanças globais e mergulhou a economia americana na recessão mais danosa desde as filas do pão e os cortiços dos anos 1930.
Junto com nossos colegas do Fed, do Tesouro e de outras agências, lutamos contra o fogo com uma extraordinária torrente de intervenções de emergência, passando de empréstimos convencionais e depois não convencionais para resgates pelo governo de grandes empresas e suporte governamental para mercados de crédito vitais. Como o incêndio continuou se alastrando, persuadimos o Congresso a nos dar ferramentas ainda mais poderosas para combatê-lo, inclusive a autorização para injetar centenas de bilhões de dólares de capital diretamente em instituições financeiras privadas. Trabalhando em conjunto com um excelente grupo de funcionários dedicados nos Estados Unidos e em todo o mundo, conseguimos finalmente ajudar a estabilizar o sistema financeiro antes que os canais de crédito congelados e o colapso dos valores de ativos pudessem arrastar toda a economia para uma segunda Depressão. Mesmo assim, a economia sofreu uma grande desaceleração, e um estímulo monetário e fiscal sem precedentes seria necessário para ajudar a impulsionar a recuperação.
Tratou-se de um pânico financeiro clássico, que lembrou as corridas aos bancos e as crises que afligiram as finanças por centenas de anos. Sabemos, a partir dessa longa experiência, que os danos infligidos pelos pânicos financeiros nunca se limitam ao setor financeiro, embora as estratégias para detê-los exijam apoio a esse setor. Os americanos que não são banqueiros nem investidores ainda dependem do funcionamento de um sistema de crédito para comprar carros e residências, tomar empréstimos para pagar a universidade e expandir seus negócios. As crises financeiras que prejudicam o sistema de crédito podem criar recessões brutais que atingem as famílias comuns tanto quanto as elites financeiras. Hoje, grande parte do público americano se lembra das intervenções do governo como um resgate para Wall Street, mas nosso objetivo sempre foi proteger a Main Street 1 das consequências de um colapso financeiro. A única maneira de conter o dano econômico de um incêndio financeiro é apagá-lo, embora seja quase impossível fazer isso sem ajudar algumas das pessoas que o provocaram.
Dez anos depois, pensamos que seria útil relembrar como a crise se desenrolou e refletir sobre as lições que poderiam ajudar a reduzir os danos causados por crises futuras. Nós três já escrevemos sobre nossas experiências, mas queríamos falar sobre o que fizemos juntos e o que aprendemos juntos sobre a teoria e a prática do combate a incêndios financeiros. Temos origens e formações muito diferentes e personalidades muito distintas. Mal nos conhecíamos antes da crise. Mas encontramos maneiras de colaborar efetivamente enquanto trabalhávamos para apagar o fogo e concordamos que alguns princípios básicos poderiam ser aplicados para combater qualquer incêndio no setor financeiro. As crises financeiras se repetem, em parte, porque as lembranças se apagam. Estamos escrevendo sobre o tema outra vez para ajudar a transmitir algumas das principais lições de nossa experiência, na esperança de manter as memórias vivas e auxiliar os “bombeiros” do futuro a proteger as economias dos estragos das crises financeiras.
Por que essa crise aconteceu e por que de modo tão danoso?
Foi, novamente, um pânico financeiro clássico, uma corrida ao sistema financeiro desencadeada por uma crise de confiança nas hipotecas. Ela foi alimentada, como as crises costumam ser, por um boom de crédito, no qual muitas famílias, bem como instituições financeiras, tornaram-se perigosamente superalavancadas, financiando-se quase que inteiramente com dívidas. O perigo aumentou porque um excesso de risco havia migrado para instituições financeiras que operavam fora das restrições e das proteções do sistema bancário tradicional, e porque grande parte da alavancagem era em forma de captações instáveis de curto prazo que poderiam desaparecer ao primeiro indício de problemas. Essas vulnerabilidades puderam florescer graças à burocracia reguladora financeira fragmentada dos Estados Unidos, uma mixórdia de agências, autoridades e regulamentações que por décadas não conseguiram acompanhar a evolução das realidades do mercado e das rápidas inovações financeiras. E uma dessas inovações — a securitização, mecanismo usado por Wall Street para fatiar e picar hipotecas para transformá-las em produtos financeiros complexos que se tornaram onipresentes nas finanças modernas — ajudou a transformar o pânico sobre os riscos embutidos nas hipotecas subjacentes em pânico sobre a estabilidade de todo o sistema.
Esses problemas não pareciam prementes durante o boom, quando o sistema financeiro aparentava ser extraordinariamente estável, a sabedoria convencional sustentava que os preços dos imóveis continuariam a subir indefinidamente, e muita gente em Wall Street, em Washington e nas universidades acreditava que crises financeiras sérias eram coisa do passado. Mas depois que a bolha imobiliária estourou, o medo das perdas criou uma debandada financeira à medida que investidores e credores reduziam freneticamente seu contato com qualquer coisa associada a títulos lastreados em hipotecas, provocando queimas de estoque (em que investidores necessitados de liquidez são forçados a vender seus ativos a qualquer preço) e chamadas adicionais de margem (em que investidores que compraram ativos a crédito são forçados a colocar mais dinheiro), que por sua vez desencadearam mais queimas de estoque e chamadas adicionais de margem. O pânico financeiro paralisou o crédito e abalou a confiança na economia em geral, e as consequentes perdas de emprego e execuções de hipotecas criaram assim pânico extra no sistema financeiro.
Uma década depois, aquele círculo vicioso de medo financeiro e dor econômica começou a se apagar da memória coletiva. Mas é difícil inflacionar quão caótico e assustador ele foi. Em um período de um mês, a partir de setembro de 2008, ocorreram a súbita estatização das gigantes de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac, a maior e mais surpreendente intervenção governamental nos mercados financeiros desde a Depressão; a falência do venerável banco de investimento Lehman Brothers, a maior falência da história dos Estados Unidos; o colapso da corretora Merrill Lynch nos braços do Bank of America; um resgate governamental de 85 bilhões de dólares da seguradora AIG para evitar uma falência ainda maior que a do Lehman; as duas maiores falências de bancos garantidos pelo governo federal na história americana, as do Washington Mutual e do Wachovia; a extinção do modelo de banco de investimento que se tornou sinônimo da moderna Wall Street; as primeiras garantias do governo para mais de 3 trilhões de dólares em fundos de investimentos líquidos de curto prazo; o respaldo de 1 trilhão em commercial paper; 2 e a aprovação do Congresso, após uma rejeição inicial que esmagaria o mercado, de um arsenal de 700 bilhões de dólares em apoio governamental para todo o sistema financeiro. Isso tudo aconteceu durante o período final de uma campanha presidencial. Vladímir Lênin supostamente disse que há certas décadas em que nada acontece, e certas semanas em que décadas acontecem: foi como nos sentimos durante a crise.
De início, os poderes dos gestores de crises do governo mostraram-se insuficientes para conter o pânico, em parte porque muitos dos problemas começaram fora da principal jurisdição do Fed, que abrange os bancos comerciais. Mas persuadimos finalmente o Congresso a nos dar o poder de que precisávamos para restaurar a confiança no sistema, e o estouro da boiada acabou sendo contido. Em um momento de intenso partidarismo e ceticismo generalizado em relação ao governo, a administração republicana e depois a democrata trabalharam em conjunto com servidores públicos apartidários e (às vezes) líderes legislativos de ambos os partidos para neutralizar a mais séria ameaça ao capitalismo em gerações.
Todos acreditamos no poder do livre mercado, e todos relutamos em resgatar banqueiros e investidores imprudentes de seus próprios erros. Quando possível, o governo americano impôs condições duras às empresas que recebiam ajuda; às vezes, o imperativo de persuadir instituições mais fortes, bem como as mais fracas, a participar dos esforços para fortalecer o sistema e resgatar a confiança conduzia a programas com termos menos duros. Mas sabíamos que recuar e deixar a natureza seguir seu curso não era uma escolha razoável. A mão invisível do capitalismo não pode deter um colapso financeiro em estado avançado; somente a mão visível do governo pode fazer isso. E colapsos financeiros em estado avançado criam recessões brutais que matam negócios, limitam oportunidades e frustram sonhos.
Na verdade, os choques financeiros de 2008 foram, sob muitos aspectos, maiores do que os choques anteriores à Grande Depressão, bem como o impacto econômico inicial. No fim do ano, mesmo depois de uma série de intervenções financeiras extremamente agressivas, a economia americana estava perdendo 750 mil empregos por mês e encolhendo a uma taxa anual de depressão de 8% ao ano. Mas a contração econômica popularmente conhecida como a Grande Recessão já havia terminado em junho de 2009, e a recuperação que se seguiu tem agora dez anos e continua, numa impressionante reviravolta em comparação com crises anteriores ou com outras nações desenvolvidas após essa crise. O mercado acionário, o mercado de trabalho e o mercado imobiliário americanos se recuperaram das profundezas da queda e subiram para novos patamares. Alguns especialistas previram que a estratégia que adotamos terminaria em hiperinflação, estagnação econômica e ruína fiscal, e que os esforços do governo para salvar bancos em dificuldades e, em última análise, todo o sistema financeiro custariam aos contribuintes trilhões de dólares sem resolver os problemas subjacentes. Mas conseguimos fazer a economia crescer e o setor financeiro voltar a funcionar com relativa rapidez, e os vários programas financeiros acabaram gerando um lucro considerável para o contribuinte americano. A crise foi devastadora, causando cicatrizes profundas e duradouras nas famílias, na economia em geral e no sistema político americano. Mas o dano teria sido muito pior sem os esforços de resgate conjuntos e potentes que os Estados Unidos conseguiram mobilizar.
Estamos mais seguros agora?
Os Estados Unidos e o mundo realizaram amplas reformas financeiras, que devem reduzir a probabilidade de outro desastre no futuro próximo. Em parte graças a essas reformas, as instituições financeiras têm mais capital, menos alavancagem, mais liquidez e menos dependência de captações de curto prazo. Em suma, nossos protocolos para incêndios financeiros são mais fortes hoje. Infelizmente, a prevenção nunca é infalível, assim como nenhum edifício é à prova de fogo. E especialmente nos Estados Unidos, onde as intervenções do governo provocaram uma reação pública negativa tão forte, os políticos limitaram a capacidade do “corpo de bombeiros” de reagir à próxima crise, tirando poderes importantes dos gestores de crises na esperança de evitar resgates futuros. Na realidade, é provável que essas limitações, embora bem-intencionadas, piorem a próxima crise e o dano econômico resultante seja mais grave. A crença de que a legislação que pretende proibir os socorros os impedirá em todos os cenários futuros é uma ilusão poderosa, e perigosa.
A reação negativa foi inevitável e compreensível. As ações do governo para deter o pânico e consertar o sistema financeiro quebrado, apesar de bem-sucedidas, não impediram que milhões de pessoas perdessem seus empregos ou suas casas. Essas ações beneficiaram inevitavelmente muitos indivíduos que haviam participado do sistema quebrado, e até mesmo alguns que ajudaram a incendiá-lo. Contudo, da próxima vez que houver um incêndio financeiro, o país pode lamentar não ter um corpo de bombeiros mais bem preparado, com bombeiros mais bem equipados. A crise foi tão danosa em parte porque o governo não dispunha das ferramentas necessárias para atacá-la com força esmagadora desde o início. Tememos que, se Washington não fizer mudanças significativas, os primeiros “socorristas” do futuro começarão com ferramentas em menor quantidade e até mesmo menos efetivas — e assim como fizemos, eles terão de pressionar os políticos para melhorar o corpo de bombeiros quando o fogo já estiver queimando.
Queremos que os Estados Unidos estejam prontos para o fogo da próxima vez, para tomar emprestada uma frase de James Baldwin, porque mais dia menos dia o fogo virá. É por isso que achamos tão importante tentar entender a última crise — como ela começou, como se espalhou, por que foi tão ardente, como nós e nossos colegas lutamos para combatê-la, o que funcionou e o que não funcionou. Tememos que uma nação que não entende as lições desse colapso esteja fadada a suportar algo ainda pior.
Algumas dessas lições são sobre previsão e prevenção, porque a melhor maneira de minimizar os danos de uma crise financeira é não ter uma crise financeira. A maioria das crises segue um padrão semelhante, por isso é possível tentar identificar sinais de alerta, como a alavancagem excessiva no sistema financeiro, especialmente quando é demasiado dependente de captações de curto prazo, sobretudo em pontos do sistema com protocolos para incêndios fracos e acesso limitado ao quartel dos bombeiros. Mas é também importante ter humildade quanto à capacidade dos seres humanos de antecipar pânicos, porque isso exige que eles antecipem o comportamento de outros seres humanos interagindo em sistemas complexos. Os sistemas financeiros são inerentemente frágeis e o risco financeiro tende a desviar de obstáculos regulatórios, como um rio que corre em torno das rochas. Não há maneira segura de evitar um pânico, porque não há uma maneira segura de evitar excesso de confiança ou confusão. Os seres humanos são humanos, e é por isso que achamos que faz sentido pensar nas crises como os budistas pensam na morte: com incerteza sobre o momento e as circunstâncias, mas com certeza de que mais dia menos dia acontecerá.
A crise também nos deu muita experiência na arte e na ciência de reagir a crises. Por mais difícil que seja prever crises com antecedência, também é difícil saber, no início de uma crise, se é apenas fogo de palha ou o começo de uma conflagração imensa. Em geral, é saudável permitir que empresas falimentares entrem em falência, e os formuladores de políticas não deveriam reagir de forma exagerada a todos os bolsões de ar no mercado ou reveses de um grande banco como se fossem precursores de uma catástrofe. A reação rápida demais pode incentivar os tomadores de risco a acreditar que nunca enfrentarão as consequências de suas apostas ruins, criando um “risco moral” que pode promover uma especulação ainda mais irresponsável e preparar o cenário para futuras crises. Mas depois que fica claro que a crise é realmente sistêmica, a reação tímida é muito mais perigosa do que a reação exagerada: tarde demais cria mais problemas do que cedo demais, e meias medidas podem simplesmente jogar gasolina nas chamas. A prioridade máxima numa crise épica deve ser sempre debelá-la, embora seja provável que isso venha a criar algum risco moral; as desvantagens de encorajar a tomada de risco indisciplinada no futuro, embora reais, empalidecem em comparação com as desvantagens de permitir um colapso sistêmico no presente. Quando o pânico ataca, os formuladores de políticas precisam fazer todo o possível para reprimi-lo, independentemente das ramificações políticas, de suas convicções ideológicas, do que tenham dito ou prometido no passado. As políticas de resgate financeiro são terríveis, mas as depressões econômicas são piores.
Não temos soluções fáceis para melhorar as políticas de resposta a crises, mas esperamos poder ajudar a fornecer algum contexto para as escolhas que fizemos e atualizar o manual para “socorristas” em crises futuras. Tentaremos abordar algumas das questões persistentes sobre nossas decisões, como por que o governo conseguiu resgatar a AIG e não o Lehman Brothers, e por que não tentamos desmembrar os megabancos de Wall Street depois que a crise terminou. Também discutiremos algumas outras lições da crise, entre elas, a importância de unir esforços para estabilizar o sistema financeiro com programas de estímulo que estabilizem a economia em geral e a necessidade de regulamentação governamental de instituições financeiras que não sejam bancos comerciais tradicionais, mas que possam representar riscos semelhantes ao sistema. Falaremos sobre os desafios da tomada de decisões na neblina de uma guerra financeira e sobre como é importante ter equipes de profissionais experientes e dedicados no Tesouro, no Fed, na Federal Deposit Insurance Corporation ( FDIC ) e em outras agências dispostas a trabalhar de forma cooperativa, em vez de competitiva. Vamos discutir o poder e os limites das reformas posteriores à crise e como acreditamos que poderiam ser melhoradas. E mesmo que nenhum de nós seja político, temos algumas coisas a dizer sobre o processo político, que muitas vezes achamos deprimente e frustrante, mas às vezes bastante inspirador.
O exemplo de liderança no processo político vem de cima. Em um momento extraordinariamente perigoso em nossa história, os presidentes Bush e Obama tiveram a coragem política de apoiar intervenções tremendamente impopulares, mas fundamentais, no sistema financeiro. E embora tivéssemos nossa parcela de reclamações em relação ao Congresso, os líderes legislativos republicanos e democratas se uniram quando se tratou de apoiar os esforços politicamente tóxicos de estatizar Fannie Mae e Freddie Mac e depois resgatar todo o sistema financeiro, as duas últimas medidas legislativas importantes a serem aprovadas com apoio bipartidário significativo. A crise de 2008 e a dolorosa recessão que se seguiu prejudicaram a confiança nas instituições públicas, mas acreditamos que a reação dos Estados Unidos à crise demonstrou o que é possível fazer quando funcionários de todos os níveis do governo trabalham juntos sob intensa pressão pelo bem público.
Entendemos por que muitos americanos não consideram a reação do governo à crise bem-sucedida ou mesmo legítima. Ela parecia confusa e inconsistente, porque muitas vezes o era; estávamos tateando no escuro, tentando abrir caminho nas terras ignotas do mapa financeiro. De início, seguimos um manual tradicional, mas o sistema financeiro moderno é muito mais complexo do que costumava ser, por isso tivemos de fazer muita experimentação e intensificação. Lutamos para combater o fogo com ferramentas que não considerávamos suficientes para a tarefa, e depois lutamos para convencer os políticos a nos fornecer ferramentas mais poderosas. E embora não houvesse palavras mágicas que pudéssemos ter dito para persuadir o público a aprovar salvamentos bancários ou outras políticas controversas, nos esforçamos constantemente para comunicar o que estávamos fazendo e por quê.
Esperamos poder fazer um trabalho melhor agora. A história da crise é uma história dolorosa, mas, de certa forma, uma história auspiciosa. Acreditamos que também pode ser uma história útil.
Lenha seca
As raízes da crise
A faísca que deflagrou o incêndio financeiro de 2008 veio de empréstimos irresponsáveis no setor de hipotecas subprime dos Estados Unidos. Mas a turbulência naquele canto caótico, embora relativamente pequeno, dos mercados de crédito não poderia ter criado um inferno global se a lenha seca não tivesse se acumulado em todo o sistema financeiro. O colapso do subprime foi a causa imediata da crise, mas havia causas subjacentes mais profundas que tornaram um sistema frágil vulnerável a desastres. Para entender as raízes da crise, é importante saber por que a faísca acendeu, mas também saber o que tornou a floresta tão inflamável. E a compreensão das raízes dessa crise é importante para entender como reduzir a probabilidade e a intensidade das crises futuras.
A história não se repete, mas, como Mark Twain supostamente disse, muitas vezes rima. Essa crise seguiu o padrão de crises épicas do passado — mania seguida de pânico seguido de crash, na formulação do historiador econômico Charles Kindleberger — com toques modernos que tornaram o pânico ainda mais difícil de antecipar e conter. Tudo começou, como em todas as grandes crises, com um frenesi de empréstimos, um boom de crédito durante um período de excesso de confiança que colapsou quando a confiança desapareceu. E o sistema financeiro refletiu o excesso de confiança do boom. As instituições financeiras assumiram uma alavancagem arriscada demais. Grande parte dessa alavancagem estava na forma de dívidas de curto prazo “resgatáveis” que podiam desaparecer sempre que os credores ficassem tensos. Grande parte do risco migrou para instituições de fora do sistema bancário tradicional, onde a supervisão e a regulamentação eram inadequadas e a rede de segurança projetada para proteger os bancos em uma emergência era inacessível. E uma ampla gama de instituições financeiras estava exposta demais a hipotecas através de canais diretos e indiretos, inclusive os onipresentes títulos lastreados em hipotecas que eram considerados seguros durante a bolha imobiliária, mas que se tornaram tóxicos quando a bolha estourou. Isso ajudou a espalhar o pânico entre os investidores, de títulos garantidos por hipotecas subprime de baixa qualidade a todos os títulos hipotecários, e depois para instituições que se acreditava estarem expostas a esses títulos e até mesmo para instituições que se acreditava estarem expostas a outras instituições expostas a esses títulos. O pânico é contagioso.
Esses problemas, vistos em retrospectiva depois de uma década, podem parecer óbvios, mas não foram amplamente compreendidos na época. Enquanto todas as crises começam com booms de crédito, nem todos os booms de crédito terminam em crises, e o sistema financeiro parecia mais estável do que nunca nos primeiros anos do século XXI : 2005 foi o primeiro ano sem uma falência bancária nos Estados Unidos desde a Grande Depressão. O boom estava mascarando alguns graves desafios econômicos de longo prazo para os Estados Unidos — aumento da desigualdade de renda, salários persistentemente estagnados, crescimento lento da produtividade, um declínio preocupante da participação no trabalho de homens em idade ativa —, mas, em geral, a economia americana parecia em boa forma. Havia também uma confiança generalizada de que, se a economia tropeçasse, o sistema financeiro seria resiliente. Afinal de contas, ele resistira razoavelmente bem a uma série de recessões modestas e a outros testes nas décadas anteriores, e os bancos pareciam ter muito capital para absorver perdas em caso de recessão. Na época, economistas sérios argumentavam que inovações financeiras, como os derivativos, graças a sua suposta capacidade de diversificar melhor os riscos, tornavam as crises uma coisa do passado.
Mas crises financeiras nunca serão uma coisa do passado. Longos períodos de estabilidade podem criar um excesso de confiança que gera instabilidade, como observou o economista Hyman Minsky. É durante esses períodos de boom, quando a liquidez parece ilimitada e os valores dos ativos parecem destinados a continuar subindo, que a tomada de risco tende a se tornar excessiva, representando perigos que podem se estender muito além dos tomadores de risco.
Antes da crise, nenhum de nós avaliou plenamente as vulnerabilidades que estavam se acumulando em nosso sistema financeiro. Mas nenhum de nós jamais acreditou que as crises financeiras estavam obsoletas, talvez porque tivéssemos passado boa parte de nossas carreiras pensando nelas — Ben na academia, Tim no governo e Hank (Henry M. Paulson Jr.) nos mercados. Como professor de economia da Universidade Princeton, Ben fora um estudioso da Grande Depressão, o principal exemplo histórico de instabilidade financeira que afunda a economia. Como funcionário de carreira no Tesouro e depois no Fundo Monetário Internacional, Tim havia visto os desafios de lidar com crises financeiras no México, na Ásia e no resto do mundo. E na qualidade de CEO do Goldman Sachs, Hank convivera com episódios como o colapso do hedge fund Long-Term Capital Management e a inadimplência russa. Todos nós aprendemos com que rapidez mercados superaquecidos podem entrar em colapso, e embora não estivéssemos tão preocupados quanto deveríamos estar, não achávamos que as inovações financeiras e a sofisticação das finanças modernas nos houvessem imunizado contra crises.
O sistema financeiro é vital para a economia. Mas o financiamento, pelo menos como está organizado nas economias modernas, é inerentemente frágil. Antes de discutirmos os fatores específicos que tornavam o sistema excepcionalmente vulnerável ao pânico há uma década, vale a pena expor de forma breve por que o sistema é, era e sempre será vulnerável ao pânico.