Baseados em fatos reais, o livro que inspirou a série “Nós somos a Onda”, da Netflix, e o filme alemão homônimo, lançado em 2009. O que acontece quando um professor de história tenta recriar o movimento nazista em sala de aula? A turma do último ano do Colégio Gordon deveria estar estudando a Segunda Guerra Mundial, mas os alunos parecem um tanto quanto céticos em relação ao nazismo. Afinal, parece impossível para eles que a juventude alemã tenha apoiado um regime com ideias tão deturpadas, que causou a morte de tantas pessoas. Mas Ben Ross, o professor de história da escola, parece ter a ideia perfeita para engajar a classe...
Capa comum: 160 páginas Editora: Galera; Edição: 1 (15 de junho de 2020) Idioma: Português ISBN-10: 8501118818 ISBN-13: 978-8501118813 Dimensões do produto: 13,6 x 0,9 x 21 cm Peso de envio: 168 g
Leia trecho do livro
Prefácio
A Onda é baseado num incidente real que ocorreu numa aula de história de ensino médio em Palo Alto, Califórnia, em 1969. De acordo com o professor Ron Jones, ninguém falou sobre o assunto pelos três anos seguintes. “Foi um dos eventos mais assustadores que eu já presenciei numa sala de aula”, disse ele.
“A Onda” abalou uma escola inteira. Este livro dramatiza o incidente, mostrando como o poder da pressão coletiva — que já permeou tantos movimentos históricos e cultos — pode persuadir as pessoas a se juntar a um grupo e a abrir mão de seus direitos individuais no processo, às vezes causando um grande mal aos outros. A totalidade do que os alunos viveram e aprenderam é retratado de maneira realista nesta obra.
Em complemento ao livro, A Onda foi transformado em um programa televisivo de uma hora para a emissora ABC por Virginia L. Carter, diretora-executiva das produtoras Tandem Productions e T.A.T. Communications Company.
Harriet Harvey Coffin
Consultora de projetos
T.A.T. Communications Company
Capítulo 1
Laurie Saunders estava na redação do jornal do Colégio Gordon, mordendo a ponta de uma caneta Bic. Ela era bonita, tinha cabelo castanho-claro curto e um sorriso quase permanente, que só desaparecia quando estava aborrecida ou mordendo canetas Bic. Ultimamente, Laurie vinha mordendo muitas canetas. Na verdade, não havia uma única caneta em sua bolsa cuja tampa não estivesse destruída por mordidas nervosas. Ainda assim, era melhor que fumar.
A garota observou o pequeno escritório ao seu redor, uma sala repleta de escrivaninhas, máquinas de escrever e mesas de luz. Naquele momento, deveria haver alunos utilizando todas aquelas máquinas, digitando matérias para A Videira, o jornal da escola. A equipe de arte e design deveria estar trabalhando nas mesas de luz, diagramando a próxima edição. Mas, em vez disso, a sala estava vazia, exceto por Laurie. A questão era que o dia estava lindo lá fora.
Ela sentiu o tubo plástico da caneta quebrar. A mãe da garota já lhe dissera que um dia ela morderia uma caneta até estilhaçar, então um longo pedaço de plástico se alojaria em sua garganta, fazendo com que se engasgasse até morrer. Só sua mãe para falar uma coisa dessas, pensou Laurie com um suspiro.
Ela ergueu o olhar para o relógio na parede. Faltavam apenas alguns minutos para o fim daquele tempo. Não havia nenhuma regra dizendo que os alunos precisavam trabalhar na redação durante os tempos vagos, mas todos sabiam que a próxima edição do Videira precisava ser entregue na semana seguinte. Será que não podiam abrir mão de seus frisbees, cigarros e bronzeados por apenas alguns dias para publicar uma edição do jornal no prazo?
Laurie devolveu a caneta à bolsa e começou a juntar seus cadernos para o próximo tempo. Era inútil. Desde que entrara para a equipe, três anos antes, o Videira sempre saía atrasado. Não fez a mínima diferença ela se tornar editora-chefe. O jornal seria feito quando todo mundo resolvesse fazê-lo.
A garota saiu para o corredor, fechando a porta da redação atrás de si. Estava praticamente vazio; o sinal anunciando o início do próximo tempo ainda não tocara, e só havia alguns alunos por ali. Laurie passou por algumas portas, parou em frente a uma sala de aula e espiou pela janela.
Do lado de dentro, sua melhor amiga, Amy Smith, uma garota pequena de cabelo cacheado e cheio, à la Cachinhos Dourados, tentava sobreviver aos momentos finais da aula de francês do sr. Gabondi. Laurie tivera essa aula no ano anterior, e fora uma das experiências mais insuportavelmente entediantes da sua vida. Ele era um homem baixo, negro e corpulento que sempre parecia estar suando, mesmo nos dias mais frios do inverno. Quando ensinava, usava um tom de voz monótono e maçante que poderia facilmente colocar o mais inteligente dos alunos para dormir. E mesmo que a matéria não fosse difícil, Laurie se lembrava de como fora quase impossível prestar atenção o bastante para tirar nota máxima.
Ao assistir à amiga lutar para se manter interessada, Laurie decidiu que ela precisava de um pouco de alegria. Assim, se posicionando do lado de fora da porta de uma maneira que Amy conseguisse vê-la, mas Gabondi não, Laurie ficou vesga e fez uma careta boba. A reação da amiga foi tapar a boca para segurar uma risada. Laurie fez outra careta e Amy tentou não olhar, mas ela não conseguia evitar se virar para conferir o que a amiga estava fazendo. Então Laurie fez sua famosa cara de peixe: puxou as orelhas, ficou vesga e fez biquinho. Amy se esforçava tanto para não rir que lágrimas escorriam pelas bochechas.
Laurie sabia que não deveria fazer mais nenhuma careta. Observar Amy era engraçado demais; qualquer coisa a fazia rir. Se Laurie continuasse, a amiga provavelmente cairia da cadeira bem no corredor entre as mesas. Mas Laurie não conseguia resistir. Virando de costas para criar suspense, ela contraiu a boca e arregalou os olhos, então girou o corpo.
Deu de cara com um sr. Gabondi muito irritado parado à porta. Atrás dele, Amy e o resto da turma riam histericamente. Laurie ficou boquiaberta. Mas antes que o professor pudesse repreendê-la, o sinal tocou e todos os alunos começaram a passar por ele para sair da sala. Amy saiu com as mãos pressionando a barriga, que doía de tanto rir. Enquanto o sr. Gabondi as olhava sério, as duas garotas saíram de braços dados em direção à aula seguinte, sem fôlego para continuar rindo.
Na sala de história, Ben Ross, debruçado sobre um projetor, tentava passar a fita de um filme pelo labirinto complexo de bobinas e lentes. Era sua quarta tentativa e ele ainda parecia longe de conseguir. Frustrado, Ben deslizou os dedos por seus cabelos castanhos ondulados. O professor passara a vida sendo atordoado por máquinas; projetores, carros, até mesmo a bomba de gasolina do posto local o deixava maluco.
Ele nunca conseguira entender por que era tão inepto, então, quando o assunto era qualquer objeto mecânico, Ben deixava a cargo de Christy, sua esposa. Ela ensinava música e regia o coral no Colégio Gordon, além de cuidar de tudo que exigisse habilidade manual em casa. Christy frequentemente brincava que não confiava no marido nem para trocar uma lâmpada, por mais que ele insistisse que era exagero. Ben já trocara muitas lâmpadas na vida, e só se lembrava de ter quebrado duas.
Até aquele momento de sua carreira no Colégio Gordon — Ben e Christy davam aula ali havia dois anos —, ele conseguira esconder suas inabilidades mecânicas. Ou melhor, elas haviam sido ofuscadas por sua fama crescente como um professor excepcional. Os alunos de Ben falavam sobre seu empenho; sobre como ele se mostrava tão interessado e envolvido num assunto que eles não conseguiam evitar sentir interesse também. Ele era “contagioso”, comentavam os alunos, querendo dizer que era carismático. Conseguia se comunicar com eles.
Os colegas de Ross tinham sentimentos um pouco mais controversos. Alguns ficavam impressionados com sua energia, dedicação e criatividade. Diziam que ele dava uma nova cara à sala de aula, que tentava ensinar aos alunos os aspectos práticos e relevantes da história sempre que possível. Se estivessem estudando o sistema político, ele dividiria a turma em partidos. Se estudassem um julgamento famoso, poderia escolher um aluno para ser o réu, outros para serem os advogados de acusação e defesa e outros para atuarem como júri.
Mas certos integrantes do corpo docente eram mais céticos em relação a Ben. Alegavam que ele era apenas jovem, ingênuo e empolgado demais, que depois de alguns anos se acalmaria e passaria a ministrar as aulas da maneira “certa”: muitas leituras, testes semanais e palestras. Outros simplesmente diziam não gostar do fato de ele nunca usar terno e gravata. Um ou dois até poderiam admitir estar apenas com inveja.
Mas se havia uma coisa que não causava inveja em professor algum, essa coisa era a inabilidade de Ben para lidar com projetores. Ainda que fosse brilhante em outras situações, naquele momento ele só coçava a cabeça e encarava o emaranhado de celuloide amontoado dentro da máquina. A turma de história do último ano chegaria em apenas alguns minutos, e fazia semanas que ele ansiava por mostrar aquele filme para eles. Por que não ensinavam a encaixar o filme na máquina no curso de formação de professores?
Ross desenroscou o filme do aparelho e o recolheu no rolo. Sem dúvida, algum de seus alunos seria especialista em audiovisual e faria a máquina funcionar num instante. Ele voltou à sua mesa e pegou uma pilha de redações que queria distribuir aos alunos antes de assistirem ao vídeo.
As notas nos deveres de casa tinham se tornado previsíveis, pensou Ben ao folheá-los. Como de costume, havia duas redações nota io, de Laurie Saunders e Amy Smith. Havia um 9, depois a quantidade esperada de 8 e 7. Havia dois 6. Um de Brian Ammon, o capitão do time de futebol americano que parecia gostar de tirar nota baixa, mesmo que fosse óbvio para Ben que ele era inteligente o bastante para se sair muito melhor se tentasse. O outro 6 era de Robert Billings, o pária da turma. Ross balançou a cabeça. O filho dos Billings era um verdadeiro problema.
O sinal tocou no corredor, e Ben ouviu o barulho das portas se abrindo com força e dos jovens fluindo para o corredor. Era peculiar como os alunos saíam das salas tão rápido, mas, de alguma forma, chegavam à aula seguinte em passo de tartaruga. De maneira geral, Ben acreditava que o modelo de escola dos dias de hoje era melhor para o processo de aprendizagem dos adolescentes do que na sua época de garoto. Mas algumas coisas o incomodavam. Uma delas era o desinteresse dos alunos em chegar à sala no horário. As vezes, cinco ou dez minutos preciosos de aula eram perdidos enquanto eles se arrastavam para dentro. Em sua época de estudante, se o aluno não estivesse em sala quando o segundo sinal tocasse, ele estaria encrencado.
O outro problema era o dever de casa. Os alunos simplesmente não se sentiam motivados a fazê-los. Você podia gritar, ameaçá-los com notas baixas ou detenções, mas não importava. O dever de casa se tornara praticamente opcional. Ou, como um de seus alunos do nono ano dissera outro dia: “Claro que sei que o dever de casa é importante, sr. Ross, mas minha vida social vem primeiro”.
Ben deu uma risada. Vida social.
Os alunos começavam a entrar na sala. Ross avistou David Collins, um garoto alto e bonito que atuava como volante no time de futebol. Ele também era namorado de Laurie Saunders.
— David — chamou Ross —, acha que pode preparar o projetor para mim?
— Pode deixar — respondeu David.
Enquanto Ross observava, David ajoelhou ao lado da máquina e começou a trabalhar com dedos ágeis. Em apenas alguns segundos, o filme estava pronto para ser reproduzido. Ben sorriu e agradeceu.
Robert Billings entrou na sala fazendo barulho. Era um garoto corpulento, com a camisa sempre para fora da calça e o cabelo bagunçado de todos os dias, como se nunca se desse ao trabalho de penteá-lo ao sair da cama de manhã.
— Vamos ver um filme? — perguntou ele ao avistar o projetor.
— Não, idiota — respondeu um garoto chamado Brad, que gostava particularmente de atormentá-lo. — O sr. Ross só gosta de montar projetores por diversão.
— Ok, Brad — cortou Ben em tom severo. — Chega.
Um número de alunos havia entrado na sala, o suficiente para Ross começar a entregar as redações.
— Muito bem — falou em voz alta para atrair a atenção da turma. — Aqui estão os trabalhos da última semana. De maneira geral, vocês foram bem.
Ele caminhou por entre as fileiras entregando os textos para seus autores.
— Mas vou alertá-los de novo. Essas redações estão ficando muito desleixadas.
Ele parou e ergueu um dos papéis para a turma.
— Olhem isso. É realmente necessário desenhar nas margens do dever de casa?
A turma deu risadinhas.
— De quem é esse? — perguntou alguém.
— Não interessa.
Ben virou as folhas na mão e continuou a distribuí-las.
— De agora em diante, vou começar a tirar ponto de qualquer redação rasurada. Se você decidiu mudar muitas coisas no texto, faça uma cópia nova e caprichada antes de me entregar.
Entenderam? Alguns alunos assentiram. Outros nem prestavam atenção. Ben foi até a frente da sala e puxou a tela de projeção. Era a terceira vez naquele semestre que conversava com eles sobre trabalhos desleixados.